Sonorização

Eletroacústica

por: Álvaro Carvalho de Aguiar Neiva

Quando as dimensões lineares dos elementos de um sistema acústico são muito menores que o comprimento de onda das freqüências de trabalho, poderemos simplificar nossa análise e considerar o sistema como composto por elementos concentrados, os quais representarão as propriedades de armazenamento de energia cinética (inércia), potencial (elasticidade) e dissipação de potência (resistência) dos elementos reais do sistema. Nossas variáveis entre e através serão a pressão acústica p(t), em unidades de N/m2, e a velocidade volumétrica U(t), em unidades de m3/s

Os elementos são os seguintes [1][3]:

1. Massa Acústica – Representa um volume de ar que pode ser acelerado sem compressão apreciável, como o ar no interior de um tubo de paredes lisas, raio a e comprimento L. A unidade da massa acústica é o kg/ m4. A massa acústica armazena a energia da variável através, logo seu símbolo será o do indutor elétrico. A massa desse volume de ar deverá obedecer à segunda lei de Newton da seguinte forma:

Na prática, teremos sempre que considerar o ar que é deslocado nas extremidades do tubo, que atuam como pistões irradiando som, o que exigirá correções a serem adicionadas ao comprimento real do tubo L, de forma a obtermos um comprimento efetivo L‘ a ser usado na fórmula acima. A impedância calculada com o auxílio da fórmula acima terá validade para L < l/16 (para um erro < 5%).

2. Compliância Acústica – Representa um volume de ar que é comprimido sem deslocamento apreciável, como o volume de ar VB contido em uma caixa acústica. A unidade da compliância acústica é o m5/N. A compliância acústica armazena a energia da variável acústica “através” (pressão), logo seu símbolo será o do capacitor elétrico. Podemos mostrar que a compliância acústica de um volume V será dada pela fórmula abaixo (válida desde que a maior dimensão do volume seja menor que l/16 [1]):

e a relação entre p(t) e U(t) será:

3. Resistência Acústica – representa a dissipação de energia do sistema, seja por atrito viscoso, como em uma malha ou tela que se interponha no caminho do som, ou pela saída de energia do sistema por radiação ou perdas por vazamento, sua unidade será o N.s/m5. A relação entre p(t) e U(t) será:

Correções e Limitações dos Modelos

1. Massa Acústica – o ar próximo às extremidades do duto ou tubo que forneça a massa acústica do sistema deve ser acelerado e acarreta um aumento do comprimento efetivo a ser considerado quando do cálculo da magnitude da massa acústica . O fator de correção dependerá das condições de fronteira, ou seja, se o tubo se projeta ou não para fora da parede onde é colocado. Caso o tubo tenha uma extremidade engastada em uma parede (“infinita”), deveremos adicionar ao comprimento real L um fator igual a 0,85a, onde a é o raio em metros do tubo. Caso o tubo tenha uma extremidade livre, o fator de correção será de 0,61a.

Assim, um furo circular de raio a em uma parede de espessura d (d< l/16) fornecerá uma massa acústica de:

(116)

Um tubo de raio a e comprimento L, engastado em uma parede e com a outra extremidade livre (L< l/16) fornecerá uma massa acústica de:

(117)

As fórmulas acima são válidas para valores do raio a entre 10/f > a > 0,05/<Öf (a em m, f em Hz).

(118)

2. Compliância Acústica – para volumes cuja maior dimensão esteja entre l/16 e l/8, devemos considerar uma correção de impedância equivalente a uma massa acústica em série com a compliância obtida anteriormente. O valor da massa acústica será proporcional à razão entre a área aberta do volume e sua profundidade l . Para o caso de um cilindro com o fundo fechado, o valor será de MA/3, onde MA é o valor da massa acústica para o mesmo cilindro com as extremidades abertas, calculado anteriormente.

3. Resistência Acústica – normalmente iremos encontrar o valor da resistência acústica de malhas e outros elementos através da medição de seu efeito sobre o fator de qualidade dos elementos ressonantes do sistema acústico (massas e compliâncias). Existem derivações e valores para algumas configurações, como tubos extremamente finos e frestas estreitas, na literatura [1].

