A Forma da Adoração

A Dança na Adoração à Luz da Bíblia

por: Levi de Paula Tavares

Há poucos anos atrás, costumava surpreender os meus interlocutores ao afirmar que em breve estaríamos vendo danças dentro da igreja. Estes ficavam chocados e perguntavam, “Como pode ser isso?”. Eu explicava que este seria o desenvolvimento óbvio da situação musical da época, porque as músicas utilizadas na adoração eram excessivamente ritmadas. O argumento seguia a lógica que seria impossível dar um estímulo por muito tempo sem que este estímulo encontrasse uma resposta, ou uma expressão.

Atualmente, já é bastante comum as igrejas evangélicas terem um “Ministério de Dança”. Os defensores desta atividade até mesmo citam a Bíblia para afirmar que as danças e os tambores eram comuns na adoração do povo de Israel e que até reis e profetas fizeram uso dos mesmos. Estes argumentos serviriam de base para a justificativa ao uso de tambores e danças na adoração hodierna. Caso estes argumentos estivesses corretos, esta visão faria sentido, uma vez que, sendo Deus imutável em Seus preceitos, podemos seguramente afirmar que os mesmos princípios de adoração válidos para o tempo do Antigo Testamento, são válidos para a igreja atual, guardadas as diferenças de contexto histórico e teológico.

Vamos, então, analisar alguns destes argumentos, à luz do que diz a Palavra de Deus, e ver se eles resistem a uma confrontação com as verdades bíblicas:

Argumento 1 Miriã, a profetisa, dançou com pandeiros e levou o povo de Israel ao mesmo. (Êxodo 15:20,21)

A pergunta que surge é: Moisés também dançou? Ao lermos atentamente o texto citado, podemos notar que o relato bíblico não autoriza esta conclusão. Na verdade, o argumento é capcioso ao insinuar que todo o povo tenha dançado, uma vez que, de acordo com o relato bíblico, somente as mulheres dançaram. Se Moisés não dançou, porque não dançou? Devemos notar que a dança de Miriã e das outras mulheres reproduz uma prática da época. Pode-se argumentar, inclusive, que esta era uma prática oriunda do Egito, de onde haviam acabado de sair. Se tivermos alguma dúvida sobre as origens desta prática, podemos nos perguntar: De onde as mulheres trouxeram os tambores e adufes? Os tambores e adufes não foram trazidos de outro lugar a não ser do Egito. Afinal de contas, não podem ter sido construídos durante os poucos dias desde que haviam deixado o Egito.

É possível também que este tipo de instrumento fizesse parte da cultura religiosa egípcia. O povo de Israel viveu por mais de 400 anos no Egito, e este período longo foi suficiente para aprenderem e adquirirem certos costumes entre eles até mesmo costumes pagãos usados na adoração a ídolos e deuses egípcios. De fato, “em muitos túmulos dos antigos egípcios encontramos representações de moças dançando em festas particulares ao som de vários instrumentos, de maneira semelhante às modernas dançarinas”. Carl Engel, Music of the Most Ancient Nations, págs. 258 e 259 (citado em “Música em Minha Bíblia“, pág. 111).

Outro fator a ser considerado é que cântico de Miriã nada acrescenta ao cântico litúrgico de Moisés e dos filhos de Israel: “Cantai ao SENHOR, porque gloriosamente triunfou e precipitou no mar o cavalo e o seu cavaleiro.” (15:21). Além disso, a dança praticada por Miriã e pelas mulheres não foi um ato de culto e nem foi incorporada no culto do Antigo Testamento.

Depois do estabelecimento do povo de Israel em Canaã, esta prática durou ainda algumas centenas de anos. A Bíblia relata que as mulheres cantavam e dançavam por ocasião de vitórias militares (I Samuel 18:6; 21:11; 29:5; Juízes 11:34). Podemos argumentar que uma prática cultural popular trazida do Egito e posteriormente abandonada, sem jamais ter sido incorporada ao serviço de adoração no templo, seja uma justificativa para o uso da dança nos dias de hoje? Apenas por coerência já teríamos que responder que não, mas, considerando o espírito festivo da dança comemorativa das mulheres daquele tempo com a sensualidade da dança aos pares da atualidade, temos que responder com um enfático “JAMAIS”!

