A Adoração

Verdadeiros Adoradores: Adorando em Espírito e em Verdade!

por: Luis Carlos

“… Mas vem a hora e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque são estes que o Pai procura para seus adoradores. Deus é espírito; e importa que os seus adoradores o adorem em espírito e em verdade” (João 4:23, 24).

Verdadeiros Adoradores

Todas as pessoas adoram, afirma a antropologia. O fato não é só saber o porquê ou como eles adoram, mas o que eles adoram. Jesus disse não podemos servir (umas das palavras para adorar) a dois senhores, a Deus e ao dinheiro (Mateus 6:24). O termo para ‘dinheiro’ é mamon, uma palavra siríaca que designava a divindade das riquezas. Ou seja, no seu processo de adoração, o homem pode se voltar para qualquer objeto ou pessoa e prestar-lhes a seu culto. Se Jesus estava falando com uma nação que já conhecia o Deus verdadeiro, me pergunto: é possível então perder o foco da nossa adoração? Quais os critérios para uma adoração correta? Como ser adoradores de verdade?

O Catecismo Maior de Westminister nos ensina que o fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-Lo para Sempre. Noutras palavras, o homem só encontra real e plena satisfação adorando a Deus e se sujeitando a Sua vontade soberana.

O plano redentivo de Deus consiste em restaurar o homem a seu estado de perfeita adoração a Ele. Cristo veio para fazer isso possível. Ele é o meio pelo qual o homem é capaz de prestar uma verdadeira adoração a Deus. Somente em Cristo, o homem se torna um verdadeiro adorador.

Adorando em Espírito e em Verdade

Jesus neste texto afirma que a única forma de adoração aceita por Deus é aquela realizada em espírito (en pneumati) e em verdade (kai aletheia). Vamos analisar o que “em espírito e em verdade” realmente significa.

O que é Adorar a Deus em Espírito?

Calvino comentando sobre este texto, afirma: “Deus, desde o princípio não aprova nenhum outro tipo de adoração que não seja spiritual, o qual concorda com Sua própria natureza [1]”.

Há uma linha de pensamento que defende que, adoração em espírito, se trata da parte central do homem, a parte espiritual. Os tricotomistas geralmente seguem este caminho. Eles defendem que o homem é divido em corpo, alma e espírito, contudo, a parte mais importante é o espírito, o meio pelo qual o homem tem contato com Deus. Por isso que se deve adorar a Deus em espírito, com a parte essencial do homem. Esta ideia não passa de uma perspectiva neoplatônica e neognóstica. Ignora-se totalmente a parte material do homem como parte de adoração a Deus. O corpo é considerado como mau e o “aprisionamento” do espírito.

Cerimonialismo versus Espiritualidade

Basicamente adorar a Deus em espírito significa adorar a Deus não nos moldes cerimoniais da carne, mas adorá-Lo no espírito, nos moldes do céu. Aquela mulher samaritana estava questionando a forma correta de adorar a Deus, e na mentalidade dela adoração estava intimamente ligada ao local e as cerimônias (João 4:20). O seu conceito de adoração se limitava a formalidades. Tanto na religião judaica quanto na samaritana, adoração dependia de um lugar e de formas, e ao afirmar que adoração é em espírito, Jesus estava confrontando esta ideia vazia de adorar a Deus.

A expressão “em espírito” indica o princípio espiritual na adoração contrastando com o cerimonialismo, os símbolos e as festividades do Judaísmo. Adoração extrapola as formas; ela vai além do exterior; é feita em espírito, na própria essência do homem. Como diz em Salmo 34:18: “Perto está o Senhor dos que têm o espírito quebrantado, e salva os contritos de espírito”. O problema do formalismo é que ignora a dimensão interior e espiritual do homem; no formalismo – o cerimonialismo e o legalismo – a prática externa é mais valorizada do que a interna, o que Jesus combate ferrenhamente. Ele chama os fariseus de sepulcros caiados (Mateus 23:27), porque valorizavam o exterior em detrimento do interior; Jesus também diz que o contamina o homem não é o que entra ( um dos aspectos do cerimonialismo da época) e sim o que sai, pois procede do “coração”, da essência do homem, seu espírito (Mateus 15:11-18). Este é o principio espiritual da adoração contrastando com as formas, cerimônias e legalismos.

A Vida no Espírito

Adorar a Deus em espírito também diz respeito à vida do Espírito Santo em nós, que é a própria natureza de Deus. Entender o culto e a adoração a Deus apenas como um conceito espiritual, pode acabar num reducionismo. Cristo afirma que a essência de Deus, deve ser a essência de nossa adoração “Deus é Espírito, e importa que O adoremos em Espírito” (João 4:24).

