A Forma da Adoração

O Uso de Musicas de Outras Denominações no Culto Adventista

por: Levi de Paula Tavares

Temos visto surgir entre os nossos irmãos adventistas, a crença segundo a qual não somos autorizados a utilizar hinos ou músicas oriundas de compositores e autores de outras denominações. Mesmo em contextos culturais variados, esta crença tem se fortalecido, surgindo de maneira recorrente na forma de perguntas enviadas aos editores do Música Sacra e Adoração.

Como tentativa de embasamento a esta crença, alguns citam um texto de Ellen White acerca da impossibilidade dos cantores mundanos de expressar as verdades que defendemos. Veja o texto:

Como se há de esperar daqueles que não têm nenhum interesse na Palavra de Deus, que nunca leram Sua Palavra com o sincero desejo de compreender-lhe as verdades, que cantem com espírito e entendimento? Como pode seu coração achar-se em harmonia com as palavras do sagrado hino? Como pode o coro celeste tomar parte numa música apenas formal?” (Obreiros Evangélicos, p. 357)

Porém, este trecho está citado de forma descontextualizada. Quando vemos o contexto desta citação, descobrimos que a serva do Senhor está falando contra a utilização de métodos mundanos, incluindo a contratação de músicos mundanos para apresentar-se na igreja. Isto é um tema bem diferente do que estamos analisando. Voltaremos a este texto mais adiante em nossa resposta. Vamos tentar compreender os princípios espirituais envolvidos nesta questão.

Vamos começar nossa análise detalhando melhor a questão, da forma como se apresenta: Qual é realmente o problema principal? Muitas pessoas, ao colocar esta pergunta, apesar de falarem em “música” estão, na verdade, preocupadas com a letra ou a poesia das canções que estão sendo apresentadas em nossos cultos e que tem origem externa à Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Se o problema está puramente na letra, a questão se torna muito mais simples porque, diferentemente da música, a letra tem uma mensagem objetiva, que pode ser compreendida através de uma simples leitura e interpretação de seu conteúdo.

A Filosofia Adventista de Música, publicada em 1972 traz dois princípios que aplicam-se diretamente às letras dos cânticos apresentados em nossos cultos: Segundo este documento, a música deve:

– Conter letra que esteja em harmonia com os ensinos escriturísticos da Igreja.

“O canto é um dos meios mais eficazes para gravar a verdade espiritual no coração. Muitas vezes se têm descerrado pelas palavras do canto sagrado, as fontes do arrependimento e da fé.” – Evangelismo, pág. 500

– Revelar uma compatibilidade entre a mensagem transmitida por palavras e a música, evitando-se mistura do sagrado com o profano.

Creio que a estes dois princípios poderíamos acrescentar que a letra, mesmo estando correta de um ponto de vista geral, não deve conter banalizações de assuntos sagrados como, por exemplo, o nome de Deus e/ou Seus atributos. Além disso, deve evitar a superficializações das grandes verdades teológicas que defendemos (por exemplo, como é comum ouvirmos, com relação à graça).

Além destes pontos, o documento apresenta vários outros princípios que se aplicam ao conjunto letra/música e que acredito que devemos destacar aqui, para que possam nortear nossa visão sobre o assunto. Continuando, a música (e a letra) deve(m):

– Trazer glória a Deus e ajudar-nos em adoração aceitável a Ele.

“…ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus.” I Coríntios 10:31

– Enobrecer, elevar e purificar os pensamentos do cristão.

“Finalmente, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é respeitável, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama; se alguma virtude há e se algum louvor existe, seja isso o que ocupe o vosso pensamento.” – Filipenses 4:8

“Fazia-se com que a música servisse a um santo propósito, a fim de erguer os pensamentos àquilo que é puro, nobre e edificante, e despertar na alma devoção e gratidão para com Deus. Que contraste entre o antigo costume, e os usos a que muitas vezes é a música hoje dedicada! Quantos empregam este dom para exaltar o eu, em vez de usá-lo para glorificar a Deus.” – Patriarcas e Profetas, pág. 637.

