A Adoração

A Adoração Segundo Paulo

por: Levi de Paula Tavares

Quer queiramos ou não, a questão do estilo de adoração tem sido um ponto de divisão e acusação entre irmãos. Dois lados estão claramente definidos: os que defendem que a adoração só é aceitável quando utilizamos elementos totalmente “puros” – ou seja, sem qualquer associação com os elementos utilizados nos eventos sociais planejados e frequentados pelos descrentes – e os que defendem que a adoração deve ser inclusiva, podendo apresentar meios e linguagens próprios do homem comum, a fim de atraí-lo a Deus.

Os que defendem o segundo ponto de vista apresentam para embasamento de seus conceitos o texto de Tito 1:15 (entre outros) que diz: “Para os puros, todas as coisas são puras; mas para os impuros e descrentes, nada é puro.” (NVI) Com este argumento, acusam os irmãos que defendem o primeiro ponto de vista como sendo impuros e descrentes. Obviamente, ao assumirem esta postura, eles se colocam na situação não apenas de puros, mas de purificadores dos elementos da adoração.

Quem santifica?

A ideia subjacente e basilar deste argumento é que Paulo estaria ensinando que quando alguém separa algo para Deus, este elemento se torna santo. Ou seja, se um adorador é puro de coração, qualquer coisa que ele dedique a Deus torna-se pura e santa, sendo, portanto, apropriada e perfeita para a adoração.

Porém, ao analisarmos cuidadosamente o assunto, verificamos que a Bíblia não nos dá respaldo para que, a partir do gesto de separarmos qualquer coisa que desejamos oferecer a Deus, podemos assumirmos a autoridade de considerar aqueles elementos como santos.

Mesmo a lógica não dá apoio a este ponto de vista, pois significaria dizer que se algo separado pelo ser humano deve ser aceito como santo, segue-se que a autoridade para santificar algo seria humana, e não divina, o que é um absurdo. Na verdade, este pensamento beira a uma heresia, pois a criatura estaria subjugando o Criador, ou seja, estaríamos assumindo o papel de ser superior que, de certa forma, poderia ditar o que o Criador do universo deve aceitar de Seus adoradores.

O que a Bíblia nos ensina é que, quando existem instruções divinas acerca de algum elemento da adoração, Deus não aceita outros elementos, por mais parecidos que possam ser com o original – como demonstrado pelo relato de Nadabe e Abiu (ver Levítico 10:1-2 e Números 3:4 e 26:61) – ou por mais sincera que tenha sido a oferta – como nos demonstra o relato de Caim (ver Gênesis 4:3-5).

Mas será que existem instruções divinas, ou princípios bíblicos acerca dos elementos utilizados na adoração, inclusive a forma de culto e a música? Mesmo que estes princípios existam, Paulo não estaria, com o texto citado acima, utilizando a sua autoridade de Apóstolo para contradizer diretamente os princípios estabelecidos no Antigo Testamento e estabelecer um novo padrão para a igreja cristã?

O contexto de Paulo

Antes de respondermos a estas intrigantes questões, analisemos o texto do primeiro capítulo da carta de Paulo a Tito, dentro de seu contexto imediato. Usando a Nova Versão Internacional, temos:

Pois há muitos insubordinados, que não passam de faladores e enganadores, especialmente os do grupo da circuncisão. É necessário que eles sejam silenciados, pois estão arruinando famílias inteiras, ensinando coisas que não devem, e tudo por ganância. Um dos seus próprios profetas chegou a dizer: ‘Cretenses, sempre mentirosos, feras malignas, glutões preguiçosos’. Tal testemunho é verdadeiro. Portanto, repreenda-os severamente, para que sejam sadios na fé e não dêem atenção a lendas judaicas nem a mandamentos de homens que rejeitam a verdade. Para os puros, todas as coisas são puras; mas para os impuros e descrentes, nada é puro. De fato, tanto a mente como a consciência deles estão corrompidas. Eles afirmam que conhecem a Deus, mas por seus atos o negam; são detestáveis, desobedientes e desqualificados para qualquer boa obra.” (Tito 1:10-16)

Parece óbvio ao leitor atento, que leva em conta o contexto para compreender o significado de um verso, que Paulo estava tratando de um problema específico. O verso 14 indica que Paulo estava combatendo diretamente os judaizantes, que queriam fazer as coisas na igreja cristã primitiva seguindo as regras do judaísmo. Para aqueles músicos evangélicos que se intitulam “levitas” – apesar de este termo não ter qualquer significado histórico aplicável para a atualidade – este texto pode ser bastante significativo.

