A Seleção de Cantos Para o Culto Cristão – Conclusão Geral

por: Denise Cordeiro de Souza Frederico

A presente pesquisa teve início a partir de duas experiências concretas vividas pela autora: sua participação na comissão do Hinário para o Culto Cristão e a dificuldade de seu filho de achar músicas sacras contemporâneas neste hinário. Ao participar das reuniões realizadas em nível nacional para a organização do HCC, a autora começou a ter mais intimidade com os assuntos pertinentes à hinologia e a se preocupar com algumas questões novas para ela mesma. Entre essas, muitas tinham a ver com a metodologia do próprio trabalho relacionado ao hinário: coletar cantos, buscar fontes, fazer pesquisas junto a pessoas, formar comitês. Outras indagações tinham ligação com os procedimentos referentes à seleção dos cantos para hinários. Essa a principal indagação da autora: que critérios devem ser adotados quando se quer selecionar hinos para hinários e cultos?

A esse questionamento acrescentou-se o problema de seu filho, que, transformado em pergunta, seria: como selecionar cantos relevantes para a geração atual? Partindo dessas duas indagações, a autora optou por buscar uma resposta na história da música sacra cristã. Percebeu logo que um elemento constante nesta história, e que está estreitamente relacionado com a questão da seleção de cantos para o culto, é a tensão entre tradição e contemporaneidade. As pessoas responsáveis pela música nos cultos cristãos sempre se houveram com essa tensão e a resolveram de uma forma ou de outra. Foi a partir de tal observação que a autora decidiu pesquisar a tensão entre tradição e contemporaneidade, ao longo da história da música sacra ocidental, com o intuito de extrair critérios comprovados para a seleção de cantos para o culto cristão dos dias atuais.

No sexto capítulo concentra-se a “essência” do resultado da pesquisa ou, se caso se pudesse falar em termos “musicais”, o “ápice” da obra, onde se queria chegar. Uma vez levantados os fatos históricos, a autora pôs-se a analisá-los, querendo extrair deles os critérios de seleção de cantos para o culto cristão, que são os seguintes: a) a seleção dos cantos deve orientar-se pelo povo; b) a comunidade deve possuir uma teologia do culto; c) a comunidade deve respeitar suas raízes históricas, buscando sua identidade; d) a seleção de cantos deve visar o ensino e a solidificação das doutrinas; e) a seleção de cantos deve adequar-se à liturgia; f) a seleção deve priorizar cantos que falem à alma; e g) a seleção de cantos deve visar a estética do culto. Em virtude de esse capítulo ter sido uma grande conclusão da leitura da história, com considerações teológico-musicais e outras pessoais da autora, esta conclusão não será extensa. O objetivo aqui é traduzir aquilo que foi exposto nesse último capítulo em orientações úteis àqueles que hoje lidam com seleção de cantos em comunidades cristãs, mormente as brasileiras.

O primeiro critério de seleção, que busca adequação ao povo e contextualiza a sua linguagem, deve ser também o principal, sem o qual os demais não podem existir. Como pistas para os que desejam melhor compreender este critério, seguem-se algumas perguntas que podem ser feitas, diante da escolha de cantos: esse canto tem uma estrutura que o torna compreensível, em termos de música, é facilmente memorizável pelo povo?; que recursos melódico-harmônicos estão sendo usados para que ele tenha estas características?; suas frases musicais são lógicas e coerentes entre si, dando-lhe uma estrutura equilibrada?; as extensões da voz são razoáveis em relação à tessitura das vozes médias da congregação, sem intervalos grandes e difíceis?; ao ser apresentado, o tom escolhido é alcançável pela maioria?; a linguagem do texto é acessível ao povo, sem se tornar vulgar, e existiu preocupação com a prosódia?; existe poesia?; a apresentação gráfica do mesmo, quer na partitura musical, quer no retroprojetor, quer em programas impressos, está clara e legível, e a letra não contém erros ortográficos ou gramaticais? Estas são algumas perguntas que, se respondidas afirmativamente, ajudam na averiguação do critério de que “o canto deve adequar-se ao povo”.

