A Seleção de Cantos Para o Culto Cristão – Capítulo IV
por: Denise Cordeiro de Souza Frederico
A Tensão Entre Tradição e Contemporaneidade na Música Sacra Cristã do Barroco ao Romantismo
Neste capítulo deseja-se abordar a maneira como três distintas épocas da história (séculos XVII, XVIII e XIX) lidaram com a tensão entre manter a música tradicional e optar pelo estilo da atualidade. Através da observação dos fatos históricos, pretende-se verificar que critérios de seleção de cantos podem ser retirados para o uso atual das pessoas ligadas à música em igrejas cristãs.
Durante a época barroca, os compositores ficaram divididos entre usar a prima prattica, que significava reter as formas antigas, ou se ajustar às práticas do momento, a seconda prattica, ditadas muitas vezes pela música secular. Quer-se avaliar ainda o papel de Johann S. Bach para a música sacra, admitindo-se que seu estilo foi inimitável e altamente proficiente. Mais ainda, deseja-se verificar a contribuição dos hinos pietistas para a hinodia cristã.
Isaac Watts, John e Charles Wesley apresentam-se como pioneiros da hinodia inglesa, nos moldes em que ela iria se fixar pelos tempos subseqüentes e influenciar o futuro da hinodia americana e de países atingidos por suas missões evangelizadoras, além de suas fronteiras. Mostraram-se inclinados ou não a admitir cantos contemporâneos em suas coletâneas? Quando editaram seus hinários, quais as fundamentações que John e Charles usaram para a escolha dos cantos? Que ênfases continham os textos de seus hinos? Qual a relação entre o movimento de avivamento que inauguraram e a hinodia que usaram? Que conseqüências podem advir disso para a seleção de cantos para o culto cristão? Quanto à tradição do canto da Igreja Anglicana, à qual pertenciam, que fizeram com ela? E quanto à explosão hinográfica do século XIX, que marcas importantes ela deixou para o século seguinte? Que temas predominavam nos hinários?
O período do romantismo iria influenciar a música com a sua preocupação com o cultivo das tradições do passado. Na tentativa de retornar à sua legítima tradição histórica, a Igreja Anglicana empreendeu um movimento de resgate desse patrimônio religioso-cultural esquecido. O movimento denominou-se Movimento de Oxford. Outras denominações cristãs também envolveram-se nessa busca, como luteranos e católicos. Como isso se deu e que tipo de conseqüências houve em relação à música sacra por causa desses movimentos? Quais os elos principais entre a reforma litúrgica empreendida e a hinodia? Como essas mesmas pessoas lidaram com a música do momento?
Que influências exerceram sobre a música sacra os pioneiros europeus que aportaram em terras americanas? Que tradições levaram consigo? Qual a importância das escolas de canto e das sociedades de canto para a música sacra? Que papel desempenharam os clérigos educados formalmente em universidades para a continuação da tradição musical? Essas são algumas das questões abordadas na quarta parte do capítulo. Dá-se ainda destaque aos spirituals e à música gospel, pois, transplantados para os campos missionários, como aqui no Brasil, iriam formar o grande acervo de hinos da maioria dos hinários das igrejas protestantes tradicionais, muitos dos quais em uso até o presente momento.
Entre movimentos de resgate da tradição litúrgica, que terminaram afetando a hinodia cristã, principalmente nos países de fala inglesa, e as novas tendências que iam moldando as reuniões de avivamento nos Estados Unidos da América do Norte (EUA), que critérios de seleção de cantos para o culto cristão podem ser destacados? Que conseqüências a música sacra sofreu a partir destes fatos históricos? Essas são algumas perguntas que se deseja abordar para poder definir critérios de seleção de cantos para o culto cristão de hoje.
4.2.1 – Características gerais da música erudita e sacra do período barroco
O período barroco costuma ser dividido em três fases: a fase inicial, cerca de 1580 a 1630, a medial, de 1630 a 1680, e a final, de 1680 a 1730, fases determinadas por aquilo que aconteceu na Itália, país que mais influenciou o período. A primeira fase caracterizou-se pelo aparecimento do recitativo e da dissonância. Na segunda fase o bel canto, empregado na cantata e na ópera, demarcou a diferença entre recitativo e ária. A última fase foi caracterizada pelo amadurecimento da tonalidade, pelo desenvolvimento das formas musicais e pela primazia dada aos instrumentos musicais, que tomaram o espaço antes destinado à voz humana.
A música sacra do período barroco defrontou-se com a alternativa entre ficar com a tradição (o stile antico), que representava todo o acervo que os compositores haviam adquirido através do seu treinamento acadêmico, ou aceitar o stile moderno, ora representado pelas várias tendências que surgiam:
Mastery of the stile antico became the indispensable equipment in the composer’s education. He was now at liberty to choose in which style he wanted to write, whether in the moderno, the vehicle of his spontaneous expression, or in the strict antico which he acquired by academic training.
Foi justamente nessa época que a música começou a ser identificada de acordo com os estilos de sua forma ou de acordo com as funções sociológicas que desempenhava: musica ecclesiastica, cubicularis, theatralis, ou, segundo a classificação de Monteverdi, prima e seconda prattica. A prima prattica significava “à maneira dos renascentistas”, simples e comedida, diferindo da seconda prattica, que agora valorizava ao extremo as paixões e os afetos, tanto que novo vocabulário tinha de ser introduzido para expressar esses sentimentos exacerbados. Segundo Monteverdi, o tratamento para as novas dissonâncias era a característica principal do novo estilo que surgia, a seconda prattica.
Na primeira fase do barroco, a nova prática floresceu sob a liderança de dois condes: Bardi e Corsi, músicos amadores, os quais fundaram a Camerata, grupo que atacou a maneira como os renascentistas lidavam com as palavras. Como resultado dessa influência, foi criado o recitativo, cuja característica principal consistia em que a música estava completamente subordinada às palavras, as quais determinavam o seu ritmo e as suas cadências. A criação do recitativo estava diretamente relacionada ao surgimento da ópera. O amadorismo desses aristocratas fê-los mais propensos a admitir novas formas de se fazer música:
Amateurs are less likely to be hidebound by tradition, and less likely to be hampered by facts in the pursuit of new ideas. The influence of dilletanti was as decisive a factor in the formation of baroque music as in that of the classic style in the days of the Bach sons.
Os primeiros a escrever no novo estilo (seconda prattica) foram Giulio Caccini (1545-1618) e Jacopo Peri (1561-1633), compositores da Camerata. A nova tendência musical tratava a voz humana com grande ênfase, quase sempre em solo de grandes árias: era a melodia, em geral escrita na voz superior, acompanhada por uma harmonia, técnica conhecida como estilo monódico.
The new-born art strove to give more apt and detailed expression to the words, and why should not this permission be granted to church music? The musical revolution of the seventeenth century involved the development of an art of solo singing and its supremacy over the chorus, the substitution of the modern major and minor transposing scales for the gregorian modal system, a homophonic method of harmony for the medieval polyphony, accompanied music for the a capella, secular and dramatic for religious music, the rise of instrumental music as an independent art, the transfer of patronage from the Church to the aristocracy and ultimately to the common people.
Cinco estilos de música sacra estavam em voga no período barroco: a monodia, o concertato, o grande concertato, o “barroco colossal” e o stile antico. O estilo monódico podia ser encontrado mais nas composições que usavam a língua italiana, sendo Monteverdi um dos primeiros que forneceu exemplos desse estilo na música sacra. Podem-se apontar duas escolas onde o estilo despontou: a escola que seguia os preceitos da escola florentina e de Monteverdi e a escola dos compositores de Roma. A primeira caracterizava-se pela forma como o texto era interpretado, com mudança de tempo e anotação minuciosa de dinâmica. A segunda escola tinha como característica a maneira de tratar a voz virtuosisticamente. O estilo concertato podia aparecer com ou sem instrumentos e consistia num pequeno grupo de solistas, que se apresentavam em dueto ou em trio ou em cantatas. No grande concertato, as diferenças entre o grupo solista e o coro ficaram mais acentuadas. Alguns mesclavam a esse estilo o cantus firmus ou técnicas como o ostinato e variação estrófica. O estilo “barroco colossal” recebeu essa denominação em vista dos inúmeros coros que empregava sobre o stile antico, produzindo ecos, solos e tuttis que refletiam a suntuosidade da igreja da Contra-Reforma e a arquitetura das igrejas, com suas galerias. O stile antico representava a perpetuação da tradição renascentista e, à medida que os novos estilos iam aparecendo, mais esse estilo se tornava sinônimo daquilo que pertencia à igreja, por imitar a música de Palestrina. Os seguidores desse músico, entretanto, foram reinterpretando o seu modelo e acrescentaram a ele novos efeitos já pertencentes aos novos tempos barrocos.
Os oratórios surgiram em torno de 1600, mas só foram concretizados quando o bel canto começou a aparecer, fato ocorrido na fase barroca medial. O oratório era uma composição sacra, contudo não litúrgica. Os enredos eram baseados nas histórias da Bíblia, davam grande destaque aos coros e eram apresentados por um narrador, o que os distinguia das óperas. Apresentavam o assunto em forma de recitativos, ariosos e árias, acompanhados por coros e orquestra.
A polaridade encontrada entre o soprano e o baixo, típica do estilo monódico, possibilitou experimentos na área da harmonia, juntamente com a nova tendência ao uso de dissonâncias e a introdução de acordes de sétima em tempos fortes sem a antiga preparação. A tonalidade, sistema de sucessão de acordes girando em torno de um centro tonal, foi descoberta do barroco, o que denotava grande contraste com os princípios do renascimento até então vigentes, os quais eram guiados pela modalidade. A fixação da tonalidade ocorrida na última fase do período barroco marcou definitivamente uma nova era na esfera da harmonia, afetando a maneira de compor e estabelecendo as normas pelas quais a música ocidental guiar-se-ia até o fim do século XIX e início do XX, quando foram introduzidos o atonalismo e outras tendências modernas de se escrever música. Quanto à música sacra vocal, a cantata assumiu a liderança, mas também podia ter caráter secular. A cantata era composta de árias, recitativos, duetos e coros que se baseavam em textos de cunho lírico, dramático ou religioso.
A música sacra iniciou um processo de “profissionalização”, por ter-se tornado objeto de arte, escrita para uma minoria e só compreendida pelos aristocratas e pessoas intelectuais da sociedade: nessa categoria podiam ser catalogadas as cantatas e as composições para órgão de D. Buxtehude (1637-1733) e de J. S. Bach (1685-1750). Ao se referir às cantatas, especialmente às de Bach, Blume declara terem sido compreensíveis apenas para um seleto grupo de pessoas cultas:
The word of God as proclaimed in the liturgy and interpreted in the rhetoric of a sermon was now proclaimed and interpreted musically in the cantata (especially by Bach). This musical dress (with some more or less important restrictions) was tailored from remnants of an older German tradition and from contemporary secular chamber cantatas and opera seria. The new development satisfied the sophisticated listener, although, as contemporary reports tell us, it remained incomprehensible to the average churchgoer, who was sometimes advised to study his hymnbook during the music.
