O Adorador

Os Cristãos e a Música – Parte 1.2

por: Carlyle Manous

O Significado na Música

Antes que possamos discutir os detalhes sobre fazermos escolhas na música, é necessário que compreendamos alguma coisa da natureza da música e como ela adquire significado. Virtualmente qualquer pessoa concorda que a música tem um significado; a única discordância que surge é sobre como, exatamente, este significado é adquirido. Existem duas ideias principais, ou escolas de pensamento, com relação a este aspecto da música.

A primeira assume que a música é inerentemente neutra, que notas em uma página, por si mesmas, não significam qualquer coisa. O significado que a música claramente tem considera-se ser derivado apenas com base em (1) atribuição, (2) a letra associada à música e (3) os relacionamentos associativos ou cognitivos que vêm com diferentes tipos e estilos de música.

Atribuição, ou significado atribuído, é como o que temos em hinos nacionais, cânticos escolares e obras tais como “Pedro e o Lobo”. Cada uma dessas peças de música significa o que significa porque alguém designou ou “atribuiu” um significado em particular a um conjunto de notas. Como o significado é claramente arbitrário, se alguém não conhece a atribuição, a ideia que a música deveria representar, um significado específico, é impossível. Qualquer que seja o significado que esta música possa ter então terá sido derivado de alguma outra fonte.

A letra usada com a música também dá a ela um significado. Músicas com letras tolas significam tolice; músicas com leras grandiosas geralmente significam grandiosidade. Contudo, deveria ser notado neste contexto, que o “mau” sempre tenta sobrepujar o bom – mais ou menos da mesma forma como maçãs podres fazem com que as boas maçãs apodreçam. (Como um exemplo de como este princípio opera na música, vou lhes contar que, quando eu era jovem não era incomum ouvir letras frívolas ou palavras vulgares usadas com a canção de algum hino bem conhecido. Agora, muitos anos mais tarde, quando ouço o hino “Sim na cruz, sim na cruz”, tudo que posso ouvir em minha mente são aquelas palavras frívolas aprendidas há tanto tempo atrás, e o hino ficou arruinado para mim.) Portanto, boa música pode ser contaminada por letra ruim e, contrariamente, música que carrega significados negativos (derivados por outros meios) não podem, geralmente, tornar-se positivas simplesmente adicionando uma letra positiva.

Os relacionamentos associativos ou cognitivos dos vários tipos e estilos de música são a terceira maneira pela qual a música tem significado pela primeira escola de pensamento. Uma pequena reflexão mostrará – se já vimos filmes, ouvimos o rádio ou assistimos televisão – que as nossas vidas estão sempre sendo influenciadas por este fenômeno.

Como um exemplo, podemos imaginar uma cena de filme com um galpão grande e escuro. Conforme o herói se prepara para entrar neste edifício, como o filme nos faz saber que um “bandido” está se escondendo ali? Ou imagine uma cena onde um veadinho malhado está pastando numa clareira ensolarada da floresta. Como o filme nos faz saber que um lobo faminto está espreitando, invisível, nas sombras? Em cenários como este é claramente a música que nos fornece tais indicações óbvias de perigo. E é a música que nos conta sobre as ações heróicas e situações de tristeza; é a música que nos informa que uma cena é feliz ou meditativa; é na música que cada estado de espírito ou contexto mental possível é refletido. Tudo isto é possível porque diferentes tipos de música, no decorrer do tempo, tornaram-se associados a certas ideias ou estados de espírito e na cultura ocidental estes significados são amplamente universais. (*) Por causa disto, um compositor pode realçar e sublinhar praticamente qualquer ideia ou situação concebível, simplesmente escolhendo o tipo certo de música.

Além disso, precisamos reconhecer que um compositor competente pode arranjar uma determinada melodia em muitos estilos diferentes, usando assim a mesma melodia básica para carregar muitos significados diferentes. Imagine, por exemplo, o hino “Comigo Habita” como uma valsa, uma marcha, um minueto ou um jazz. Em cada um dos casos, embora ainda possamos ouvir que “Comigo Habita” é a base para a obra, cada um dos arranjos tornou-se algo inteiramente diferente. Em um exemplo como este é fácil ver que o estilo, não a melodia em si mesma, é que é importante [para o significado musical]. A razão para isto é que, em uma determinada cultura, certos estilos são associados com certos tipos de atividades e lugares; existe uma “bagagem” emocional que está ligada a cada estilo.

Como uma ilustração de como esta noção funciona, podemos considerar uma peça humorística de Garrison Keillor, famoso pelo programa “The Prairie Home Companion”. O Sr. Keillor tece uma anedota em particular acerca de como os luteranos em Lago Woebegone estavam procurando por um novo organista para a igreja. Primeiro eles contrataram um cavalheiro chamado J. S. Bach, Ele era um organista espetacular – mas a sua música era tão complicada que os membros logo se cansaram de seu estilo e decidiram que ele não era o homem certo para o trabalho.