O segundo critério: “a comunidade deve possuir uma teologia do culto” ajuda na seleção dos cantos, principalmente se prioriza três tendências básicas: a teologia querigmática, a koinoníaca e a litúrgica. Quando expressa a teologia querigmática, o texto do canto dá prioridade à comunicação da mensagem do evangelho. A comunicação efetiva desta mensagem deve ser a questão primordial do texto “querigmático”. Servem bem como exemplos os textos retirados diretamente da Bíblia e aqueles com instruções doutrinárias. Quando a comunidade elege uma teologia que enfatiza a comunhão entre os irmãos, então os cantos que favorecem esse tema podem ser inseridos. Esses cantos, contudo, não são apropriados em situações em que o grupo mal se conhece ou está reunido pela primeira vez. Não é possível cantar aquilo que não se vive. É por essa razão que, antes de falar em cantos da teologia koinoníaca, falou-se da necessidade de a comunidade aceitar, como “norma” de vida eclesiástica, a teologia da comunhão. A teologia litúrgica destaca a adoração a Deus e a música serve bem a esse propósito. Alguns Salmos ajustam-se perfeitamente aqui, bem como todos os cantos doxológicos. A riqueza da escolha poderia se basear no bom equilíbrio entre as três teologias do culto.

Para lidar com o critério de que “a comunidade deve respeitar suas raízes históricas, buscando sua identidade”, vale lembrar que tradição litúrgica e tradição hinódica estão estreitamente ligadas. Existem hinos antigos que, por seu valor histórico, já foram incorporados ao “repertório” sacro, constituindo-se bandeiras de movimentos. Muitas denominações tornaram-se conhecidas pelo tipo dos cantos que adotaram. O canto confere identidade ao grupo, e os que ignoram isso e abandonam a tradição hinódica perdem suas marcas distintivas. A Igreja Católica Romana compreendeu isso e há muito tem retido o canto gregoriano, que é um legado que remonta à Idade Média, mas que ainda hoje lhe dá uma identidade singular. Da mesma maneira agiram os que se preocuparam em retomar a história de sua igreja e empreenderam largos esforços para resgatar tradições litúrgicas e hinódicas no tempo. Se existem os cantos peculiares a cada segmento cristão, existem também cantos “universais”, que podem se entoados pela cristandade em geral. Os centros ecumênicos têm fomentado esse tipo de hinodia e têm sido felizes na manutenção da tradição cristã. Para os que estão incumbidos da tarefa de escolha de cantos, aconselhar-se-ia o estudo daquilo que pertence ao acervo de sua denominação, procurando destilar o que é mais representativo, que foi aprovado pelo tempo e que muitas gerações vêm cantando seguidamente. Estes cantos devem ser mantidos, porque ajudam a preservar a identidade do grupo. Por outro lado, convém pesquisar os textos utilizados em encontros ecumênicos e que podem ser cantados por todos, pois, por suas qualidades universais, unem os cristãos.

O poder persuasivo que a música tem é usado no comércio como uma arma eficiente para seus fins. Quem nunca se flagrou cantando algo que a televisão está a todo momento colocando no ar? A igreja não pode dispensar esse recurso ou ignorar seus efeitos; por isso, quanto à escolha de cantos para o culto cristão, sugere-se o critério de que “a seleção de cantos deve visar o ensino e a solidificação das doutrinas”. Não foi sem fundamentação que muitos temeram mais os hinos de Lutero do que seus arrazoados teológicos: eles serviram para a solidificação das doutrinas evangélicas recém implantadas. Ensinaram às crianças a catequese mais elementar, fortaleceram os jovens na doutrina cristã e deram segurança de sua fé aos mais adultos. Na era do racionalismo, a igreja cristã temeu os hinários que estavam “camuflando” conceitos essenciais sobre o evangelho, em razão de conhecer o valor do canto para o ensino. Foram considerados “hinário incrédulos” aqueles que não apresentavam claramente os pontos doutrinários cristãos mais relevantes, e muitos se levantaram contra eles. As palavras musicadas fluem com mais facilidade e por isso mesmo os conceitos veiculados musicalmente são melhor captados. Enganam-se os que julgam que a palavra falada é a que fica gravada mais tempo na memória. Ao contrário, em face das mudanças drásticas e extremamente rápidas vivenciadas pelo mundo de hoje, mais a igreja precisa adequar-se a ele, modernizando os seus meios de comunicação. A música tem esse poder de transformar palavras e mensagens, “aplainando” a aridez de algumas, reforçando a beleza de outras e transmitindo conteúdos que serão mais facilmente retidos.