4.2.2 – Johann S. Bach e o pietismo
Considerado um dos maiores gênios musicais de todos os tempos, J. S. Bach pertenceu à quinta geração de uma família de músicos. Foi homem de seu tempo e utilizou as técnicas composicionais vigentes para compor obras inigualavelmente bem estruturadas. Além das cantatas e obras para órgão mencionadas, compôs prelúdios corais, paixões, oratórios, uma missa (a Missa em Si m), motetos, corais, obras orquestrais e camerísticas, obras para o cravo, utilizando diversas formas, desde a fuga até formas mais livres de composição. Dedicou-se inteiramente à Igreja Luterana, tendo sido organista e diretor musical em diversas cidades alemãs. Trabalhou como “kantor” nas igrejas e escolas de Leipzig, de 1723 a 1750, ano de sua morte. Sua obra caracterizou-se por um domínio técnico incomparavelmente perfeito. Não foi um inovador, no sentido de criar novas formas musicais, mas sim o mestre por excelência das formas existentes. A música vocal de Bach, entretanto, a partir de 1720, começou a ser tida como “fora de moda”, uma vez que os compositores contemporâneos passaram a evitar toda a erudição das fugas e dos demais estilos imitativos como também a linguagem densa de emoção, própria do pietismo, usada por Bach. Além disso, esse tipo de música pietista não se coadunava com as ideias propagadas pelo “Século das Luzes”, cuja pregação baseava-se na razão.
No âmbito religioso, a última metade do século XVI e todo o XVII viram surgir um movimento de avivamento espiritual, que destacava a liberdade individual. Seus adeptos queriam desligar-se de toda a autoridade temporal e legalmente constituída, quer política quer religiosa, para poderem se dedicar às leis do “Reino”. Esse individualismo era herança da Renascença e tornou-se conhecido como “pietismo”. Os pietistas rejeitavam a ortodoxia representada pela conservação dos dogmas tradicionais, que se baseavam na observância fiel das formas litúrgicas, dos sacramentos, da Bíblia e do sermão. O movimento pietista reuniu cristãos de várias denominações, incluindo católicos, os quais tinham como propósito, uma vez desvinculados das autoridades, reunirem-se para oração, para trabalhos de assistência social e para compartilharem suas experiências religiosas. O movimento inspirou uma hinodia marcada pelo subjetivismo, com melodias adaptadas para o compasso ternário, que servia para as danças, em contraste com o estilo coral anterior. Na luta entre ortodoxos e pietistas, J. S. Bach posicionou-se a favor dos primeiros, embora se saiba que sua obra religiosa não pôde fugir de uma forte influência pietista, apresentando, principalmente no texto de suas cantatas, um misticismo introspectivo. Na opinião de Blume, a verdadeira música protestante dessa época consistiu naquela que soube fundir a tendência ortodoxa, enraizada nos moldes renascentistas, com aquela ditada principalmente pelos modismos que vinham da Itália:
If church musicians had clung only to the tradition during the period of orthodoxy and Pietism, their works would have been doomed to a traditionalistic sterility. If they had thrown themselves one-sidedly into the currents of Italianized opera and instrumental music, they would have quickly arrived at a secularized art, and their music would have degenerated into a mere ornament in the worship service. It was the great accomplishment of musicians during these seven or eight decades that this did not happen, but rather that an independent “new” form of Protestant church music was shaped by the fusion of traditional-bound faith, heartly piety, and logical order.
J. S. Bach foi, sem sombra de dúvida, aquele que melhor sintetizou o espírito conciliador de práticas antigas com aquelas que o momento requisitava: “Bach’s historic position required that this spirit, in many ways so modern, should take shape in forms to which still clung the technical methods of an earlier time”.
O objetivo da música sacra ainda continuava sendo propagar os princípios bíblicos, mas agora revestidos com a paixão e a emoção típicas da época. O culto protestante cada vez mais concentrava-se no sermão e deixava em plano secundário a ordem litúrgica. Das partes litúrgicas, sobreviveram o Kyrie e o Gloria da missa, o Magnificat das vésperas e alguns hinos isolados. A popularidade dos corais protestantes começou a decair e já no final do século XVII os diversos ornamentos introduzidos nessa música desfizeram seus traços característicos.
Sob a influência do pietismo surgiram inúmeras coletâneas de hinos destinados ao canto individual, contendo árias com letras sentimentais, mas pouco aceitas para o canto congregacional, dadas as suas feições com passagens para solos virtuosísticos e tessituras que abrangiam grande extensão da voz. Justamente em razão dessa tendência ao estilo operático é que as melodias e textos influenciados pelo pietismo caíram nas graças de um círculo de pessoas elitizadas e foram sendo usados apenas para devoção individual, nas casas. Chama a atenção o fato de que os hinos coletados nesses hinários passavam por uma “modernização” a fim de aí serem incluídos:
The more Pietistic a hymnbook was, the more its traditional stock of hymns was crushed, modernized, and rationalized, and the more traditional hymns were discarded. This process continued until the second half of the 18th century and even into the 19th. Irreverently and with no feeling for historical values, hymnbooks such as the one by Porst in Berlin (1708) (…) continued to “improve” the old texts, just as the late 17th century had begun to do.
O grande representante da hinodia do movimento pietista foi Paul Gerhardt, compositor alemão cujos hinos foram mais tarde vertidos para o inglês por John Wesley. Seus hinos expressavam a devoção individual do movimento. Seu entusiasmo levou-o a escrever hinos com estrofes bastante extensas. Segundo Routley, Gerhardt e Wesley escreveram hinos “a hundred lines long without wasting a word”. A época em que Gerhardt vivia caracterizava-se pela Guerra dos Trinta Anos e, através dos seus hinos, ele foi porta-voz de uma mensagem de conforto para os momentos angustiosos que seu povo enfrentava. Seus hinos refletiam uma fé objetiva, intimamente relacionada com os fatos do momento. Observe-se a letra do hino Befiehl du deine Wege, que aparece no HPD sob o número 217, cujas três primeiras estrofes são as seguintes, na língua portuguesa:
Confia o teu caminho a teu fiel Senhor!
Teu coração mesquinho, com todo o teu temor:
Ao Deus onipotente entrega-o sem tardar:
Teu Criador clemente não há de rejeitar!
Em teu Senhor espera, se queres seu favor;
sua obra considera, e a tua tem valor!
Angústias desoladas jamais te salvarão;
alcanças bens sagrados somente em oração.
E mesmo que o demônio nos venha a resistir
e com poder medonho nos queira destruir,
o teu aceno basta a fim de o subjugar,
e todo o mal afasta o teu divino olhar.
Em 1659, descrevendo as matinas de Natal em sua paróquia em Berlim, Gerhardt detalhou cada parte do culto. A participação musical constava de um grupo de meninos e de um coro misto de adultos, colocados na galeria. Embaixo do púlpito, postava-se um Collegium musicum, formado de gente do povo que tocava violino e instrumentos de sopro, reunidos em torno de um órgão. Mais de cem anos depois de a Reforma ter sido efetuada, ainda se mantinha a tradição de apresentar os responsórios e os hinos em latim.
Nikolaus Ludwig, conde de Zinzendorf, hinista responsável pela produção de cerca de 2 mil hinos, foi o pietista alemão fundador da Igreja do Moravianismo em terras prussianas. Zinzendorf, nome pelo qual ele ficou conhecido, inaugurou na sua comunidade eclesiástica o que denominou de “horas de canto”:
Some of Zinzendorf’s remarks suggest that singing and the hours of song were to him the focal points of spiritual and congregational life. He felt that they were ways to a genuine expression of enthusiastic pietistic faith and therefore a measure of the spiritual condition of the congregation. He said of the songs that they were “the best method to bring God’s truth to the heart and to preserve it there”.
Os hinos morávios iriam ter forte influência na vida de John Wesley, que viajou para a Alemanha, no verão de 1738, a fim de se encontrar com Zinzendorf. O texto de um de seus hinos, publicado no HPD com o número 94, mostra a preocupação dos morávios com o aspecto da comunhão entre irmãos:
Corações, em fé unidos, vinde à paz do bom Senhor,
por seu santo amor movidos, procurai o Salvador!
Do seu corpo os membros somos, ele, a luz, nós, o fulgor.
Só por ele salvos fomos, por Jesus, o Redentor.
Seja o vosso amor tão forte, tão intensa a comunhão,
que enfrenteis a própria morte, por amor de algum irmão.
Cristo assim nos tem amado que seu sangue deu por nós;
como ficará magoado, se há discórdia entre vós!
4.3.1 – Características gerais das músicas erudita e sacra no século XVIII
O iluminismo, que alimentava a música de concerto, iria influir na teologia e na música sacra a partir da segunda metade do século XVIII. As pessoas estavam às voltas com o racionalismo, que substituía o pietismo. A classe média alta, na Alemanha, dada a influência dos concertos públicos, começava a se afastar da igreja, e a música secular atingia o clímax com a Escola Clássica Vienense. No fim do século XVIII e início do XIX as igrejas protestantes viam o enfraquecimento das instituições que eram em grande parte nutridas por elas. As escolas para meninos e coros, os músicos Kantor responsáveis pelo seu treinamento, as sociedades Kantoreien, que tinham a finalidade de manter os coros de adultos, começaram a perder sua importância tanto nas cidades maiores como nos pequenos centros. O nível artístico decresceu e a música da igreja ficou sob a responsabilidade de gente menos treinada. Na perspectiva iluminista, só deveria permanecer como música verdadeiramente sacra aquela que pudesse servir à “edificação”, significando que essa música devia suscitar reverência em todos os congregados para o culto. O slogan desse período seria “simplicidade e dignidade nobres”, para evocar sentimentos de devoção. A simplicidade seria atingida no momento em que todos pudessem ser edificados pela música e não somente aqueles que eram responsáveis por executá-la. Toda música sacra moderna do período deveria conter esse espírito ditado pelo iluminismo, ou seja, possuir um estilo popular e melodioso, como o encontrado nas óperas. Aliás, os coros das óperas de Gluck e Mozart até foram recomendados para o uso da igreja. As fugas, por exemplo, eram consideradas impróprias para a igreja: eram incompreensíveis, não despertavam o sentimento devocional. Nem sempre, contudo, o ideal de simplicidade em relação à música sacra correspondeu à realidade, mas influenciou fortemente para que algumas práticas fossem adotadas: a cantata acabou por ser suprimida; o canto à capela foi reintroduzido; os coros cantavam corais a quatro vozes, motetos, árias e hinos acompanhados pelo órgão ou instrumentos de sopro; surgiram os conjuntos de trombones. Essa posição antibarroca ainda considerava que os textos próprios para a música na igreja deveriam primar por uma poesia altamente lírica, atendo-se às Escrituras. Possuindo textos próprios, compostos especialmente para os hinos, deveriam evitar os que fossem descritivos e homiléticos, como os das cantatas.
