O Adorador

Os Cristãos e a Música – Parte 2

por: Carlyle Manous

Música de Adoração

O artigo que se segue não é completo em si mesmo; é planejado para ser uma seqüência da Parte 1 – Introdução sobre o assunto Os Cristãos e a Música feitos pelo autor e está baseado nos pressupostos e conclusões desenvolvidas ali.

Mesmo depois de os cristãos haverem determinado que fazer determinados tipos de escolhas com respeito à música é algo desejável e possível, ainda permanecem questões acerca da aplicação dos vários princípios às situações da vida real. Isto é especialmente verdade com respeito à escolha de músicas para a adoração ou para uso geral no Sábado e a aplicação destes princípios pode ser especialmente desafiadora quando a adoração comunitária está envolvida. O que se segue é um esforço para ajudar as pessoas responsáveis e/ou comissões de música a lidarem com tais problemas.

Creio que a questão mais básica a ser analisada acerca deste assunto é a seguinte: Em que tipo de Deus nós cremos? Como O descreveríamos? Que tipos de conceitos de Deus temos em nossas mentes? Esta questão é essencial porque creio ser certeza absoluta que o tipo de Deus em quem cremos governará, em grande parte, a maneira pela qual adoramos.

Ocorre que Deus tem sido concebido e descrito de muitas maneiras incorretas pelos seres humanos. Muitos O vêem como um terrível tirano; outros, no extremo oposto, O vêem como um tipo de tio bondoso e indulgente. Minha descrição (incorreta) favorita vem de um sacerdote da época da Depressão que disse que considerava Deus como uma “mancha alongada”. Se concebemos a Deus como um tirano, quase que certamente adoraremos (se é que o faremos) com o tipo errado de temor; se concebemos a Deus como a figura de um tipo indulgente de tio, provavelmente O adoraremos de alguma maneira trivial; se concebemos a Deus como sendo impessoal (a “mancha alongada”) sem dúvida O adoraremos sem qualquer senso de responsabilidade moral. Em resumo, como J. B. Phillips deixa claro em seu livro “Your God Is Too Small” (Teu Deus é Pequeno Demais), se tivermos a menor inclinação para agir assim, encontraremos inumeráveis maneiras de definir Deus as quais, em seus efeitos, O destituem de ser Deus.

Conforme tentamos desenvolver um quadro preciso de Deus, deveria ser intuitivamente óbvio que, como seres humanos finitos nunca podemos compreender mais do que uma pequena fração de um Deus que é infinito! Além disso, uma vez que Ele é transcendente, podemos saber acerca de Deus apenas aquilo que Ele revela acerca de Si mesmo. Portanto, se desejamos ter um quadro verdadeiro de Deus, devemos ir para a Sua palavra e ver o que Ele revelou ali. As referências escriturísticas que precisam ser consideradas em tal pesquisa deveriam, provavelmente, incluir as que se seguem. Nelas vemos Deus como:

  • Gênesis 1:1 (Criador de tudo)
  • Hebreus 1:2-3 (Mantenedor do universo)
  • João 1:3-4 (A Fonte de toda a vida)
  • I Timóteo 6:16 (Aquele que é Imortal)
  • I João 4:8 (A Definição do Amor)
  • Tito 1:2 (A Definição da Verdade)
  • Deuteronômio 32:4 (O Perfeito, Justo e Bom)
  • Apocalipse 15:4 (Santo)
  • Malaquias 3:6 (Imutável)
  • Isaías 46:9-10 (Onisciente)
  • Salmos 139:7-12 (Onipresente)
  • Gênesis 18:14; Mateus 19:26 (Onipotente)
  • Isaías 6:1-4 (Glorioso)
  • Hebreus 12:29 (Um “Fogo Consumidor”)

Particularmente a respeito das duas últimas qualidades, Ellen White compartilhou conosco o que lhe foi mostrado acerca de Deus, enquanto estava em uma visão:

Vi um trono, e assentados nele estavam o Pai e o Filho. Contemplei o semblante de Jesus e admirei Sua adorável pessoa. Não pude contemplar a pessoa do Pai, pois uma nuvem de gloriosa luz O cobria. Perguntei a Jesus se Seu Pai tinha a mesma aparência que Ele. Jesus disse que sim, mas eu não poderia contemplá-Lo, pois disse: ‘Se uma vez contemplares a glória de Sua pessoa, deixarás de existir.’” (Primeiros Escritos, p. 54)

