A Adoração

Rumo a uma Teologia Adventista de Adoração

por: George W. Reid

Introdução

De uma forma que nos diferencia dos outros cristãos, a visão adventista do sétimo dia sobre a luta cósmica entre o bem e o mal concentra a atenção sobre os primeiros e últimos acontecimentos da terra, bem como na cruz. Em todos esses momentos da história entendemos que Cristo esteve operando, primeiro como o Criador, em seguida, na cruz, e, finalmente, como o autêntico governante que volta para assumir o comando de seu planeta.

Seu rival, Satanás, iniciou a luta no céu com uma demanda de lealdade a qual é devida legitimamente somente a Deus (Apocalipse 12:7-9). Sua demanda pela adoração dos seres celestiais precipitou a guerra no céu. Expulso para a Terra, ele continuou aqui seus esforços, enganando nossos primeiros pais e iniciando uma série de eventos nos quais a maioria dos seres humanos foi desviada para uma falsa adoração.

No encontro no deserto entre Satanás e Cristo, Satanás exigiu que um Jesus enfraquecido o adorasse (Mateus 4:9). No cerne do conflito cósmico está a questão da adoração.

No drama final João, o Revelador, vê um remanescente fiel da humanidade sob máxima pressão para prestar lealdade ao poder da besta, uma coligação de todas as organizações religiosas apóstatas da Terra, que manipulam as forças civis para obrigar a conformidade. A crise culmina com a aplicação da marca de fidelidade da besta, tendo a morte como a alternativa (Apocalipse 13:15-17). No momento de desespero final, Deus intervém para salvar os Seus fiéis que “guardam os mandamentos de Deus e têm o testemunho de Jesus” (Apocalipse 12:17).

É esse amplo quadro que ilumina o nosso entendimento e coloca a questão do relacionamento de Deus com a humanidade em perspectiva. No seu centro está a questão básica da adoração. A quem, quando, por que, como? Dos portões do Éden aos santos reunidos na Cidade Santa, a Bíblia chama a nossa atenção para a adoração.

Nosso objetivo não é explorar as ideias de literalmente centenas de escritores acadêmicos que abordaram o tema em publicações, embora pouco mais do que alguns deles contribuíram para o nosso entendimento. Nosso objetivo é uma busca agressiva contínua, sondando os alicerces atemporais sobre os quais podemos construir tanto a fé e prática.

Até este ponto os adventistas não investigaram o assunto da adoração de maneira profunda, e estão satisfeitos em adaptar conceitos e formas receberam de outros cristãos, pois pensamos que nossa obra principal se encontra em outras áreas – proclamar a mensagem do breve retorno do Redentor em glória e como nos preparamos para esse grande evento.

O primeiro grande livro sobre o culto adventista foi a obra de Norval Pease And Worship Him (E Adorai-O) (1967). Seu autor era professor [do curso] de Igreja e Ministério no Seminário da Universidade Andrews, onde seu livro ajudou a orientar os estudantes, juntamente com o seu amplo ministério junto aos membros de fala inglesa da igreja. Mais recentemente, C. Raymond Holmes, atual presidente do mesmo departamento no Seminário Andrews, produziu Sing a New Song (Cantai Um Cântico Novo) (1984), uma discussão mais profunda sobre a adoração e seu fundamento teológico. O trabalho do Dr. Holmes contribuiu significativamente para esse artigo. Ele é considerado atualmente como a mais preeminente autoridade Adventista em adoração.

Mais recentemente ainda, estamos presenciando um interesse crescente entre os adventistas com relação à adoração. Uma edição inteira da revista Ministry (Ministério) foi dedicada ao tema (outubro 1991) e em 1992 e 1993 foram realizadas conferências regionais sobre adoração na parte ocidental da América do Norte, em parte como resposta às novas variações denominadas de Adoração de Celebração, introduzidas em algumas igrejas, especialmente nessa área, as quais têm provocado polêmica.

O que ainda necessita ser feito é formular uma sustentação teológica daquilo que a adoração significa para os adventistas. Este artigo pretende contribuir para essa tarefa de forma preliminar.

O que é Adoração?

Extraímos nossas definições de adoração a partir de fontes bíblicas, bem como da experiência humana. Embora a antropologia secularizada ofereça descrições genéricas, apontando elementos de similaridade entre todas as tentativas dos seres humanos para alcançar o divino, existem diferenças significativas, especialmente entre a adoração cristã e pagã. Alguns argumentam que uma grande afinidade a qualquer ideia ou objeto constitui adoração. Assim, o ateu pode adorar. Esta definição não se enquadra ao uso do termo nas Escrituras, portanto, não pode ser aplicada a um culto cristão que segue normas bíblicas.

Uma vez que a adoração é relatada nas Escrituras sob uma grande variedade de circunstâncias, esforços para defini-la exigem uma série de pressupostos.

A maioria dos escritores cristãos reconhece a natureza teocêntrica do culto cristão. De alguma maneira nós, como criaturas, entramos em relação com nosso Criador. Pensamos na adoração em sua plenitude como um culto dramático a Deus por causa de Sua suprema dignidade. É esta dignidade que fornece a norma e a inspiração para toda a vida humana. Deus está no centro de tudo, porque Sua natureza o exige. Não existem outras opções. Como Frederick Schroeder descreve, “Adoração, no seu mais elevado e melhor, é o ato de dar a Deus a honra e a glória que Lhe é devida, sem levar em conta qualquer satisfação pessoal ou benefícios provenientes do ato de adoração” (Schroeder, 1966, p. 32).

Na adoração, reconhecemos a unicidade de Deus. O relacionamento é objetivo. Quer adoremos ou não, Ele existe de forma inalterada em todos os sentidos. A adoração cristã nos leva a uma revisão de nós mesmos, em função da Sua natureza e Seu conhecimento de nós. Em tal adoração reconhecemos a Deus como fonte de tudo sendo, portanto, o próprio iniciador do culto. Estendemos a mão em resposta à iniciativa divina.