Heinz Hoffmann, no capítulo em que tratou de “A Ofensiva da Nova Ortodoxia contra Hinários Vigentes”, expôs a intranquilidade diante da “incredulidade” que dominava os hinários da época (final do século XVII, XVIII e início do XIX). Essa incredulidade estampava-se claramente nos textos dos hinos em razão do racionalismo. Muita gente contrária a essa situação teve de gastar tempo e suados esforços para combater os chamados “hinários incrédulos”, que estavam disseminando heresias contrárias às verdades cristãs, fato que perdurou por muito tempo. Para essas pessoas, o principal erro dos hinários racionalistas consistia em destruir a linguagem bíblica, tirando os ensinamentos bíblicos dos hinos. E. R. Stier considerou que a ausência de alguns assuntos, como a negação do poder do diabo (queriam um ponto de vista mais otimista em relação à humanidade), o abrandamento em se falar sobre o pecado original, e até o evitar falar sobre a divindade de Cristo refletiam, nos hinários, essa incredulidade. Descrevendo a situação caótica do Hinário Montanhês, vigente, em jornais da época, Stier destacou sua fraqueza em termos de ensino e ofereceu uma estatística listando 126 hinos “imprópios”, 38 “precários” e 29 “pecaminosos”, pois contradiziam a fé cristã. As pessoas preocupadas em manter viva a fé evangélica empreenderam esforços no sentido de recuperar os antigos hinos que ainda falavam de pecado, arrependimento, santificação, temas que estavam sendo negligenciados pelos hinários mais atuais e que expressavam os ensinamentos vitais de sua confessionalidade. O conflito foi deflagrado entre esses que ainda defendiam os ideais da fé pietista e os que já se inclinavam a aceitar o racionalismo. Os hinos pietistas, representantes de uma era que já havia declinado, ainda vigoravam porque, entre outras qualidades, eram os hinos pelos quais os “crentes simples e confiantes em Deus” podiam se expressar:
Einen Eindruck davon können Zeugnisse geben, die berichten, welche Lieder zu besonderen Gelegenheiten zum Ausdruck des eignen Erlebens werden konnten – also etwa beim Erkennen besonderer göttlicher Führung, bei Bekehrungserlebnissen, auf dem Sterbebett. Es sind einmal die Lieder (vorwiegend des 17. Jahrhunderts) des schichten gläubigen Gottvertrauens, die von der Gewissheit der Erlösung durch Christus und der Geborgenheit in Gottes Führung und Heilsratschluss singen.
Muito se acentuou a tensão entre ater-se à tradição ou partir para algo mais atual no canto congregacional. Não mais conformados com os antigos hinos, as pessoas responsáveis pelos hinários pós-barrocos passaram a modificá-los, incluindo-os nos apêndices dos hinários. As pessoas reclamavam que os hinos antigos possuíam métrica irregular e rimas imperfeitas, além de usarem palavras ininteligíveis. Um tema que prosperou foi a esperança de dias melhores e o encontro dos crentes no céu, e os hinos que abordavam dogmas denominacionais começaram a ser evitados. As canções populares também floresceram em ambientes domésticos, para devoção particular, e igualmente em canções para crianças ou para o Natal, usando suas melodias para letras religiosas. Era comum o aproveitamento de uma mesma melodia para inúmeros textos, processo denominado de contrafactum, já utilizado largamente no século XIII pelos trovadores, mais tarde nos corais protestantes de Lutero e por Calvino nos seus salmos. Embora o processo de utilização de uma melodia conhecida ajudasse para que o hino fosse rapidamente aprendido, por outro lado isso limitava o conhecimento de novas expressões musicais por parte da congregação.
O canto congregacional pós-barroco caracterizou-se ainda pelo afrouxamento do tempo da música, que agora “arrastava” o canto. Cantar em andamento rápido não era considerado “nobre”. O povo viu nessa prática uma chance de introduzir sua “contribuição” e, querendo tornar esse canto mais vivo, começou a acrescentar ornamentos e contracantos a essas notas que eram cantadas com longa duração. Também favoreceu a introdução de elementos não presentes na melodia primitiva o fato de a maioria dos hinários não conter mais a música. Os organistas sentiam-se também livres para “florear” sua participação, quer no acompanhamento, quer nos interlúdios solísticos entre as estrofes dos hinos.
Isaac Watts (1674-1748) nasceu na cidade de Southampton, na Inglaterra. Filho de pais oriundos dos huguenotes e dos não-conformistas, tornou-se ministro de uma congregação independente, tendo, inclusive, descartado um convite para estudar e tornar-se ministro da Igreja da Inglaterra. Foi autor de inúmeros tratados teológicos e filosóficos. Com a idade de 20 anos começou a escrever hinos, muitos dos quais consistiam em paráfrases bíblicas e se tornaram bastante populares em sua época. A música sacra adotada em seu meio eram os salmos de Barton. A sua grande e inovadora contribuição ocorreu justamente na esfera do canto dos salmos, os quais veio a alterar para responder à sua inquietante indagação de teor teológico. Segundo essa sua percepção, os hinos deveriam ser cantados a Cristo como Deus. Inconformado com a “desatualização” da coletânea de Barton, Watts entendeu que, se Cristo fez novas todas as coisas, havia suficiente justificativa para embasar uma nova aspiração em termos de música para a igreja.
Sobre a validade de empreender essa tarefa, o próprio Watts assim se expressou:
I steem [sic] the book of Psalms the most valuable part of the old testament upon many accounts: I advise the reading and meditation of it more frequently than any single book of scripture; and what I advise I practice. Nothing is more proper to furnish our souls with devout thoughts, and lead us into a world of spiritual experiences: The expressions of it that are not jewish or peculiar, give us constant assistance in prayer and in praise.
Resolveu, então, “cristianizar” os salmos, como se o autor do livro dos salmos falasse a linguagem cristã dos dias de Watts:
Watt’s hymns are steeped in the grace, dignity and zeal of the gospels. Even when at times he degenerates into eighteenth-century bombast the new testament imagery is there; at his best he has the charm and simplicity of Luke. Watts, indeed, never wanders far from the Bible and most of his hymns are paraphrases rather than direct inventions.
Watts destacou as razões por que o trabalho deveria ser feito. A primeira consideração sua foi embasada na falta de habilidade havida em tentativas anteriores de executar essa transformação. Segundo ele, o maior problema dessas adaptações estava nos assuntos e palavras usados, em grande parte em desacordo com o “espírito dos evangelhos”. Verificou também a necessidade do empreendimento, porque percebeu o distanciamento que havia entre as necessidades do momento e os assuntos abordados pelos Salmos. Com esse objetivo em vista, alterou somente o que achou incompreensível para aquela época: julgou que seria muito prudente substituir expressões judaicas por palavras e conceitos ingleses que fizessem mais sentido, principalmente para que o povo pudesse compreender a dura situação político-social pela qual a Inglaterra passava. As alterações efetuadas nesse sentido foram assim descritas por Watts:
Now if there be converted into christian songs our nation, I think the names of Ammon and Moab may be properly changed into the names of the chief enemies of the gospel, for far as may be without public offence: Judah and Israel may be called England and Scotland, and the land of Canaan may be translated into Great Britain: The cloudy and typical expressions of the legal dispensation should be turned into evangelical language…
Escrevendo “An Essay for the Improvement of Psalmody”, Watts endossou a necessidade da adaptação dos salmos à compreensão contemporânea:
They ought to be translated in such a manner as we have reason to believe David would have composed them if he had lived in our day (…) In the translation of jewish songs for gospel-worship, if scripture affords us any example, we should be ready to follow it, and the management thereof should be a pattern for us.
A sua contribuição à hinodia cristã foi além da cristianização dos Salmos, pois, preocupado em oferecer conteúdos legitimamente neotestamentários, e entendendo que “o menor no reino dos céus é maior do que os profetas judeus”, Watts escreveu composições que ele mesmo denominou de “hinos espirituais”, conforme a instrução paulina. Esses hinos teriam, além do respaldo do NT, a preocupação de atingir aquilo que Eric Routley mencionou como sendo a qualidade básica para a existência de um hino: sua acessibilidade às pessoas comuns, que o cantam sem nenhuma preocupação com sua origem, ou com a sua estrutura ou autoria. Esses cantos populares tratam daquilo que as pessoas mais prezam ou com que se preocupam: o amor, o trabalho e a morte. O próprio Watts entendeu que esses hinos poderiam expressar: “The most frequent tempers and changes of our spirit, and conditions of our life (…), and the breathings of our passions, our love, our fear, our hope, our desire, our sorrow, our wonder, and our joy (…)”.
Watts preocupou-se com os fiéis que freqüentavam a sua igreja, uma das igrejas dissidentes da época. Referenda essa posição a atenção voltada que devotou para que as composições fossem construídas formalmente em versos e métricas comuns ao homem e à mulher ordinários, sendo assim fáceis de serem cantadas por toda a congregação. A linguagem que empregou deveria ser acessível e familiar a esse tipo de gente.
As razões que levaram à popularidade dos hinos de Watts podem ser assim descritas: a sua fidelidade à Bíblia; a linguagem como veículo para suscitar a emoção do crente; um único tema musical, com uma boa frase inicial que se desenvolve até chegar a um clímax; hino curto, sem muitas estrofes. Watts foi considerado o criador da hinodia em língua inglesa e até hoje seus hinos são incluídos nos hinários em inglês.
Nos hinários em língua portuguesa pesquisados, acharam-se 14 hinos de Watts. Quatro são metrificação e/ou paráfrase de algum salmo e sete falam sobre a cruz/sangue de Cristo ou sobre a salvação através de Cristo; os três restantes falam sobre a adoração e o louvor a Deus. Embora a amostra seja numericamente insignificante, ela projeta dois temas predominantes em Watts: as paráfrases dos Salmos (cristianizados) e a cruz de Cristo. Como ilustração, transcreve-se a paráfrase do salmo 72, traduzida por Werner Kaschel em 1990:
Cristo Jesus com poder reinará, / seu reino aqui estenderá.
Em terra e mar, seja onde for,/ dominará o Salvador.
Hinos se cantam com grande fervor,/ dando louvores ao Senhor.
Preces se elevam, seja onde for,/ tal qual incenso sobre o altar.
Povos e raças em todo lugar / dão glória a Cristo em seu cantar.
Simples crianças, com louvor, / falam do seu eterno amor.
Honras rendamos ao bom Redentor,/ Rei poderoso e benfeitor.
Anjos o exaltam lá no além,/ brada a terra um forte amém.
4.3.3 – John Wesley e Charles Wesley
John Wesley (1703-1791) e seu irmão Charles Wesley (1707-1788) foram os principais líderes responsáveis pelo avivamento evangélico ocorrido na Inglaterra no século XVIII. Filhos de clérigo que se rebelou contra a Igreja oficial da Inglaterra, os dois nela permaneceram até a morte. Receberam forte influência religiosa da mãe, Susanna Wesley, cujos atributos excederam os limites das lides domésticas: sabia grego, latim e francês, além de ter estudado teologia.
John Wesley auxiliou, como vigário, seu pai em Epworth até ser chamado à Universidade de Oxford, onde permaneceu de 1729 a 1735, desempenhando a função de professor. Nesse ínterim, freqüentava uma reunião entre amigos juntamente com Charles. Esse grupo recebeu diversos apelidos (“O Clube dos Piedosos”, “Traças da Bíblia”, “Sacramentarianos”), mas foi a maneira ordeira como seus membros viviam que determinou a denominação “metodistas”:
A pequena companhia reunia-se todas as noites para passar em revista os feitos durante o dia, e para planejar o trabalho do dia seguinte. Visitavam aos [sic] doentes, auxiliavam aos [sic] pobres, ensinavam às crianças nas escolas, visitavam aos [sic] presos na penitenciária e nas cadeias.