Argumento 2 Davi “dançou diante do Senhor” (II Samuel 6:14-16)

A pergunta que surge é: Qual era o contexto dessa dança de Davi? Este evento nos autoriza a utilização desta expressão corporal nos nosso cultos de adoração a Deus, nos dias atuais?

A palavra hebraica utilizada neste texto é karar. Esta palavra quer dizer, literalmente, saltar ou pular. De fato, a Bíblia na versão Almeida, Revista e Corrigida descreve o evento da seguinte forma: “E Davi saltava com todas as suas forças diante do Senhor” (verso 14). A partir desta compreensão, podemos entender que o que Davi estava fazendo não era uma dança exibicionista, sensual (como as danças atuais), nem mesmo uma dança ritual ou litúrgica (o que, embora ocorresse entre os povos pagãos canaanitas, era completamente desconhecida na liturgia judaica); ele estava simplesmente saltando de alegria, como uma criança que acaba de ganhar um presente esperado há muito tempo.

Porém, antes de continuarmos, devemos levar em conta três pontos: Primeiro, poderia surgir o argumento de que saltar, ao som de música, é a mesma coisa que dançar. Em segundo lugar, muitas versões bíblicas traduzem o termo karar neste verso como “dançou”. E, terceiro, é óbvio que devemos admitir que, embora o contexto de II Samuel 6:14 sugira outra coisa, “dança” é um significado possível para o termo karar. Assim, nos parágrafos que se seguem, admitimos, para fins de argumentação, que Davi tenha dançado de alegria, uma manifestação física espontânea, uma expressão de júbilo diante do Senhor.

Ellen G. White descreve o evento nos seguintes termos: “A música e dança, em jubiloso louvor a Deus, por ocasião da mudança da arca, não tinham a mais pálida semelhança com a dissipação da dança moderna. A primeira tendia à lembrança de Deus, e exaltava Seu santo nome. A última é um ardil de Satanás para fazer os homens se esquecerem de Deus e O desonrarem.” (Patriarcas e Profetas, p. 707)

Para compreendermos corretamente esta questão, vamos recapitular toda a história:

Antes da instituição da monarquia em Israel – com a unção de Saul como rei – quando o povo de Israel estava sendo atacado pelos filisteus, em vez de buscar qual seria a vontade do Senhor, eles decidiram, por si mesmos, levar a Arca da Aliança para a batalha, confiando no objeto como um talismã, em vez de confiar no Senhor. Os filisteus os derrotaram e tomaram a arca como um troféu de guerra (I Samuel 4:1-11)

Porém, os filisteus só tiveram problemas com a Arca da Aliança, porque o Senhor infligia a eles todo tipo de doenças (I Samuel 5:1-11). Então, eles decidiram devolver a Arca da Aliança. Colocaram-na sobre uma carroça e duas vacas a levaram, sem ninguém precisar dirigi-las, para o povo de Israel, no campo de um homem chamado Josué, na cidade de Bete-Semes. Porém, alguns dos israelitas, por curiosidade, olharam dentro da arca e morreram diante do Senhor (I Samuel 6:1-20). Por causa disso, o pessoal da cidade pediu que a arca fosse levada dali. Ela foi levada para a casa de Abinadabe, na cidade de Quiriate-Jearim e ficou ali por vinte anos (I Samuel 6:21-7:2).

Durante todo o reinado de Saul, a Arca da Aliança ficou em Quiriate-Jearim. Assim que Saul morreu, e Davi foi ungido como rei de Israel, a primeira coisa que ele fez foi conquistar a cidade de Jerusalém, que tornou-se a capital do império (I Crônicas 11:4-9; II Samuel 5:6-13). A segunda coisa que ele fez foi planejar trazer a Arca da Aliança para Jerusalém. É neste ponto que ocorreram os eventos que vamos analisar, para compreender a questão da dança de Davi.

Este preâmbulo foi necessário, para que pudéssemos compreender a importância deste fato para Davi, pessoalmente, e para a nação Israelita, como um todo. Agora podemos entender porque Davi estava tão feliz, a ponto de saltar de alegria, como destacamos acima.

