Comentários da Casa Publicadora Brasileira
por: Ruben Aguilar
Aristóteles, o filósofo estagirita, chamado assim por ter nascido em Estagira; incluiu, nas suas obras, algumas referências do pensamento de filósofos anteriores a ele e de outros, contemporâneos seus. Na sua obra “Discursos”, Aristóteles transcreveu uma declaração de Epicteto, pensador grego que, ao que parece projetou com sua verbalização muitos conceitos, não deixando nada escrito. Segundo Aristóteles, a declaração de Epicteto é a seguinte: “Se eu fosse um rouxinol, eu agiria como rouxinol; se fosse um cisne, agiria como um cisne. Mas, eu sou uma criatura racional, e devo louvar a Deus; este é meu trabalho; eu farei isso, não abandonarei essa posição; tanto quanto possa, eu guardarei isto e cantarei assim”.
A declaração de Epicteto deve ter provocado profunda impressão na mente do filósofo grego, ao ponto de destacar seu conteúdo. Nas frases que compõem essa sentença, se encontra explicitado o propósito da existência de todo ser humano; o qual pode ser sintetizado na seguinte afirmação: sendo o homem um ser racional, deve viver para louvar a Deus. Se o viver pleno de uma pessoa é louvar a Deus, isso significa que toda atividade ou conduta humana deve atingir esse propósito. A conduta humana foi tema de demoradas elucubrações por parte de Aristóteles, cujos conceitos a esse respeito, permitiram sua sistematização como um dos ramos da Filosofia: a Ética.
A palavra Ética deriva do grego “ethos” que significa “costume”. Por sua raiz etimológica esse termo faz alusão ao estudo da conduta ideal do indivíduo. Qual é essa conduta ideal? Devido à variedade de sistemas sociais, políticos e filosóficos, não é fácil chegar a uma conceituação única sobre o que é a Ética. Por exemplo, para o hedonismo, a conduta ideal é a que conduz ao prazer; para o eudemonismo, a que leva à felicidade; para o naturalismo, a que estimula a evolução progressiva da raça; para o pragmatismo, um ato bom é quando é útil, e ruim, quando não o é. Nessa linha de pensamento cabe afirmar que, para o cristianismo, a conduta ideal é a que louva a Deus; e o resto, é sequela de sistemas de comportamento convencionais vertidas em palavras enganosas.
Na Bíblia encontram-se as normas que orientam a conduta ideal que louva a Deus, principalmente nas mensagens dos profetas. As sérias repreensões pronunciadas por esses instrumentos de Deus ao povo de Israel foram propaladas para elucidar o verdadeiro conceito da adoração genuína e para contrastara artificialidade de uma religiosidade ritualista com a prática do amor a Deus e ao próximo.
Prosperidade em Israel
A mensagem dos profetas destaca em relevo o conceito da adoração aceita por Deus diante de uma visão religiosa sustentada pela prosperidade material. Ao que parece, essa prosperidade, nos tempos do Antigo Testamento, começou a ser sentida durante o governo de Jeroboão II, rei de Israel. A nação não temia a ameaça de invasão por parte das grandes potências da época: Assíria e Egito. Jeroboão II governou 41 anos (II Reis 14:23) em Samaria; “restabeleceu… os limites de Israel, desde a entrada de Hamate até ao mar da Planície…”(v. 25); “reconquistou Damasco e Hamate, pertencentes a Judá, para Israel” (v. 28). Seu governo foi de relativa paz e prosperidade estimulada por uma economia baseada na agricultura, comércio internacional, desenvolvimento da indústria têxtil e expansão populacional através das grandes construções.
Alguns profetas testemunharam vividamente essa prosperidade fazendo referência aos castelos construídos em Samaria (Amós 3:9-11); e às aconchegantes casas de inverno e casas de verão, com sofisticadas casas de marfim e outras de tamanho faustoso (Amós 3:15); e ao espírito altaneiro que levou a construir casas de pedras lavradas (Amós 5:11); e as casas decoradas com riquíssimos móveis como: camas de marfim (Amós 6:4); todo conforto alcançado para levar uma vida de prazeres, bebendo vinhos e mostrando prodigalidade no uso de óleos caríssimos (Amós 6:6).
A prosperidade é uma benção quando obtida no ambiente da honestidade e do trabalho servil. Não era esse o método usado por essa classe de privilegiados que ostentavam luxo e bom viver. No comércio, adulteravam os pesos e as medidas, diminuindo o efa, usando balanças enganadoras (Amós 8:5); os governantes afligiam os pobres exigindo elevados tributos (Amós 5:11); os poderosos deitavam por terra a justiça (Amós 5:7); o necessitado ou o justo humilde era oprimido por juízes que aceitavam suborno (Amós 5:12); e nessa atitude os juízes vendiam o justo por dinheiro e as prisões ficavam lotadas de “ladrões de galinhas” ou por aqueles que furtaram sandálias (Amós 2:6); a angústia dos pobres se estendia na esfera da humilhação com suas cabeças calcadas até o pó da terra (Amós 2:7); tamanha opressão social suprimia qualquer ideia de igualdade, pois o pobre valia tanto quanto um par de sandálias (Amós 8:6). Em resumo, a prosperidade material era exclusiva de uma classe privilegiada enquanto a massa plena da população amargava sua existência bebendo do cálice da injustiça social.