Todas essas referências descrevem Deus como transcendente, e todas elas são absolutamente verdadeiras. Mas Deus também pode ser descrito como imanente. Tal Deus é:

  • João 1:14 (Deus em carne, o Filho do Homem)
  • Filipenses 2:7-8 (Aquele que “esvaziou” a Si mesmo para tornar-se Homem)
  • Hebreus 2:17 (Aquele que é “semelhante a Seus irmãos”)
  • João 15:15 (Nosso Amigo)
  • João 14:9-11 (Aquele que foi “mostrado” pelo Jesus humano)

Creio que se olharmos a totalidade das evidências descobriremos um Deus que é infinitamente “grande” (que exige o nosso mais alto respeito e reverência), bem como um Deus que é “pequeno” e “amigável” (que nos convida ao mais íntimo dos relacionamentos). Se desejamos adorar “em espírito e em verdade” (João 4:23-24), não podemos – como o homem cego que tentava descrever um elefante – nos satisfazer com qualquer “verdade” que não seja tão completa quanto aquela revelada nas Escrituras. Para agradarmos a Deus em nossa adoração creio que devemos compreender e apreciar tanto a Sua transcendência quanto a Sua imanência; ambas são verdadeiras e ambas são necessárias para uma visão “completa” de Deus (N. T. – veja Isaías 57:15; Salmos 113:5-6 ).

Estas verdades acerca de Deus sugerem pelo menos cinco princípios essenciais que deveríamos considerar se desejamos adorá-Lo de maneira aceitável.

1) Não podemos fazer coisa alguma em nossa adoração que rebaixe os nossos conceitos de Deus. Este princípio é apoiado pelo segundo mandamento (Êxodo 20:4-6), o qual proíbe especificamente a adoração de imagens de escultura, uma prática que certamente diminui a visão que o adorador tem de Deus. O mesmo princípio também foi enunciado no sistema sacrifical do Antigo Testamento, onde apenas animais perfeitos eram aceitos para o sacrifício (Levítico 9:3; Números 6:14; Ezequiel 46:13). Esta exigência era mais obviamente verdadeira, porque somente um animal perfeito poderia representar um Salvador perfeito. Mas também havia outro significado. O profeta Malaquias aponta (1:8) que um governante não se agradaria de uma oferta imperfeita. Sabendo disto, um ser humano não seria culpado de rebaixar seu conceito de Deus se oferecesse a Deus aquilo que ele soubesse que não seria aceitável nem mesmo para um governante terrestre?

2) Deus exige reverência como Soberano e Senhor de tudo. Quando Moisés se aproximou de Deus na sarça ardente (Êxodo 3), lhe foi dito que removesse as sandálias para demonstrar reverência e temor na presença do Divino. A reação de Isaías (6:1-5) quando viu o Senhor num “alto e sublime trono” também deveria ser instrutiva acerca da reverência. Se desejamos agradar a Deus em nossa adoração, esta atitude de nossa parte não é negociável.

3) A verdadeira adoração envolve o princípio de “pureza”. Jesus disse, “Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus” (Mateus 5:8). Freqüentemente temos a tendência de pensar nesta pureza simplesmente como pureza moral e, é claro, ela é no mínimo isto. Mas o princípio da pureza envolve muito mais, pois Jesus também disse, “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento” (Lucas 10:27). Assim, Deus nos mostra que ama a pureza de motivos, de propósito, de crença e de ação e que Ele é honrado quando, com total singeleza de mente, buscamos cumprir a Sua vontade em todas as coisas.

4) Tudo na adoração deve ser centralizado em Deus e dirigido a Ele. Alguns podem ficar desconfortáveis com a noção escriturística de “ciúmes” de Deus, mas esta ideia destaca outro princípio importante – que todas as coisas espirituais precisam ser centralizadas em Deus e dirigidas a Ele, nunca podem ser feitas simplesmente para a glória do homem. Isaías cita Deus dizendo “Eu sou o Senhor; este é o meu nome; a minha glória, pois, a outrem não a darei” (Isaías 42:8). Alguém pode argumentar que qualquer coisa na adoração que chame a atenção indevidamente para aquilo que é puramente humano diminui a glória de Deus. Esta não é somente a opinião de um Deus fraco, irrelevante; não é o caso de tentarmos “proteger” um Deus assim. Pelo contrário, este argumento aponta para a ideia que quando diminuímos a glória de Deus, fazemos a nós mesmos um grande desserviço; estamos refazendo Deus à nossa própria imagem – de fato, Ele não é mais Deus. Deus é “ciumento” para o nosso bem, não para o dEle.