John Wesley era um admirador de Watts e tinha familiaridade com os hinos dele. Possivelmente eram esses os hinos cantados nessa reunião do “Clube dos Piedosos”.
Em outubro de 1735 viajou para a Geórgia, nos Estados Unidos, como clérigo dos colonos. Charles acompanhou-o como secretário de Oglethorpe, o líder espiritual para essa colônia. O encontro que John teve com os morávios, durante a viagem de navio, e sua permanência em terras americanas o ajudariam a reformular sua vida como cristão. Além do seu amadurecimento espiritual, os morávios oportunizaram que Wesley mantivesse contato com a língua alemã e conhecesse sua hinodia:
The intercourse with the Germans marks the beginning of Moravian influence upon the spiritual life of both Wesley, and was to have a marked effect on Wesleyan Hymnody. Its immediate effect was to make an indelible impression of the spiritual possibilities of the Hymn and of a fervid type of hymn singing far removed from the dull parochial Psalmody or congregational praise of Nonconformist chapels. The fervor and spontaneity of this Moravian song was ultimately to be reproduced in the hymn singing of Methodist meetings.
Desses hinos, traduziu 33 para o inglês, escolhidos por seus méritos como hinos relevantes para as necessidades do momento. Foi ainda nessa oportunidade que John Wesley se deu conta da importância dos hinos para a espiritualidade, abrindo o caminho que seria brilhantemente percorrido por Charles.
Em 1738, dois anos depois de seu retorno à Inglaterra, John Wesley empreendeu uma viagem à Alemanha para visitar Zinzendorf: “He benefited from the opportunity to observe the organization, the Christian education, the classes and bands, the love feasts, the watch nights, and the hymn singing of the Moravians”. O ano de 1739 foi um ano marcante no ministério de John, pois a partir dessa data ele iniciou seu ministério itinerante, que revolucionaria a Inglaterra, ajudado pelo seu irmão.
Charles escreveu milhares de hinos, os quais serviram ao evangelicalismo que estava sendo implantado no país. Seus hinos possuíam a mensagem pietista e davam ênfase às doutrinas cristãs fundamentais, sendo, assim, próprios para as reuniões devocionais e também para os grande agrupamentos humanos ao ar livre: destacavam o fervor e tornavam a mensagem inesquecível.
Still, the poet of the movement, the “sweet singer” of Methodism, was, there is no gainsaying, Charles Wesley. John might be – he was – a competent translator, a correct and elegant verse-writer. (…) Charles gave to the Methodist people a transfused and transfigured theology, theology rememberable as verse. Not didactic verse, though didaxis was in it, but verse that was passionate – perhaps too passionate.
Suas melodias inspiravam-se nas melodias seculares de Purcell e de Haendel e, embora destinadas a congregações, eram editadas como solos, com a melodia e o baixo figurado. Eram melodias populares ou adaptadas da música das óperas que abundavam na época. Além de “bandeiras” do evangelicalismo, esses hinos possuíam linguagem atualizada:
At its best, eighteenth-century popular church music expresses the warmth and hospitality of the evangelical revival. The best of their tunes sound like an invitation to believe. The worst of their tunes sound like an invitation to conform. (…) the great tunes of that period recall the great tunes of contemporary opera.
A contextualização da música dos hinos dos Wesley chocou muitos dos elementos conservadores da igreja, contudo foi bem aceita pelo povo. John cria mesmo na superioridade desse tipo de canto em relação àquilo que era apresentado nas igrejas “formais”, tanto que, escrevendo a um amigo em setembro de 1757, assim se expressou:
Nor are their solemn addresses to God interrupted either by the formal drawl of a parish clerk, the screaming of boys who bawl out what they neither feel nor understand, or the unseasonable and unmeaning impertinence of a voluntary on the organ. When it is seasonable to sing praise to God, they do it with the spirit and with the understanding also; not in the miserable, scandalous doggerel of Hopkins and Sternfold, but in psalms and hymns which are both sense and poetry, (…) all standing before God, and praising Him lustily and with a good courage.
A contemporaneidade e a praticidade dos cantos desses dois irmãos podem ser verificadas nos hinos de ordem pragmática. Para exemplificar o pragmatismo dos hinos dos Wesley, foram selecionadas duas estrofes de um hino destinado aos crentes nas suas tarefas diárias:
Forth in thy name, O Lord, I go,/ My daily labor to pursue.
Thee, only thee resolved to know/ In all I think, or speak, or do.
The task thy wisdom has assigned / Oh, let me cheerfully fulfill,
In all my works thy presence find,/ And prove thy acceptable will.
Os hinos dos Wesley não só expressavam pragmatismo, mas estavam repletos das verdade bíblicas, pois visavam educar o povo nas doutrinas cristãs. Eles fundamentavam o lema da Reforma protestante: sola Scriptura. Os Wesley criam ainda que a vida cristã consistia em produzir os frutos do Espírito. O teólogo e pesquisador Routley viu, no hino abaixo, nos 12 versos que possui, 12 citações bíblicas, entre Antigo e Novo Testamentos. Além disso, esse estudioso considerou que os versos estão bem estruturados na língua inglesa, apresentando figuras de linguagem e rima cuidadosa:
Jesus, the first and the last,
On thee my soul is cast:
Thou didst the work begin
By blotting out my sin;
Thou will the root remove,
And perfect me in love.
Yet when the work is done
The work is but begun:
Partaker of thy grace,
I long to see thy face;
The first I prove below,
the last I die to know.
No prefácio que escreveu para o hinário de 1780, John assinalou suas principais preocupações ao selecionar aqueles hinos. Estava preocupado com a variedade de hinários que circulavam e com suas qualidades. Queria editar algo que não fosse caro nem enfadonho, mas que apresentasse uma variedade maior de assuntos, em proporção certa. Esses hinos deveriam referir-se às Escrituras, sendo listados numa ordem bem feita, e não ao acaso. Deveriam conter informação para se evitar erros doutrinários, para firmar a salvação e para promover a santidade do crente. Quanto à poesia dos mesmos, John apontou quatro qualidades necessárias: que não possuíssem versos mal feitos e não-artísticos; que não contivessem coisas bombásticas, mas que também evitassem coisas frívolas; que as palavras usadas tivessem significação e conteúdos claros; que fossem usadas tanto as expressões ricas da língua inglesa quanto as simples, para serem acessíveis a todos. John ainda pediu que ninguém adicionasse nada à publicação nem emendasse nenhum dos versos que ali estavam. Por fim, descreveu para os fiéis os propósitos dos hinos ali coletados:
(…) as a means of raising or quickening the spirit of devotion, of confirming his faith, of enlivening his hope, and of kindling or increasing his love to God and man. When poetry thus keeps its place, as the handmaid of piety, it shall attain, not a poor perishable wreath, but a crown that fades not away.
Essas observações de John Wesley traduzem a postura de uma pessoa que, mesmo tendo adotado a linguagem musical predominante de sua época, não admitia que qualquer tipo de composição, porque era popular, viesse a fazer parte do rol de seus hinários. O zelo pela poesia e linguagem dos hinos enfatiza essa posição. Atente-se ainda ao seu cuidado para com a música. Na sua obra Thoughts on the Power of Music, de 1779, John, que acreditava na capacidade que a melodia tinha para falar à alma humana, criticou os compositores modernos que enfatizavam mais o contraponto e a harmonia, fato que eclipsava a melodia. Quanto a esse aspecto, ele preferia as práticas dos compositores do passado, que valorizavam a melodia pura e simples. John julgava que o contraponto, recurso musical que permitia que as vozes pronunciassem palavras diferentes ao mesmo tempo, obscurecia o entendimento da mensagem:
By the Power of Music, I mean its power to affect the hearers, to raise various passions in the human mind. Of this we have very surprising accounts in ancient history (…) But why is it that modern music, in general, has no such effect on the hearers? (…) The ancient composers studied melody alone, the due arrangement of single notes; and it was by melody alone that they wrought such wonderful effects.
A preocupação de John com a mensagem fê-lo também discordar do modernismo existente nas igrejas da época de o órgão apresentar peças solistas como prelúdios e interlúdios durante o culto. Para ele, esse tipo de música não possuía nenhum significado, devido à ausência de palavras. Considerava, ainda, essas obras desconectadas de emoção e razão, portanto inadequadas para o culto. Defendia também a simplicidade dos hinos. Segundo ele, a complexidade e os ornamentos das melodias, as repetições excessivas e os longos aleluias poderiam afastar o povo da devoção e comprometer a música sacra, que deveria existir com o único objetivo de ser veículo da mensagem cristã.
Charles Wesley escreveu hinos para combater a teologia dos morávios, não aceita pelos Wesley: o “quietismo”, ou ficar quieto ante Deus e deixar tudo por conta dele. Contra a concepção calvinista da predestinação, pregou um sermão intitulado Graça Gratuita e ainda preparou o hino “Redenção Universal”, que, com outro do mesmo tema, foi incluído no novo hinário que estava sendo publicado. Escreveu ainda hinos para as grandes festas da igreja, como os conhecidíssimos “Cantam Anjos Harmonias” e “Cristo já Ressuscitou, aleluia”. Preocupou-se também com um acervo de hinos para os sacramentos da igreja. O hinário de 1745, Hymns on the Lord’s Supper, foi dividido por Charles em seis seções: a primeira celebra a Eucaristia como memorial da morte e sofrimento de Cristo; a segunda celebra-a como sinal da graça de Deus; a terceira parte vê a Ceia do Senhor como uma garantia para o céu; a seguinte como sacrifício; a penúltima como uma exigência que implica o sacrifício de cada cristão; e a última seção é destinada ao período posterior à Eucaristia.
Outro assunto abordado por Charles em seus hinos diz respeito à koinonia. Sabe-se que a igreja organizada por John Wesley, mais tarde conhecida como metodista, iniciou-se baseada em organizações locais de sociedades. Através da ajuda dos chamados “guias de classes”, Wesley podia controlar melhor os pequenos grupos (ou classes) dessas sociedades, os quais reuniam-se semanalmente, com o propósito de celebração de ágapes e vigílias de oração. Por causa dessas reuniões de comunhão, as sociedades expandiram-se, como também o número de seus ajudantes, os quais tornar-se-iam pregadores leigos. Wesley programava conferências anuais para discutir os problemas e planejar melhor o trabalho com esses leigos. Para atender a essa demanda é que Charles produziu o tipo de hino abaixo selecionado:
Ó Senhor, que a tudo excedes, dom celeste, amor sem par,
Vem, coroa os teus favores, entre nós vem habitar.
Grande Amor, Amor bendito, ó divina compaixão.
Vem, socorre ao que padece, faze nele habitação.
Ó Senhor, não te separes do rebanho terrenal,
Une a igreja estreitamente, dá-lhe vida fraternal;
Abençoa todo crente, ilumina-lhe o andar,
E que todos se comprazam em teu nome proclamar.