Não podemos nos esquecer também que Davi sempre havia sido, até este ponto, extremamente zeloso com as coisas de Deus, sempre buscando a Sua vontade e realizando grandes coisas em Seu nome. Porém, no planejamento do transporte da Arca da Aliança, saindo de Quiriate-Jearim, Davi fez planos sem consultar ao Senhor. O relato bíblico de Crônicas (tampouco o de Juízes 6) não menciona Davi consultando a Deus em nenhum momento; seja acerca dos métodos a serem utilizados no transporte, seja acerca da aprovação divina em trazer ou não a arca de volta. Em vez de consultar os sacerdotes, ele consultou seus comandantes (I Crônicas 13:1-2).

Mesmo assim, o intento de Davi é colocado em ação. Aparentemente tudo está correto! Um carro novo (último tipo!!!) é escolhido para o transporte, a orquestra improvisada toca música “harpas, e com saltérios, e com tamboris, e com pandeiros, e com címbalos” (II Samuel 6:5; ver também I Crônicas 13:8), Davi e todo o povo vibram em excitação e o rei é aclamado por seu feito religioso e heroico. Até que o imprevisível acontece. Os bois tropeçaram, a arca quase caiu e Uzá, um mero mortal, toca a arca e morre, fulminado pela ira do Altíssimo. O evento da morte de Uzá parece uma mensagem fortíssima ao rei de Israel; e este, inspirado pelo Espírito Santo, faz uma declaração não menos poderosa e cheia de compreensão do sinal de Deus: “Temeu Davi ao Senhor naquele dia, e disse: Como trarei a mim a arca de Deus?”.(II Samuel 6:9; ver também I Crônicas 13:12)

Davi poderia ter blasfemado contra Deus ou exasperado-se contra o povo: “Infiéis! Desobedecestes a ordem de Deus e tocastes a arca! Deixai-me passar, eu mesmo levo isso! É a mim que Deus ungiu!”. Mas não! Davi compreendeu plenamente a mensagem de Deus implícita naquela morte tão pesarosa e percebeu logo que algo estava muito errado. Sendo assim, preferiu Davi parar a procissão, para que, em oração, pudesse permitir que Deus sondasse seu coração em busca de alguma mancha de pecado ou erro E assim, a arca repousou na casa de Obede-Edom por três meses.

Três meses depois, Davi juntou o povo para buscar a arca da casa de Obede-Edom. Davi faz nova convocação ao povo e discursa sobre a velha missão, agora com nova perspectiva. “Ninguém pode levar a arca de Deus, senão os levitas; porque o Senhor os elegeu, para levar a arca de Deus, e o servirem para sempre” (I Crônicas 15:2).

Não só Davi reconheceu seu erro no primeiro transporte da arca, como o corrigiu, assentindo com a vontade de Deus. Davi percebeu a lição que Deus a ele queria mostrar, deixando de lado a intenção egoísta de levar a arca apenas para sua promoção pessoal (para que o povo o aclamasse como rei de Israel). Ao invés disso, invocou a Deus, orou sem cessar, ouviu a voz do Altíssimo e atendeu-Lhe o pedido (ou a ordem). Não seria para a promoção do rei, por maior e mais “bem intencionado” que este fosse; porém sim para a glória de Deus, que a arca seria levada. Houve alegria, mas ao contrário da primeira tentativa, desta vez a orquestra não teve tambor, mas harpas, alaúdes e címbalos (I Crônicas 15:16). Dessa vez sim, o transporte deu certo.

Davi parece era inclinado a expressar fisicamente seu estado de espírito. Mesmo com a música mais branda sem tambores e com menos instrumentos, ele dança no segundo transporte. Mas é bom notar que da primeira viagem se diz ele dançava com todo o Israel, e na segunda se diz que ele dançava, parecendo que o fazia sozinho (ver II Samuel 6:16 e I Crônicas 15:29).

Creio que o ponto mais importante desses textos é a possibilidade de extrair daí o princípio da música reverente. Embora Davi tenha dançado na segunda viagem – e parece que sozinho – a música do templo não favoreceu mais a expressão física, visto que essa prática não é comum desse momento para frente, ficando restrita a celebrações populares.

Davi dançou “diante do Senhor”, contudo, não foi autorizado por Deus a introduzir a dança no culto. Davi não abriu espaço para dança e instrumentos de percussão quando planejou o serviço musical elaborado que seria realizado no templo que Salomão construiria em Jerusalém (I Crônicas 23:2 a 26:32).