Mil Carneiros? Não Tragam Ofertas Inúteis
Na atmosfera poluída pela injustiça e a opressão, para desgraça dos menos favorecidos, Deus determinou a evocação de uma mensagem cujo conteúdo incluía a reprovação da falsa adoração e ao mesmo tempo a exortação para o cumprimento da caridade. Para que essa voz fosse ouvida, vários profetas foram chamados e preparados por Deus para atuar nas suas esferas geográficas respectivas, sendo quase contemporâneos. O chamado do profeta Isaías é um exemplo de como é imposta a comissão divina para atuar num momento oportuno e de grande transcendência. Ele viu a santidade de Deus e se sentiu, por esse fato, indigno e sujeito à morte. Esse sentimento era uma parte da experiência espiritual do profeta que, no seu todo, representava a autêntica forma de adoração. Arrependido e purificado das suas transgressões, Isaías recebeu o convite para transmitir a mensagem do momento, ao qual respondeu com a intrepidez necessária: “eis-me aqui, envia-me a mim”.
A prosperidade e todo bem material é uma benção divina; mas, não quando obtidos por mecanismos ilícitos de enriquecimento; então, a riqueza pode ser uma concessão de quem assim tenta aos filhos de Deus, como o fez com Jesus.
Na época dos profetas do Antigo Testamento, os que detinham riqueza podiam oferecer centenas ou milhares de animais como prova do seu sentimento de adoração a Deus. O oferecimento certamente impressionava a maioria dos adoradores reunidos em torno do Templo. Nessas circunstâncias a liturgia era completada com enlevo e deleite para os olhos. O brilho das vestes dos oficiantes e dos que concediam a oferenda parecia refletir os raios luminosos da natureza. Todo o ritual seria um glorioso culto de adoração a Deus e aceito como tal por toda a natureza Divina. Mas a oferta não mereceu aprovação e o ritual de adoração foi rejeitado por causa da vida inadequada do ofertante. Deus que vê o coração e examina todo espírito, deixa revelada a transgressão que desmerece toda forma de adoração.
É a voz do profeta que dilui a magnificência da oferta diante da transgressão velada dos que pretendem cumprir uma prescrição religiosa. Pelas palavras do profeta, toda riqueza concentrada na dádiva, como forma exata de adoração, torna-se uma oferta inútil. É um torrão de sal que mergulha num copo de água e logo desaparece. Para Deus, a adoração genuína e verdadeira, não está no valor material da oferta, a qual na sua essência pode simplesmente representar exibicionismo autêntico; mas, na caridade e justiça praticada como expressão de uma consciência humilde. “Agradar-se-á o Senhor de milhares de carneiros? De dez mil ribeiros de azeite?” (Miquéias 6:7); é a reprovação exposta pelo profeta mesmo na forma interrogativa com certo traço de ironia. Essa reprovação é ainda mais incisiva quando o profeta evoca as palavras divinas, sentenciando: “de que Me serve a Mim a multidão de vossos sacrifícios? … Estou farto dos holocaustos de carneiros e da gordura de animais cevados e não me agrado do sangue de novilhos, nem de cordeiros, nem de bodes” (Isaías 1:11).
A palavra hebraica para oferta é o vocábulo “korban” que assinala um objeto que faz ligação com o divino; seu sentido básico é: “aquilo que une a Deus”. O significado desse termo é imperativo quando se declara que ninguém se aproxime de Deus sem trazer sua oferta. Nessa prática exclui-se a quantidade ou valor da oferta; sendo eminente a intenção de adorar a Deus. Assim, uma parte da liturgia no culto sagrado é o ofertório no qual se dedica a Deus uma oferta, como parte da adoração; mas, o qualificativo divino pode ser negativo e excludente, como recomenda a voz do profeta: “não continueis a trazer ofertas vãs” (Isaías 1:13).
Os profetas expõem o contraste das ofertas vãs, com uma exortação apelativa; mas na sua forma é concludente sobre o sentido da adoração que Deus aceita. A voz profética declara o que o Senhor deseja: “que pratiques a justiça, e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus” (Miquéias 6:8). E o profeta complementa a instrução da correta adoração: “Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a causa das viúvas” (Isaías 1:17).