O resultado é um diálogo entre desiguais, relatado especialmente no Antigo Testamento, mas também no Novo, no qual Deus, como iniciador, conversa com os adoradores humanos. Assim, Deus fala com Adão e Eva no Éden (Gênesis 3), com Noé (Gênesis 6:13-21), Abraão, em Ur (Gênesis 12), com Jacó (Gênesis 32), e com muitos outros. Ele fala com Samuel na tenda do santuário (I Samuel 3), através de Gabriel com Zacarias, o sacerdote (Lucas 1:11-20), com Maria, mãe de Jesus (vs. 26-38), e o próprio Cristo com Saulo o perseguidor, e com Ananias em Damasco (Atos 9).

Deus estabeleceu uma relação particularmente íntima através de Seus atos no decorrer da história, mas acima de tudo, Seu esforço para nos alcançar é coroado com o dom de Jesus e com o envio do Espírito Santo.

Na adoração, expressamos uma fidelidade radical que se coloca acima de todas as coisas ou ações. É o ato de doar-se, de relacionamento e de renovação. Adoração é o culto total, o que leva à renovação interior e reconhecimento da presença do Espírito. Seu fim é a vida eterna na presença do próprio Deus.

Deus aceita uma adoração que demonstra um compromisso radical com Ele acima de todas as outras coisas. Como único Criador, isto Lhe é devido. Por esta razão, reduzir a adoração à simples execução de um ritual é negar a sua essência fundamental, necessária para que ela seja verdadeira.

Como com qualquer coisa repetida, a tendência humana é reduzi-la ao mecanicismo. Exatamente este tipo de culto foi denunciado pelos profetas, especialmente Isaías, Miquéias, Amós e Oséias, e por Jesus (Mateus 6:7).

Reconhecemos corretamente que Deus é diferente de nós e infinitamente superior, porém por Sua escolha Ele entra em comunhão conosco de uma forma íntima, indescritível em palavras. Na interação entre a adoração como um reconhecimento de Sua alteridade e de nosso senso de Sua proximidade, desfrutamos uma rica plenitude indisponível a qualquer das duas formas sozinha. Ao longo do tempo, manter o equilíbrio entre esses elementos tem-se revelado um desafio. A História está repleta de extremos de ambos os lados, o que tem gerado conflitos importantes entre os cristãos.

Outra dimensão teológica do culto se desdobra mais claramente nos escritos paulinos, onde o culto é identificado com dedicação total. O culto ao qual Paulo nos chama transcende um ato formal inserido entra as nossas atividades diárias; significa o compromisso de todo o nosso ser a Ele na forma mais plena de dedicação (Romanos 12:1, I Coríntios 6:20, I Pedro 2:5). Dizer isto amplia a nossa definição de adoração para abranger toda a relação entre nós e Deus, mas a história de Deus e do homem não é concebida exatamente para explicar e verificar essa relação? Adoramos não somente na oração, na música, em determinados atos designados, mas em toda uma vida comprometida com Deus, sem reservas.

Sob esse amplo guarda-chuva de culto, apresentamos certos elementos da vida a Ele através de atos ou eventos específicos, tais como a oração pessoal ou pública, dádivas e outros meios. Mas, em essência, é a nós mesmos que apresentamos a Ele como o máximo sacrifício que podemos fazer.

Uma vez que o culto pode ser descrito como adoração a Deus, tudo o que fazemos está relacionado a ele. Isto significa que a adoração é dirigida por nosso conceito de como Deus é como e quais são seus propósitos. Tanto o significado interior da adoração quanto a maneira como ela se expressa estão relacionados à teologia. Se Deus é pensado como um tirano, ou remoto e indiferente, irritado ou paterno, nos aproximaremos dEle a partir de perspectivas diferentes. Por isso, é urgentemente importante para a adoração que desenvolvamos uma compreensão madura dEle.

Uma série de pressupostos teológicos fundamenta o modo como concebemos a adoração adequada. Será útil rever brevemente algumas dos mais importantes.

Um deles trata com o conceito humano da localização de Deus. O relato do Gênesis apresenta Deus como acima do tempo e do espaço, um ser majestoso, a cuja ordem a matéria passa a existir. O salmista ecoa esta visão de Deus como a Majestade transcendente. (Salmos 33 e outros)

Com o passar do tempo essa visão exaltada tornou-se comprometida pelo desenvolvimento do paganismo, no qual as coisas materiais presentes no ambiente foram sacralizados. A grande luta, na crescente compreensão hebraica de Deu,s foi com relação à dessacralização de objetos materiais e a transferência do respeito para Aquele que fez as coisas materiais. Não apenas os patriarcas tiveram que lutar para compreender essa verdade, mas também tiveram que aprender que somente Ele é Deus.

Temos muitas evidências nas narrativas patriarcais de que os crentes primitivos ainda relacionavam a adoração de Deus com determinados locais. Pedras memoriais são criadas para marcar pontos de contato incomuns com Deus. A tenda portátil de adoração construída durante o êxodo atenuou a ideia de lugar, devido à sua natureza. O estabelecimento de David e Salomão de uma capital permanente com seu centro religioso reforçou a ideia de lugar, porém estava claro para os hebreus que a adoração poderia ocorrer também em outros lugares, como em suas casas. Uma casa de Deus central servia a propósitos valiosos e estava dentro do plano de Deus, mas reforçou excessivamente a dependência do local. No entanto, o conceito de local não deveria obscurecer a majestade de Deus. Na cerimônia de dedicação do templo, Salomão observa isto em sua oração dedicatória: “Mas, na verdade, habitaria Deus na terra? Eis que os céus, e até o céu dos céus, não te poderiam conter…” (I Reis 8:27). Isaías descreve Deus como “o Alto e o Sublime, que habita na eternidade, e cujo nome é Santo” (Isaías 57:15).

Com a destruição do templo em 586 A.C. e o exílio dos judeus na Babilônia, o culto espalhou-se para onde os judeus se encontravam. Aparentemente, a sinagoga desenvolveu-se sob essas condições como veículo da adoração dispersa.