4. Transformador Acústico – um conector cuja área varie de forma exponencial (S(x) = S0 . emx, 0 < x < L, S(0) = S0, S(L) = SL) poderá ser considerado como um transformador ideal cuja relação de espiras seja igual a SL/S0, se L >> l [1].

Elementos Mecânicos de Translação Concentrados

Também aqui, se as dimensões dos elementos forem bem menores que o comprimento de onda das vibrações, levando em conta a velocidade de propagação do som em cada corpo, poderemos considerar nossos elementos mecânicos de translação como concentrados. São os seguintes:

1. Massa Mecânica: Mm (kg) – representa a inércia do sistema e será considerada constante;

2. Compliância Mecânica: Cm (m/N) – inverso da rigidez (k, N/m) – representa os elementos elásticos do sistema, que obedeçam à lei de Hooke: f = k.(x1 – x2), onde k é a rigidez do elemento, ou f = (x1 – x2) /Cm, onde Cm é a compliância mecânica do elemento e x1 e x2 são as coordenadas de posição dos extremos do elemento compliante ou elástico, em relação a um referencial inercial;

3. Resistência Mecânica: Rm (N.s /m) – representa as perdas por atrito viscoso (dinâmico): f = Rm v

4. Transformador mecânico: uma alavanca poderá ser considerada análoga a um transformador ideal, para pequenos deslocamentos [1].

Transdução

Em um alto-falante, a energia elétrica transforma-se em movimento, o qual é transmitido ao meio circundante, onde se propagará sob a forma de uma onda mecânica progressiva. O elemento capaz de realizar estas transformações é chamado de transdutor .

Poderemos considerar o transdutor eletro-mecano-acústico como a junção de duas redes de dois acessos (two-ports ou quadripolos), uma das quais recebe tensão e corrente em um par de terminais e entrega força e velocidade aos terminais de entrada da outra, a qual, por sua vez, entregará pressão e velocidade volumétrica a uma carga acústica ligada à sua saída [2].

Fisicamente, o alto-falante ou transdutor eletrodinâmico é composto pelas seguintes partes principais:

  • o cone: é o responsável pela radiação do som e por uma boa parte da massa mecânica do sistema. Pode ser feito de papel, plástico ou mesmo metal;
  • a suspensão: sustenta e centraliza o cone, fornecendo a maior parte da elasticidade do sistema;
  • a aranha: sustenta o conjunto cone + bobina móvel e centraliza-o no entreferro, fornecendo parte da elasticidade do sistema;
  • a bobina móvel ;
  • o conjunto magnético, composto pelo ímã e pelas peças polares.

Ao aplicarmos uma voltagem eg(t) aos terminais da bobina móvel do alto-falante, provocaremos a circulação de uma corrente i(t), a qual irá interagir com o campo magnético B presente no entreferro do conjunto magnético onde está montada a bobina móvel, gerando uma força cuja magnitude será dada pelo produto B.l.i, onde B é a densidade de fluxo, l é o comprimento do fio da bobina em metros, e i a intensidade da corrente elétrica. Esta força irá acelerar o conjunto formado pela bobina móvel, sua forma e o cone, imprimindo uma velocidade v(t) ao mesmo. Como conseqüência, será induzida uma força contra-eletromotriz de magnitude igual a B.l.v, em oposição à circulação de corrente pela bobina.

Vamos agora tentar obter um modelo para este processo, para que possamos obter as funções de transferência necessárias ao projeto de um sistema de transdução eletroacústica, de uma forma sistemática.

Sejam as seguintes variáveis:

  • Eg = tensão do gerador (V)
  • RE = resistência do fio da bobina móvel (Ohms)
  • Le = indutância da bobina móvel (Henries)
  • B = densidade de fluxo do campo magnético (Teslas)
  • l = comprimento do fio da bobina dentro do campo magnético (m)

Para o transdutor eletrodinâmico, poderemos estabelecer as seguintes relações entre as grandezas elétricas e mecânicas (usando a Transformada de Laplace):

ou

ou ainda

onde:

  • F(s) é a Transformada de Laplace da força aplicada ao conjunto mecano-acústico;
  • V(s) é a Transformada de Laplace da velocidade do conjunto mecano-acústico, resultante da aplicação da força F(s);
  • Eg(s) é a Transformada de Laplace da tensão do gerador;
  • I(s) é a Transformada de Laplace da corrente que circula pela bobina, interagindo com o campo magnético do ímã;