Em seguida, eles contrataram um organista maravilhoso que atendia pelo nome de Wolfgang Amadeus Mozart. Como ele tocava! Mas havia muitas notas! Depois de algum tempo a alegria começa a diminuir e tudo começa a parecer muito “leve” – então o Sr. Mozart também é liberado.

O Sr. Keillor caricatura alguns outros compositores (por exemplo, Richard Wagner toca lindas melodias – mas elas parecem nunca acabar, etc.) antes de finalmente chegar a George Gershwin. A anedota sobre Gershwin é que ele era um bom organista, “mas quando os diáconos passaram com as salvas de ofertas a congregação não sabia se devia colocar uma oferta ou pedir uma bebida.”

Agora, como o Sr. Keillor disse isso? Esta anedota está baseada inteiramente na noção de relacionamentos associativos. Esta referência é humorística somente quando reconhecemos que George Gershwin foi um dos primeiros compositores “clássicos” que realizou um esforço proposital para unir o jazz com as tradições musicais do século 19. Keillor trabalha assumindo que todos compreendem o significado que o jazz carrega – que ele tem sido associado há longo tempo com estabelecimentos que vendem bebidas.

Assim, de acordo com a primeira escola de pensamento, se desejamos descobrir o que uma peça de música em particular significa, precisamos olhar como esses três fatores – atribuição, letra e relacionamentos associativos – se inter-relacionam para formar o quadro de uma composição.

A segunda escola de pensamento com relação ao significado da música sugere que existem significados inerentes, de alguma forma “embutidos” na própria música. Pensa-se que existam coisas nos elementos da música (melodia, harmonia, ritmo, timbre, etc.) que carregam significados bastante diferentes daqueles significados que discutimos acima. Em apoio a este pensamento, tem sido demonstrado, por exemplo, que existem respostas físicas e/ou emocionais previsíveis a certos estilos e tipos de música, muitas das quais acontecem em um nível subliminar. As pessoas podem, em um sentido muito real, ser manipuladas pela música. A fisiologia da música é um campo importante de estudo no qual pode ser encontrado grande quantidade de suporte a esta segunda linha de pensamento. Infelizmente, tal informação não está acessível à maior parte das pessoas, nem é facilmente compreensível.

Existe uma outra linha de pensamento em apoio a esta segunda noção do significado da música, e pode ser facilmente compreendida. Ela pode ser chamada de o argumento “O Que É”. É centralizada nas perguntas, “Como certos estilos de música se tornam conectados a tipos específicos de atividades? Com todo o arcabouço musical do qual escolher, por que são feitas as escolhas que são feitas? O que é, de fato, habitualmente feito? A resposta parece ser que certos estilos de música intensificam certas atividades e situações. E isto parece ser verdade em virtualmente todas as culturas ocidentais.

No final das contas, estas duas ideias básicas acerca do significado da música são complementares, em vez de contraditórias, pois em certo sentido a discussão chega a um tipo de questão “o ovo ou a galinha” – qual veio primeiro, o significado ou a utilização? O significado é derivado do uso, ou o uso do significado? Provavelmente isto não importa, uma vez que as pessoas no mundo real sabem muito bem o que a música significa, e o “o que” é mais importante do que o “como”.

Existe mais uma questão importante nesta linha: Deus vê algum significado na música? O que podemos aprender acerca de como Ele vê a música? Note o seguinte:

Fazia-se com que a música servisse a um santo propósito, a fim de erguer os pensamentos àquilo que é puro, nobre e edificante, e despertar na alma devoção e gratidão para com Deus. Que contraste entre o antigo costume, e os usos a que muitas vezes é a música hoje dedicada! Quantos empregam este dom para exaltar o eu, em vez de usá-lo para glorificar a Deus! O amor pela música leva os incautos a unir-se com os amantes do mundo nas reuniões de diversões aonde Deus proibiu a Seus filhos irem. Assim aquilo que é uma grande bênção quando devidamente usado, torna-se um dos mais bem-sucedidos fatores pelos quais Satanás distrai a mente, do dever e da contemplação das coisas eternas. (Ellen White, Patriarcas e Profetas, p. 594)

Satanás não faz objeções à música, uma vez que a possa tornar um caminho de acesso à mente dos jovens. Tudo quanto desviar a mente de Deus, e empregar o tempo que devia ser votado a Seu serviço, serve aos fins do inimigo. Ele opera através dos meios que mais forte influência exerçam para manter o maior número possível numa agradável absorção, enquanto se acham paralisados por seu poder. Quando empregada para fins bons, a música é uma bênção; mas é muitas vezes usada como um dos mais atrativos instrumentos de Satanás para enredar almas. (Ellen White, Testemunhos Para a Igreja, vol. 1, pág. 506)

Tais referências tornam abundantemente claro que da perspectiva de Deus a música tem um tremendo significado – tanto para o bem quanto para o mal.


Nota do Tradutor

(*) Para ver um estudo recente sobre este tema, clique aqui (voltar)


Parte 1.1 – Introdução   Parte 1.3 – Fazendo Escolhas

Fonte: International Adventist Musicians AssociationMusic In WorshipChristians and Music

Traduzido por Levi de Paula Tavares em Novembro/2009


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