– Influenciar efetivamente o cristão no desenvolvimento do caráter de Cristo em sua vida e na dos outros. (Manuscrito 57, de 1906)

– Ser apropriada para a ocasião, para o ambiente e para o auditório que se destina.

“Os que fazem do cântico uma parte do culto divino, devem escolher hinos com música apropriada para a ocasião; não notas de funeral, porém melodias alegres e, todavia, solenes.” – Evangelismo, pág. 508.

Resumindo, analisando unicamente do ponto de vista da letra, ela deve ser edificante e apta para a divulgação de verdades teológicas e doutrinárias. Assim, caso seja acompanhada por uma música que não quebra aos princípios de separação entre o sacro e o profano, ela pode ser apresentada diante de Deus.

Porém, de maneira muito mais sutil e subjetiva, existem outras questões que envolvem de maneira mais direta a música (independente da letra) que está sendo apresentada. Voltando ao título deste artigo, nesta época em que as músicas são divulgadas de forma primária através de gravações, cabe a pergunta: A dúvida seria no caso do intérprete da gravação ser não adventista ou o problema diz respeito ao compositor ser não adventista?

Se o problema é o interprete não adventista, bastará qualquer “artista” conhecido no meio adventista começar a cantar uma música e automaticamente, apenas porque agora o intérprete professa a nossa fé, esta música já se torna apropriada para os nossos cultos, independentemente de sua origem? Parece que esta não é uma boa alternativa…

Se o problema é o compositor, devemos notar que, caso só pudéssemos cantar músicas compostas por autores adventistas, deveríamos desprezar a maior parte do nosso hinário, já que praticamente mais de 70% dele é formado por hinos compostos por autores não adventistas. E devemos notar que as grande obras históricas da música sacra foram criadas por músicos não adventistas. Não poderíamos, por exemplo, cantar o “Aleluia” de Haendel, porque ele não era adventista. As grandes obras de Bach, então, nem pensar, pois ele era luterano… Aliás, quando a igreja adventista foi formada, quais eram os cânticos entoados por esta igreja, já que ainda não havia, entre os pioneiros, compositores adventistas?

Além disso, poderíamos também perguntar: Como saberemos se uma música é apropriada ou não se não tivermos informações precisas e seguras sobre a denominação do compositor ou intérprete? Não podemos ser espiritualmente edificados por um hino ou um cântico que ouvimos antes de saber essas informações?

A verdade é que desde nossas origens adotamos música não Adventista para ser usada em nossos cultos – seja em forma de hinos, seja na forma de cânticos. Todavia existem adventistas que se surpreendem quando ficam sabendo que a maioria dos hinos do Hinário Adventista foi retirada da hinologia Metodista, ou Batista, ou de outras fontes, que podem ser consideradas inspiradas, segundo a luz que possuem. Nossa adoração tem sido enriquecida com a contribuição deste tipo de música, cuidadosamente selecionada por nossos dirigentes e adaptada ao nosso estilo de culto.

Entretanto, de uns anos para cá, provavelmente em um afã de inovar nosso estilo adventista de culto ou de apresentar nossa mensagem de uma forma mais chamativa, temos ousado ir um pouco além do que é estabelecido por nossos princípios, sem nos darmos conta de que, assim, adentramos em um terreno muito perigoso. Este movimente fez com que alguns irmãos, zelosos pela causa e buscando uma volta aos usos anteriores, criassem argumentos que não encontram base nem nos princípios nem na história adventista.

Mesmo o documento oficial da igreja acerca deste tema, a Filosofia Adventista do Sétimo Dia com Relação à Música não traz qualquer advertência contrária à utilização de músicas de compositores de outras denominações.