Os princípios de Paulo

O ponto que deve ser destacado nesta análise é que neste trecho Paulo não está falando do que é apropriado ou não na adoração. Porém, o grande apóstolo dos gentios não nos deixa sem instrução inspirada nesta área. Assim sendo, precisamos analisar os princípios defendidos por Paulo, com relação à adoração, para então fazermos uma comparação correta de seus argumentos a este respeito com os princípios legados do Antigo Testamento. Por exemplo, em sua carta aos cristãos de Roma, Paulo nos diz:

Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.” (Romanos 12:1-2)

Certamente, aqui Paulo está falando diretamente de adoração, ou mais especificamente, do espírito correto para que o adorador que se aproxima de Deus ofereça um culto aceitável a Ele. E a instrução que Paulo dá é claramente de pureza e separação com o mundo, buscando um novo padrão mental, o qual certamente envolverá nossas escolhas pessoais, inclusive na área da música. Ele conclui o pensamento dizendo que somente assim poderemos compreender claramente a vontade de Deus.

É interessante destacar a ligação deste texto de Romanos com um trecho de sua carta aos coríntios, que diz:

Visto que estão ansiosos por terem dons espirituais, procurem crescer naqueles que trazem a edificação para a igreja. (…) Então, que farei? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento. Se você estiver louvando a Deus em espírito, como poderá aquele que está entre os não instruídos dizer o ‘Amém’ à sua ação de graças, visto que não sabe o que você está dizendo? Pode ser que você esteja dando graças muito bem, mas o outro não é edificado.” (I Coríntios 14:12, 15-17)

O texto acima faz parte da longa instrução que Paulo dá aos crentes de Corinto sobre os dons espirituais, a qual abrange os capítulos 12 a 14 da Primeira Carta aos Coríntios. Aparentemente alguns naquela comunidade estavam cantando de maneira puramente impulsionada pelas emoções, ou seja, fora de seu “entendimento”.

Paulo explica que o cântico sem sentido é como o discurso sem sentido. Segundo Paulo, o louvor sem entendimento é comparado à oração sem entendimento, visto que ambos desonram a Deus, já que não servem ao seu propósito, que é a edificação da igreja.

Mas de que tipo de “entendimento” Paulo está falando aqui? Qual é o “entendimento” que serve para a edificação da igreja? Obviamente, de um entendimento renovado e transformado, não amoldado aos padrões do mundo (Romanos 12:2)! Somente uma mente assim pode adorar em “espírito e em verdade” (João 4:23-24).

Discorrendo ainda mais especificamente sobre o assunto da música na adoração, Paulo escreve aos crentes em Éfeso:

… deixem-se encher pelo Espírito, falando entre si com salmos, hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando de coração ao Senhor, dando graças constantemente a Deus Pai por todas as coisas, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo.” (Efésios 5:18-20)

E mais, aos colossenses ele escreve:

Habite ricamente em vocês a palavra de Cristo; ensinem e aconselhem-se uns aos outros com toda a sabedoria, e cantem salmos, hinos e cânticos espirituais com gratidão a Deus em seu coração.” (Colossenses 3:16)

Deve ser notado enfaticamente que Paulo não autoriza qualquer música para a adoração. Pelo contrário, ele cita textualmente os “salmos, hinos e cânticos espirituais”. Sem entrarmos no mérito do significado histórico destes termos, obviamente esta instrução deixa de fora grande parte da produção musical contemporânea a Paulo, especialmente as grandes composições épicas gregas, ou a música das cortes romanas, ou a música que podia ser ouvida nas estalagens das redondezas.

Portanto, segundo Paulo, o padrão da verdadeira adoração a Deus não pode ser o padrão do mundo. Os elementos utilizados na adoração devem ser consagrados e esta consagração, conforme vimos acima, não é determinada pelas minhas escolhas, mas sim pelos princípios divinos, revelados em Sua palavra.

Certamente esta consagração envolve (mas não está restrita a) os estilos e as composições musicais, considerando a enorme influência deste meio de comunicação na criação de um ambiente propício ou não para compreendermos os atributos divinos como, por exemplo, Sua grandeza, santidade, majestade, justiça e amor.

Na verdade, ao analisarmos os escritos de Paulo, vemos cair por terra o argumento que defende um culto tendo como base elementos inclusivos, muitas vezes tomando emprestadas músicas, formas, linguagens e outros elementos diretamente dos eventos de entretenimento mundanos.

Paulo e o Antigo Testamento

Tendo compreendido o princípio paulino acerca dos elementos da adoração, podemos agora compará-los com os princípios que foram dados diretamente por Deus ao povo de Israel e registrados no Antigo Testamento. Afinal, ainda devemos verificar se Paulo não estaria estabelecendo um novo princípio para a adoração da igreja cristã.

Porém, é necessário levarmos em conta que a igreja cristã nasceu no seio do judaísmo, o que equivale dizer que ela estava imersa nos princípios do Antigo Testamento. Assim, uma vez que esses princípios constituem o próprio fundamento da igreja primitiva, não deveríamos esperar que Paulo fosse antagônico a eles.

A base bíblica para não misturarmos o sagrado com o profano é extensa. Deus nunca aceitou uma adoração dividida e sempre Se mostrou muito zeloso, não apenas na afirmação da Sua própria santidade, mas também de que Seu povo seja Santo.

