por: Marco Aurelio Brasil
Precisamos repensar nossa relação com o lugar em que nos reunimos para adorar. Nós convencionamos chamá-lo de igreja, mas na Bíblia essa palavra jamais designa um lugar. Ao contrário, igreja é sempre uma coletividade de pessoas.
A samaritana questionou Jesus sobre onde era o lugar certo para adorar, se em Jerusalém ou no monte onde os israelitas do norte adoraram por centenas de anos, e a resposta do Mestre foi "Mulher, crê-me que a hora vem, em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai…Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. (João 4:21 e 23). Na dispensação cristã, a adoração perdeu seu caráter geográfico. Se até aqui o povo escolhido estava plantado em um local por onde passavam as caravanas comerciais do mundo todo, numa dinâmica centrípeta, agora o povo escolhido era mandado "a todas as nações", fazendo discípulos, ensinando e batizando (Mateus 28:18-20). A dinâmica da propagação do conhecimento sobre Deus agora é centrífuga.
O templo da adoração judaica perdeu seu status sagrado. No exato momento em que Jesus expirou, o véu do santuário se rasgou. O que o templo significava foi substituído pelo próprio Jesus, e, em menor medida, pela igreja, que agora sai por aí como templos ambulantes, levando a dimensão do sagrado 24 horas por dia por onde andamos. Ou é o que deveria acontecer.
O prédio da igreja foi inventado quando a igreja saiu da condição de clandestina, no domínio do pseudo-cristão imperador romano Constantino. Ele mandou erguer os primeiros locais de adoração, imitando os prédios públicos romanos, que, por sua vez, se inspiraram nos teatros gregos. Os teatros foram desenhados para que uma enorme massa de expectadores assistissem a performance de uns poucos performers profissionais. Ele criou a casta dos religiosos profissionais, deu-lhes uma roupa diferente da dos demais (imitando os cultos pagãos), fez os prédios altos e cheios de imagens supostamente sagradas para instigar reverência e pequenez e fez tudo para a glória de seu próprio nome.
Passados 16 séculos, ainda estamos presos no estigma daquelas opções. Ao chamar o prédio de igreja e a ele se dirigir para "assistir" um culto (Culto não se assiste. Se presta!), estamos reproduzindo o comportamento de quem consome um espetáculo artístico. Ficamos ali, criticando a performance de quem está lá na frente, e sentimos que aquilo nos conectou a Deus de alguma forma. Somos levados a pensar que religião é algo que se efetiva passivamente. Quando tratamos o prédio como a igreja e vamos a ele para "nos encontrar com Deus", compartimentalizamos o sagrado naquele lugar e naquele horário, nos indispondo para encontrar a Deus nos outros momentos todos da semana.
E isso é ruim.
Precisamos repensar a forma como nos relacionamos com esses tijolos onde a igreja se reúne para adorar coletivamente. Isso se quisermos mesmo ser a igreja.