5) O sagrado e o profano nunca devem ser misturados na adoração. Este é outro princípio amplamente ilustrado nas Escrituras – que Deus quer que o que é sacro seja mantido claramente separado daquilo que é “profano”, ou comum, o santo à parte do secular. Um exemplo notável da violação deste princípio foi quando Nadabe e Adiu levaram fogo “comum” para dentro do Tabernáculo e foram destruídos por seu descuido. O relato continua, descrevendo como Deus falou a Arão e o lembrou de que era importante “fazer separação entre o santo e o profano, e entre o imundo e o limpo” (Levítico 10:10). Ezequiel também deveria ensinar “a meu povo… a distinguir entre o santo e o profano, e… discernir entre o impuro e o puro.” (44:23)

É claro, princípios são sempre mais fáceis de enunciar do que de aplicar! Contudo, gostaria de fazer algumas sugestões acerca de como esses cinco princípios podem ser aplicados em um sentido prático, conforme buscamos adorar a Deus por meio da música.

Não podemos fazer coisa alguma em nossa adoração que rebaixe os nossos conceitos de Deus.

Com relação a este princípio (e lembrando que o significado da música pode ser um produto de relacionamentos associativos) – precisamos perguntar:

Uma música que seja “frívola” poderia ser um veículo apropriado de adoração? Musica como aquelas que são freqüentemente utilizadas em comerciais de cerveja elevariam ou rebaixariam o nosso conceito de Deus?

Uma música que represente o menor denominador comum do gosto geral nos ajuda ou atrapalha a desenvolvermos uma visão de Deus como aquela de Isaías: “Vi o Senhor assentado sobre um alto e sublime trono” (6:1)? Fazer tais perguntas equivale a respondê-las.

Uma das noções desenvolvidas no artigo (ou discussão) sobre os Cristãos e a Música foi que alguns estilos de música são simplesmente inadequados para serem usados por um cristão sob quaisquer circunstâncias. Não parece ser lógico que tal música não teria a possibilidade de ser apropriada para o uso na adoração, se estamos tentando manter um alto conceito de Deus?

Uma outra forma de chegarmos a esta questão seria perguntar: Se tivéssemos uma audiência com um rei ou uma rainha, um presidente, um primeiro ministro ou um governador, como nos vestiríamos? Iríamos com roupas de trabalho? Será que iríamos com roupas casuais? Não demonstraríamos honra a uma pessoa de grande distinção humana vestindo a nossa melhor roupa? E uma falta em agir assim não seria uma clara indicação de nossa falta de respeito para com tal pessoa? A cada vez que vimos adorar a Deus temos uma “audiência” com o Deus transcendente, o Senhor Soberano do universo! Não seria o caso de que tudo o que temos – nossa roupa, nossa postura e nossa música – seja de um caráter tal que demonstre que apreciamos verdadeiramente a grandeza, majestade e “dignidade” dAquele a quem estamos adorando? Certamente, se vimos para adorar o Deus real da Bíblia, escolheremos uma música que expresse os elevados conceitos ali revelados.

Deus exige reverência como Soberano e Senhor de tudo.

Assim, a reverência é, em essência, uma atitude e esta atitude poderia em certo sentido, ser apropriada ou inapropriada com qualquer peça musical. Mas as nossas escolhas de música também não revelariam as nossas atitudes em outro sentido? Se acreditamos que Deus seja verdadeiramente o Soberano, não demonstraríamos reverência para com Ele tentando descobrir e fazer a Sua vontade em vez de a nossa própria vontade? Não deveríamos, como Paulo aconselhou aos Efésios, “prova[r] o que é agradável ao Senhor” (Efésios 5:10)? Na música, isto poderia tomar a forma de uma atitude que, em vez de dizer “Eu não sei nada de música, mas sei do que eu gosto”, diria “Senhor, o que queres que eu faça? Qual é a Tua preferência neste assunto?” Sobre esta ligação, C. S. Lewis escreveu:

