por: Elias Tavares
O uso instrumental na história
O piano, a harpa a trombeta, a tuba e a grande maioria dos instrumentos mais antigos não foram criados para nenhum fim específico a não ser fazer música. São na realidade o resultado de séculos de desenvolvimento tecnológico e artístico buscando facilidade de execução e aprimoramento das qualidades sonoras. À medida que as platéias foram se tornando maiores – principalmente com a mudança dos locais de execução (das pequenas salas dos castelos aos teatros, e das pequenas capelas às grandes catedrais) – também se foi buscando um aumento no volume sonoro. É por isso que os instrumentos atuais são tão diferentes, por exemplo, dos instrumentos da época barroca. Os instrumentos de sopro ganharam um sistema de chaves que facilitou muito a execução; os instrumentos de cordas ganharam um novo arco de formato muito diferente – cordas de metal ao invés de tripa, uma estrutura interna mais reforçada para permitir maior tensão nas cordas; etc. Também foram desenvolvidas novas técnicas de execução.
O uso instrumental na Bíblia
É importante esclarecer uma confusão muito comum. Quando a Bíblia (principalmente o livro dos salmos) se refere a louvar a Deus com muitos instrumentos, não está falando na adoração do templo. No salmo 150, por exemplo, o louvor a Deus no templo é um dos tipos de enaltecimento da divindade – o que não quer dizer que todos aqueles instrumentos convidados ao uso pelo salmista devessem ser usados, ao mesmo tempo, no serviço de adoração do templo. Nunca se diz, ou seja, para que louvemos a Deus com “todos” os instrumentos de modo simultâneo. É preciso ter em mente que o povo de Israel vivia uma teocracia e todos os eventos de sua vida, principalmente os eventos sociais, estavam focados em Jeová. Por exemplo: a festa das primícias era uma festa eminentemente social na qual se celebrava o início da colheita (poderíamos, com enorme simplificação, compará-la com a Oktoberfest, festa na qual se comemora o fim da colheita na Alemanha). A diferença básica se dá pelos motivos distintos das duas festas. A israelita tinha ênfase exclusiva no caráter espiritual de louvar e agradecer ao Senhor, enquanto que a Oktoberfest teve, em suas origens, motivos outros (e hoje é quase uma festa já desarraigada dessas significâncias originais). Todas as festas sociais e folclóricas israelitas tinham foco no espiritual, mas, devido ao caráter também social e até político, nelas eram admitidos instrumentos e atitudes que jamais foram permitidos no templo. Um exemplo é a dança.
A Bíblia é muito clara ao indicar os instrumentos adequados para a adoração do templo. E muitos dos que estão indicados em salmos jamais foram aceitos no templo (embora muitas vezes as diferentes listas tenham sido elaboradas pela mesma pessoa: Davi). É evidente que nem toda a cerimônia costumeira de um evento social, ainda que de cunho religioso, poderia ter lugar no templo. Havia uma nítida diferença de atitude com respeito ao louvor da vida diária e a adoração do templo. Seria bom aprendermos esta lição.
O uso instrumental hoje.
Não creio que nenhum instrumento seja errado na igreja, todavia diversos são inadequados. São três os motivos principais:
1. Certos instrumentos não foram criados para produzir música de forma genérica, porém para um tipo específico de música. Vivemos em uma época de profunda especialização técnica e nem a música escapou a essa regra. Podemos perceber a criação de instrumentos muito específicos, com o intuito de oferecer recursos acústicos e eletrônicos para um tipo determinado de música (é o caso, por exemplo, da origem da bateria para o rock). Portanto, instrumentos criados dessa forma dificilmente poderiam ser usados para outros tipos de música (a não ser que desvirtuemos muito a função do instrumento ou adaptemos a música a ele, dessas “adaptações” advém os problemas).
2. As pessoas que tocam instrumentos baseiam sua forma de usá-los nos exemplos que vêem. Como esses instrumentos são usados para produzir um tipo específico de música, a forma de usá-los, os recursos de interpretação e a técnica instrumental conhecidos naturalmente estão igualmente voltados a este tipo de música. Como ela não pode ser classificada exatamente como “música de adoração”, precisaríamos recriar as técnicas e os recursos para que fosse possível usá-los na música sacra (se é que isto é possível, dada a origem e a construção dos instrumentos). Estas recriações ainda não foram desenvolvidas. Com sinceridade, acredito que nunca o serão e, muito pessoalmente, acredito que não há o menor interesse nessa adaptação, porque as pessoas que usam estes instrumentos estão profundamente inspirados na música que lhes deu origem, e é desta maneira que querem usá-los.
3. Não podemos esquecer de possíveis associações. A graciosa e inspiradora flauta foi excluída dentre os instrumentos do tempo porque as prostitutas a usavam para atrair os homens. Assim, sua sonoridade, sua técnica de interpretação e até mesmo sua presença traria instantaneamente à mente dos adoradores associações com uma sensualidade pervertida que era totalmente indesejada na adoração. Que tipo de associação vem à mente das pessoas quando vêem certos instrumentos na frente de uma igreja? Mais uma vez deveríamos aprender da Bíblia.
Resumindo: Não sou contra instrumento algum. Em minha igreja às vezes um conjunto se apresenta com apoio de baixo eletrônico e, da maneira como ele é usado, não causa nenhum prejuízo para a sacralidade da musica. Mas quem quiser usar estes instrumentos deve estar pronto para renunciar a uma série de recursos que eles apresentam, porque não se harmonizam com a música de adoração. Deve ainda ser muito cuidadoso com a forma de executá-los para não cometer excessos e preparar-se para sofrer oposição e resistência porque as pessoas vão associá-los ao tipo de música que os originou, que não é, com certeza, o tipo de música que eles querem ouvir durante sua adoração. Ou seja, terão que provar que se pode fazer música genuinamente sacra com estes instrumentos. Não creio que seja impossível, mas acho muito difícil, principalmente porque este não é o objetivo da maioria das pessoas que insistem em usar estes instrumentos na igreja. Talvez fosse muito mais fácil usar os instrumentos que não possuem toda esta carga de dificuldades.