É fato que esta afirmação de Jesus, “em espírito”, aponta para a obra do Espírito Santo na vida do crente. Esta forma de interpretação é coerente e relevante porque é harmoniosa com a teologia Joanina a respeito do Espírito. João é o escritor evangelista que mais fala da pessoa e obra do Espírito Santo. Por esta razão, quando ele escreve estas palavras, com certeza, ele faz uso uma bagagem teológica que ele desenvolve no decorrer dos seus escritos.

A adoração que Deus procura não se resume ao espírito do homem, porque ele é totalmente mau e está corrompido pelo pecado; nem esta adoração é apenas um principio espiritual, senão, estaríamos afirmando que haveria uma maneira de adorar a Deus sem a essência de Deus no homem (v.4:24 – Deus é Espírito). A única forma de adoração a Deus é a que nasce e se processa do e no Espírito de Deus na vida no eleito. Esta teologia é totalmente condizente com a pneumatologia no Novo Testamento.

Algumas pessoas usam o argumento de que não pode ser o Espírito Santo porque a palavra não em capital, ou seja, em letra maiúscula. Esta lógica apresenta uma falha. O termo que se refere a Deus como espírito, no versículo 24, também está em minúsculo, e nem por isso pensamos que poderia ser outro espírito, que não seja o Espírito Santo. Ate porque, o fluir que se dá a entender aqui é que realmente Jesus está falando do Espírito de Deus que transforma e revitaliza a adoração do verdadeiro servo de Deus.

O que é Adorar a Deus em Verdade?

A palavra “verdade” e suas variantes como “verdadeiro” ou “verdadeiramente”, aparecem 94 vezes em todas as cartas escritas por João. A verdade, sua essência e suas implicações, é desenvolvido por João de maneira peculiar. Deve ser estudada como um fundamento da teologia Joanina. Agora, como Pilatos, podemos perguntar: “Que é a verdade”? (João 18:38).

Cristo é a Verdade

Em primeiro lugar, é a Verdade de Deus expressa na pessoa e Obra do Seu único Filho, Jesus o Cristo. É esse desfecho que esta passagem traz – a mulher samaritana encontrando a Verdade! João registra uma afirmação peculiar de Cristo acerca de Si mesmo, a verdade absoluta de Deus (João 14:6). Ele afirma que está em Cristo e está na verdade (III João 1:4).

Em outro trecho, vemos Jesus dizendo que ao conhecer a verdade ela pode nos libertar (João 8:32) e logo mais adiante ele afirma que se “o filho vos libertar verdadeiramente sereis livres (v. 36). Nesse caso, vemos que a verdade é a base para nossa santificação. Ou seja, a verdade libertadora e santificadora está na obra do Libertador em nossas vidas; Cristo é a Verdade que liberta!

A Palavra de Deus é a Verdade

A palavra de Deus também é fonte de toda verdade. Em João 17:17, o evangelista registra uma declaração de Jesus em sua oração sacerdotal, dizendo: “santifica-os na verdade, a Tua palavra é a verdade”. No Salmo 119:160 diz que “a soma de Tua palavra é a verdade”. A maneira como conhecemos a verdade é pela Palavra de Deus – a palavra escrita e a Palavra encarnada! Isso é adorar a Deus em verdade!

É interessante observar que João afirma que a ação do Espírito de Deus é nos guiar na verdade. João desenvolve um pensamento peculiar sobre a obra do Espírito na vida do crente. O Espírito da verdade (João 14:17) que permanece em nós (II João 1:2) e nos guia em toda verdade (João 16:13), é a própria verdade (I João 5:7). Isto é, a obra do Espírito em nós é redunda na confirmação da Verdade de Deus e nunca o contrário.

Isso traz duas implicações práticas:

A primeira implicação é que podemos nos relacionar com Deus de verdade! Em I João 1:6-7 diz: “Se dissermos que temos comunhão com ele, e andarmos nas trevas, mentimos, e não praticamos a verdade; mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus seu Filho nos purifica de todo pecado”. Note que o pivô de nossa comunhão com Deus é a verdade de Cristo em nós. A mentira, a falta da verdade, é incompatível com nossa vida com Deus. A verdade do Espírito produz em nós uma espiritualidade cujo eixo central é a verdade. Viver uma vida dúbia, hipócrita e mascarada, não faz jus a uma verdadeira espiritualidade.