É importante notar que Davi, que é considerado por muitos como o exemplo principal para a dança religiosa na Bíblia, nunca deu instruções aos levitas com respeito a quando e como dançariam no Templo. Se Davi cresse que a dança deveria ser um componente na adoração divina, sem dúvida teria dado instruções relativas a ela aos músicos levitas que designou para se apresentarem no templo. Sua omissão da dança na adoração divina dificilmente pode ser considerada como um lapso. Ao contrário, ela nos fala da distinção que Davi fez entre a música sacra, executada na Casa de Deus e a música secular tocada fora do Templo para o entretenimento.

Aquele episódio de dança foi um ato de máxima e santa excitação pela glória de Deus presente na arca. Santidade de um homem que, sem sombra de dúvidas, sabia da função da arca dentro do templo, ou do santuário. Foi um ato único, espontâneo e imediato, nascido diretamente da alegria suprema diante de certeza da aceitação de Deus a todos os preparativos feitos anteriormente para o transporte da relíquia sagrada. Esta manifestação não se repetiria mais em toda a narrativa Bíblica, mesmo nos mais exaltados momentos de júbilo (e muito menos na liturgia do Templo).

Embora Deus não tenha rejeitado o culto e as manifestações de louvor, feitas ao estilo das celebrações populares por parte dos israelitas, ele deu claras evidências de que a música de adoração no templo deveria ser diferente da música secular. Desvinculada das danças e das celebrações populares, a música do templo se tornou um padrão para Israel, tendo sido assimilada pela igreja cristã no período do Novo Testamento.

Quando o povo adorou a Jesus na Sua entrada triunfal em Jerusalém, estenderam suas roupas e ramos de árvores, clamando que Ele era o Filho de Davi (Mateus 21:8 e 9). Nessa ocasião em específico, não há relato sobre danças ou qualquer outra manifestação do gênero.

A questão a ser respondida é: a menção de um costume mantido ou praticado pelos servos de Deus no passado é suficiente para autorizar o mesmo costume para todos os tempos e lugares? A resposta clara é “não”. Pois, os servos de Deus no passado, sob a influência da cultura prevalecente, usaram bebida forte, tiveram mais de uma mulher e mantiveram escravos, entre outras coisas. Da mesma forma que a revelação posterior, corroborada por estudo e reflexão, iluminou esses fatos que aos poucos foram sendo eliminados, a questão da música também deve ser objeto de estudo para compreensão e juízo acertados.

A dança relacionada com o ritual sagrado, sempre foi característica de primitivismo, em quase todas as religiões pagãs, e mesmo nas semicristãs. Como manifestação de jubilo sacro, não deixa de ter a mesma feição. Quando Davi saltou de alegria quando trazia a arca, não deixa de ser manifestação de relativo primitivismo e simplicidade que não se verificaria, nem se verificou, em seu filho Salomão, quando a arca veio para o templo (I Reis 8:1-11). E, mesmo assim, dada a diferença entre a espontânea e inocente coreografia do rei-salmista com a prática sensual em que se tornou a dança, não podemos torná-la uma prática livremente aceitável.

Falando sobre a diferença entre a dança religiosa e a profana, o Seventh day Adventist Bible Dictionary afirma que “a dança na Bíblia está sempre ligada com regozijo. A natureza desse regozijo pode ser religiosa, festiva, ou meramente uma expressão de alegria, que não tem nenhuma semelhança com as danças da moderna civilização ocidental. De acordo com as Escrituras, a dança era geralmente praticada por mulheres, mas em raras ocasiões os homens também participavam. Entretanto, mesmo nessas ocasiões, não há qualquer evidência de contato físico entre ambos os sexos” (Siegfried H. Horn, rev., Seventh day Adventist Bible Dictionary (Washington, DC: Review and Herald, 1979), págs. 262 e 263.)

“A dança de Davi em júbilo reverente, perante Deus, tem sido citada pelos amantes dos prazeres para justificarem as danças modernas da moda; mas não há base para tal argumento. Em nosso tempo a dança está associada com a extravagância e as orgias noturnas. A saúde e a moral são sacrificadas ao prazer. Para os que freqüentam os bailes, Deus não é objeto de meditação e reverência; sentir-se-ia estarem a oração e o cântico de louvor deslocados, na assembléia deles.

