por: Joêzer Mendonça
Por que a transformação espiritual deve preceder a modificação ou a manutenção de liturgias e louvores
A grande questão da “música da igreja” não é musical, mas sim uma questão espiritual. Queremos resolver os problemas discutindo sobre música, quando deveríamos buscar soluções espirituais. Fala-se de escalas e estilos musicais, lançam-se anátemas contra a percussão, contra o melisma e até contra a síncope, quando deveríamos estar examinando os próprios corações e buscando edificar a congregação, a igreja.
É claro que se deve estudar música, sua história, sua relação com a mídia, com a cultura e com a religião. Da mesma forma, também é preciso seguir falando de princípios teológicos de adoração e, sobretudo, se engajar na missão confiada à igreja.
Mas nem o estudo musical nem o conhecimento teológico são capazes de estimular sozinhos um espírito de louvor ou de envolver pessoas no evangelho. Então a saída seria modernizar o equipamento de som, apagar as luzes e fazer o coral cantar “louvorzão”? Ou, por outro lado, usar somente o piano no louvor, cantar música do hinário e ter um coral entoando “Com Som de Trombetas”? Nada disso significa que um grupo ou outro esteja mais comprometido com a comunhão e a pregação do evangelho. Aliás, pode significar apenas que um grupo está comprometido com os tradicionalismos e outro está comprometido com as novidades.
Na verdade, essas atitudes são mais musicais do que espirituais e evidenciam uma preocupação em renovar a música do culto sem antes renovar aqueles que oferecem um culto a Deus. Toda renovação genuína da adoração passa primeiro pela renovação genuína do coração dos adoradores a fim de que Deus seja adorado “em espírito e em verdade” (João 4:23).
Os profetas (Isaías 29:13; Oséias 6:6; Amós 5:21) repudiavam os cultos solenes não por causa da solenidade, mas por causa da hipocrisia dos que ofereciam o serviço de adoração. O povo centrava sua adoração em formas externas, como cânticos e holocaustos, mas seu coração estava longe de Deus. “Misericórdia quero, e não sacrifícios”, pedia Jesus (Mateus 9:13).
Isso não implica o abandono de cânticos e ofertas, mas sim que a adoração espiritual genuína vale muito mais que louvores antigos ou contemporâneos e instrumentos acústicos ou eletrônicos. Por isso, adoradores reconsagrados oferecem um culto renovado, pois a transformação espiritual deve preceder a modificação ou a manutenção de liturgias e louvores.
Se a congregação é pouco participativa no louvor, pode ser que a seleção dos cânticos e/ou a forma de conduzir o louvor não estejam adequadas. No entanto, mesmo esses fatores não são apenas musicais, mas são também espirituais. E questões espirituais se resolvem espiritualmente. Por exemplo, a dedicação de músicos e cantores no serviço da igreja é uma questão espiritual, decorrendo daí suas escolhas e suas condutas. Como escreveu A. W. Tozer em The Knowledge of Holy: “Por sermos obra das mãos de Deus, segue que todos os nossos problemas e suas soluções são teológicos”.
A renovação genuína daqueles que louvam produz adoradores contritos pela morte redentora do Cordeiro na cruz e também felizes pela esperança de vida que só encontram no Cristo que ressurgiu dentre os mortos. Adoradores imperfeitos mas dedicados à missão das boas-novas, reunidos para celebrar a fé, a esperança e o amor. É possível louvar a Deus sem amar, mas é impossível amar a Deus e não louvar.
Joêzer Mendonça, doutor em Musicologia (Unesp) com ênfase na relação entre teologia e música na história do adventismo, é professor na PUC-PR e autor dos livros Música e Religião na Era do Pop e O Som da Reforma: A Música no Tempo dos Primeiros Protestantes
Fonte: Revista Adventista