A segunda implicação é que podemos nos relacionar uns com os outros de verdade! Note no verso acima que viver a verdade redunda em viver em comunhão de verdade. Ele usa uma situação até mais dramática para exemplificar isso. No capítulo 4 versículo 20 ele diz que se alguém diz que ama a Deus e odeia a seu irmão é mentiroso. Ou seja, esse alguém não tem a verdade. Em outras palavras, a verdade de Cristo em mim, produz um caráter alicerçado e edificado na verdade!

Adorando a Deus na Verdade

”Em verdade” também implica numa adoração onde a mente é exercida. John Stott em seu livro “Crer é também Pensar”, afirma o seguinte: “a fé e a visão são postas em oposição, uma a outra, nas Escrituras, mas nunca a fé e a razão” [2]. Ele defende que todo o culto onde a mente não é praticada não é o culto aceitável por Deus. Este é o culto racional (logikos) de que trata o apostolo Paulo em Romanos 12:1. Esse é o culto de verdade ou o culto em verdade!

Cristo fala que a verdade libertadora deve ser conhecida, ou seja deve-se passar pelo crivo da mente, mudando a disposição do coração, gerando uma nova direção da vontade. Um culto onde não tem o uso da mente não é um culto de verdade!

Paulo orienta os irmãos de Corinto a usar a suas mentes na adoração ao Senhor. Ele começa dizendo que temos a mente de Cristo (I Coríntios 2:16), isto é, hoje podemos pensar como Cristo; e ele pede para que eles orassem e cantassem com o entendimento (I Coríntios 14:14-15). Isto significa que adorar a Deus em Verdade, é entender e responder a Ele de modo racional; é estar consciente de sua ação em nós e como ele nossas decisões devem ser para Sua glória.

Desenvolvendo um Estilo de Vida “em Espírito e em Verdade”

Já que a nossa única maneira de adorar a Deus é em Espírito e em Verdade, devemos construir toda nossa estrutura de vida, de atitudes, de projetos e perspectivas em cima desta realidade.

Andando em Espírito e em Verdade

Significa desenvolver uma espiritualidade onde sou sensível a voz do Espírito (quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas, Apocalipse 2:29; 3:6,13 e 22) e respondo a Seu direcionamento (Atos 13:2). É também ser cheio do Espírito (Efésios 5:18); orar no Espírito (Judas 20); produzir o fruto que advém de minha comunhão com Ele (Gálatas 5:22-25) e receber sua capacitação para a realização da obra de Cristo (I Coríntios 12). Toda esta dinâmica do Espírito em nós deve produzir a verdade, pois ele nunca contradiz ou distorce a verdade absoluta – escrita e encarnada.

Servindo em Espírito e em Verdade

É fruto de minha relação com Deus através de Seu Espírito. O Espírito me capacita a realizar a obra de Cristo me confiando um dom, charis, específico (I Coríntios 12 -14). O corpo de Cristo é composto indivíduos chamados e capacitados pelo Espírito para sua edificação mútua. Servir em Espírito e em Verdade é se deixar ser usado pelo Espírito de Deus para a obra que Ele está realizando no mundo e na vida das pessoas.

Louvando em Espírito e em Verdade

É declarar as verdades de Quem Deus é e do que Ele faz através do seu Espírito em nós, o qual clama Aba Pai (Romanos 8:15; Gálatas 4:6); porque não sabemos adorar como convém (Romanos 8:26-27). Isso pode ser feito através de salmos, cânticos e hino espirituais (Colossenses 3:16; Efésios 5:19). Salmos, Cânticos e Hinos espirituais não significam apenas músicas religiosas, mas expressar todo o seu louvor a Deus, através de cânticos e melodias que o Espírito de Deus concede!

Muitas pessoas ao invés de Andar, Servir e Louvar a Deus em Espírito e em Verdade, têm apagado a chama do Espírito (I Tessalonicenses 5:19) e até entristecido o Espírito (Efésios 4:30) por isso sua adoração a Deus tem sido falha. Contudo, o Senhor ainda procura adoradores que o adorem em Espírito e em Verdade. Quem sabe Ele possa nos encontrar hoje; e se nós permitirmos ser tais adoradores, quem sabe Ele possa renovar e reavivar nossa vida!


Notas:

[1] Ages Library – Commentary on the Gospel According to John – Calvino

[2] STOTT, John, Crer é Também Pensar, pg. 33


Fonte:Ética Teológica.

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