Estão listados abaixo alguns textos do Antigo Testamento a este respeito, deixando perfeitamente claro o nosso dever de nos separarmos de tudo o que é mundano, inclusive da música de estilo mundano. Certamente que a lista abaixo não é abrangente, mas listamos apenas alguns textos principais. Estes textos do Antigo Testamento devem ser especialmente significativos para aqueles que se intitulam “levitas”, pois foram instruções dadas diretamente aos verdadeiros levitas da antiguidade:

não somente para fazer separação entre o santo e o profano, e entre o imundo e o limpo, mas também para ensinar aos filhos de Israel todos os estatutos que o Senhor lhes tem dado por intermédio de Moisés.” (Levítico 10:10-11)

E sereis para mim santos; porque eu, o Senhor, sou santo, e vos separei dos povos, para serdes meus.” (Levítico 20:26)

Não profanareis o meu santo nome, e serei santificado no meio dos filhos de Israel. Eu sou o Senhor que vos santifico.” (Levítico 22:32)

Porque és povo santo ao Senhor teu Deus, e o Senhor te escolheu para lhe seres o seu próprio povo, acima de todos os povos que há sobre a face da terra.” (Deuteronômio 14:2)

Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-o com sinceridade e com verdade; (…) e servi ao Senhor. Mas, se vos parece mal o servirdes ao Senhor, escolhei hoje a quem haveis de servir; (…) Porém eu e a minha casa serviremos ao Senhor.” (Josué 24:14-15)

(…) Até quando coxeareis entre dois pensamentos? Se o Senhor é Deus, segui-o; mas se Baal, segui-o. (…)” (I Reis 18:21)

Os textos citados acima apontam claramente para um culto de caráter exclusivo, ou seja, no qual não existam elementos claramente associados aos entretenimentos mundanos. A separação com o mundo deve incluir nossa música, nossos gestos, nossa linguagem, nossa liturgia, etc.

Conforme seria esperado, estes princípios encontram sua correlação nos escritos de Paulo, notadamente nos seguintes textos:

Mas Deus escolheu o que para o mundo é loucura para envergonhar os sábios, e escolheu o que para o mundo é fraqueza para envergonhar o que é forte.” (I Coríntios 1:27)

Nós, porém, não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito procedente de Deus, para que entendamos as coisas que Deus nos tem dado gratuitamente.” (I Coríntios 2:12)

Não se enganem. Se algum de vocês pensa que é sábio segundo os padrões desta era, deve tornar-se ‘louco’ para que se torne sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura aos olhos de Deus (…).” (I Coríntios 3:18-19)

Tenham cuidado para que ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo.” (Colossenses 2:8)

Jesus corroborou este conceito ao dizer:

Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar a um e amar o outro, ou há de dedicar-se a um e desprezar o outro. (…)” (Mateus 6:24)

Na mesma linha de pensamento, Tiago escreveu:

A religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: (…) guardar-se isento da corrupção do mundo.” (Tiago 1:27)

Infiéis, não sabeis que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” (Tiago 4:4)

João, o discípulo amado, também reverbera o mesmo principio:

Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não vem do Pai, mas sim do mundo. Ora, o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus, permanece para sempre.” (I João 2:15-17)

E, finalmente, Paulo claramente nos ensina:

Não vos prendais a um jugo desigual com os incrédulos; pois que sociedade tem a justiça com a injustiça? ou que comunhão tem a luz com as trevas? Que harmonia há entre Cristo e Belial? ou que parte tem o crente com o incrédulo? E que consenso tem o santuário de Deus com ídolos? Pois nós somos santuário de Deus vivo, como Deus disse: Neles habitarei, e entre eles andarei; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Pelo que, saí vós do meio deles e separai-vos, diz o Senhor; e não toqueis coisa imunda, e eu vos receberei; e eu serei para vós Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso. Ou não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que habita em vós, o qual possuís da parte de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço; glorificai pois a Deus no vosso corpo.” (II Coríntios 6:14-20)

Conclusão

Vimos, portanto, que o contexto dos escritos de Paulo não abona o argumento que podemos oferecer qualquer expressão de louvor a Deus, esperando que a nossa sinceridade “santifique” os elementos que estamos apresentando. Quem santifica é Deus. O centro do culto é Deus, não o homem. Portanto, os parâmetros para o verdadeiro culto são os princípios divinamente revelados, não as necessidades do homem.

Apesar de vivermos imersos em um determinado contexto sociocultural, devemos buscar em nossos cultos de adoração um equilíbrio entre os elementos espirituais, intelectuais e emocionais. Nunca devemos nos esquecer que o propósito dos dons na igreja é a edificação espiritual do corpo de crentes, não nosso próprio deleite carnal ou o entretenimento das massas.

Sem deixarmos de ser o sal da terra e a luz do mundo, devemos nos separar tanto quanto possível dos valores, convenções e princípios do mundo, para que a expressão da verdadeira adoração a Deus possa brilhar desimpedida em nossa vida e ministério. Que tenhamos humildade e santo discernimento para prestar a Deus um culto de acordo com a Sua vontade.


Tags: