A Adoração / Debate Sobre a Música na Igreja

Culto Bíblico: Integridade da Mente

por: Pr. Vanderlei Dorneles

O culto bíblico, ao contrário do culto natural, começa com iniciativa de Deus. É buscando o homem em função de sua salvação. O homem reage à manifestação de Deus, em adoração.

A religião bíblica projeta uma imagem pessoal de Deus, como um ser inteligente que se relaciona com o homem. Ele revela sua vontade, e o culto marca a aceitação dessa vontade revelada.

Uma vez que entra em relacionamento com o homem, Deus claramente é visto, no culto bíblico, como Deus de um povo que recebe a revelação e entra com ele em aliança. O Deus bíblico não é o Deus do mundo, como crido na religião natural e no ecumenismo encorajado pela renovação carismática e outras religiões. O culto bíblico é a celebração dos atos salvíficos de Deus por parte de um povo específico. O culto se expressa em forma de celebração, mas consiste em vidas transformadas e salvas.

A experiência da salvação atribui ao culto bíblico uma dimensão de santidade e de separação do mundo. Como padrão de vida e de culto, a santidade inclui mudanças de costumes e obediência a leis objetivas (ver Levítico 18:30). A santidade bíblica se expressa na adoração por meio de atitudes inteligentes. Os sacrifícios e os atos rituais devem ser feitos de “forma que sejam aceitos” (Levítico 19:5). Inteligência e discernimento são claramente requeridos por parte de quem adora a Deus. O episódio da morte de Nadabe e Abiu reforça essa exigência. Deus recomenda que os sacerdotes não usem vinho a fim de que tenham habilidade para diferenciar o sagrado do profano, o limpo do imundo e para que sejam capazes de ensinar aos adoradores os estatutos revelados.

A revelação de leis e padrões de conduta para o povo salvo mostra que Deus é um ser pessoal e inteligente. Seus sentimentos se alteram diante das atitudes humanas. Sua ira sinaliza a importância das prescrições de santidade e seu amor sugere a expectativa de compromisso objetivo por parte de seu povo.

O culto bíblico mantém o delicado equilíbrio entre a transcendência e a imanência de Deus. No culto bíblico, a noção da santidade e da transcendência de Deus sustenta o senso de reverência e temor. Por sua vez, a noção de imanência e condescendência dá segurança de que Deus é perdoador e acessível. O desequilíbrio do paradoxo imanência/transcendência compromete o culto e a adoração, uma vez que minimiza os limites entre sagrado e profano. Como analisado por Stefani, a ênfase na imanência abre espaço para a introdução de música e costumes profanos na adoração a Deus e encoraja as experiências extáticas e rituais de possessão.

A importância do uso da inteligência e do discernimento se reforça pelo fato de o ensino e o conhecimento de Deus e de sua vontade serem predominantes na religião bíblica, tanto para Israel quanto para os cristãos. O culto nas sinagogas e o ministério de Jesus, marcado pelo ensino, indicam que o culto é uma experiência de ensino das Escrituras e de conhecimento de Deus. A religião bíblica prevê um encontro pessoal, inteligente e consciente, entre Deus e o homem, cujo objetivo é a revelação de um conteúdo de verdades objetivas capazes de transformar a vida e os costumes.

Embora Deus não tenha rejeitado o culto e as manifestações de louvor, feitas ao estilo das celebrações populares por parte dos israelitas, ele deu claras evidências de que a música de adoração no templo deveria ser diferente da música secular. As orientações divinas a Davi foram criteriosas no sentido de excluir da música deveria conduzir as pessoas à reflexão consciente para a consequente compreensão da vontade de Deus. Desvinculada das danças e das celebrações populares, a música do templo se tornou um padrão para Israel, tendo sido assimilada pela igreja cristã no período do Novo Testamento.

As Escrituras sistematicamente apresentam o conteúdo da religião como “o conhecimento”, expressão que integra as verdades reveladas que mostram o caráter de Deus e o plano da salvação. Conhecer a Deus é o objetivo do culto bíblico, diferente da religião natural cujo propósito é proporcionar uma experiência com o sobrenatural, em estados alterados de consciência e sem discernimento racional e consciente. Assim, o culto bíblico é claramente o culto da mente, em contraste com o culto natural, que é o culto do corpo.

Mesmo o uso enfático do verbo ginosko, para falar da experiência de conhecer a Deus, não sustenta a ideia de que a religião seja uma experiência subjetiva. Na teologia do Novo Testamento, o verbo ginosko aponta para uma experiência objetiva com o conhecimento revelado por Deus. João usa a expressão com o propósito de fortalecer a ideia de que o conhecimento teórico da doutrina não é suficiente para a salvação, sendo indispensável à relação pessoal e o conhecimento de Deus, como indicado em João 17:3. A dimensão objetiva do conhecimento de Deus é reforçada por João em virtude dos resultados desse conhecimento, a saber a guarda dos mandamentos (I João 2:3-4) e a guarda da palavra (I João 2:5-6).

A religião bíblica é também uma religião de êxtase, de admiração e temor, contudo, sem alteração do estado de consciência. Mesmo o transe pacífico dos profetas, em visão, nunca apresenta os elementos de crise próprios das experiências de transe do culto primitivo. O êxtase profético é uma condição de recebimento de revelação inédita, não sendo resultado de estímulos externos. O profeta é chamado por Deus, diferente dos carismáticos e de outros que buscam propositadamente uma experiência de transe. O estudo do dom de línguas no Novo Testamento também não oferece apoio à identificação de dois dons de línguas, o mesmo para um só dom com variados propósitos. As palavras de Paulo em I Coríntios 14:2-4, segundo o próprio apóstolo, o dom de línguas deve edificar a igreja e ser uma expressão do evangelho, compreensível a quem ouve.

A definição do culto a Deus, como culto da mente e como evento de transmissão de verdades objetivas derivadas da revelação mina as bases de sustentação do pentecostalismo como culto de tradição bíblica. O uso de música secular e as experiências extáticas distanciam o pentecostalismo e a renovação carismática do modelo de adoração que Deus prescreveu em sua Palavra. Essa religião subjetiva e mística se aproxima de forma sistemática e progressiva da religião natural.


Vanderlei Dornles – Mestre em Teologia é jornalista e professor nas áreas de filosofia e comunicação no Centro Universitário Adventista, em Engenheiro Coelho, SP.

Bibliografia: Dorneles, Vanderlei. Cristãos em Busca do Êxtase – Para compreender a Nova Liturgia e o Papel da Música na Adoração Contemporânea: UNASPRESS 2003.


Fonte: Revista Mais Destaque – Edição nr. 1 de Nov/Dez-2003


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