Música na Igreja – Questão de Princípios

por: Elias Tavares

Creio que um elemento muito importante tem sido perdido quando se discute a música apropriada para a igreja: a música feita na igreja é para mim ou para Deus? Falamos muito do nosso gosto, daquilo que sentimos, como se isto fosse razão suficiente para encerrar a discussão, mas quando o assunto é o culto ao Senhor, Há princípios muito mais profundos envolvidos, e nenhum deles é muito “moderno”, nem está na moda. Estes princípios são: adoração, reverência e santidade.

Por adoração compreendemos um espírito de humildade, de profunda compreensão da diferença entre nos e Deus e o reconhecimento de que Ele nos ama e aceita mesmo assim. Portanto, confiantes mas reverentes, nos aproximamos dEle para dizer-Lhe que O respeitamos e amamos pela Sua atitude conosco.

Por reverência compreendemos a atitude correta do adorador. Adoração e reverência estão profundamente interligados, mas hoje vivemos dias nos quais a irreverência (em todos os sentidos) é a atitude em moda, e por perdermos o sentido de reverência somos igualmente incapazes de adorar. É fácil constatar isto verificando a maneira como os “adoradores” se comportam na casa de culto, incluindo seus arredores e principalmente atitudes antes e depois do serviço de culto, já que a presença de Deus, que presumidamente santifica o local e é o motivo da adoração e da reverência, deve ser real mesmo antes do inicio e apos o final do serviço de culto.

Afinal que tipo de adoração é esta, que não modifica nossa atitude, e permite que transformemos a igreja em um lugar comum assim que o ultimo hino é cantado e a ultima oração apresentada?

Conceitos profundos

Santidade e santificação são conceitos de fácil compreensão superficial, mas cuja profundidade e muito difícil de ser compreendida e principalmente aplicada. Como se viu no parágrafo anterior ela esta também intimamente ligada à reverência e adoração. Na verdade a santificação é o elemento básico de tudo o mais.

Vivemos um momento histórico em que os sentimentos pessoais justificam tudo. Se eu gosto de um estilo, posso apresentá-lo a Deus, e Ele será obrigado a aceitá-lo. Se uma música ou letra me fazem sentir-me bem, então devo apresentá-los a Deus, porque me fazem feliz. Mas, se meu gosto e sentimentos não estão santificados, será que esta adoração me conduzira ao Senhor, ou apenas a mim mesmo? Afinal adoro e louvo a Deus ou a mim mesmo, meu gosto e meus sentimentos? Não será por isso que não se lê mais a Bíblia? Afinal ela não é uma leitura muito legal, não tenta ser popular nem agradar as pessoas.

Perceba que volta o assunto da santificação, e ai vai uma perguntinha daquelas: Devo me santificar para apresentar um culto de adoração, ou o culto de adoração me santifica? (Quem nasceu primeiro: o ovo ou a galinha?). Qualquer que seja a resposta uma música (e/ou letra) superficial, de influencias mundanas, não se aplica (nem será a oferta de um adorador santificado, nem santifica o adorador). Aliás devem ter notado que evito a palavra “louvor” em relação a música do culto, preferindo “adoração”. E porque “louvor”, embora em seu sentido original seja ótima, esta tão deturpada e rebaixada em sua amplitude e profundidade, que seu uso já não diz muita coisa. Tudo hoje virou “louvor” (falta dizer “louvor” a que ou a quem).

E as boas intenções?

Outro ponto que me preocupa é a questão da intenção. Nadabe e Abiú tiveram a melhor das intenções quando apresentaram-se diante do Senhor com fogo estranho, e criam estar realmente executando um ato de adoração legitimo, mas foram fulminados por Deus. Caim também tinha boas intenções (afinal estava oferecendo sacrifício, aquele sacrifício que lhe agradava, aquele que ele tinha, o que se alinhava com sua cultura), mas seu sacrifício não foi aceito.

Quando a arca estava sendo transportada em carro de bois Uzá (ou Uz, conforme a versão) teve o cuidado de, zelosamente, segurá-la, e por isso foi imediatamente fulminado. Vemos nestes (e há inúmeros mais) exemplos bíblicos que nossos próprios conceitos, gostos e emoções não rendem um ato de adoração aceitável a Deus.

Deus ou deus?

Cada um é livre, realmente, para adorar a seu deus como quiser (veja que aqui “deus” esta com letra minúscula. Isto é proposital, pois refere-se a seu deus pessoal, não ao único Deus). Os israelitas muitas vezes preferiram adorar outros deuses, porque seu culto era mais divertido, mais agradável, atendia melhor seus próprios desejos (que tal um culto no qual a orgia sexual faz parte da adoração? não soa muito “legal”?).

A mesma liberdade temos hoje. Mas o Senhor, o Deus dos Exércitos, Jahve, o Deus criador do Céu e da Terra, não aceita uma adoração individualista. Há definições muito claras do que Ele quer, e se quero render-Lhe adoração em um serviço de culto, e, ainda mais importante, se quero ser o sacerdote que oferece a adoração musical (vamos nos lembrar que no templo apenas os sacerdotes cantavam ou tocavam), devo ser reverente e cuidadoso, não me deixar levar por impulsos pessoais, geralmente bem intencionados, mas mesmo assim incorretos.

Por outro lado deve existir o cuidado de evitar que meus conceitos e gostos pessoais sejam impostos a outra pessoa, em qualquer sentido. Há música de culto adequada e de boa qualidade para muitos diferentes gostos (não para todos), e aí cada um tem sua liberdade de opção. Quando, durante a Idade Média a Igreja Católica impedia o uso de instrumentos, o fazia por sua própria opção e tentativa de impor seu estilo aos adoradores (e não o estilo de Deus), já que lendo a bíblia, principalmente Salmos, notamos que o uso de instrumentos é não apenas aceitável, mas, principalmente, desejado por Deus. O que vale não é o meu gosto, mas as instruções divinas.

Acho que a coisa é muito mais séria do que vem sendo tratada. Não há muito espaço para “liberdade” pessoal nesta área, pelo simples motivo de que Deus não concede essa liberdade.


Elias Tavares é violinista, violista, regente e professor de música.