Complementando, também não podemos nos esquecer uma informação óbvia, mas que causa espanto a muitos: nem todos os cânticos existentes em nosso hinário são apropriados para o culto de adoração. Reconhecendo isto, a comissão do hinário, na parte de Introdução, existente no início do Hinário Adventista do Sétimo Dia escreveu, no tópico “Como usar o hinário”, item 1: “Seus hinos e cânticos destinam-se, não apenas ao culto congregacional, mas também ao culto familiar, às reuniões de jovens e à devoção particular. Uma atenta análise de seu conteúdo mostrará que há cânticos adequados para vários fins e situações. Requer-se, pois, sabedoria e discernimento na seleção do material disponível, para que os resultados de seu uso sejam compensadores.

Vemos então, que toda essa questão é sem sentido. Chegamos à conclusão que não é a placa da igreja à qual o compositor ou o intérprete pertence que tornará a sua música apropriada e edificante ou não. O que importa é analisarmos a música em si. Esta música está de acordo com os princípios bíblicos de reverência, que são parte da adoração a um Deus santo? Ela possui as características de um canto que poderia ser entoado diante do trono de Deus? O estilo é sacro, alegre e solene, espiritualmente edificante e meditativo, ou contém elementos comuns às músicas mundanas e popularescas, apropriadas para ambientes os quais um cristão deveria evitar frequentar?

O Prof. Sikberto Marques fez uma compilação bastante interessante e criativa dos conselhos de Ellen White acerca da música, agrupando-os na forma de um “Teste da Natureza da Música”, a qual encontra-se a seguir:

O foco de sua música ou cântico é de louvor a DEUS? Responda com sinceridade [às questões abaixo]:

01 – A música é suave e pura? (Educação, 167)
02 – Os tons são claros e suaves? (Testemunhos para a Igreja, V9, 143)
03 – Tons como a melodia dos pássaros? (Evangelismo, 510)
04 – Os tons são harmoniosos entre si? (Evangelismo, 510-511)
05 – O volume do som é suave e não fere os ouvidos? (Carta 66, p 2 e 3, de 1983)
06 – Não tem notas estridentes? (Manuscrito 5, de 1874)
07 – O canto é harmonioso? (Testemunhos Seletos, V1, 45)
08 – O louvor é simples e entoado em tom natural? (Evangelismo, 510-511)
09 – A melodia é alegre e ao mesmo tempo solene? (Evangelismo, 507-508)
10 – A melodia flui sem esforço? (Manuscrito 5, de 1874)
11 – Aproxima da harmonia celeste? (Patriarcas e Profetas, 637)
12 – Os anjos cantariam juntos? (Manuscrito 5, de 1874)
13 – Glorifica a DEUS? (Carta 5, de 1850)
14 – Engrandece o nome de DEUS? (Fundamentos da Educação Cristã, 97)
15 – Ergue os pensamentos ao que é puro, nobre e edificante? (Patriarcas e Profetas, 637)
16 – Impressiona o coração com verdades espirituais? (Educação, 167)
17 – Atrai para o lar celestial? (O Desejado de Todas as Nações, 37)
18 – Conduz à santidade [separação do mundo]? (Testemunhos para a Igreja, v1, 496-497)
19 – Afasta os ouvintes da atenção ao terreno? (O Desejado de Todas as Nações, 73)
20 – Afasta a mente do inimigo? (Carta 5, de 1850)
21 – Não leva a união com o mundo e suas diversões? (Patriarcas e Profetas, 637)
22 – Não tem gesticulações extravagantes? (Manuscrito 5, de 1874)
23 – Não há movimentos corporais? (Manuscrito 5, de 1874)
24 – As notas não são longamente puxadas? (Evangelismo, 510)
25 – Não há confusão de vozes nem dissonância? (Testemunhos Seletos, v1, 45)
26 – Não vem do gênero das valsas frívolas? (Fundamentos da Educação Cristã, 97)
27 – Não vem de canções petulantes que elogiam o homem? (Fundamentos da Educação Cristã, 97)
28 – Não é ruidosa, vulgar, nem de abundante de entusiasmo? (Conselhos aos Pais, Professores e Estudantes, 306)
29 – Não idolatra o músico ou cantor? (Testemunhos para a Igreja, v1, 506)
30 – As canções não são vulgares e próprias para salões de baile? (Testemunhos para a Igreja, v1, 506)
31 – Não se adapta facilmente ao palco? (Manuscrito 5, de 1874)
32 – A melodia não é forçada? (Manuscrito 5, de 1874)
33 – A música não serve para dança? (Mensagens Escolhidas, v2, 36)
34 – Não inclui tambores e o ritmo não domina a melodia nem a harmonia? (Mensagens Escolhidas, v2, 36)
35 – Não pertence a categoria do jaz, rock, blues, derivados ou correlatos? (Manual da Igreja, 172)

