Grandes Obras da Música Sacra

“Magnificat”

por: Rolando de Nassau

Logo após ter ouvido o anúncio do arcanjo Gabriel, de que ela fora escolhida por Deus para ser a mãe de Jesus, Maria foi visitar sua prima Isabel. Na ocasião entoou uma canção de louvor e gratidão, registrada no Evangelho de Lucas (cap. 1, vv. 46-55).

Sabendo que estava grávida e será a mãe do Salvador, a moça sussurrou para sua prima: “Magnificat anima mea Dominum” (A minha alma engrandece ao Senhor). A canção ficou conhecida na liturgia cristã, desde os primórdios do Cristianismo, em latim, por essas primeiras palavras. No texto, a pessoa de Maria está representada como altamente favorecida por Jeová e entendida como imagem do povo judaico.

A versão bizantina, na língua grega, é a mais antiga. Existe uma versão latina anterior ao Concílio Ecumênico de Trento (1545-1563), mantida por católicos anglicanos e luteranos, e uma posterior àquele concílio, usada pelos católicos romanos.

No período barroco (1600-1750), as igrejas católica romana e luterana incentivavam a composição de cantatas e oratórios, que não exigiam a montagem de um palco, nem o uso de figurinos teatrais; essas obras se apoiavam em temas bíblicos.

Conhecemos e apreciamos as composições musicais de Monteverdi (católico), de Schütz, Telemann e Bach (protestantes).

Entre as peças de Claudio Monteverdi (1567-1643), compostas em Veneza, selecionamos o “Magnificat” para seis vozes (1610) e o para oito vozes (1640), que foram marcando sua transição do estilo renascentista para o barroco. Na opinião de André Maugars, Monteverdi era “um dos primeiros compositores do mundo”.

Na época havia a rivalidade entre Roma e Veneza. Talvez por isso, a ortodoxia romana, com sua monodia, não conseguia interferir na liturgia veneziana, bafejada pela polifonia. Nos canais de Veneza, o Oriente e o Ocidente, o árabe e o cristão, lá se entendiam.

No “Magnificat” de 1610, as vozes são sustentadas pelo órgão; Monteverdi exigiu que esse instrumento tocasse lentamente e desse oportunidade à virtuosidade das vozes. No de 1640, o acompanhamento é executado por dois violinos e quatro violas, numa das mais belas páginas do estilo concertante barroco.

Esses exemplares foram gravados pelo Coro Carmelita e pelo “Taverner Consort”, de Londres, regidos por G. Malcom e A. Parrott.

Em duas gravações em CD, Corboz, na década de 80, regeu o “Magnificat” com o conjunto de Lausanne.

Na Alemanha, o estilo barroco teve em Heinrich Schütz (1585-1672) um dos primeiros cultivadores. Ele foi o ilustre predecessor de Johann Sebastian Bach, tendo composto uma das mais extensas obras para coro e solistas vocais. Depois de estudar música em Veneza, onde conheceu Monteverdi, Schütz foi nomeado diretor musical na corte de Dresden (Alemanha oriental).

Na década de 60, a gravação em LP, regida por R. Mauersberger, com o “Kreuzchor”, de Dresden, tornou-se um marco na discografia de música sacra erudita. R. Norrington, na década de 70, regendo o Coro “Schütz”, de Londres, gravou num CD o “Magnificat”, em alemão.

Desde 1721 em Hamburgo (onde foi diretor musical da cidade, ministro de música, mestre-de-capela em cinco igrejas principais, diretor da Ópera, fundador de um colégio musical e da primeira revista de música publicada na Alemanha),
Georg Philipp Telemann (1681-1767) morreu com 86 anos de idade, coberto de glória pela Europa inteira. Em 1740, um jornal alemão publicou uma lista dos dez melhores compositores; em primeiro lugar estava Telemann, em sétimo Bach.

Compôs um “Magnificat”; na língua latina e na língua alemã; ambas as versões possuem um melodismo luminoso e uma harmonia transparente; uma, em clima festivo, começa por uma explosão de alegria na palavra “Magnificat”; a outra, mais íntima, pelas palavras alemãs “Meine Seele” (minha alma). Foram recuperadas pela pesquisa musicológica de Kurt Redel, que regeu as gravações em LP com o Coro de Lausanne e a Orquestra de Munique.

A Alemanha luterana utilizava o cântico da Virgem Maria sob duas formas: 1) uma tradução em alemão (“Meine Seele erhebet den Herrn”); 2) a versão latina permitida pelas autoridades luteranas de Leipzig.

A mais popular das obras vocais de Johann Sebastian Bach (1685-1750) foi composta para a véspera da noite de Natal; esta primeira elaboração (BWV-243a) foi executada em 24 de dezembro de 1723; na revisão da obra, realizada entre 1728 e 1731, foi-lhe conferida a grandeza da espécie mais sublime; a nova versão (BWV-243) teve sua estréia na igreja de São Tomás (Thomaskirche, em Leipzig), em 02 de julho de 1733.

O obituário de Bach, escrito por um dos filhos, menciona “muitos Magnificats”.

Destacamos nesta obra: 1) no início, o coro polifônico, de caráter triunfal, arrebata por seu brilhantismo; 2) o diálogo entre o oboé e a soprano; 3) a fuga imponente, da qual participam dois baixos e um trompete; 4) a beleza no trio para dois sopranos e um contralto; 5) no final, o coro a cinco vozes e trompete.

Bach escreveu uma composição rigorosa na forma e suave no efeito.

Daniel Barenboim regeu a gravação num LP com o coro e a orquestra “The New Philharmonia”. Outro LP foi o de Karl Richter, com a Orquestra “Bach”, de Munique.

Na década de 80, foram gravados do “Magnificat” de Bach pelo menos os CDs de Corboz, Gonnenwein, Grischkat, Karajan, Richter, Rotzsch e Schmidt-Gaden. Com a orquestra e o coro de Stuttgart, Karl Münchinger deu uma esplêndida interpretação.

No final de 2014, o King’s College Choir, de Cambridge, sob a regência de Stephen Cleobury, executou o “Magnificat”, de Bach.

As partituras e as gravações do “Magnificat”, compostas e executadas pelos mais importantes músicos, constituem uma inestimável parte da cultura do Ocidente. As hordas sanguinárias do Oriente, por meio de golpes terroristas, estão ameaçando destruir a civilização ocidental. As massas incultas da Europa e das Américas estão preocupadas com a preservação deste acervo cultural?


Fonte: Jornal O Batista, de 05 de abril de 2015


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