Nas igrejas de tradição litúrgica, como na Católica, Luterana e Anglicana, em que a ordem do culto é fixa, os cantos podem ajustar-se à liturgia mais facilmente. Conhecer bem as práticas litúrgicas de sua igreja é o primeiro passo para quem se dispõe a escolher os cantos. Seria aconselhável conhecer a história do grupo e seus antecedentes para melhor aplicar o critério de que “a seleção de cantos deve adequar-se à liturgia”. Mais que isso, a pessoa deveria especializar-se em liturgia. A autora reconhece a dificuldade que igrejas de tradição não-litúrgica têm para a aplicação deste critério, mas sugere que a escolha tenha alguma coerência com o tipo de culto da comunidade. Muitas igrejas protestantes livres seguem o modelo das igrejas de missão, que se baseiam em Isaías 6 para determinar as partes do culto. Seguindo essa ordem, o culto teria as seguintes partes: adoração, confissão, perdão, mensagem e consagração. Essas seções amparam as escolhas do canto. O culto de tradição “homilética”, embora aqui as escolhas de cantos tendam a ser repetitivas, também dá orientação aos que atuam nessa área. O trabalho consistiria em saber, com a máxima antecedência possível, o tema do sermão, com base no qual seria feita a seleção de músicas para o culto. Aos que têm uma ordem completamente livre, restaria o conselho paulino de fazer-se tudo “com decência e ordem”.

Para a aplicação do sexto critério de que “a seleção deve priorizar cantos que falem à alma” é necessário distinguir cantos com emoção de cantos sentimentais. As palavras na língua grega para designar alma (psyche, nous e archepous) contêm conotações que se autocomplementam e podem ajudar na compreensão do sentido da palavra emoção em português. Quando se fala a respeito de cantos com emoção, tem-se em mente sobretudo aqueles que “abalam” a alma, mexem dentro do coração, dissipando maus sentimentos e modificando, para o bem, o interior da pessoa. Podem ser considerados como tais os cantos que dão vida ao culto (não são necessariamente os mais animados ou os cantados mais rapidamente), os que trazem vigor, alento, que motivam transformações pessoais, levando o cristão a buscar um melhor relacionamento com Deus e a uma vida cristã mais exemplar. Outrossim, com vistas ao caráter educativo, caberia aos líderes escolherem, entre os cantos disponíveis, apenas aqueles que dão vida ao culto e cujas qualidades poéticas são inquestionáveis. O texto selecionado deve ser impecavelmente elaborado, sentindo-se que houve preocupação literária na sua confecção. Textos mal formulados revelam uma liderança desatenta. Ao aplicar este critério, a pessoa não pode confundir cantos com emoção com os cantos sentimentais, piegas, forjados, muitas vezes artificialmente, para provocar reações do tipo sentimentalista. Estes cantos, quando muito, poderão provocar reações imediatistas de choro, mas não acarretarão as transformações interiores que, quando verdadeiramente sentidas e acatadas, se traduzem em atos legítimos em favor do próximo e em contrição para com Deus.

Os que estão envolvidos com a seleção de cantos para o culto cristão deveriam ser os que mais almejam aprofundar seu conhecimento acerca de música e das artes em geral. Só assim estarão aptos para aplicar o critério de que “a seleção de cantos deve visar a estética do culto”. A boa estética do culto é conseguida através da conjugação de vários elementos. O espaço litúrgico, os utensílios e o canto, se esteticamente casados, produzem bem-estar. Foi o documento Snowbird, formulado por católicos de fala inglesa, que estimulou as congregações a permitirem o belo na liturgia. Segundo esse documento, a beleza é o sinal de Deus no mundo. A autora julga que só através do conhecimento da música e de disciplinas afins é que a pessoa terá condições de avaliar um canto quanto ao seu valor estético. Caso contrário, o que predominará são palpites pessoais sem fundamentação alguma.