John preocupava-se ainda com os problemas sociais à sua volta e com os pobres. Em carta ao prefeito de Newcastle-upon-Tyne, datada de outubro de 1745, John assim expressava-se:
My soul has been pained day by day, even in walking in the streets of Newcastle, at the senseless, shameless wickedness, the ignorant profaneness, of the poor men to whom our lives are entrusted. (…) Can any that either fear God or love their neighbour hear this without concern? especially [sic] if they consider the interest of our country, as well as of these unhappy men themselves.
Para mostrar que era uma religião centrada na prática e não somente em teorias, o movimento metodista envolveu-se com instituições de caridade, como hospitais e orfanatos, onde mantinha coros para crianças e mulheres. Por essa razão, os primeiros hinários editados usavam predominantemente claves para vozes agudas e eram escritos para duas ou três vozes apenas. Esses hinários também visavam ser úteis às congregações menos favorecidas musicalmente. O hino a seguir registra o envolvimento do cristão com o que os Wesley chamavam de “verdadeira espiritualidade”, ou seja, a união da fé interior com as obras exteriores. O hino fundamenta a premissa do avivamento iniciado pelos Wesley: “salvação, fé e boas obras”.
Holy Lamb, who thee confess,
Followers of thy holiness,
Thee they ever keep in view,
Ever ask, “What shall we do?”
Governed by thy only will,
All thy words we would fulfill,
Would in all thy footsteps go,
Walk as Jesus walked below.
Such our whole employment be:
Works of faith and charity,
Works of love on man bestowed,
Secret intercourse with God.
Enquanto a Watts atribuiu-se a paternidade dos hinos litúrgicos em língua inglesa, aos Wesley se atribui a paternidade dos hinos para devoção particular e para as campanhas de evangelização de massas. Estes últimos influenciariam a hinodia do século subseqüente.
4.4 – Na Europa durante o século XIX
4.4.1 – Características gerais da música do período romântico
No século XIX, o tipo de música mais recorrente foi aquele que deu grande destaque à emoção humana e usou os novos recursos de um vocabulário musical em estágio bastante avançado. No século anterior uma nova forma de apresentação musical havia sido criada, o concerto, que agora aparecia com nova significação: os músicos
apresentavam-se para uma platéia. Esses músicos, entretanto, não eram homens e mulheres ordinários, mas virtuoses, capazes de interpretar as diversas obras solísticas com uma técnica rara e apurada. Mais do que nunca acentuou-se a oposição entre profissional e amador. Os músicos “normais”, que prestavam serviço à sociedade, como os que trabalhavam para a igreja ou para os teatros, continuavam a dar seguimento às suas tarefas, contudo eram cada vez mais eclipsados pelo estrelismo dos concertistas e recitalistas. Apareciam novas figuras no cenário musical: os empresários e editores, em número cada vez maior.
Em relação às novas tendências da forma musical, três podem ser destacadas como as principais. O contraponto, que havia sido a grande descoberta do século XVI, passou a segundo plano e deu lugar à primazia da harmonia, mais rebuscada. A nova ênfase dada à melodia tornou possível a existência de temas contrastantes nas peças musicais, que eram trabalhados nos chamados “desenvolvimentos”, técnica herdada do século XVI, só que agora eram expandidos e podiam durar até horas, como no caso das óperas de Wagner. O sistema tonal, com suas escalas maiores e menores, toma o lugar do sistema modal eclesiástico.
Uma característica do período romântico, bastante pertinente à presente pesquisa, consiste na busca dos feitos grandiosos do passado, agora relembrados na música, na literatura, na pintura. Na música, os compositores voltaram-se para as obras de Tallis, Byrd e Palestrina. O rei prussiano Frederico Guilherme IV, por exemplo, mandou músicos protestantes a Roma para estudar o estilo da música sacra de Palestrina. Os motetos, salmos e missas do século XVI foram vistos como protótipos da música ideal para a igreja. Esse retorno às glórias do passado fez surgir uma nova disciplina, a musicologia. Outra característica do período foi a atração por tudo o que fosse medieval. J. S. Bach foi revivido como o grande artista da arte musical barroca, graças principalmente aos esforços de Mendelssohn. O zelo pelas raízes históricas do passado exerceu influência sobre clérigos e professores da Igreja Anglicana, os quais empreenderiam um movimento para restituir a essa igreja a herança de sua tradição litúrgica.
Dentro da hinodia da era romântica, floresceu um movimento conhecido como “Hino Poético” ou “Hino Literário”, cujo objetivo era fazer com que os hinos veiculassem uma linguagem rica de poesia. Isso aconteceu bem no início do século XIX e inúmeros poetas da língua inglesa quiseram prestar sua contribuição. O líder do movimento foi Reginald Heber, que, com o seu The Christian Observer, de 1811, ofereceu quatro hinos para serem cantados nos cultos dominicais e nos dias festivos do calendário eclesiástico episcopal. A obra seria publicada anualmente até 1816. Além de contribuições próprias, Heber acrescentaria, nas sucessivas edições, outros poetas da época romântica, os quais também buscavam uma linguagem mais literária para assuntos religiosos. Sua maior contribuição ao movimento, contudo, só seria consolidada após a sua morte, com a publicação do seu hinário Hymns, Written and Adapted to the Weekly Church Service of the Year. Com esse movimento para resgatar a boa linguagem literária para os hinos, pode-se dizer que a hinodia, na Inglaterra, tendia para duas direções: para o reavivamento de suas tradições litúrgicas e para o enriquecimento dos textos usados nos hinos, de tal forma que fossem considerados obras literárias.
4.4.2 – A hinodia do século XIX
4.4.2.1 – O Movimento de Oxford e a hinodia inglesa do século XIX
O Movimento de Oxford nasceu sob a égide de alguns professores da Universidade de Oxford, os quais pertenciam a uma ala da Igreja Anglicana conhecida como Tratadista ou Apostólica. O sermão pregado por John Keble (1792-1866) em 14 de julho de 1833, publicado com o título “Apostasia Nacional”, foi o evento que marcou o início do Movimento de Oxford. A ala dos Tratadistas defendia pertencerem a uma seção bastante antiga, cuja origem e autoridade provinham diretamente dos apóstolos e que representava a tradição autenticamente católica, sacerdotal e sacramental da igreja. Essa ala baseava sua fé em duas revelações: na Bíblia e na autoridade da própria igreja, que seria independente e suprema, razão por que ressentia-se por estar subordinada às regras seculares do Estado. Havia muitas injustiças a serem combatidas, principalmente a questão da distribuição da riqueza da igreja. Um dos objetivos do movimento era restituir à Igreja Anglicana o seu caráter de igreja católica, muito anterior ao movimento da Reforma. Criam que a Bíblia devia ser interpretada de acordo com os escritos dos apóstolos e de acordo com os concílios da igreja realizados entre os séculos IV e VII a.C. Os líderes do movimento também queriam resgatar uma teologia descompromissada com o que chamavam de “erros” de Roma e com a trivialidade e irrelevância dos reformadores, caminho denominado por John Henry Newman (1801-1890), um dos cabeças do movimento, de Via Media. Essas reformas incluíam também a renovação do clero em relação aos seus deveres e à sua espiritualidade, pois muitos não estavam levando a sério essas responsabilidades. Aliado à preocupação com a decadência material e espiritual de muitas paróquias, havia o anseio de restaurar a liturgia, com a Eucaristia sendo colocada como parte central do culto. Com isso queriam evangelizar as massas, atingindo principalmente a população pobre que sofria as conseqüências da Revolução Industrial.
A nova concepção litúrgica que pretendiam para a igreja trouxe mudanças que afetaram a hinodia anglicana:
The effect of this movement upon the liturgy of the Church was striking. It brought a new fervor and reverence into public worship, called upon art to enrich the altar and vestments, raised the quality of church music, inspired the writing of new hymns, and finally the compillation of a new and inclusive hymnal to supersede the old metrical Psalter and the various individual attempts at hymn-collecting.
Foram buscar na Idade Média os cantos em latim desconhecidos desde a Reforma. Iniciaram vertendo os textos para o inglês e colocando-os em melodias já familiares. Depois acharam melhor reescrevê-los em inglês, de sorte que pudessem ser cantados nas melodias dos cantos gregorianos a que pertenciam. Um dos gênios dessas traduções foi John Meason Neale (1818-1866). Neale foi um estudioso de liturgia, tendo escrito English Hymnody, its History and Prospects, onde advogava um tratamento mais digno a ser dado aos hinos do Breviário. Patrick destacou o zelo de Neale pelos hinos do passado:
To no one do we owe more for the revivification of much of the dead hymnody of old years. He was the most learned of hymnologists and liturgiologists, a master of medieval Latin and of Greek, and a man of genius and poet besides.
O interesse de Neale pelos primeiros hinos do cristianismo fez com que traduzisse um hino em grego sobre a ressurreição, de autoria de João de Damasco, e outro cujo autor havia sido S. Estêvão, monge no convento de Sabas, perto de Belém, ambos escritos por volta do século VIII:
The Day of Resurrection!
Earth, tell it out abroad!
The Passover of gladness,
The Passover of God!
From death to life eternal,
From earth unto the sky,
Our Christ hath brought us over,
With hymns of victory.
………………………………………….
Art thou weary, art thou languid,
Art thou sore distressed?
“Come to me”, saith One, “and, coming,
Be at rest.”
John Gauntlett abandonou a advocacia e tornou-se compositor de hinos, tendo-se dedicado à reforma da música sacra. Em 1844 publicou um hinário de cantos gregorianos, o “Gregorian Hymnal“, onde resgatava e divulgava esses hinos da tradição medieval. William Dyce, em 1843, publicou o Booke of Common PraierNoted [sic], resgatando o canto gregoriano que havia sido usado pela Igreja Anglicana desde o Sarum Consuetudinarium, influenciado pelo livro de Merbecke de 1550. O trabalho foi aperfeiçoado por Thomas Helmore, que em 1850 publicou um manual de cantochão. O reverendo George Herbert Palmer publicaria o Sarum Psalter, após ter estudado o rito Sarum, com salmódias em inglês. Mais tarde, em 1888, Harry Briggs e outros membros da Sociedade de Música Medieval reeditariam o manual de cantochão de Palmer.
A restauração de hinos antigos trouxe uma revolução à Igreja da Inglaterra dentro do seu acervo de hinos litúrgicos, com o estudo dos cantos gregorianos e os modos eclesiásticos. Mas as conseqüências do Movimento de Oxford para a música foram mais longe e atingiram inúmeras ordens de mosteiros anglicanos através do treinamento das vozes para o canto coral. Movimentos leigos também prosperaram: a Motet Society, surgida na cidade de Londres em 1841, tendo por secretário e editor E. F. Rimbault, nasceu com a intenção de agrupar coristas desejosos de resgatar para a música litúrgica as obras históricas defendidas pelo Movimento de Oxford. Em 1852, com o objetivo de tornar conhecidos antigos ofícios, foi publicado The Psalter, or Seven Hours of Prayer, according to the Use of the Illustrious and Excellent Church of Sarum.