A adoração a Deus é uma atitude consciente de dedicação e obediência aos preceitos divinos. Ninguém pode adorar a Deus com uma duplicidade de conduta, demonstrando no templo, os artifícios de uma religiosidade aparente, enquanto o restante das suas atividades escorregam sobre uma superfície de dolo e engano. Nessas condições de vida, Deus afasta Seus olhos da mão estendida e nem as orações são ouvidas (Isaías 1:15); o jejum não beneficia ao participante e a aflição de espírito é inconsequente (Isaías 58:3). O que fazer? A voz do profeta referenda mais uma vez a prática da caridade, para que a participação no templo, como adorador, seja eficaz e alcance o objetivo primário da adoração. Para tanto, é necessário dar ouvidos à recomendação profética que transmite o requerimento divino em forma imperativa, nos seguintes termos: “que soltes as ligaduras da impiedade, desfaças as ataduras da servidão, … que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres desabrigados; e se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante” (Isaías 58:6, 7).
Sem Nenhum Valor?
Platão, grande mestre da Grécia clássica, ensinava filosofia nos jardins da mansão do seu amigo Academus. No portão principal do ostentoso casarão, o filósofo dependurou um cartaz que dizia: “Não entre se não souber geometria”. Considerava Platão que, para compreender os intrincados e sutis princípios do pensamento filosófico, era básico conhecer geometria. O eminente pensador, afirmava que o ideal de uma sociedade é quando seus membros alcançam o pleno conhecimento filosófico e sejam filósofos. Na vida pratica, porém, a porcentagem de pessoas que conhecem geometria é exígua. Muitos homens de sucesso nas artes, na política, na medicina ou na literatura, ignoram os teoremas de tal disciplina ou pelo menos nunca os usaram. Poderia até ser considerado um conhecimento sem nenhum valor.
Claro que não é possível ser radical, ou presumir ter certeza absoluta ao qualificar com o grau de nenhum valor, o que uma pessoa conhece ou faz. Não se deve deixar de lado o consenso popular de que todo conhecimento contribui para se obter um resultado, seja bom ou mau, ou simplesmente é causa da perda de tempo. O lamento das pessoas idosas com frequência é de ter procedido erroneamente em anos passados e, se tivessem uma chance de voltar a viver, fariam tudo de maneira diferente. Isso significa que conheceram ou fizeram coisas que não beneficiaram sua vida; coisas sem nenhum valor.
Não é fácil a tarefa de assinalar as coisas ou os conhecimentos no transcurso da vida, a ser qualificados como de nenhum valor. Mas, um exame à luz das promessas divinas e dos seus atributos, da esperança da salvação e da vida eterna, dará possibilidade de eliminar aquilo que é sem valor.
O capítulo 44 do livro do profeta Isaías, apresenta uma atitude que definidamente é sem nenhum valor para a vida eterna. O apelo é para considerar a natureza divina com seus atributos de sabedoria e poder. Só Ele é criador e sustentador, só Ele é quem conhece as necessidades de cada ser humano e as atende no momento preciso. Não há no Universo outra entidade capaz de manifestar tanto interesse na salvação do homem como o faz o Deus triúno. Mas o homem deposita sua confiança em objetos materiais e até de caráter abstrato, que substituem Deus, como se esses objetos tivessem todo o poder para suprir as necessidades humanas. Segundo a versão profética, isso é idolatria.
Etimologicamente, idolatria significa adoração a ídolos. Ídolo é todo objeto que ocupa o lugar de Deus. Aos ídolos, as pessoas atribuem adoração que é devida unicamente ao Criador. Um ídolo surge na mente de uma pessoa, como uma forma ou figura de algo que ocupa uma posição ideal de poder. Na imagem dos que cultivam o ídolo, este existe num ambiente supraterreal. É detentor de atributos magníficos e capaz de beneficiar com graças aos seus adoradores. O ídolo passa da imaginação à objetividade, quando o idólatra concebe uma forma física e confecciona essa figura usando materiais fortes como ouro, prata, pedras nobres, madeira, etc.
Nos seus escritos, o profeta Isaías procura levar seus leitores a raciocinar sobre a futilidade dessa ação, e em forma irônica menciona a atividade do ferreiro que usa os metais para fabricar uma ferradura e com o restante fabricar um deus. É também fútil a conduta do artífice em madeira que corta árvores para fazer fogo com a lenha, cozer pão e, com o restante da madeira talhar um deus (Isaías 44:9-17). Pode-se atribuir a essas imagens algum poder? Certamente não! Esses ídolos não têm nenhum valor.
Os ídolos preservados em materiais diversos prevalecem através das épocas; mas, outros surgem, sempre com o magnetismo que induz as pessoas a prestar atenção, manifestar sentimentos de respeito, reverência e adoração. Na atualidade, nessa classe de idolatria devem ser incluídos: as imagens de santos; relíquias sagradas; ícones representativos da terra, do mar, do sol e da lua; números de loterias; objetos de adivinhação e magia; objetos de valor inapreciável; certos objetos de recordação; objetos que cativam as emoções ao ponto de provocar obsessão; personalidades que despertam as paixões; literatura subliminar como as aventuras novelescas; e tudo aquilo que priva ou diminui a adoração devida a Deus.