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Trilhas Sonoras do Reavivamento e da Reforma

por: Joêzer Mendonça

Todo movimento de reforma teológica ou reavivamento espiritual desperta uma renovação musical. Poderíamos mencionar três exemplos clássicos ligados à história do cristianismo: (1) O conceito de sacerdócio de todos os crentes desenvolvido na Reforma do século 16 em conjunto com o novo canto congregacional luterano; (2) a ênfase no reavivamento e na conversão individual ressaltada no Primeiro Despertamento entre ingleses e americanos do século 18, que foi acompanhada de melodias mais simples; e (3) a iminência do advento pregada no começo do século 19, cuja trilha sonora eram cânticos de forte apelo popular.

Todos esses movimentos religiosos eram, segundo a medida de sua época, bastante inclusivos, buscando alcançar muita gente. Não é coincidência que todos eles tenham gerado hinos mais fáceis de se cantar, o que sem dúvida ajudou a popularizar suas doutrinas.

No movimento milerita-adventista, a ênfase na pregação da volta de Cristo, agendada para 1843/1844, suscitou um grande reavivamento espiritual e também a composição de estilos musicais e poéticos simples e populares. O público dos camp meetings, as imensas reuniões campais realizadas em tendas e áreas rurais, era formado, em sua maioria, por pessoas de classes sociais menos abastadas e sem maiores preocupações com a origem ou a sofisticação dos cânticos.


Josué Himes, editor e compilador do The Millenial Harp. Créditos Ellen G. White Estate

Esse público era o alvo a alcançar, como fica esclarecido no hinário milerita The Millenial Harp [Harpa do Milênio], de 1843. O editor e compilador desse hinário era ninguém menos que Josué V. Himes (1805-1895), que viria a ser um dos fundadores do adventismo, e que era então pastor da Primeira Igreja Cristã de Boston e um dos principais colaboradores de Guilherme Miller, precursor do movimento milerita. No prefácio do hinário, Himes se mostrou consciente da tensão entre o gosto musical popular e o gosto musical de classes mais intelectuais:

“Estamos cientes da dificuldade de adequar o gosto de todas as classes quanto a composições musicais e devocionais. Deve ser permitida a maior diversidade possível para esse fim, o que é consistente com a natureza do trabalho em que estamos envolvidos. Alguns de nossos hinos, que podem ser rejeitados pelos mais intelectuais, e para os quais nós mesmos nunca demonstramos nenhuma grande tendência, têm sido os meios de alcançar, para o bem, os corações daqueles que, provavelmente, não seriam de outra forma afetados; e, como nosso objetivo, a exemplo do apóstolo [Paulo], é salvar os homens, não devemos hesitar em usar todos os meios lícitos que prometem “salvar alguns”’.

Segundo a visão de Himes, provavelmente compartilhada pela liderança milerita, a maior sofisticação musical e poética não seria capaz de envolver a maioria de fiéis e futuros adeptos despreocupada com a origem e a qualidade de métrica e de poesia.

O historiador do cristianismo Donald Hustad declarou que todo movimento de renovação teológica/espiritual suscita uma nova hinologia (Jubilate, p. 147). Posso acrescentar que, muitas vezes, essa nova hinologia buscava ser popularmente acessível. Nenhum movimento de reavivamento espiritual teve como trilha sonora somente os cânticos antigos ou mais sofisticados. Martinho Lutero alterava as letras dos cânticos oriundos do catolicismo (que eram os cânticos tradicionais na época) ao mesmo tempo em que incentivava a composição de cânticos novos e facilitados.

Os irmãos John e Charles Wesley usavam os cânticos previamente conhecidos em sua época e também apresentavam hinos novos e simples. O movimento milerita-adventista aproximou ainda mais do povo o cântico, pois como pensava Josué Himes, isso era um dos meios “de alcançar, para o bem, os corações daqueles que, provavelmente, não seriam de outra forma afetados”.

Vale ressaltar um detalhe significativo: o pensamento de Himes se deu num momento histórico específico. Isso quer dizer que os paradigmas de uma época devem ser compreendidos segundo a mentalidade daquele momento histórico, e não poderiam ser aplicados irrefletidamente em outro contexto e em outra época. Mesmo assim, essa breve retrospectiva nos ajuda a dizer que: (1) Não há movimento de reforma nem de reavivamento espiritual sem renovação musical; (2) essa renovação musical não é elitizada, ou seja, ela é acessível a pessoas de todos os níveis de instrução; (3) a atualização musical promovida nesses movimentos estava amparada por uma determinada teologia e tinha o apoio de suas lideranças.

A reflexão que proponho é examinar como uma igreja que prega a reforma espiritual e a urgência do advento de Cristo pode utilizar a música para reforçar sua pregação, e também verificar como atender as necessidades da missão da igreja em um mundo muito mais culturalmente diversificado do que na época dos pioneiros evangélicos.


Joêzer Mendonça, doutor em Musicologia (Unesp) com ênfase na relação entre teologia e música na história do adventismo. É professor na PUC-PR e autor do livro Música e Religião na Era do Pop


Fonte: Revista Adventista


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