“Esta prova deve ser decisiva. Diversões que tendem a enfraquecer o amor pelas coisas sagradas e diminuir nossa alegria no serviço de Deus, não devem ser procuradas por cristãos. A música e dança, em jubiloso louvor a Deus, por ocasião da mudança da arca, não tinham a mais pálida semelhança com a dissipação da dança moderna. A primeira tendia à lembrança de Deus, e exaltava Seu santo nome. A última é um ardil de Satanás para fazer os homens se esquecerem de Deus e O desonrarem.” (Ellen G. White, Patriarcas e Profetas, pp.313 e 314).

Argumento 3 Os textos de Salmos 149:3 e 150:4 mandam louvar ao Senhor com danças.

Realmente, à primeira vista, estes dois textos parecem dar o aval divino para a utilização de danças no louvor. Porém, este argumento não se sustém diante de um estudo mais aprofundado.

A palavra hebraica utilizada nestes textos é machowl. Este termo tem o sentido primário de “dar voltas”, “voltear”. Devido a isto, o sentido da tradução é dúbio e vários estudiosos têm argumentado que, em tais textos, a palavra hebraica deveria ser traduzida por um instrumento musical, provavelmente um tipo de corneta ou trombeta que dava voltas ou era retorcida, ao invés de se referir a uma dança propriamente dita.

Pelo contexto, machowl parece ser uma referência a um instrumento musical, uma vez que em ambos os textos, Salmos 149:3 e 150:4, o termo ocorre no contexto de uma lista de instrumentos a serem usados no louvor ao Senhor. No Salmo 150 a lista possui oito instrumentos: trompete, saltério, harpa, adufes, instrumentos de corda, órgãos, címbalos sonoros, címbalos retumbantes (KJV). Como o salmista está listando todos os instrumentos a serem usados no louvor do Senhor, é plausível assumir que machowal também seja um instrumento musical, seja qual for a sua natureza.

De fato, na tradução de João Ferreira de Almeida, versão Revista e Corrigida, o texto de Salmos 149:3a é “Louvem-lhe o nome com flauta”, enquanto que o texto de Salmos 150:4 diz “Louvai-o com o adufe e a flauta”. Outras traduções seguem a mesma linha de pensamento, como a Bíblia na Linguagem de Hoje, e a Edição Contemporânea de Almeida, publicada pela Editora Vida. Esta também é a versão de rodapé fornecida pela conhecida versão inglesa King James (KJV). O Salmo 149:3 declara: “Louvem-lhe o nome com danças” [ou “com órgão”, no rodapé da KJV]. Em Salmos 150:4 lemos: “Louvai-O com adufes e com danças” [ou “órgão”, rodapé da KJV]. Evidentemente, órgão, neste caso, não se refere aos grandes instrumentos de tubos acionados por teclado que conhecemos hoje, mas a uma flauta de tubos paralelos, como uma flauta Pã existente na atualidade, utilizada especialmente na música tradicional da região andina.

Porém, outros estudiosos rejeitam esta interpretação e indicam que o significado “voltear” de machowl deve ser aplicado a danças. Para fins de argumentação, devemos considerar estas opiniões. Mesmo que esta interpretação esteja correta, não podemos nos esquecer de que não há certeza entre os historiadores bíblicos a respeito da cronologia dos Salmos e que, portanto é plausível afirmar que Davi pode ter escrito estes versos antes de Deus lhe haver dado orientações claras sobre os instrumentos, música e danças no contexto da adoração musical. Essas orientações somente foram dadas no período da estruturação do santuário por Davi e, posteriormente, por Salomão.

Quanto à compreensão correta dos salmos, deveríamos ter em mente o princípio da hermenêutica bíblica que diz que sempre deveríamos considerar o estilo literário do conteúdo em estudo. É uma narrativa histórica? É uma parábola, uma declaração profética? Estas perguntas devem ser feitas pelo estudioso diligente de forma que, a partir de suas respostas, possa buscar uma interpretação coerente. Os salmos devem ser compreendidos como fazendo parte do estilo literário poético e como tais não deveriam ser interpretados como sendo literais.

O Dr. Samuele Bacchiocchi, em seu livro “O Cristão e a Música Rock” concorda com este ponto de vista, destacando a linguagem figurativa desses dois salmos, a qual, dificilmente dá margem a uma interpretação literal de dança na Casa de Deus. O Salmo 149:5 encoraja o povo a louvar o Senhor nos “leitos”. No verso 6, o louvor é feito com “espadas de dois gumes” nas mãos. Nos versos 7 e 8, o Senhor é louvado por castigar os povos, pôr os reis em cadeias, e os seus nobres em grilhões de ferro. É evidente que a linguagem é figurativa porque é difícil acreditar que Deus esperaria que as pessoas O louvassem estando em pé ou saltando sobre as camas ou enquanto brandem uma espada de dois gumes.

O mesmo se aplica ao Salmo 150, que fala em louvar a Deus, de modo altamente figurativo. O salmista chama não somente o povo de Deus, mas todo ser que respira, ou seja, toda a criação animada, para louvar o Senhor “pelos seus poderosos feitos” (verso 2) em todo lugar possível e com todo instrumento musical disponível. Noutras palavras, o salmo menciona o lugar onde louvar o Senhor, particularmente, “no Seu santuário” e “no firmamento do Seu poder”; a razão citada para louvar o Senhor, é por “Seus atos poderosos, conforme a excelência da sua grandeza”. (verso 2); e os instrumentos a serem usados citados para louvar ao Senhor são os oito listados acima.

O verso 6 nos diz que instrumentos não podem, eles próprios, ser um canal de louvor. Somente coisas que têm fôlego podem adorar. Somente almas viventes podem louvar ao Senhor. À luz disto, o salmo somente faz sentido quando entendido como um salmo ricamente figurativo, usando os tons característicos dos vários instrumentos para descrever as diferentes emoções da verdadeira adoração.

O Dr. Samuele Bacchiocchi conclui dizendo: “Este salmo só faz sentido se considerarmos a linguagem como sendo altamente figurativa. Por exemplo, não há nenhuma possibilidade do povo de Deus poder louvar o Senhor “no firmamento do Seu poder”, porque eles vivem na terra e não no céu. O propósito do salmo não é especificar o local e os instrumentos a serem usados na música de louvor na igreja. Nem se pretende dar permissão para dançar para o Senhor na igreja. Antes, seu propósito é convidar todo aquele que respira ou emite sons para louvar ao Senhor em todos os lugares. Interpretar o salmo como sendo uma permissão para dançar, ou tocar tambores na igreja, é interpretar de forma incorreta a intenção do Salmo e contradizer as regras que o próprio Davi deu com respeito ao uso de instrumentos na Casa de Deus.” (Bacchiocchi, O Cristão e a Música Rock, p. 223-224)

Argumento 4Profetas em Israel profetizavam ao som de tambores. (I Samuel 10:5)

Vamos analisar este argumento à luz do texto bíblico indicado. I Samuel 10:5 diz o seguinte: “Então chegarás ao outeiro de Deus, onde está a guarnição dos filisteus; e há de ser que, entrando ali na cidade, encontrarás um grupo de profetas que descem do alto, e trazem diante de si saltérios, e tambores, e flautas, e harpas; e eles estarão profetizando.”

Nem o texto indicado nem o contexto imediato mencionam qualquer manifestação física acompanhando o som destes instrumentos. Nem danças, nem saltos, nem volteios ou rodopios. Isto parece sugerir que a música executada, embora utilizasse tambores, não era caracterizada por um ritmo destacado de forma marcante. Isto pode ser presumido com certa segurança porque sabemos que, “de todos os elementos musicais é o ritmo que provoca a mais forte reação física” (Filosofia Adventista de Música, 1972). Portanto, na falta desta reação física, é apropriado presumirmos que o estímulo não estava presente.

Outro ponto a considerar é que o tambor, em suas diversas formas, sempre fez parte da música folclórica e popular hebraica. Porém, quando Davi, por ordem divina, planejou e, posteriormente, Salomão instituiu o serviço levítico no Templo, nenhum instrumento de percussão foi admitido na adoração. O evento descrito em I Samuel 10 ocorre muitos anos antes de Davi haver estabelecido essas orientações. E, mesmo depois dessas orientações, o povo continuou usando esses instrumentos em suas manifestações musicais fora do Templo.

Com relação especificamente ao uso de tambores, entraremos em maiores detalhe posteriormente, quando abordaremos os instrumentos usados no Templo.