É claro que esta lista é uma simplificação de coisas muito mais profundas, mas serve de ajuda para compreender alguns princípios e criar alguns filtros. Portanto, uma vez que as perguntas acima têm sua base no espírito de profecia, podemos dizer com segurança que, se uma música, seja qual for a sua origem, se encaixa nestes princípios, ela pode e deve ser usada em nossa adoração.

Note, contudo, que a lista acima não são regras, são princípios. Não há nomes de autores e/ou intérpretes proibidos ou permitidos. Não há nomes de CDs e as respectivas faixas proibidas ou permitidas. Ainda acerca de princípios, podemos analisar duas passagens que nos dão um ligeiro vislumbre sobre este ponto:

Falando dos dons espirituais, especialmente o dom profético, o apóstolo Paulo diz, em I Tessalonicenses 5: 21-22 -“Examinai tudo. Retende o bem. Abstende-vos de toda a aparência do mal.” Se, em se tratando de profecias (que é considerado por Paulo como o maior dom espiritual – ver I Coríntios 14:5) ele nos aconselha a examinar tudo, não nos parece correto afirmar que a música só pode ser edificante se for composta por um adventista. A questão aqui é abster-se, ou seja, evitar a todo custo, aquilo que parece ser do mal, aquilo que, depois de examinado, aparenta não estar de acordo com os princípios divinos.

Este princípio está de acordo com o pensamento expresso, de maneira contrária, em Filipenses 4:8: “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai.” Neste texto, Paulo fala que devemos nos concentrarmos naquilo que é bom, ou seja, este é o “outro lado da moeda” do mesmo princípio, já analisado no parágrafo anterior.

Ou seja, este princípio nos mostra que a questão que realmente deve ser considerada é: Esta música é boa, espiritualmente edificante, ou traz à nossa mente associações mundanas?

Devemos ter em mente que princípios devem ser interpretados por cada um, sob a tutela inspiradora do Espírito Santo, à luz das verdades reveladas, para que possamos saber e cumprir a vontade de Deus. O adorador sincero deve perguntar, em espírito de oração para si mesmo: Todas as músicas que eu ouço ou quero apresentar no culto a Deus passariam, sinceramente, no teste acima? Se passam, louvado seja Deus! Se não passam, onde está o problema: com quem produziu e gravou uma música imprópria ou com quem escolhe ouvir, cantar, tocar esta música imprópria na igreja?

É óbvio que o problema se distribui entre todos os envolvidos. Quem utiliza-se de um estilo musical mundano e mistura a ele o nome de Deus e Sua mensagem, está profanando este nome e contaminando esta mensagem, assim como um cano sujo contamina a água limpa que passa por ele. Porém, se possuímos princípios acerca deste assunto, sendo que estes princípios foram dados pela revelação do Senhor, e ainda assim preferimos utilizar nosso gosto pessoal para fazer nossas escolhas, somos tão culpados quanto aquele que bebe água contaminada na frente de uma placa de advertência que proíbe o seu consumo.

Considerando que a salvação é individual e que cada um dará contas de seus atos a Deus (Mateus 16:27; João 3:19; Romanos 2:6; Apocalipse 20:2), olhando pelo ponto de vista pessoal de cada um, eu estarei em erro se escolher ouvir, cantar ou tocar essa música imprópria. Os que produziram esta música que se apresentem diante de Deus, não somos responsáveis por eles. Mas somos responsáveis sim, diante de Deus, por nossas próprias escolhas.


Veja também o artigo Letra e Música, do mesmo autor.

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