por: Rolando de Nassau
As bem-aventuranças estão entre as mais apreciadas passagens do Novo Testamento. Sempre ficamos intrigados com as afirmações de Jesus, que contrastam as atuais aparências e as futuras realidades, a respeito daqueles que entrarão no Reino de Deus (ver: Mateus 5:3-12; Lucas 6:20-26).
A mensagem seria que se pode ser feliz, mesmo quando se sofre. Mas vai mais longe, para acrescentar o aspecto espiritual da vida: felizes os pobres, “em espírito”; felizes os que têm fome e sede, “de justiça”. É um caminho para a felicidade, exigente mas gratificante, pois Deus é quem nos convida. Seu texto é difícil para os adultos, mais ainda para as crianças.
As bem-aventuranças, afinal, definem o caráter de um cristão (ver: John Stott, Contracultura cristã, pp.18-47. São Paulo: ABU Editora, 1981).
Segundo Mateus, Jesus estabeleceu um padrão ético para alguém entrar no Reino de Deus. Para o evangelista Lucas, as beatitudes mostravam que o Reino de Deus poderia preencher os vazios da vida de cada pessoa. As alegrias do Reino são usufruídas por quem já achou em Deus o seu grande prêmio. Deus sabe do que necessitamos. Devemos ter uma conduta diferente da hipocrisia do religioso e do materialismo do ateu.
As beatitudes não eram meramente uma promessa; significavam uma radical mudança nos valores mundanos; não eram um alívio para os que sofriam com a pobreza, a fome, a sede, a nudez, a tristeza e a discriminação, mas uma nova relação com a vida; eram a constatação de que o Reino de Deus seria uma vantagem para os que necessitavam de ser satisfeitos.
Espera-se que todos os crentes experimentem as bem-aventuranças em suas vidas e, por isso, dêem glória a Deus! (ver: David Martyn Lloyd-Jones, Estudos no Sermão do Monte, pp. 28-36. São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 1999).
Tendo em vista a importância dos ensinos de Jesus contidos no Sermão do Monte, era de supor que os compositores cristãos teriam interesse em produzir obras sobre este assunto teológico.
Foi oportuna em 1875 a admoestação da hinógrafa Fanny Jane Crosby (1820-1915) aos músicos de seu tempo: “Sabeis falar de tudo que neste mundo há, mas nem sequer palavra de Deus que tudo dá?!” (“Cantor Cristão”, no. 421; “Hinário para o culto cristão”, no. 547).
Fanny falava aos “sem-esperança” a respeito das beatitudes.
Talvez por ser fácil pertencer a uma igreja cristã, mas extremamente difícil observar e proclamar em sua arte os ensinos de Cristo, muitos compositores se calaram.
Depois de longa pesquisa, descobrimos que na história da música erudita somente um compositor dedicou atenção a este tema: César Franck (1822-1890), no seu oratório “Les Béatitudes”, composto na década de 1870. Tomamos conhecimento da obra em 1992, por intermédio de uma gravação em discos CD, realizada pelo “Gächinger Kantorein” e a “Radio-sinfonieorchester”, de Stuttgart (Alemanha), dirigida
por Helmuth Rilling (ver: OJB, 15 set 1996). É uma grandiosa epopeia!
As intervenções de Cristo representam o que existe de mais belo na partitura.
Rejeitando a música frívola dos seus contemporâneos, César Franck, homem profundamente crente, compreendeu o que podia ser música-de-igreja, dando-lhe a devida seriedade (ver: Norbert Dufourcq, La musique française, pp. 30-34. Paris: Larousse, 1949).
Escrever algo, mesmo que fosse simples, que pudesse ser cantado numa igreja, durante um culto, exigiu do compositor Alexandre Reichert Filho apenas cinco minutos para figurar com mérito na galeria dos que contribuíram para a música vocal evangélica.
Numa apresentação do quarteto masculino “Arautos do Rei” (Vilson Santos, 1º. tenor; Melchiades Soares, 2º. tenor; Wilson Almeida, barítono; e Roberto Conrad, baixo), acompanhado pelo pianista Lineu Soares, realizada no culto matutino, em 24 de maio de 2015, na Igreja Memorial Batista, ouvimos “As bem-aventuranças”, de Alexandre Reichert Filho (que foi diretor musical do quarteto, e que desde 2009 encontra-se radicado nos EUA), com o seguinte libreto:
“(Narrador) Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte. E, como se assentasse, aproximaram-se os discípulos. E Ele passou a ensiná-los, dizendo:
(Quarteto) Bem-aventurados, bem-aventurados, os humildes de espírito, pois deles é o Reino dos Céus.
(Barítono) Bem-aventurados os que choram, pois serão consolados.
(1º. Tenor) Bem-aventurados os mansos, pois herdarão a Terra.
(Quarteto) Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão fartos, pois serão fartos.
(2º. Tenor) Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.
(Quarteto) Bem-aventurados, bem-aventurados os limpos de coração, pois verão a Deus.
(Baixo) Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.
(Quarteto) Bem-aventurados, bem-aventurados os perseguidos por causa da justiça, pois deles é o Reino dos Céus.
(Quarteto) Bem-aventurados sois quando por Minha causa vos injuriarem e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo o mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, regozijai-vos e exultai, pois é grande o vosso galardão nos céus!”.
Isto é música-de-igreja, isto é música-de-culto!
Imitando Léo Schneider e Guilherme Loureiro, Alexandre Reichert Filho (na composição) e “Arautos do Rei” (na execução) nisto merecem o nosso mais efusivo aplauso!
Fonte: Escrito originalmente em 25 de maio de 2015, este texto foi publicado em O Jornal Batista, em 04 de outubro de 2015.
Os editores do Música Sacra e Adoração agradecem ao autor pela disponibilização deste material.