Mesmo com a restauração do templo de Jerusalém, as sinagogas mantiveram-se como locais de culto além do templo; a sinagoga orientada para o estudo da Torá, o templo para o sacrifício. Jesus adorou em ambos os lugares, mas em conversa com a mulher em Samaria, ele observou: “Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem. Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade.” (João 4:23, 24). Jesus destacou a verdade de que Deus não deve ser localizado, mas está facilmente acessível a qualquer pessoa, onde quer que esteja.

De todas as qualidades que Deus tem revelado de Si mesmo, possivelmente a mais profunda é a Sua santidade. É verdade que a santidade traz um elemento de mistério, mas a ideia de pureza é fortemente presente. No código de santidade de Levítico 19 Deus estabelece a Si mesmo como modelo de santidade. A única razão dada para a moralidade é que ela reflete Seu caráter. “Santos sereis, porque eu, o Senhor vosso Deus, sou santo” (Levítico 19:2). A natureza santa de Deus é uma consideração de grande importância, levando o homem a adorá-Lo. Nossa imperfeição se coloca em constante violação de Sua natureza, tornando necessária uma reconciliação, que foi realizada por Cristo na cruz. As barreiras de violação foram quebradas, abrindo caminho aos os fiéis arrependidos de caráter defeituoso para que entrem em comunhão com Deus, que é a santidade absoluta.

Na justiça de Deus encontramos Sua característica de constância invariável. Adoramos um Deus que não somente é confiável, é forte no julgamento, defesa e retribuição. Ele recebe a nossa adoração com base em que podemos ter confiança absoluta nEle, cimentando assim a proximidade que a adoração implica.

Ao longo das Escrituras, Deus revela-Se como o Deus da misericórdia e compaixão, digno de nossa adoração. Deus é amor, que nunca pode ser entendido como favoritismo sentimental, mas em termos de esforço incisivo para fazer o bem para nós. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento esse tema é repetido muitas vezes; especialmente em hebraico com a palavra, “chesed“, normalmente traduzida por bondade. O Senhor assegura a Seu povo que Ele está “comprometido para sempre” com eles (Oséias 2:19). Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento Ele é um pai misericordioso. O salmista nos diz: “Assim como um pai se compadece de seus filhos, assim o Senhor se compadece daqueles que o temem.” (Salmos 103:13). Ao revelar Sua natureza compassiva Deus nos convida a adorá-Lo na certeza de que Ele nos aceita quando chegamos em honestidade para adorá-Lo.

Muitos outros princípios teológicos estão subjacentes à adoração de Deus. Não apenas Ele é o único Deus vivo (Hebreus 9:14), Seu Senhorio é pessoal, legítimo e completo. Ele não governa como “despotes“, mas como “kurios“. Como criador do céu e da terra, Ele é, apenas por esse tato, digno de nossa adoração (Atos 4:24, 17:22). Ele não é apenas criador, mas mantenedor de todas as coisas, o controlador de tudo (“pantkorkrator“, Apocalipse 4:9).

Ele é o mesmo Deus tanto no Antigo quanto no Novo Testamento (Atos 13:14-17); de fato, o Deus dos hebreus é plenamente revelado no Filho (Efésios 1:3). Ele não é somente o Deus cósmico da criação, Ele é íntimo, e sua presença está conosco em todos os tempos (I Coríntios 14:25, Isaías 45:14). Além disso, está preocupado com a nossa adoração, desejando que O adoremos de maneira aceitável e agradável a Ele (Hebreus 12:28; 13:16). Ele é Aquele que lê os nossos corações e entende as nossas preocupações (Atos 1:24, Romanos 8:27). Apesar das vastas diferenças entre a Sua natureza e nossa, Ele pede a nossa confiança e promete intimidade. “Chegai-vos a Deus, e Ele se chegará a vós” (Tiago 4:8). Por todas as qualidades que Deus tem revelado de Si mesmo Ele merece louvor e glória (Romanos 15:6, Atos 2:46).

A suprema revelação de Deus encontra-se em Seu Filho Jesus Cristo. “O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse O revelou” (João 1:18). “Ele é a imagem do Deus invisível”, “criador de todas as coisas” (Cl 1:15, 16). Uma vez que é também o único meio de salvação (Atos 4:12), Ele é o objeto tanto de louvor quanto de adoração por causa de Seu caráter e da nossa gratidão por Sua redenção. O culto cristão, portanto, é cristocêntrico. O Apocalipse retrata um fim ao reinado do pecado, no qual cada criatura cai em adoração diante de Cristo, aclamando-O como soberano acima de tudo, adorando.

Adoração e a Trindade

Embora as Escrituras contenham algumas declarações diretamente a respeito de Deus em três pessoas, descrições bíblicas dos relacionamentos entre o Pai, Filho e Espírito Santo são dificilmente compreensíveis, sem reconhecê-los como um fato. Em João 17, encontramos Jesus, dirigindo-se a seu Pai no céu, estabelecendo claramente uma distinção entre eles. Nenhuma forma de modalismo é compatível com isto. Em outra parte, vamos encontrá-los falando do Espírito como uma entidade completamente separada. Essa distinção não está limitada aos escritos de João. O estudo das Escrituras torna cada vez mais claro que a adoração é apropriadamente dirigida a todas as três pessoas.

A discussão acadêmica continua sobre quando Cristo veio a ser reconhecido como divindade pelos primeiros cristãos. A confissão de Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mateus 16:16) surgiu durante a visita a Cesaréia de Filipe, bem antes do encerramento do ministério público de Cristo. Estevão, em sua morte, reza: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (Atos 7:59), um reconhecimento óbvio da adequação da oração a Jesus. Os hinos para Cristo, como em Filipenses 2:6-11, I Timóteo 3:16 atribuem claramente a divindade a Jesus. Orações a Cristo são freqüentes no Novo Testamento, incluindo a mais antiga das orações relatadas, Maranatha.

Plínio, o Jovem (62-113 dC), fornece em uma carta o mais antigo relatório não-cristão sobre o culto cristão, no qual ele relata hinos cantados de maneira antifonal “a Cristo como um Deus” (Plínio a Trajano, carta 96). Exemplos de oração ao Espírito Santo são menos comuns, mas não totalmente ausentes. O reconhecimento do Espírito como divino aparece muitas vezes na expressão, o Espírito de Deus (Romanos 8:9 e outros). O Espírito Santo tem um lugar de destaque no culto, sendo o único que nos transforma à semelhança de Cristo (II Coríntios 3:17-18). Através dos dons do Espírito, Ele motiva muito do ministério da igreja (I Coríntios 12 e 14). O Espírito é ativo em nossas orações, tornando-as aceitáveis a Deus através da intercessão ativa (Romanos 8:26, 27).

Com base nestes e numerosos outros exemplos, sabemos que três pessoas são reconhecidas como divindade nas Escrituras; portanto, a adoração é apropriada para todos. Embora não possamos saber o exato relacionamento entre as pessoas divinas, sabemos que eles funcionam em perfeita harmonia e podem ser imaginados como uma unidade, um só Deus. Adoração é adequada para todos, e todos se relacionam conosco como adoradores.

Divino e Humano na Adoração

Embora o estudo das Escrituras apresente a adoração como teocêntrica, um componente humano está envolvido também. O reconhecimento da dignidade de Deus produz uma resposta no adorador, o que é aparente em muitas passagens das Escrituras. O tema da adoração é especialmente importante nos Salmos, por exemplo, porém eles também expressam os níveis mais profundos do envolvimento pessoal humano.

A discussão dos dons espirituais em I Coríntios salienta as atividades humanas em resposta à adoração a Deus. O capítulo 14, em particular, como uma discussão das atividades nos cultos públicos de adoração, argumenta que o que quer que ocorra, tudo deve levar ao crescimento espiritual dos adoradores. Se não edificar os santos, deve ficar em segundo plano, mesmo os dons do Espírito.

Embora a ordem seja uma exigência para a adoração dos primeiros cristãos (I Coríntios 14:40), um elemento de espontaneidade está presente. Eduard Schweizer afirma que é estranho ao Novo Testamento dividir a comunidade de culto em orador e ouvintes (Schweizer 1957, p 295). Talvez a questão gire em torno de até que ponto expressamos esta divisão. Em outra parte, é bastante claro que a adoração pública possui um orador específico e ouvintes. Como afirma James Moffatt, a adoração não deve ser transformada em um grupo de discussão (Moffatt 1938, p 23).

As Escrituras descrevem a adoração nos níveis pessoal, comunitário e nacional. Cada um tem seu lugar apropriado. Com o desaparecimento da teocracia, no entanto, o local de culto nacional desaparece a partir da era cristã, embora as autoridades civis continuem a manter uma função legítima na economia de Deus (*) (Romanos 13:1-5).

Nesta base, a adoração é pessoal e coletiva. Mesmo na adoração coletiva o elemento pessoal continua. Notamos, por exemplo, que, embora os dons do Espírito sejam pessoais, são distribuídos através da congregação com a intenção de que todo o grupo de adoradores seja edificado. O sacerdócio de cada crente é um ensinamento bíblico firmemente estabelecido (I Pedro 2:1-10), com implicações profundas para a forma como o culto cristão é conduzido. Quase completamente perdida nos tempos medievais, esta verdade foi recuperada pelos reformadores do século 16. Suas implicações plenas foram reconhecidas pelos reformistas radicais, que anteciparam alguns elementos da prática adventista.

A tendência do Iluminismo em direção à personalização se reflete hoje na tendência da sociedade para o excesso da personalização da fé. A fé pessoal, expressa na adoração pessoal tem um longo registro na história da salvação, mas através da adoração coletiva o indivíduo apresenta-se para ser incorporado ao corpo de Cristo. A adoração não consegue chegar a seu objetivo no isolamento intencional e continuado dos crentes. A adoração cristã é social, bem como pessoal.

Apesar de a adoração encontrar seu foco em Deus, traz ao adorador muitos benefícios imediatos. A adoração fornece comunhão com Deus, assim como com outros crentes, atendendo a uma necessidade humana básica. Sustenta o valor pessoal e enfatiza a responsabilidade. Amplia perspectivas para além do estrito interesse próprio. Lembra-nos de nossa natureza finita, mas abre conexão com o Deus infinito. Realiza um ministério purificador e redentor, pois quando nos levantamos da adoração saímos livres da culpa que trouxemos diante de Deus. Ela nos educa sobre como Deus é. A verdadeira adoração edifica. Fornece uma compreensão do nosso destino em termos cósmicos, especialmente quando a adoração incorpora a compreensão da Palavra de Deus. Integra os elementos soltos da vida neste mundo. A afinidade com um Deus santo inspira integridade e obediência à vontade de Deus. Provoca-nos a fazer o serviço de Deus – um esforço para alcançar os outros caracterizado pela zelosa atividade pela Sua causa.

Devido a uma compreensão inadequada do que a adoração oferece ao ser humano diante de Deus, muitos cristãos não conseguem obter os benefícios da adoração genuína. Isto leva ao empobrecimento trágico da alma e uma série de falsas concepções sobre a adoração e o próprio Deus.

Que elementos são necessários, quando uma pessoa chega diante de Deus? Primeiro, ele deve vir em fé (Hebreus 11:6 em diante). A adoração traz uma unidade de coração e mente; portanto, Paulo enfatiza a importância da adoração com entendimento, tanto na oração quanto no estudo da Palavra (I Coríntios 14:15). A adoração deve ser internalizada, espiritual. Adoramos em espírito e em verdade, e isto se estende além do ritual externo. Nossa adoração é “ao Senhor” (Colossenses 3:23), estendendo-se além do espaço e do tempo.

A adoração nos permite abordar a Deus, que é inacessível, exceto em Cristo (I Timóteo 6:17, Hebreus 4:16, Tiago 4:8). Embora baseado em uma relação pessoal, partilhamos o nosso louvor a Deus (Atos 4:24, Efésios 5:19). Adoração é reverente, repetida e inclusiva, não exclusiva (Tiago 2:1 em diante).

Adoração Católica e Protestante

Existem diferenças significativas entre o culto praticado por católicos, tanto ortodoxos quanto ocidentais, e protestantes. A prática católica salienta objetividade. A adoração é ad gloriam Dei. No que diz respeito à sua eficácia a presença de pessoas é incidental. Apropriadamente executada por pessoas devidamente ordenadas, tem mérito em si mesma. Pode ser e muitas vezes é realizada em uma língua desconhecida aos participantes.

Em contrapartida, os protestantes reconhecem também uma qualidade subjetiva. O objetivo principal torna-se edificar o adorador, estabelecer uma ligação entre o adorador e Deus. O teste é a inteligibilidade. Tal adoração leva à auto-análise e à busca de paz interior. Ela também presta-se aos tipos de abuso que a tem caracterizado nos últimos 50 anos.

Os esforços da Reforma para alterar o culto público produziram vigorosos confrontos. A liturgia sempre segue a teologia; portanto, a nova compreensão da salvação pela fé (que é pessoal), a redefinição dos sacramentos, especialmente a missa, do conduto salvífico da graça para memoriais do ato salvífico de Cristo, o sacerdócio de cada crente, e a interpretação pessoal das Escrituras, significavam que a adoração pública devia mudar.

Resistência populista à mudança, uma compreensão mínima das questões teológicas, e o fato que a mudança litúrgica foi implementada por governantes civis – tudo conspirava para criar condições explosivas. Em muitos casos, a mistura entre a Igreja e o Estado politizou a adoração, levando a conflitos e, em alguns casos, guerra civil. Na medida em que a Igreja e o Estado continuam a ter ligações estreitas, o problema permanece. O secularismo no mundo ocidental tem diminuído o conflito conforme a grande maioria dos cidadãos de fato está abandonando as igrejas.

Em nenhum outro ponto a diferença é mais clara entre a adoração católica e a protestante do que na ceia. Os protestantes trouxeram o serviço de volta à adoração comunitária, verdadeiramente participativa, não apenas aos beneficiários do pão e do vinho. O altar medieval é substituído pela mesa. O líder de louvor não está mais agindo em nome dos celebrantes, mas entre eles. Sacerdotalismo e sacramentalismo desapareceram.

De todos os protestantes, os adventistas têm compreensões teológicas que exigem uma ceia participativa. Nosso objetivo de restaurar a prática dos primeiros cristãos, incluindo o sábado e os outros elementos da fé apostólica, juntamente com o sacerdócio de cada crente, significa a participação de cada crente. Nosso reconhecimento de que um único sumo sacerdote serve agora em nosso favor no santuário celestial – Jesus Cristo – destrói o sacerdotalismo terreno. Cada crente tem acesso direto a Cristo, e uma intimidade com Deus que desloca qualquer mediador terrestre. A adoração é direta, sem mediação. A teologia determina a liturgia: para nós, portanto, a ceia só pode ser aberta a todos os crentes. O lava-pés oferece o máximo em adoração participativa, a um nível perdido por aquelas igrejas que deixaram de fazê-lo.

O Culto de Adoração Coletivo

Embora em última análise a adoração seja pessoal, sendo um reconhecimento dos méritos infinitos de Deus, ela é expressa coletivamente. Deus não tem apenas adoradores individuais, mas também um povo que O adora – o corpo de Cristo, os crentes reunidos. Este culto coletivo tem um perfil elevado nos tempos tanto do Velho quanto do Novo Testamento.

Portanto, para os adventistas, a adoração coletiva, tanto no conceito quanto na prática, aceita e segue as normas bíblicas. O Novo Testamento, em especial, serve como guia.

Mas a igreja do Novo Testamento se apoiou fortemente na adoração judaica anterior. Estudiosos como Roland de Vaux e A.S. Herbert estudaram intensamente a adoração hebraica, nos ajudando a ver como os primeiros cristãos adotaram e adaptaram a partir de padrões anteriores.

Notavelmente, o Antigo Testamento nunca descreve em detalhes um único ato de adoração. Ocorrem relatos parciais, particularmente de ocasiões especiais, como na dedicação do templo de Salomão (II Crônicas 5-7). Os regulamentos que regem o sacrifício aparecem em Levítico 6 e 7.

Antes do exílio, a Bíblia relata uma disputa sobre quem deve ser adorado: que Deus ou deuses? Igualmente problemática foi a luta contra o sincretismo, principalmente no reino do norte.

Um século atrás, Hermann Gunkel destruiu a ideia predominante de que os salmos são uma mescla de devoções, mostrando que muitos serviam a propósitos específicos. Como o mais importante livro litúrgico do Antigo Testamento, o saltério merece atenção. Longe de impor uma estrutura rígida, ele engloba uma vasta gama de experiências. Seus hinos sobre os acontecimentos da história sagrada, as chamadas para a adoração, louvores e salmos reais referem-se a muitos elementos da vida.

O lugar da música na adoração, conhecido desde muito antes, é expandido nos salmos. Teologicamente, os salmos introduzem pela primeira vez um tema escatológico na adoração. Jeová não é somente o Deus de livramentos passados, Ele também controla o futuro. Os salmos assumem um significado especial como o livro mais citado por Jesus. O mesmo acontece com os escritores do Novo Testamento.

Com a reorganização de Esdras após o exílio, o centro de adoração focou-se menos no sacrifício e mais no estudo das Escrituras, particularmente a Torá. Neste período a sinagoga apareceu, proporcionando uma ocasião de adoração semanal localizada em cada comunidade, com seu foco na Torá. Este desenvolvimento ajudou a combater a excessiva formalidade, ritualismo e tendências sincréticas tão combatidas pelos profetas de antes do exílio.

Nenhuma palavra hebraica é exatamente equivalente ao nosso termo adoração, mas o conceito é transmitido por meio de descrições de atividades. O substantivo hebraico, “cabad“, para servir, tem conotações de “adorar” também. Assim, no segundo mandamento que nos é dito para não reproduzirmos a semelhança de qualquer coisa em nosso ambiente. Para quê? Para a adoração. Deus nos proíbe de nos curvarmos a eles ou de servi-los, uma óbvia referência à adoração. A outra expressão, curvar-se, é baseado no hebraico “shacah“, curvar, que com seu derivativo “histahawa“, prostrar-se, curvar, dobrar para baixo, aparece mais de 170 vezes no Antigo Testamento. O termo aramaico paralelo “sgd” aparece 12 vezes em Daniel. Os hebreus são expressamente advertidos contra prestar reverência a outros deuses (Deuteronômio 5:9, 20:5, Êxodo 23:24, e outros). O conceito fundamental é a humildade diante dos superiores.

Jesus foi participante, tanto do formato de adoração do templo quanto da sinagoga. Ele foi dedicado no templo, iniciado ali aos 12 anos de idade, e em Seu ministério na Judéia freqüentemente ensinava no recinto do templo. Geralmente Ele participava das festas judaicas. No entanto, O encontramos aos sábados indo adorar nas sinagogas “como era seu costume” (Lucas 4:16).

Os primeiros cristãos continuaram a adorar no ambiente judaico, e eram considerados como uma seita do judaísmo, a seita do Nazareno (Atos 24:5). Depois da ascensão de Cristo eles continuaram no templo (Atos 2:46, compare com Lucas 24:52, 53, Atos 3:1), porém com um acréscimo distintamente cristão, o partir do pão (Atos 2:42, 46). Eles continuaram sua obra, entre os gentios convertidos e os tementes a Deus (Atos 10:22, 13:16).

Com raízes na adoração hebraica, os cristãos seguiram o seu padrão básico, com Jesus sendo, contudo, o cumprimento do sistema de sacrifícios do templo. Muito claramente a sinagoga forneceu o modelo que se fundiu com a experiência do cenáculo. O culto da sinagoga era realizado semanalmente, no sábado, consistindo de leitura das Escrituras, pregação, oração e cânticos. A estes elementos foi adicionada especificamente a ceia, um memorial especial da comunhão com o Messias.

Assim como o hebraico, o grego usado pelos primeiros cristãos não tinha um equivalente exato para o nosso termo “adoração”. Várias palavras contribuíram, sendo uma delas “latreia” e seus derivados, todos associados com a ideia de serviço. Sua forma “latreuo” significa servir voluntariamente sem pensar em recompensa (Filipenses 3:3). É pela influência dessas palavras que falamos hoje “culto” de adoração.

Leitourgia“, fonte de nossa palavra “liturgia” significava em Atenas um serviço ou programa público encenado por um cidadão à suas próprias custas. Somos informados de que Cristo serve como “um ministro (leitourgia) no santuário” em nosso favor (Hebreus 8:2). Aqui suas conotações sacrificiais são claras, algo raro no Novo Testamento.

Uma palavra grega diferente, “proskuneo“, chega mais perto do significado da nossa palavra moderna, adoração. Literalmente significa “beijar a mão” [de alguém superior a si mesmo], e transmite a ideia de prostração ou homenagem, dobrando os joelhos. Rara, exceto nos evangelhos e Apocalipse, é o paralelo mais próximo ao termo hebraico “shacah“. Seu uso no Novo Testamento representa um ato público em resposta a uma motivação interna.

Como observado anteriormente, no Novo Testamento o conceito de culto como serviço é expandido para incluir a totalidade da vida. Paulo exorta os romanos “que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional” (Romanos 12:1). A adoração se torna mais do que uma questão pública formal, mas um elemento integrante de cada ato e pensamento. O cristão apresenta todo o seu eu, incluindo o corpo físico, como adoração. Aqui encontramos um dos fundamentos teológicos importantes para uma vida saudável, que é uma parte importante da mensagem Adventista do Sétimo Dia.

Se a adoração é um serviço apresentado voluntariamente a Deus em sinal de gratidão, é um serviço que distingue o discípulo. Ele então serve a Deus, um tema bíblico freqüente. A resposta de Jesus à tentação de Satanás veio na forma de uma citação de Deuteronômio 6:13, “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a Ele servirás” (Lucas 4:8). Servir a Deus se torna adorá-Lo.

O Culto no Novo Testamento

O culto cristão primitivo era constituído por seis elementos: Escrituras, pregação, oração, cânticos, a ceia, e a entrega de donativos (Atos 2:42, 46, 20:7, I Colossenses 16:1-3). Parece duvidoso que tenhamos informações suficientes para reconstruir uma ordem exata de serviço, embora existam dados consideráveis. É pouco provável que um ciclo fixo de leituras bíblicas fosse seguido em toda parte, embora os padrões da sinagoga fornecessem um, caso fosse desejado. Sabemos que os escritos dos apóstolos eram lidos, bem como as Escrituras hebraicas.

Os temas das pregações centraram-se na salvação, especialmente baseados em passagens extraídas das profecias do Antigo Testamento, juntamente com depoimentos extensos sobre Cristo. Parece que as orações eram livres e não formais, embora os antigos “Didaqué” pós-apostólicos relatem a repetição formal da oração do Senhor e da doxologia (Didaqué 10.6, 8).

A expressão aramaica “abba, Pai”, parece ter tido um uso litúrgico (Gálatas 4:6, Romanos 8:15). Como observado anteriormente, “Maranatha, vem Senhor Jesus”, fecha a primeira carta a Corinto (I Coríntios 16:22) e aparece no grego como um imperativo de encerramento do Apocalipse (Apocalipse 22:20). A forma aramaica aparece no fim da ceia na Didaqué (Didaqué 10.6).

Depois da Sua ressurreição a maioria das aparições de Cristo ocorreu às refeições. Estas foram ocasiões de intimidade e prazer, não de sacrifício (Lucas 24:30, 41-43, Atos 1:4). Jesus comeu com os discípulos, literalmente “pegou o sal com eles”. Ao juntar-se a eles em suas refeições, Jesus celebrou a ressurreição e seu futuro, que antecipa quando comeremos juntos no reino. Paulo relaciona este evento à Última Ceia (I Coríntios 11:26). Os evangelhos sinóticos ecoam “até que Ele venha”, sempre observando o elemento escatológico. Para os laodiceanos arrependidos Jesus promete: “entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo” (Apocalipse 3:20).

Os registros do Novo Testamento falam da música na adoração: salmos, hinos e cânticos espirituais (I Coríntios 14:26, Colossenses 3:16, Efésios 5:19). Especialmente em Apocalipse, a música aparece fortemente nas cortes celestiais (Apocalipse 5:9, 5:12, 12:10-12, 19:1-2, 19:6). O relato dos cristãos durante a adoração, na carta de Plínio, o Jovem (62-114 D.C.), nos fala de cânticos antifonais “a Cristo como a um deus”, acompanhada por outras práticas inocentes, como o comprometimento a viver uma boa vida de cumpridores da lei (Plínio a Trajano, Carta 96).

A adoração cristã primitiva incluía bênçãos e doxologias que parecem ser estereotipadas (Gálatas 6:18, Filipenses 4:23, II Coríntios 13:13), e a utilização do “amem” (I Coríntios 14:16).

A descrição mais completa pós-apostólica de um culto de adoração cristão primitivo vem do apologista cristão Justino, que, evidentemente, relata a adoração conforme era praticada em Roma (c. 150 D.C,).

“No dia que tem o nome do sol uma reunião de todos os que vivem nas cidades ou no campo ocorre em um ponto comum e as memórias dos apóstolos ou os escritos dos profetas são lidos conforme o tempo permite. Quando o leitor termina o líder faz um discurso no qual exorta e pede que sigamos aqueles nobres ensinamentos e exemplos. Então nos levantamos e enviamos nossas orações ao céu. E, como disse antes, assim que terminamos a oração, pão e vinho misturado com água são servidos e o líder também ora e dá graças, tão poderosamente quanto pode, e as pessoas participam dizendo ‘Amém‘, e então vem a distribuição a cada um da refeição comum e das dádivas que foram trazidas e também para aqueles que não estão presentes é enviada pelas mãos dos diáconos. … “(Justino, Apologia, cap. 67).

Todos os relatos do Novo Testamento, bem como os de Plínio e Justino indicam uma forma de culto livre, embora sem reservas para a inclusão de certos componentes estereotipados. Isto é significativo hoje porque o nosso compromisso em seguir as normas do Novo Testamento é fundamental para o culto de adoração adventista. Em todo o mundo, através das centenas de grupos culturais, a adoração adventista se relaciona fielmente com o exemplo bíblico, reconhecendo que os relatos da igreja primitiva não impunham uma ordem fixa para o culto.

A história de como a simplicidade do cristianismo primitivo foi perdida, vinculada à evolução teológica que terminou no episcopado monárquico e no sacramentalismo, é familiar. Seu produto final foi a forma medieval do cristianismo, tanto do Oriente quanto do Ocidente, o qual na doutrina e prática afastou-se largamente da fé e prática originais.

A ceia continua a ser importante hoje, mas não ofusca os outros componentes legítimos. Seu nome, eucaristia (do grego “eucharisteo“) carrega o significado de gratidão ou louvor. Em vez de servir como uma recordação melancólica da morte de Cristo, ela incorpora também a alegria da ressurreição e Seu Reino vindouro. Portanto, a ideia de gratidão ou louvor é inteiramente apropriada. A adoração inspirada pelo Espírito leva à glorificação e ao louvor de Cristo (Efésios 5:19, 20, Colossenses 3:16).

Acima de todos os outros livros do Novo Testamento, a adoração assume especial importância no Apocalipse. Cenas do trono celestial aparecem especialmente nos capítulos 4 e 5. Repetidamente a narração descreve coros de louvor conforme Deus intervém para livrar Seu povo de grande perigo.

Uma crise acerca da adoração irá precipitar o conflito final dos séculos, relatado nos capítulos 12 e 13, onde o povo remanescente de Deus enfrentará uma escolha sobre a quem irão adorar, visto no sentido de lealdade e obediência finais. O tipo de adoração que está em jogo é o comprometimento de toda a vida, agora em crise e confrontada com a marca da besta. Os que são fiéis a Cristo são milagrosamente salvos pela intervenção de Cristo.

Como adventistas, encontramos nas mensagens dos três anjos de Apocalipse 14:6-12 nosso comissionamento especial. Todo o mundo deve ouvir as mensagens, que começam com uma chamada à adoração a Deus como Criador, à luz da chegada do seu juízo. O apelo é por uma razão original: Ele é o criador. A segunda adverte contra o comprometimento com a religião apóstata, a terceira é uma solene advertência de que as forças do mal agora serão destruídas. No meio do tumulto, João vê o fiel povo de Deus que, contra todas as pressões, continuam perseverantes em Deus, tendo os “mandamentos de Deus e a fé de Jesus” (Apocalipse 14:12).

O Apocalipse encerra a história do pecado e da redenção, com um poderoso brado de louvor à triunfante vinda de Jesus em glória (Apocalipse 19). No final, é o Cristo conquistador que recebe toda adoração e louvor.

Adoração Hoje

Muitas das forças que transformaram o culto cristão primitivo em sua expressão medieval continuam a influenciar-nos hoje. Se estivermos comprometidos com três princípios básicos: (1) A adoração é teocêntrica, é um culto a Deus, (2) A adoração deve concordar com uma teologia correta, e (3) A adoração deve ter como padrão as normas bíblicas; teremos diretrizes confiáveis. Equívoco em qualquer um desses princípios fundamentais apresenta problemas sérios.

O pensamento superficial acerca do significado da adoração nos deixa vulneráveis a uma série de dificuldades que agora assolam a igreja em algumas partes do mundo. A adoração pode ter o seu foco em qualquer de três níveis: teologia, ética e estética. Embora todos eles tenham suas virtudes, é importante que a teologia bíblica tenha a primazia. Todas as religiões compartilham características comuns de ética e estética, mas na teologia bíblica o cristianismo recebe a sua qualidade única. O excesso de foco na ética leva ou a um programa legalístico de obras ou a uma orientação filosófica. Semelhanças éticas do antigo estoicismo com a fé cristã ameaçaram por algum tempo a igreja com uma redefinição de sua missão que a teria destruído.

Muitas das atividades contemporâneas ocorrendo sob o nome de adoração reduziram o caráter da adoração cristã a uma busca pela beleza. No desenvolvimento da apostasia dos séculos IV e V, no exato momento em que a verdadeira adoração estava em declínio, as igrejas tornaram-se repositórios de magistrais obras artísticas de vários tipos. Misturado com rituais litúrgicos solenes, a adoração perdeu o caráter espontâneo que tinha nos tempos apostólicos. Devemos tomar cuidado para que nem a ética, nem a busca da beleza, ambos legítimos em seu lugar, superem o fato teológico do ser humano na presença do Deus infinito.

Muito do cristianismo contemporâneo está agora em violação de pelo menos uma das três diretrizes mencionadas anteriormente. O resultado é o enfraquecimento da igreja e do testemunho cristão e uma tentativa de reconquistar o favor através de inovações pragmáticas no culto e na doutrina.

Durante os anos 1960 e 1970, muitas igrejas ocidentais experimentaram o que é chamado de renovação litúrgica. Seguindo as teorias atuais das ciências sociais, relações públicas e marketing, elas tentaram aplicar os princípios comuns do comércio na religião. O efeito foi importante em muitas igrejas protestantes, gerando novos formatos na adoração. O movimento carismático varreu muitas igrejas ocidentais, tanto católicas quanto protestantes. A renovação litúrgica influenciou o Concílio Vaticano II na introdução de certas novas práticas na igreja Católica Romana, as quais continuam a provocar controvérsia.

Enquanto outras igrejas estavam experimentando esta comoção, na época houve um efeito mínimo sobre as igrejas adventistas. Recentemente, no entanto, a nova abordagem tem influenciado algumas igrejas adventistas em vários continentes. O que distingue a forma Adventista de renovação é que pela primeira vez, a teoria social contemporânea fornece normas para o culto adventista. A forma mais controversa é um fenômeno chamado de adoração “celebração”, introduzido em sua forma mais plena apenas em algumas igrejas, mas com elementos isolados utilizados mais amplamente.

Embora seja impreciso descrever o culto de celebração como carismático, existem algumas semelhanças. O formato se desenvolveu na América do Norte em determinadas igrejas designadas como evangélicas, em um uso americano especial desta palavra. Evangélicos defendem elementos da teologia conservadora, mas alguns deles cultivam um espírito empreendedor, expresso em formato religioso. Princípios de gestão empresarial e de marketing são aplicados para criar uma organização de cultos de amplo espectro, concebido para apelar a muitos grupos na sociedade. O foco é pragmático, aplicando métodos desenvolvidos por psicólogos, sociólogos, economistas e teorias modernas de capacitação organizacional para produzir um resultado final. Religião é tratada como um produto de mercado. As igrejas de celebração fora dos círculos adventistas podem ser carismáticas ou não-carismáticas.

O objetivo é atender as necessidades dos participantes dentro do que é chamado de um ambiente gerenciado cristão. Seu espírito é a contracultura e é vigorosamente individualista. Alguns elementos se assemelham à qualidade espontânea do cristianismo primitivo, mas o celebracionismo segue normas contemporâneas. Em círculos adventistas seu objetivo declarado é atrair pessoas secularizadas desiludidas pelo culto tradicional maçante, especialmente aqueles que têm origens adventistas, mas que já não praticam a fé. O tema teológico predominante é a aceitação. Os críticos argumentam que, para os celebracionistas, a aceitação significa uma visão inadequada do pecado e da conversão. Um dos efeitos da adoração celebração foi o de colocar pressão sobre a unidade da igreja.

Em resumo, quatro tipos básicos de adoração aparecem entre os cristãos: (1) Litúrgico, focado em torno dos sacramentos, (2) Semi-litúrgico, dando maior atenção à palavra e à música, (3) Adoração livre, em que a pregação é central e as orações extemporâneas, e (4) Contemporânea, onde abordagens experimentais na adoração buscam atrair a mente moderna, rejeitando esforços sérios para reproduzir a prática dos primeiros cristãos.

O que, então, é exclusivo no culto adventista? Em geral, os adventistas compartilham a perspectiva teológica da Reforma, especialmente se os reformadores radicais forem incluídos. Para nós, a adoração é profundamente centrada em Deus. Nossos cultos coletivos devem ser ordenados, mas nenhuma ordem exata de culto é necessária. As normas bíblicas são aceitas como guias na adoração.

Por causa da qualidade Cristocêntrica da nossa fé, o evangelho é inseparável da adoração, pois a adoração é a resposta espontânea, não apenas a um senso do caráter infinito de Deus, mas também a gravidade da nossa perdição e do que Ele fez para nos redimir.

A escatologia adventista inclui em nossa teologia de adoração uma conexão especial com os eventos atuais. Nosso reconhecimento das mensagens dos três anjos como nosso principal foco e a nossa compreensão de que a crise final é sobre a questão da adoração, no sentido de lealdade final, ambas as quais se combinam para colocar a adoração em uma posição de frente. Uma teologia de adoração firmemente Adventista é possível e está em desenvolvimento, mas ainda há muito a ser feito.


(*) – N.T. – a expressão “economia de Deus” é detalhada no título do livro “The Economy of God” (1968) de Witness Lee e é usada com a intenção de ressaltar o ponto focal do empreendimento divino de Deus, que é distribuir, ou dispensar, a Si mesmo ao homem. (voltar)


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George W. Reid é ex-Diretor do Instituto de Pesquisas Bíblicas da Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia – texto publicado originalmente em 1999

Traduzido por Levi de Paula Tavares em fevereiro de 2011


Fonte: Toward an Adventist Theology of Worship – Biblical Research Institute – General Conference of Seventh-day Adventists


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