Do lado mecano-acústico, poderemos escrever:

ou

onde FA(s) é a força efetivamente transmitida ao ar, faltando apenas montar as equações que ligam F(s) a FA(s). Igualando a força aplicada ao somatório das forças que agem sobre a massa das partes móveis do sistema, teremos:

  • f(t) = força gerada pela interação entre a corrente i(t) e o campo magnético no entreferro;
  • fm(t) = força gasta em acelerar a massa do sistema;
  • fe(t) = força de reação dos elementos elásticos do sistema (compliâncias);
  • fR(t) = força dissipada para vencer o atrito dinâmico do sistema (resistência de perdas);
  • fa(t) = força transmitida ao ar sob forma de onda sonora

Podemos observar também que:

Aplicando a Transformada de Laplace:

ou

Analogias eletro-mecânicas: Força x Corrente e Força x Tensão

Observando as equações acima, poderemos observar duas coisas:

  1. Nossos elementos concentrados de translação podem ter representações duais;
  2. A impedância acústica apresentada ao falante aparece como uma condutância mecânica, do lado mecânico;
  3. Podemos analisar o processo de transdução como um produto de duas matrizes de transmissão, uma de elementos armazenadores e dissipadores de energia e outra de um elemento de transformação.
  4. O processo de transdução eletro-mecano-acústica implica em uma inversão de impedâncias em uma de suas etapas, sendo definida a etapa inversora pela escolha de variáveis do modelo análogo eletromecânico.

Sejam:

Poderíamos representar nosso sistema como a interligação de quadripolos a seguir:

a)

b)

Se considerarmos as matrizes M1, M2, M3 e M4 como matrizes de transmissão (ABCD), poderemos identificar as matrizes M2 e M4 como de um transformador ideal e de um girador ideal, respectivamente.

A matriz M1, como matriz de transmissão é singular, (C = 0), mas pode ser identificada como a matriz admitância de uma rede composta pela associação em série de RE e Le.

A matriz M3, como matriz de transmissão também é singular, (B = 0), mas pode ser identificada como a matriz impedância de uma rede composta pela associação em paralelo das admitâncias Mms, Cms e Gms = 1/Rms.

O que nos levaria ao circuito eletro-mecano-acústico abaixo:

Por outro lado, se escolhêssemos a força como variável através e a velocidade como variável entre em nosso sistema mecânico, as posições do girador e do transformador ideal se intercambiariam e os elementos ligados em paralelo apareceriam em série no lado mecânico do sistema.

Esta é a analogia tradicionalmente usada na análise dos sistemas eletroacústicos. Aqui não deveremos esquecer que o alto-falante comporta-se como um dipolo acústico ao irradiar por ambos os lados do cone, em contrafase. Assim, a impedância ZA indicada acima refere-se à carga apresentada a ambos os lados do cone, e nosso “transformador de saída” deveria ter o secundário dividido.

ZAf = impedância acústica apresentada à parte frontal do alto-falante

ZAb = impedância acústica apresentada à parte traseira do alto-falante

Mas isto seria uma complicação desnecessária, já que o efeito observado na parte mecânica será o resultado da combinação em série de ZAf e ZAb, refletidas para o lado mecânico através do “transformador” com relação de espiras Sd:1:1 e poderemos considerar o efeito da radiação dipolar em separado.

Ao chegarmos a este ponto, montamos um modelo capaz de nos auxiliar em nosso projeto, permitindo observar em qualquer um dos domínios (elétrico, mecânico e acústico) os efeitos dos componentes de cada um dos outros, através de uma simples reflexão de impedâncias.

Como estaremos interessados no comportamento em baixas freqüências do sistema, poderemos desprezar em primeira aproximação a indutância Le da bobina móvel, ficando com o seguinte circuito equivalente eletro-mecano-acústico:

ou


Referências:

  1. Beranek, L.L.; Acoustics, McGraw-Hill, 1954; ASA, 1986,1990,1996
  2. Silva, Homero Sette; Análise e Síntese de Alto-Falantes e Caixas Acústicas pelo Método de Thiele – Small, H. Sheldon, 1996
  3. Merhaut, Josef; Theory of Electroacoustics, McGraw-Hill, 1981

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