Argumento 5A filha de Jefté dançou diante do pai com adufes. (Juizes 11:34) Além disso, as mulheres de Israel dançavam diante de Saul e de Davi com adufes. (I Samuel 18:6; 21:11).

Uma importante distinção deve ser feita entre música religiosa tocada para o entretenimento social e a música sacra executada para adoração no Templo. Não devemos nos esquecer que toda vida dos Israelitas era orientada pela religião. O entretenimento era provido, não por concertos ou apresentações em um teatro ou num circo, mas pela celebração de eventos religiosos ou festivais, freqüentemente através de danças folclóricas, com homens ou mulheres em grupos separados.

A dança era essencialmente uma celebração social de eventos especiais, como uma vitória militar, um festival religioso, ou uma reunião familiar. Era praticada principalmente por mulheres e crianças ou grupos específicos. A recepção aos heróis era celebrada com cânticos, tocando tamborins e danças. Repetidamente encontramos cenas na Bíblia onde um grupo de mulheres ou moças celebra a vitória ou os vitoriosos desta forma.

Assim, vemos que, na vida cultural e recreacional da nação não eram incomuns as manifestações de dança. Os estudiosos nos dizem que a dança em rodopios ou volteios dos hebreus era uma atividade popular nas vilas, especialmente entre as crianças e adolescentes. Era completamente distanciada da dança de contato físico e de estimulação à sexualidade, dos nossos dias, e tinha um legítimo lugar nos grandes festivais cívicos.

Nenhuma dança de orientação romântica ou sensual, realizada por casais, jamais ocorreu no antigo Israel. A maioria das pessoas que recorrem à Bíblia para justificar a dança romântica moderna não está nem um pouco interessada na dança dos povos mencionados na Bíblia, onde não havia nenhum contato físico entre os homens e as mulheres. A Bíblia não apóia o tipo de dança romântica ou sensual que é popular em nossos dias. Nada na Bíblia indica que homens e mulheres tivessem dançado juntos, de forma romântica, em pares. Cada grupo de homens, mulheres, e crianças realizavam seu próprio “espetáculo”, que na maioria das vezes era um tipo de marcha com cadência rítmica.

Porém, mesmo admitindo a prática da dança nos festejos populares e nacionais, também somos obrigados a admitir que nenhum tipo de dança foi admitido na adoração no Templo. Nenhum texto bíblico autoriza supormos que houve qualquer manifestação de expressões físicas na adoração levítica no Templo. Se Davi cresse que a dança deveria ser um componente na adoração divina, sem dúvida teria dado instruções relativas a ela aos músicos levitas que designou para se apresentarem no templo.

Negligência não parece ser a razão para a exclusão da dança do culto divino, porque observamos que foram dadas instruções claras com respeito ao ministério da música no templo. Instrumentos de percussão como tambores e adufes, geralmente usados para executar música dançante, foram claramente proibidos. O motivo para esta proibição foi porque estes instrumentos estavam associados à adoração e à cultura pagãs, ou porque eles eram tocados, costumeiramente, por mulheres, para o entretenimento. Este fato demonstra que havia uma distinção entre a música sacra, tocada dentro do Templo e a música secular tocada do lado de fora, nas comemorações populares.

A falta de instruções por parte da Davi com relação à dança, juntamente com a proibição aos instrumentos de percussão no Templo sugerem fortemente que a música do templo não era de caráter dançante e que, portanto, não há base bíblica que sustente a utilização de danças nos momentos de adoração. O que foi verdade no Templo também foi verdade para a sinagoga e mais tarde para a igreja apostólica. Nenhuma dança ou entretenimento musical jamais foi permitido na Casa de Deus.

Conclusão

Ao analisarmos os principais argumentos utilizados pelos defensores da dança na adoração, vimos que eles não se sustentam diante da Palavra de Deus e do conhecimento que temos da história e dos costumes do Israel do Antigo Testamento, e que, portanto, não podem ser usados por cristãos sérios e comprometidos com a vontade de Deus na defesa de danças na adoração atual.