Além da redescoberta dos “tesouros musicais perdidos”, os responsáveis pelo Movimento de Oxford quiseram ampliar o repertório do canto congregacional, contudo resistiram duramente contra o estilo ornamentado do pietismo, o qual consideravam ofensivo. Os cantos fervorosos do metodismo foram substituídos pelo cantochão. Os próprios Newman, Frederick Faber e Philip Pursey, líderes do movimento, deixaram a sua contribuição na área poética. Os dois hinos mais conhecidos de Newman, em terras britânicas, não denotam o revolucionário que foi, pois são de caráter devocional: Lead, Kindly Light e Praise to the Holiest. Pursey, entretanto, contribuiu com um hino próprio para o Movimento de Oxford, onde descreve o estado em que a Igreja Anglicana se encontrava – Lord of our Life, and God of our Salvation:
See round thine ark the hungry billows curling;
See how thy foes their banners are unfurling;
Lord, while their darts envenomed they are hurling,
Thou canst preserve us.
Com o hinário Church Psalter and Hymn Book, datado de 1854, William Mercer resgatou os corais luteranos para a Igreja Anglicana, seguido por Catherine Winkworth com dois volumes de Lyra Germanica e mais o Chorale Book for England. Essas traduções do alemão para o inglês tornaram-se objeto de interesse por causa da procedência alemã do príncipe Alberto, marido da rainha Vitória.
Em 1861 foi publicada a primeira edição do Hymns Ancient and Modern, que viria a ser o hinário mais famoso no mundo de língua inglesa, fruto do Movimento de Oxford e do ideal de alguns editores de antigos hinários que queriam colaborar para que toda a igreja viesse a ter um hinário que servisse de apoio ao Livro de Oração Comum. Cerca de 200 clérigos cooperaram nessa tarefa, mas coube a Henry Williams Baker, vigário de Monkland e editor de hinários, a chefia do empreendimento. O conselho de John Keble era que o hinário fosse “compreensível”. Esse hinário trazia na sua edição inaugural uma novidade: o texto e a música vinham impressos juntos. Além dos hinos medievais ditados pela tradição litúrgica, ele oferecia hinos para os dias santos de todo o ano eclesiástico. Seus editores primaram em oferecer textos de bons poemas, colocando-os em melodias que logo alcançaram popularidade, como “Oh Come, Come, Immanuel” e “Oh Come, All ye Faithful”. O Hymns Ancient and Modern continha 131 hinos em inglês, 132 em latim e dez em alemão, e em pouco tempo ainda adicionaram-lhe 114 hinos novos e algumas traduções do grego. Várias edições surgiram depois dessa. Em 1895 mais de 10 mil igrejas na Inglaterra usavam esse hinário e, até o seu centenário, 150 milhões de exemplares tinham sido vendidos. O hinário acabou por se tornar uma instituição nacional da Inglaterra, embora nunca tivesse sido o hinário oficial da Igreja Anglicana. Esse hinário revelava no seu título que seu conteúdo abarcava hinos da tradição – representada pelas traduções do latim e, posteriormente, do grego e inserção dos corais alemães -, mas ainda continha hinos de feições contemporâneas, com as tendências românticas do período:
La publicación de Hymnes Ancient and Modern, en 1861, proporcionó el manual de armonía más ampliamente difundido, y se dijo en su favor que su enorme popularidad constituyó tanto un triunfo para Discenters como para las altas jerarquías de la Iglesia.
O apogeu de hinos sentimentais, da era romântica, teve os seguintes representantes: John Bacchus Dykes, Joseph Barnby e John Stainer. Muitos hinistas surgiram, como Folliet Sandford Pierpoints, o bispo Christopher Wordsworth, F T. Palgrave, Edwin Hatch e um grupo de mulheres: Charlotte Elliot, Caroline Noel, Catherine Winkworth. Dykes (1823-1876) foi autor de numerosos hinos no estilo que ficou conhecido como vitoriano, o qual mesclava uma boa melodia com material das óperas e elementos da música secular, como das baladas:
So the church musician, although he might be an amateur, or a professional only within the church field, could not be ignorant of what was happening in music at large. The Anglican and nonconformist musicians consciously or unconsciously used the part songs and ballads as their models; the new evangelists used the middle-hall songs. But what distinguishes the church style which undoubtedly did develop in the hands of people such as Barnby, Stainer, J. B. Dykes, and Goss, is the selection they made, again consciously or unconsciuosly, from the available music of the secular world.
O público-alvo do estilo vitoriano eram todas as pessoas que necessitavam de algo que fosse compreensível e que lhes desse segurança, algo que estivessem acostumadas a ouvir:
The secret of his style is, of course, the concertgoer’s attitude which had infected the Victorian parish church. Hymns were made not to sing but for the people to listen to choirboys singing. And so the seductive melody and the part-song texture come [sic] to the fore. In sum, then, we can describe Victorian church music as “toll-music” in the sense that is composed with an eye to the “atmosphere” required by the church, and with an eye to the agreeable sensations which it would produce in the ears of the worshippers.
Joseph Barnby (1838-1896), organista e maestro, ficou conhecido por ter trazido a público obras novas, desconhecidas. Seu trabalho de divulgação das Paixões de Bach também foi admirado. Sobre seus hinos, assim expressou-se Henry Phillips: “Many hymn tunes, services and anthems, which hover, sometimes sentimentally, between dullness and flamboyancy”.
John Stainer (1840-1901), formado em Oxford, organista e compositor de cerca de 150 hinos, oratórios e cantatas, foi também o pioneiro da musicologia inglesa. Em razão de seus estudos nessa área, publicou Early Bodleian Music, onde explorou a música anterior a Palestrina e Tallis. Publicou, juntamente com o reverendo Bramley, o Christmas Carols, New and Old e ainda The Cathedral Psalter e The Church Hymnary. Por causa de seu posto como organista na Catedral de St. Paul e de sua habilidade política, os cultos aí foram incrementados com procissões e outras celebrações que envolviam os corais semanalmente. Seu oratório The Crucifixion é obra internacionalmente conhecida, inclusive em língua portuguesa, e seus Améns são até hoje cantados em todas as denominações cristãs. No âmbito secular, colaborou com diversas entidades culturais que promoviam a música: Musical Association, National Training School for Music, Royal College of Organists, The Plainsong and Mediaeval Music Society e a London GregorianAssociation. Foi duramente criticado por suas composições feitas no estilo da era vitoriana. Ele mesmo chegou a considerar essas obras “refugos”, num ato de severa crítica para consigo próprio.
No mesmo ano em que teve início o Movimento de Oxford, em 1833, William Sandys, um advogado interessado em pesquisar antigüidades, publicou Christmas Carols, Ancient and Modern. Através dessa publicação, onde já constava o hino The First Noel, os cantos populares, principalmente de Natal, que estavam em desuso, tomaram novo vigor e passaram a motivar um movimento que restaurou esse tipo de canto na Inglaterra.
A popularidade desses cantos podia ser entendida em virtude de existir agora, para cada hino, uma melodia própria. Anteriormente, o que ocorria era que havia umas poucas melodias às quais era adaptado um número incontável de textos. Um fator que veio ajudar a estabilizar o caráter popular dos hinos em língua inglesa foi o hábito de se cantar em comunidade, conhecido como “The Singing Mania” e ainda por “Hullah-baloo”, cujos mentores foram John Mainzer e John Hullah. As pessoas reuniam-se em sociedades corais, onde aprendiam a solfejar os cantos que apareciam em cantatas, motetos, cânones e diversas peças harmonizadas. As igrejas não-conformistas, por serem o centro desse movimento, eram as que mais se beneficiavam com essas sociedades e, conseqüentemente, o seu canto congregacional:
So everybody was singing hymns: not, in different denominations, by any means the same hymns. But everybody wanted hymns; and of course a sudden demand produced mass-produced goods, so there grew up a jungle of semi-popular hymnody, which almost stifled the growth of hymns of the standard we got in earlier days. Easy to write, easy to compose, easy to publish, and easy to get widely sung, hymns became a national industry.
Routley denominou esses movimentos de restauração de tradições em desuso de A Contra-Reforma Inglesa e considerou a vitalidade que os hinos adquiriram no século XIX como produtora dos fundamentos da hinodia atual:
It was in this period that hymnals took their familiar shape, that far more tunes became known, that hymns became respectable as part of the Anglican liturgy, that the idea of the hymns as something the lay Christian really possessed was born, and that the seeds of all the modern congregational sense of hymnody were sown.
4.4.2.2 – Outros centros fomentadores da tradição
A iniciativa de restauração do canto gregoriano havia partido de um jovem sacerdote francês, Prosper Guéranger, que, juntamente com alguns companheiros, se pôs a resgatar a vida monástica francesa. Isso ocorreu em 1833, a mesma data do sermão de John Keble que deu início ao Movimento de Oxford. Guéranger e seus seguidores estudaram as primeiras práticas musicais do cristianismo, como também a liturgia dessa mesma época, partindo para reformas cujo objetivo era erradicar as corrupções do canto litúrgico. O fato teve grande repercussão para a história da música, uma vez que, a partir disso, iniciou-se o estudo crítico comparativo de manuscritos musicais. Através dessa técnica de pesquisa, descobriram-se os segredos das notações musicais antigas e do canto gregoriano, os quais foram registrados em várias paleografias. O Liber Usualis, também conhecido como a edição “Solesmes” do Vaticano, seria aceito num Motu proprio do papa Pio X como a versão oficial do canto gregoriano.
Por ocasião do Concílio de Trento, no século XVI, a Igreja Católica Romana havia eleito o estilo do músico Palestrina como “o estilo” superior e oficial da igreja. Agora no século XIX, procurando “purificar” o estilo sacro das influências da música profana, a igreja voltou-se à Idade Média mais uma vez. O estado em que a música sacra se encontrava foi assim descrito por Curwen:
As to the music itself it was in no way to be distinguished from that of the theatre; its chief characteristics were the same – the dramatic solo or sentimental duet riveting all attention, and extending to the extreme limits of the voice, with trills ad lib., &c. &c. [sic], dance measures in the Kyrie Eleison and Agnus Dei, military marches interspersed with cavatine in the Gloria and Credo, and trivial fiddling (as Wagner describes it) in the orchestras, when the same was not employed in startling effects.
Os pais do movimento, que surgiu para resgatar a música sacra dos efeitos mencionados, foram o cônego Karl Proske e o diretor de música Johan Georg Mettenleiter, ambos da catedral de Ratisbona, seguidos por um de seus alunos, o Dr. Franz Xavier Witt, que chamou a atenção dos bispos e clérigos com seus escritos sobre a péssima situação da música nas igrejas. O movimento ceciliano, nome retirado de Santa Cecília, padroeira da música, resultou na fundação de inúmeras sociedades, a primeira fundada em 1868 por Witt, na Bavária. Logo outras sociedades surgiram na Europa e na América. O propósito delas foi determinar que tipo de música seria considerada ideal para ser adotada nas igrejas, o qual foi resumido na Lira Ecclesiastica, boletim da Sociedade Santa Cecília da Escócia, de janeiro de 1884. Segundo as normas aí apresentadas, a música oficial da Igreja era o canto gregoriano, sendo a escola Palestrina o modelo a ser seguido para a música harmonizada. Outrossim, o estilo ornamentado, que costumava aparecer nos solos e que “torturava” as palavras, como o das missas de Mozart e Haydn, foi julgado impróprio para o culto da igreja. Recomendava-se o uso das composições da “Moderna Escola Santa Cecília”, “which combines the traditions and spirit of the music of the ages of faith with the resources of modern music”.
Uma das contribuições das Sociedades Santa Cecília foi as publicações Coeremoniale episcoporum, de 1886, e Regolamento, de 1894, da Sagrada Congregação de Ritos. Esses documentos e ainda uma carta pastoral do cardeal Giuseppe Sarto, de Veneza, mais tarde papa Pio X, foram os embriões do documento “Motu proprio sobre a Música Sacra”, promulgado em 22 de novembro de 1903. Na “Introdução” desse documento, o papa Pio X enumerou os abusos “em matéria de canto e Música Sacra” que grassavam na igreja e aludiu à ação beneficente das sociedades, que, juntamente com a Santa Sé e os bispos, levantavam suas vozes “para reprovação e condenação de tudo que nas funções do culto e nos ofícios eclesiásticos se reconhece desconforme com a reta norma indicada”. O documento abarca oito tópicos: princípios gerais; gêneros de música sacra; texto litúrgico; forma externa das composições; os cantores; órgão e instrumentos; amplitude da música sacra e meios principais. No primeiro item, o papa declarou o canto gregoriano como “o canto próprio da Igreja Romana” e apontou-o como modelo para todas as demais composições sacras, definindo claramente a razão dessa escolha: “para que os fiéis tomem de novo parte mais ativa nos ofícios litúrgicos, como se fazia antigamente”. Quando fala das formas das composições, alude às tendências românticas da música como algo a ser evitado:
c) Conserve-se, nas músicas da Igreja, a forma tradicional do hino. Não é permitido compor, por exemplo, o Tantum ergo de modo que a primeira estrofe apresente a forma de romanza, cavatina ou adágio e o Genitori a de allegro.
d) As antífonas de Vésperas têm de ser cantadas, ordinariamente, com a melodia gregoriana que lhes é própria. Porém, se em algum caso particular se cantarem em música, não deverão nunca ter a forma de melodia de concerto, nem a amplitude dum motete ou de cantata.
Em suas determinações finais, o papa Pio X pede às dioceses que providenciem “fiscais”, a fim de que as normas do Motu proprio sejam cumpridas à risca. Além disso, sugere que seja fundada uma schola cantorum nos seminários e em igrejas principais “para a execução da sagrada polifonia e da boa música” e estudo do canto gregoriano.
Os luteranos, por sua vez, também estavam empenhados em restaurar o canto congregacional e em dar valor às tradições litúrgicas abandonadas por uma geração mais voltada às lides seculares. Coube ao rei Frederico Guilherme III, da Prússia, a obra de trazer de volta cultos mais bem fundamentados historicamente. Por trás dessa intenção, que à primeira vista parecia saudável e piedosa, havia um alto interesse político de dominação e Frederico III logo percebeu que o caminho a seguir seria o da reforma religiosa. Esta foi a razão por que ele se voltou à Igreja Luterana da Prússia, resgatando-a de seu desprestígio. Em 18 de julho de 1798 determinou que seus ministros preparassem uma Agenda de culto, em que reuniriam elementos da Igreja Luterana e da calvinista (Frederico III pertencera a essa igreja), que seria usada pelas “entidades eclesiais”:
Nesse sentido, conforme a lógica em que se movia Frederico Guilherme III, a reforma do culto, cuja finalidade seria a sustentação do Estado pela via interna, deveria ter presente em seu produto final, a partir da exigência acima, um ritual que impressionasse pela presença do elemento solene, ao mesmo tempo em que conseguisse contemplar de maneira marcante, porém demarcada, a questão do sentimento.
O resultado dessa petição, o “Projeto de uma Liturgia da União”, apresentado em 1803, não agradou ao monarca. Em 1815, uma comissão trouxe o resultado de estudos prévios para a reforma do culto, contudo as sugestões também não satisfizeram o rei, pois propunham uma reestruturação mais a nível eclesiástico do que propriamente litúrgico. Sentindo que ele mesmo teria que tomar a frente da iniciativa de reforma, pôs-se a estudar a Formula Missae e a Missa Alemã de 1526 de Lutero. Confiou a reforma do canto a Bernhard Weber, insistindo que se baseasse no canto da Igreja Ortodoxa Russa, música que lhe havia chamado a atenção desde quando havia visitado aquele país. Em 1816, o rei editou a “Liturgia para a Igreja da Corte e da Guarnição de Potsdam”, material que continha todas as instruções para cada parte da liturgia e que, modificado em 1822, viria a se chamar “Agenda Eclesiástica para a Igreja da Corte e da Catedral de Berlim”. O canto para o ritual aqui proposto constava principalmente de melodias graves e sentimentais (baseadas no canto russo), cujo principal objetivo era dar a impressão de liturgia solene e pomposa, para impressionar o povo e solidificar o reinado político de Frederico III.
Em 1817, tricentésimo aniversário da Reforma, o pastor Klaus Harms publicou as suas 95 teses contra o racionalismo, com o que marcou o início do rejuvenescimento do luteranismo ortodoxo. J. F. W. Naue, em 1818, empreendeu esforços para restaurar a liturgia e o canto, publicando Versuch einer musikalischen Agende. O rei Frederico Guilherme IV também deu atenção à causa e chamou Rochus von Liliencron, teólogo e advogado, para presidir a comissão que faria a reforma litúrgica. Optou-se por usar as obras recentemente editadas de música antiga de Senfl, Praetorius, Schütz, Buxtehude e Bach, alternando-as com obras contemporâneas, a serem compostas, para o coro, a congregação e o órgão. Seguiria-se a cerimônia que já vinha sendo usada pelos luteranos ortodoxos da Suécia, a fim de não se misturar com as práticas pietistas calvinistas.
4.5 – Nos Estados Unidos da América do Norte durante o século XIX
Os puritanos que chegaram às terras americanas em 1620 faziam parte de um grupo denominado “Os Peregrinos”. Quando aportaram em Plymouth, traziam um saltério adaptado pelo teólogo Henry Ainsworth, o qual possuía diversos salmos metrificados que podiam ser cantados com 39 melodias diferentes, herdadas da antiga edição de Sternhold e Hopkins, de 1562. O título da edição de Richard Allison, de 1599, explicava com exatidão do que se tratava e de como esses hinos deveriam ser usados: The Psalmes of David in Meter, the plaine Song beeing the common tunne to be sung and plaide upon the Lute, Orpharyon, Citterne, or Base Violl, severally or altogether, the singing part to be either Tenor or Treble to the Instrument, according to the nature of the voyce, or for fowre voyces: with tenne short Tunnes in the end, to which for the most part all the Psalmes may be usually sung, for the use of such as are of mean skill, and whose leysure least serveth to practize. O primeiro livro impresso na Nova Inglaterra foi The Whole Book of Psalmes Faithfully Translated into English Metre, mais conhecido como Bay Psalm Book, cujos autores foram John Eliot e Thomas Weld, pastores em Massachusetts. Sua nona impressão, em 1698, foi a primeira a conter música, com 13 melodias, e tinha como objetivo manter a correção do canto, evitando a transmissão oral, não confiável. Essa meta não foi de todo alcançada, uma vez que as levas que chegavam à baía de Massachusetts eram agora formadas de gente menos instruída. Foi então que se introduziu a prática do “ler ou cantar em voz alta”, também denominada de “diaconia”. Segundo esse costume, cada verso do salmo era cantado por um diácono e, em seguida, repetido pela congregação, que não sabia ler. Esse procedimento acarretou o desmembramento e a deturpação do canto dos Salmos e ainda influiu para que o culto se alongasse sensivelmente. Como se isso não bastasse, a comunidade foi descobrindo uma forma de adaptar as letras dos salmos às baladas populares, fato facilitado pelo “metro comum” utilizado por oito das 13 melodias do Bay Psalm Book.
Logo surgiram divergências acerca de como os Salmos deviam ser cantados. Os reformadores do canto, quase todos clérigos educados na Universidade de Harvard, defendiam a forma tradicional, a que vinha registrada em notação musical, canto denominado de “Canto Regular”. O povo, por sua vez, acostumado à transmissão oral, preferia o canto na sua “Forma Simples”. O zelo dos reformadores chegava ao extremo de achar uma justificativa teológica capaz de dar sustentação ao seu ponto de vista: afirmavam que a sua “Única Forma Correta” do canto na igreja era a verdade bíblica, revelada por Deus. Expressando-se de maneira sarcástica, o Rev. Matter assim registrou a maneira como as pessoas estavam-se portando em relação à música executada na igreja:
It has been found (…) in some of our Congregations, that in length of Time, their singing has degenerated, into an Odd Noise, that has had more of what we want a Name for, than any Regular Singing in it (…) And they must have Strange Notations of the Divine SPIRIT, and of His Operations, who shall imagine, that the Delight which their Untuned Ears take in an Uncouth Noise, more than in a Regular Singing, is any Communion with Him.
Os reformadores do canto julgavam-se “musicalmente superiores”, porque podiam ler música e cantar segundo “a Regra”. Cantar segundo essa norma era justamente evitar os maneirismos populares de ornamentação do canto, bastante disseminados na Europa durante os séculos XVII e XVIII e fartamente registrados pelas tradições oral e escrita. Curwen, escrevendo nos idos de 1870, informava que a música predominante nas igrejas inglesas era a mesma de há cem anos atrás, ou seja, existiam cinco melodias diferentes – Francesa, Mártires, York, Dundee e Elgin, tradicionalmente usadas para os Salmos, mas agora ornamentadas e cantadas em andamento lento. Além dessas características, essas melodias sofriam alterações locais que não vinham grafadas na partitura.
As escolas de canto surgiram da necessidade de se colocar ordem nessa maneira de se cantar os salmos, buscando um retorno à forma mais antiga:
O declínio da salmodia fora fruto da ignorância. Nas congregações, eram muito numerosos os membros que não sabiam a música dos salmos. Portanto, se se ensinasse os fiéis a cantar a música corretamente, tal como impressa no saltério, seria possível restabelecer o esplendor dos velhos cantos. Foi dentro desse espírito de reforma que se fundaram pouco depois de 1710 as primeiras escolas de canto.
Com a criação das escolas para a reforma do canto nas igrejas, foram redigidos os primeiros livros didáticos de música na América. An Introduction to the Singing of Psalm-Tunes foi publicado em 1721, pelo Rev. John Tufts, seguido de The Grounds and Rules of Music Explained, do Rev. Thomas Walter. Ambos marcam o início do canto nas escolas na América do Norte. Ao lado disso, surgiram as sociedades com o mesmo objetivo. A cidade de Boston possuía a “Sociedade para a Promoção do Canto Regular”, com um quadro de membros de 90 pessoas qualificadas, as quais eram responsáveis pelo canto do concerto que acontecia trimestralmente.