Há duas situações musicais nas quais podemos ter confiança em que a benção está presente. Uma é quando um sacerdote ou organista, ele próprio uma pessoa de gosto elaborado e refinado, de forma humilde e carinhosa, sacrifica seus próprios anseios (esteticamente corretos) e entrega ao povo uma porção mais humilde e simples do que ele gostaria, crendo que (mesmo que, como é possível ser, seja uma crença equivocada), conseguirá levá-los para mais perto de Deus. A outra situação ocorre quando o leigo, estúpido e musicalmente ignorante, ouve humilde e pacientemente e, acima de tudo, silenciosamente, uma música que é incapaz de apreciar por inteiro, crendo que ela, de alguma forma, glorifica a Deus e que, caso não edifique, a falha deve estar nele mesmo. Nem o erudito nem o ignorante podem estar longe do caminho certo. Para ambos a música na igreja terá sido um canal da graça; não a música que os agradou, mas aquela que os desagradou. Ambos ofereceram e sacrificaram seus gostos no mais profundo dos sentidos. (C. S. Lewis, ‘On Church Music‘ (Sobre Música na Igreja), disponível no Google Books)

A verdadeira adoração envolve o princípio de “pureza”.

Este princípio exige que na adoração evitemos qualquer música que contenha associações impuras, qualquer insinuação de coisas que Deus detesta. Isto parece ser tão fundamental que não seria necessário comentar, mas um olhar honesto às práticas comuns sugerem que os cristãos não são tão cuidadosos a este respeito como deveriam ser. Em muitas igrejas Adventistas do Sétimo Dia tem se tornado muito comum ouvir músicas que foram tiradas diretamente do cenário da música rock. No artigo (ou discussão) anterior foi demonstrada a natureza essencial deste estilo; foi demonstrado que tal música é imoral em seu próprio cerne. Se desejamos agradar a Deus em nossa adoração em termos de pureza moral, acredito que devemos evitar decisivamente qualquer coisa que até mesmo insinue este estilo.

Mas a noção de pureza sugere muito mais. Conforme argumentado acima, também sugere a perseguição obstinada da “verdade”, no sentido em que devemos sempre estar abertos a qualquer coisa que Deus queira nos ensinar – a respeito de música ou qualquer outra coisa.

A “perseguição da verdade” também pode sugerir a questão de valores – especificamente o que Deus valoriza. Deveria ser intuitivamente óbvio que a melhor música que possamos produzir tem pouco valor intrínseco à vista de Deus. Certamente a música do céu faria todos os nossos esforços soarem triviais em qualquer tipo de escala absoluta. Deveríamos então concluir, portanto, que o valor artístico (medido em termos finitos) não tem qualquer valor à vista de Deus?

Para responder a esta pergunta devemos considerar o seguinte: Quando Susie é pequena, ela traz sua obra de “arte” da escola e este tesouro artístico é apropriadamente elogiado e colocado na porta da geladeira. Se, porém, após se passaram vinte anos, Susie ainda trouxer para casa obras de arte semelhantes, seus pais verão as coisas sob uma luz completamente diferente. Assim, parece claro que as obras de arte da infância de Susie não eram, como regra, valorizadas pelo seu mérito intrínseco, mas por aquilo que representavam – ofertas de amor apropriadas para uma situação particular na vida. Mas o que foi um dia um sinal muito querido do amor de uma criança, se torna, vindo de um adulto, uma evidência de falha no crescimento e maturidade, a evidência de uma tragédia.

Não existe aqui um paralelo em nossa música de adoração? Embora nosso Pai Celestial esteja feliz com a oferenda musical de amor que trazemos como cristãos imaturos, será que continuará feliz se deixarmos de amadurecer e crescer em nossa compreensão daquilo que constitui as nossas “melhores” oferendas? Embora a nossa música possa ter pouco mérito artístico, com base em uma comparação com a música do céu, se esperamos que Deus a veja como nosso melhor esforço, certamente ela não deve ter pouco mérito artístico do ponto de vista terreno.

Tudo na adoração deve ser centralizado em Deus e dirigido a Ele.

Vejo neste princípio duas aplicações diretas a serem feitas com relação as nossas escolhas de música para a adoração.