Os princípios bíblicos de música esboçados acima são especialmente relevantes hoje, quando a igreja e o lar estão sendo invadidos por vários estilos de música mundana, sensual e excitante, que descaradamente rejeitam os valores morais e as convicções religiosas abraçadas pelo Cristianismo. Em uma época em que a distinção entre música sacra e secular é vaga e imprecisa, e muitos estão promovendo versões modificadas de música popular secular para uso na igreja, precisamos nos lembrar que a Bíblia nos conclama a “adorar o Senhor na beleza de Sua santidade” (I Crônicas 16:29; cf. Salmos 29:2; 96:9).


Bibliografia

– Araújo, Dario Pires – Música, Adventismo e Eternidade (Publicação independente. Disponível na Internet com autorização do autor)

– Bacchiocchi, Dr. Samuele – O Cristão e a Música Rock (Não publicado em português. Traduzido e disponibilizado na Internet com autorização do autor)

– Dorneles, Vanderlei – Cristãos em Busca do Êxtase – Para compreender a Nova Liturgia e o Papel da Música na Adoração Contemporânea (Unaspress – Imprensa Universitária Adventista – 2003.)

– Grauman, Helen G. – Música em Minha Bíblia (Casa Publicadora Brasileira – 1968)

– McCommon, Paul – A Música na Bíblia – (Editora JUERP – 1982)

– Osterman, Eurydice V. – O Que Deus Diz Sobre a Música (Unaspress – Imprensa Universitária Adventista – 2003)

– White, Ellen G. – Música – Sua Influência na Vida do Cristão (Casa Publicadora Brasileira – 2005)

Artigos On-line

Os artigos listados abaixo forneceram importantes subsídios para elaboração teste texto e podem servir de fonte de pesquisa para o leitor que busca mais detalhes sobre o assunto.

Artigos disponíveis em A Forma da Adoração

A Bateria à Luz da Antropologia e da Bíblia – Vanderlei Dorneles

A Dualidade Divina para a Música e Adoração – Adrian Theodor

A Escolha da Música é Realmente Importante? – Marvin L. Robertson

A Música na Igreja – Parcival Módolo

A Música na Igreja – Vandir Rudolfo Schaffer

A Música na Igreja de Cristo – Walter Andrade Campelo

A Música no Grande Conflito entre Cristo e Satanás – Carlos A. Steger

Artimanhas Evangelísticas: A Loucura da Pregação ou a Pregação da Loucura – Samuel Koranteng-Pipim

As Influências do Culto do Antigo Testamento na Liturgia – Gerard Van Groningen

Batuque à Beira-Mar – Adrian Theodor

Considerações para a Avaliação da Música na Igreja: Uma Abordagem Bíblica – Vernon E. Andrews

Dança na Bíblia – Samuele Bacchiocchi

Davi nos Aprova a Dança? – Adrian Theodor

Devemos Dançar? – O. E. Allison

Fogo Estranho Diante do Altar – Gerson Pires de Araújo

Melodia, Ritmo e Harmonia – Pr. Jorge Mário de Oliveira

Metais, Cordas e Percussão? – Dr. Peter Masters

Música na Igreja – Questão de Princípios – Elias Tavares

Música no Novo Testamento – Reinaldo Siqueira

Música Sacra para a Igreja de Hoje – Levi de Paula Tavares

Música: do Divino ao Maligno – João Wilson Faustini

O Evangelho do Entretenimento – Ciro Sanches Zibordi

O Papel da Música na Adoração – Elias Tavares e Levi de Paula Tavares

Palavras para Dança nas Escrituras Sagradas – Pr. Jorge Mario de Oliveira

Por Que o Adventista Não Pode Cantar e Dançar Como Davi? – Dario P. Araújo

Shows Cristãos: Culto, Entretenimento ou Mundanismo?– Pr. Douglas Reis

Uma Filosofia Bíblica da Música Cristã – Dr. Thomas Cassidy

Artigos disponíveis em A Adoração

A Adoração e a Bíblia – Miguel Angel Darino

A Teologia da Música Sacra – Gerald A. Klingbeil

Adoração Bíblica – Arival Dias Casimiro

Bases Bíblicas Para Uma Teologia de Música e Adoração – Levi de Paula Tavares

Artigos disponíveis em Entrevistas

Música: Moralmente Neutra? – Dr. Wolfang Hans Martin Stefani, Ph.D.

Perguntas Sobre Música – Pr. Jorge Mario de Oliveira


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