Um grande anelo particular da autora seria ver a produção musical sacra brasileira disseminada em todos os segmentos denominacionais cristãos do país. Através da divulgação dos conceitos adquiridos durante a realização desta pesquisa, a autora poderia cooperar no sentido de conscientizar os líderes para a importância de se ter critérios de seleção para o canto do culto cristão, seja em congressos ou em cursos específicos sobre música sacra. Talvez pudesse levar os diversos institutos de música sacra espalhados pelo Brasil a rever parte de suas disciplinas, para possibilitar aos alunos um melhor treinamento quanto à escolha dos cantos para o culto. O papel dos líderes é relevante para o crescimento da qualidade dos cantos nas igrejas. Foi visto, no decorrer da pesquisa, o quanto a influência da liderança pode ser negativa ou positiva na escolha dos cantos para o culto cristão. Esse aspecto despontou logo na pesquisa social empreendida pela autora. Ficou ali evidenciado o poder de influência de um líder. Ao estudar, no capítulo 3, a Reforma, o problema veio mais fortemente à tona, sobretudo se se comparam as atuações de Lutero, Calvino e Zwínglio nessa área. Para se chegar a mudanças significativas no panorama brasileiro, a autora acredita que a conscientização teria de começar pela liderança que está sendo treinada nos diversos cursos de música sacra no país, em geral voltados para jovens que se sentem chamados a exercer o ministério de música nas igrejas.

Estudar a música brasileira, suas principais características, e orientar novos compositores seria outra tarefa a ser considerada para o futuro. A produção nacional tem ocorrido de maneira “aleatória”, através, principalmente, de empenhos pessoais muitas vezes destituídos de qualquer fundamentação. Se hoje grande parte daquilo que se ouve nas rádios e em outros canais de comunicação é tradução com baixa qualidade artístico-musical, isso deve-se ao despreparo e à falta de pessoas qualificadas que ajudem os compositores brasileiros na realização de uma obra esteticamente aceitável e autenticamente brasileira. É preciso ter “atalaias”, que não só denunciem estrangeirismos inaptos, mas que sobretudo sejam construtores de um novo fazer musical, com valorização das expressões genuinamente representativas dos anseios populares e que venham preencher as grandes lacunas existentes.

Há uma vasta lacuna a ser preenchida em termos de obras brasileiras com temas vitais para o evangelho, principalmente nas igrejas protestantes. Temas da Teologia da Libertação, poucos, é verdade, já têm sido explorados. A autora sente falta de músicas genuinamente brasileiras que falem da cruz e do sofrimento de Jesus, de sua ressurreição, da graça de Deus, do perdão de pecados que Deus concede, da comunhão entre os crentes, da solidariedade e do compartilhar. Não se encontram hinos sobre a vida diária, que convidem o crente a viver um evangelho exemplar, distribuindo o “Pão da vida”, que alimenta a alma, e o pão, produto do trigo, para o corpo. Onde estão os hinos para os sacramentos, como para o Batismo e a Eucaristia? E onde os para funerais e casamentos? São raros, tanto que, para casamentos, o que se usam são as músicas eruditas compostas por J. S. Bach, F. Haendel, F. Mendelssohn e R. Wagner, entre outros. Embora sejam belas e “cativantes”, a mensagem que passam é apenas emotiva, pois estão destituídas de um texto apropriado. E para o Batismo, seja o de crianças, seja o de adultos, o que se canta em solo brasileiro? Esses cantos são até numericamente inexpressivos, se consideradas as vezes que deles se precisa durante o ano eclesiástico. Para a Ceia do Senhor os cantos rareiam ainda mais. Urge revisar o acervo de cantos autenticamente brasileiros, sobretudo os que preencham as lacunas temáticas apontadas.

Alastraram-se sobremaneira os cantos doxológicos nas igrejas protestantes não-litúrgicas, em geral traduzidos da língua inglesa. Embora sejam muito importantes para o louvor no culto cristão, o fato de prestigiá-los em detrimento de outros cantos tem enfraquecido essas igrejas teológica e doutrinariamente.

A autora está convicta de que os sete critérios listados no sexto capítulo podem oferecer uma boa base metodológica de seleção de cantos para aqueles que trabalham com música sacra. Se usados para definir o acervo de um hinário, estarão ajudando a respectiva comissão a achar os cantos com maior facilidade e fundamentação adequada. Se usados diretamente por aqueles que estão à procura de cantos para o culto, servirão da mesma forma como aferidores justos e precisos, evitando esforços equivocados e poupando tempo.


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