A primeira pode ser ilustrada pelo seguinte: Alguém já disse que na adoração freqüentemente fazemos da congregação a “platéia”, do ministro ou músico o “ator” – e não estamos certos sobre o que fazer com Deus. A mesma pessoa também sugeriu uma visão melhor da adoração. Nesta visão melhor os membros da congregação são os “atores”, Deus é a “platéia” e os ministros e músicos não são mais do que o “ponto” (*). E quando Deus é a “platéia”, o grande objetivo da adoração, torna-se claro que a exibição pessoal, atraindo a atenção para a própria pessoa, é inaceitável – não importa qual estilo de música esteja sendo utilizado. Se os músicos se lembrarem que eles são apenas o “ponto”, haveria menos tentação para a exibição pessoal e haveria maiores esforços para elevar a Jesus diante do povo.

A segunda aplicação deste princípio exige que seja escolhida uma música que não se preste à exibição pessoal. Há muita música grandiosa, particularmente do século 19, que foi criada com o propósito específico da virtuosidade, para exibir a capacidade do executante. A utilização de tal música não seria uma violação do espírito da centralidade em Deus da adoração? Não estou dizendo que uma música difícil de ser executada nunca será aceitável na adoração. Mas não deveríamos tentar determinar se as dificuldades servem a propósitos puramente musicais ou estão ali somente para propósitos de exibição pessoal?

O sagrado e o profano nunca devem ser misturados na adoração.

Se Deus não muda (Malaquias 3:6), então a Sua opinião acerca deste assunto ainda é a mesma agora que nos tempos antigos. Se desejamos agradá-Lo, precisamos considerar este ponto com muito cuidado.

Se, como temos visto, a música pode tirar seu significado dos relacionamentos associativos, então alguém poderia postular três categorias gerais de música: sacra, secular e neutra.

A música sacra seria a música composta para adoração, tradicionalmente executada para adoração e associada na maioria das mentes com adoração.

A música secular seria música com associações especificamente “seculares” – dança social, marcha, exibições de ópera e outras formas de entretenimento.

A música neutra seria tudo aquilo que se encaixa entre as outras duas – música que não é escrita para, nem executada primariamente na igreja, mas sem as conotações seculares sugeridas acima. Muito desta classe seria o que é chamado de música “absoluta”, apenas música pela própria música.

Agora, parece razoável para mim concluir que se a música é “sacra”, conforme definido acima – e se ela atende aos critérios derivados dos outros quatro princípios gerais – ela claramente deve atender aos desejos de Deus para aquilo que é “sacro” no contexto da adoração.

Também parece ser razoável concluir que, se a música é “secular” pelo mesmo tipo de definição ela não se enquadra nos desejos de Deus. Pois, se a música deriva claramente de um ambiente secular ela é “comum” ou “profana”, qualquer que seja o uso razoável da palavra. O fato de que muitas igrejas cristãs usam regularmente tal música não é desculpa para a pessoa (ou igreja) que deseje descobrir e fazer a vontade de Deus. Nos dias de Cristo os líderes da igreja estavam promovendo práticas nos átrios do Templo, a quais Cristo sabia que não estavam de acordo com a vontade de Seu Pai. Ele não disse “Se isto atente às necessidades de vocês, parece ser apropriado para o Templo.” Ele não disse, “A geração de vocês vê as coisas de maneira diferente da minha, então acho que as suas práticas são aceitáveis.” O que Ele disse foi “Tirai daqui estas coisas” (João 2:16). Hoje não há momentos nos quais os cristãos precisam dizer, “Tirai daqui estas coisas [musicais]”?

A terceira categoria de música sugerida acima foi a “neutra”. Esta é uma área na qual precisamos exercer um juízo cuidadoso e santificado, pois algumas músicas “neutras” são apropriadas para a adoração e algumas não são. Talvez as diretrizes que se seguem possam ser úteis ao tomarmos essas decisões. Se tal música: (a) não possui conotações ou associações seculares em particular, (b) é semelhante em estilo às músicas que são especificamente sacras, (c) não foi composta simplesmente para exibir virtuosidade, (d) tem integridade musical e (e) tem pelo menos algum senso de espírito devocional ou, pelo menos, de seriedade, então ela pode provavelmente ser adequada para a utilização na adoração em algum momento.

Uma visão alternativa é que, em vez de dividirmos a música nas três categorizas sugeridas acima, poderíamos dividir a música em apenas duas categorias: boa e má, aceitável e inaceitável. Conforme já estabelecemos, pessoas que desejam ser como Jesus em tudo naturalmente evitarão a música má ou inaceitável sob todas as circunstâncias. Segue-se, portanto, que para tais pessoas a música para adoração será escolhida somente dentre aquelas que são boas e aceitáveis.

Mas nem toda música que é boa é necessariamente apropriada para a utilização no culto de adoração. Uma outra pergunta, portanto, deve ser: Uma peça específica de boa música é apropriada ou inapropriada para a adoração e/ou utilização no Sábado? O cristão que está procurando descobrir e fazer a vontade de Deus em todas as coisas deve então procurar determinar (talvez com base nos cinco princípios sugeridos acima) qual músicas, do repertório de boas músicas em geral, seria apropriada para a adoração a Deus. Como um exemplo da aplicação desta ideia podemos pensar em um Estudo de Chopin ou uma marcha de Souza. Um Estudo de Chopin é uma peça muito boa de música, mas – como ela foi composta como uma obra virtuosística, com tudo o que isto implica em termos de exibição pessoal – não seria apropriada para a adoração. Uma marcha de Souza é uma peça muito boa de música, mas – como ela possui relacionamentos associativos muito fortes com ocasiões festivas, desfiles e/ou competições atléticas – ela também não seria apropriada para ser utilizada na adoração.

Em qualquer discussão sobre música, utilizando qualquer abordagem (a música vista em três ou duas categorias) também deve ser notado que a música às vezes se move de uma categoria para outra. Pode ser demonstrado, por exemplo, que o que era anteriormente música para dança social (certamente secular, comum, profana) foi, muito tempo depois, utilizado em um ambiente de adoração e foi considerada como sendo totalmente apropriada por músicos cristãos sérios. Além disso, as pessoas freqüentemente apontam para o exemplo de Martinho Lutero, de quem é dito que trouxe músicas das tavernas locais para a igreja. (**)

Para colocarmos tais ideias em perspectiva, várias coisas precisam ser notadas. Primeiro, quando uma música fez esta passagem “naturalmente” ou “inconscientemente” da música secular para a sacra, normalmente isto envolve um processo significativo de “evolução” musical.

Segundo, quando uma música fez esta passagem sem uma alteração significativa no estilo, o tempo para que isto aconteça é normalmente medido em séculos, não em anos. Isto significa que a música, com o tempo, pode perder seus antigos relacionamentos associativos, mas o processo normalmente ocorre ao longo de várias gerações – significando que ninguém vive por tempo suficiente para ver o processo completado.

Terceiro, quando pessoas trouxeram deliberadamente músicas populares para dentro da igreja, tipicamente elas fizeram com que esta soasse “sacra” – ou seja, alteraram o estilo. Hoje, com muita freqüência, a música da igreja é tomada e transformada para soar “secular”. (Se as pessoas ainda desejam acreditar que Lutero “trouxe música de taverna para dentro da igreja”, também deveriam notar que nem tudo o que Lutero acreditava estava necessariamente correto – ele era, por exemplo, notadamente anti-semita.)

Uma questão relevante que pode ser do interesse de alguns envolve o que pode ser chamado de “concertos sacros” – muito comumente “programas musicais” às sextas-feiras à noite ou Sábados à tarde. A questão principal que vejo aqui envolve se o que pode ser francamente chamado de “entretenimento estético através da música sacra” é apropriado para os cristãos durante as horas do Sábado. Depois de longo tempo de meditação sobre o assunto (e uma vida inteira de envolvimento pessoal), concluí que tais programas são legitimamente apropriados e podem servir para uma função importante na vida estética e espiritual de um cristão. O espaço (e a minha falta de visão) me impede de fazer qualquer coisa na forma de um tratamento completo deste assunto, mas algumas ideias podem ser úteis.

Minha primeira razão para acreditar na importância e legitimidade dos concertos sacros é que Deus é a fonte de tudo o que é belo. Ele é o Criador da grande variedade de coisas belas que encontramos ao nosso redor no mundo natural – os pássaros, as flores, as árvores, o pôr do sol. Ele também fez os seres humanos “à Sua imagem”, com a capacidade de criar beleza através de meios tais como música, poesia, pintura e escultura. E não apenas temos a capacidade para criar tal beleza; fomos feitos com a capacidade para apreciar tal beleza – que tenha sido criada por Deus ou pelo homem. Creio que alguém pode chegar ao ponto de argumentar que tanto a criação quanto a apreciação artística são partes importantes daquilo que poderíamos chamar de “mordomia da nossa humanidade essencial”, como parte daquilo que se espera de nós por termos sido criados à imagem de Deus. Em tal contexto, creio que é possível honrar e glorificar a Deus em concertos de música sacra nas horas do Sábado.

Minha segunda razão para apoiar os concertos sacros é que o próprio Deus é um amante do que é belo. Através de Isaías (40:26), nos convida a notarmos as belas coisas que Ele tem criado:

“Levantai ao alto os vossos olhos, e vede: quem criou estas coisas? Foi aquele que faz sair o exército delas segundo o seu número; ele as chama a todas pelos seus nomes; por ser ele grande em força, e forte em poder, nenhuma faltará.”

Ele também inspirou o autor do Salmo 121:1-2, o qual testifica que “viu” Deus na beleza do mundo natural:

“Elevo os meus olhos para os montes; de onde me vem o socorro? O meu socorro vem do Senhor, que fez os céus e a terra.”

O sábio estava pensando a respeito dos pensamentos de Deus acerca dele quando afirmou em Eclesiastes 3:11 que:

“Tudo [Deus] fez formoso em seu tempo.”

Quando o Tabernáculo do deserto foi construído e todas as diversas partes do serviço do santuário estavam estabelecidas Deus disse especificamente a Moisés que as vestimentas sacerdotais (trabalhadas em ouro, pedras preciosas e intrincados bordados) eram “para glória e ornamento” (Êxodo 28:2).

Finalmente, Salmos 96:9 nos conclama a “adora[rmos] ao Senhor na beleza da santidade”, e muitos tem sentido que não seria uma violação do sentido do texto invertê-lo, em uma conclamação para “adorarmos o Senhor na santidade da beleza”.

Se algum destes argumentos foi persuasivo, podemos prosseguir perguntando se os mesmos princípios que se aplicam em um concerto sacro, também se aplicam na música do culto de adoração? Para responder a esta pergunta poderíamos perguntar: Poderíamos glorificar a Deus se a música utilizada em um concerto sacro rebaixasse, de alguma maneira, nossa concepção de Sua transcendência? Poderíamos honrar a Deus se a música utilizada em um concerto sacro deixasse de demonstrar a reverência apropriada a Ele, como nosso Soberano? Poderíamos agradar a Deus se a música utilizada em um concerto sacro não fosse fiel aos princípios de pureza – em ambos os sentidos? Poderíamos esperar que Deus aceitasse nossa homenagem se a música utilizada em um concerto sacro deixasse de ser centralizada em Deus? Poderíamos verdadeiramente louvar a Deus se a música utilizada em um concerto sacro misturasse o sagrado com o profano?

Tenho a impressão de que os cinco princípios que estivemos considerando se aplicariam a toda e qualquer as circunstância que envolva música e Deus. Ainda assim, deveríamos notar duas diferenças que podem ser importantes quando comparamos a música de adoração com a música para um concerto sacro.

Primeiro, algumas músicas apropriadas para um concerto sacro poderiam ser inapropriadas para um culto de adoração, com base simplesmente em sua extensão. Por exemplo, existem oratórios e obras correlatas cuja duração ultrapassa em muito o tempo normalmente separado para um culto de adoração. Embora alguns trechos de tais composições possam funcionar bem no contexto da adoração, a execução da obra completa estaria fora de questão. Tais obras glorificam a Deus de muitas formas e podem ser ouvidas no Sábado com grande proveito, mas o culto de adoração em si não parece ser o melhor momento.

Segundo, algumas músicas consideradas como sacras seriam inapropriadas para um culto de adoração por causa de seu propósito. Ou seja, embora uma composição específica possa glorificar e honrar a Deus no sentido de ser uma expressão do que é belo, e embora ela possa até ser uma excelente expressão do que poderia ser chamado de um “assunto espiritual”, o intuito principal da obra não é especificamente a adoração ou louvor a Deus no sentido que é desejável para a música em um serviço dedicado especificamente para este propósito. Mais uma vez, tais obras podem ser usadas para glorifica a Deus em um concerto no sábado à tarde, onde muitos assuntos espirituais além da adoração são totalmente apropriados.

Outro ponto deve ser considerado conforme concluímos estes pensamentos para cristãos acerca da música – particularmente com respeito a fazermos escolhas coletivas de música sacra. Em I Coríntios 8 Paulo enuncia um principio importante o qual, ele declara, deve governar todos os relacionamentos entre os crentes. Aparentemente alguns cristãos em Corinto corriam o perigo de utilizar seu conhecimento superior acerca dos ídolos para agir de forma que os outros crentes, com uma compreensão menos clara, achavam difícil de aceitar. O conselho de Paulo foi que em tais questões os “mais fortes” deveriam sempre abrir mão de suas posições em favor dos “mais fracos”. A solução para problemas inerentes na tomada de decisões coletivas também pode ser elucidada através de uma comparação com a maneira pela qual são tomadas as decisões em muitos casamentos. Imagine um cenário onde a Sra. A quer um gato, mas o Sr. A não quer, enquanto que o Sr. A quer uma ferramenta nova para sua oficina, mas a Sra. A não acha que seja uma boa ideia. Em ambos os casos, creio que a parte discordante (a menos que seja convencida a retirar a sua objeção) deve sempre ter o poder de um veto. A vontade de não ter um gato ou de não gastar dinheiro em uma nova ferramenta deve sempre ter supremacia sobre o desejo do outro cônjuge de ter o gato ou a nova ferramenta.

Na política existe algo semelhante na necessidade de um governo proteger os direitos da minoria sobre a vontade da maioria – mesmo que esta seja uma grande maioria.

O princípio paulino de abrir mão em favor do membro “mais fraco”, a noção do veto discordante no casamento, e a garantia política de proteção das minorias podem todos ser aplicados nas questões de escolha da música na igreja. Por exemplo, se o membro A sente que uma peça de música em particular é um veículo adequado para a adoração, mas o membro B acredita que ela é “profana”, a solução paulina exige que o membro A gentilmente ceda aos desejos do membro B, Em tais casos o membro B (assim como o Sr. A e o gato) deve ter o privilégio de um veto. Embora em minoria, o membro B deve ser protegido daquilo que pode ser o desejo da maioria.

Também podemos notar que o princípio paulino (como os outros) deve funcionar de ambos os lados do espectro musical. Ou seja, não apenas membros “fortes’ deveriam abrir mão em favor dos membros “fracos” com relação a um estilo que os últimos considerem ser “profano”; membros “fortes” também devem abrir mão em favor dos membros “fracos” com respeito à música que poderia ser (objetivamente) muito boa, mas que os membros “fracos” não conseguem compreender de forma alguma. Conforme notamos na referência anterior de C. S. Lewis, a maior evidência da graça pode ser o sacrifício de si mesmo para o bem de outros!

Creio ser seguro concluirmos que em cada congregação onde o princípio paulino de amor e tolerância mútuos é praticado, onde os desejos negativos de alguns são respeitados e onde os “direitos” da minoria são honrados, haverá ampla margem de espaço comum sobre o qual é possível adorar tanto em espírito quanto em verdade. Certamente, em tal ambiente, haverá um grande repertório de música sobre o qual todos podem concordar alegremente.

Creio que, se os cristãos considerarem em oração os cinco princípios básicos sugeridos e fizerem tudo o que estiver ao seu alcance para implementá-los com amor em seu contexto cultural, serão capazes de honrar a Deus em sua adoração e ser completamente agradáveis a Ele. Meu mais urgente apelo é que cada cristão ore a Deus tanto pelo espírito quanto pela disposição em obedecê-lo e exibir um amor desinteressado por seus irmãos.


Notas do Tradutor:

(*) Para os que não estão familiarizados com o termo, “ponto” é uma pessoa que fica no teatro, oculta, mas à vista dos atores no palco. Caso o ator esqueça a sua fala, esta pessoa é responsável por dar uma dica ao ator, a partir do roteiro que ela tem em mãos. (voltar)

(**) Acerca de Martinho Lutero e sua utilização de melodias populares, veja “O Papel de Lutero – Lutero e a Música Sacra Contemporânea” (voltar)


  Parte 1.4 – Questões Finais Acerca de Escolhas  

Fonte: International Adventist Musicians AssociationMusic In WorshipChristians and Music

Traduzido por Levi de Paula Tavares em Novembro/2009

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