Uma acentuada tensão entre o estilo antigo e o novo verificou-se dentro das igrejas. Em razão da disseminação das escolas de canto, o coro das igrejas era predominantemente formado por pessoas alunas dessas escolas, as quais se achavam mais bem preparadas do que a congregação. O estilo “cantar em voz alta” era usado de forma didática pelos diáconos, que apresentavam as frases que a seguir seriam repetidas por aquelas pessoas que não podiam ler as partituras, ou seja, pela maioria do povo que ia ao culto. Essa maneira logo se mostrou tediosa para os cantores qualificados, membros das Sociedades de Canto, os quais compunham o coro. Em vez desse canto fracionado, esses cantores mais hábeis exigiam o canto fluente, do início ao fim. Em Worcester, Massachusetts, no ano de 1779, o coro foi colocado na galeria numa tentativa de reestruturar sua função agora a serviço do culto e para que fosse permitido o canto antigo de verso por verso. Registra a história que um defensor dessa forma tradicional do canto teve de abandonar o templo em lágrimas, pois o coro, não aceitando cantar na forma tradicional, aumentou o volume do seu canto e expulsou o nostálgico reclamante literalmente “no grito”.
Entre outros, três homens destacaram-se por sua colaboração como compositores de hinos e/ou como fomentadores das escolas de canto: William Billings (1746-1800) e, mais tarde, Lowell Mason (1792-1872) e Thomas Hastings (1784-1872). O primeiro foi autor de The New England Psalm-Singer, que continha 108 salmos, bem como 15 motetos e cânones para coros. Sua importância deve-se às várias publicações de hinos de sua própria lavra. Ufanava-se de ser um autodidata. Sua obra caracterizou-se pelas imitações em estilo fugado.
Lowell Mason foi o responsável pela introdução do canto como disciplina regular nas escolas públicas de Boston. Autor e editor de muitos hinos, sua primeira publicação, de 1821, denominou-se Boston Handel and Haydn Society Collection of Church Music, tendo atingido um sucesso extraordinário, com 22 edições, e dado à Sociedade estabilidade financeira. Chama a atenção o fato de Lowell ter sabido equilibrar a tradição com aquilo que estava em voga. No prefácio que escreveu para a décima edição desse hinário, em 1831, fez toda uma apologia para justificar a introdução de novos elementos. Considerando a necessidade de atualização, Lowell reduziu as peças em estilo fugado e acrescentou outras num estilo mais popular. Fez ainda um acréscimo que revolucionaria a música sacra na América do Norte por todo o século XIX: na sua edição de The New Carmina Sacra, introduziu peças de Beethoven, Cherubini, Haendel, Haydn, Mozart, Palestrina, Schubert e Weber. O seu selo “fabricado segundo os moldes europeus” ganharia uma nova harmonização, mas sempre dentro dos moldes aceitáveis para a época. Note-se, entretanto, que sua perspicácia de homem de negócios fê-lo manter algumas melodias compostas por conterrâneos, da escola pioneira. Seu novo empreendimento, contudo, não agradou a alguns segmentos tradicionais, como a Boston Billings and Holden Society, fundada principalmente por músicos desejosos de recuperar a tradição de seus antepassados, a qual acabou por lançar a The Billings and Holden Collection of Ancient Psalmody. Robert Kemp, de Massachusetts, aproveitando o momento de revitalização das antigas melodias, iniciou uma série de concertos denominados Old Folks Concerts, nos quais os artistas se apresentavam trajados à maneira do século XVIII:
The programs actually mixed old hymn tunes with patriotic and popular songs of a later period. But they emphasized the singing-school tradition sufficiently to attract and delight large audiences, as well as to arouse the ire of Mason, who denounced the music as “trash” and the performances as “uncouth”.
Baseado nas teorias pedagógicas de Pestalozzi, Lowell compreendeu que o progresso musical só viria se os esforços fossem concentrados no treinamento das crianças. Até que conseguisse que o canto fosse adotado nas escolas como matéria do ensino regular, Lowell trabalhou com metas de curto prazo, como a edição da The Juvenile Lyre e com o ensino gratuito de aulas de música na igreja da rua Bowdoin até que fundou uma academia de música. Em 1838, foi nomeado superintendente do ensino musical nas escolas públicas. Nessa mesma década criou as chamadas convenções, para as quais afluíam professores e membros das sociedades de canto com o intuito de vencerem o desafio de cantarem peças mais complexas. Essas convenções tornaram-se locais de aperfeiçoamento para docentes de música, para a propagação de publicações sobre o ensino e também para a venda de instrumentos.
A Thomas Hasting podem-se creditar 600 textos e cerca de mil melodias para hinos. Foi também editor de coletâneas de música sacra, tendo adaptado peças para a música sacra de compositores europeus famosos, principalmente os alemães, dos quais era admirador. Aproveitou sobretudo a música instrumental desses europeus, pois achava que dessa forma evitaria usar canções populares com letras profanas, as quais poderiam provocar associações “mundanas”, não muito condizentes com o espírito necessário para o culto. Em 1849, publicou AColetânea Mendelssohn, juntamente com William Bradbury, que acabara de chegar da Alemanha. Nessa coletânea os dois editores resolveram não só imprimir a música germânica, com “(…) many ‘beautiful melodies’ capable of providing ‘the most interesting and delightful part of worship'”, mas também, visualizando o sucesso comercial do empreendimento, anexar também os antigos Salmos, tanto que o subtítulo da obra era Hasting and Bradbury’s Third Book of Psalmody. Na sua Dissertation on Musical Taste, Hasting classificou a música como uma linguagem dos sentimentos, que deveria ser avaliada segundo a influência exercida sobre os ouvintes, mais do que segundo seu valor artístico. Essa posição não o inibiu de criticar a vulgaridade de algumas adaptações, que estavam sendo feitas por alguns conterrâneos, de músicas populares e de baladas, principalmente porque estava preocupado com a educação musical de crianças. Obteve grande sucesso como editor. Sua The Shawm, coletânea elaborada com a ajuda de Timothy Mason, irmão de Lowell, e outros dois editores, teve 89.000 exemplares vendidos em 1855. Ajudou Lowell na propagação das “convenções” e dos “institutos”, responsáveis pelo treinamento de professores de música das escolas públicas do país.
Em meados do século XIX, nas igrejas protestantes americanas da linha evangelical, o canto congregacional consistia nos salmos e hinos de Watts, que eram cantados sem muito entusiasmo. O canto verdadeiramente refinado ficava sob a responsabilidade dos coros. Henry Beecher, pastor da Plymouth Church, no Brooklyn, resolveu devolver à congregação o antigo brilho e fervor do canto. Selecionou várias canções populares da época e adaptou-as para o canto congregacional. Desse trabalho surgiu o hinário Temple Melodies: a collection of about two hundred popular tunes, adapted to nearly five hundred favorite Hymns, selected with special reference to public, social, and private worship, datado de 1851, que, quatro anos mais tarde, foi publicado com um número maior de hinos. Seu exemplo foi imitado em diversas igrejas, entre presbiterianas, congregacionalistas e batistas, todas querendo prestigiar o canto congregacional.
Os spirituals foram cantos originários do movimento de avivamento da América do Norte, ocorrido entre 1740 e o final do século XIX. O termo faz parte da expressão spiritual songs, que, nas primeiras publicações americanas, significava os hinos que não pertenciam à categoria dos salmos métricos nem à dos hinos tradicionais sacros.
Chamaram-se white spirituals os cantos com características populares, como os do tipo “balada”, e ainda aqueles usados em acampamentos de avivamentos comuns no século XIX, realizados nas áreas onde os colonizadores puritanos se instalaram. Esse tipo de canto originou-se principalmente das reuniões de avivamento empreendidas por George Whitefield, Jonathan Edwards e James Davenport no início do século XVIII e dos acampamentos organizados por presbiterianos, metodistas e batistas.
O canto das campanhas de avivamento de massas veio principalmente dos batistas separatistas, os quais usavam uma hinodia altamente pessoal, marca de sua expressão religiosa, herança de Watts. Observem-se os dois hinos abaixo, o primeiro de Davenport, escrito em 1742, e o segundo do pastor batista John Leland, escrito em 1799:
Then should my soul with angels feast
On joys that always last
Blest be my God, the God of Joy,
Who gives me here a taste.
Come and taste along with me
Consolation running from free
From my Father’s wealthy throne
Sweeter than the honeycomb.
A publicação mais popular com textos dos batistas separatistas foi Divine Hymns or Spiritual Songs for the Use of Religious Assemblies and Private Christians, de Joshua Smith, com textos de Watts e de outros compositores da linha evangelical, mas que também incluía textos de origem popular americana, inclusive com características dos cantos dos acampamentos do início do século, com refrões adicionados. Usavam também os hinos do tipo “testemunho”, que narravam a experiência particular do crente. Esses hinos deram origem às baladas religiosas, que são as que mais se achegam às melodias populares da época. Os hinos usados nos acampamentos de avivamento possuíam as seguintes características:
The literary form of the Camp Meeting Hymn is that of the popular ballad or song, in plainest every-day language and of carelees or incapable technique. The refrain or chorus is perhaps the predominant feature, not always connected with the subject-matter of the stanza, but rather ejaculatory. In some instances such refrain was merely tacked on to a familiar hymn or an arrangment of one.
Os white spirituals também podiam ser adaptações de textos religiosos colocados em melodias de compositores clássicos conhecidos, como o Christ, the Appletree, que foi adaptado à melodia da Marcha Rápida de Haendel, bastante popular no século anterior.
Qualquer hino antigo podia ser transformado em um spiritual song, bastando, para isso, receber suas características. Gilbert Chase descreveu de que maneira essa transformação podia ocorrer:
By inserting a familiar tag line after each verse, adding a chorus, and singing the whole to a rollicking tune, any standard hymn could be transformed into a “spiritual song” for the camp-meeting revivals. This is what happened to Charles Wesley’s hymn “He comes, he comes, the Judge severe”, as follows:
He comes, he comes, the Judge severe,
Roll, Jordan, roll,
The seventh trumpet speaks him near,
Roll, Jordan, roll.
I want to go to heav’n, I do, Hallelujah, Lord;
We’ll praise the Lord in heav’n above,
Roll, Jordan, roll.
As metáforas e os temas mais encontrados nessa hinodia podem ser assim resumidos: a) o peregrino que anda pelo mundo com o seu fardo, na esperança de uma Terra Prometida, que fica logo depois do Jordão; b) o velho barco de Sião levará o crente ao lar celeste; c) a viagem à Canaã celestial; d) se você chegar lá em Canaã antes de mim, avise que eu já estou indo; e) estamos ganhando terreno contra o pecado; f) a luta contra Satanás. Muitas redundâncias eram usadas, o que facilitava a memorização dos cânticos, servindo como um canal eficaz para a expressão das emoções durante os acampamentos de avivamento.
Os negro spirituals surgiram da necessidade de os escravos negros norte-americanos expressarem-se numa linguagem sutilmente modificada através de palavras com duplo sentido. Privados de uma educação formal e até orientados por pastores brancos a serem subservientes à escravatura, os negros, segregados dos brancos, deram nova significação aos temas religiosos. Assim é que os temas sobre salvação, céu e terra prometida passaram a substituir a emancipação e a liberdade na terra:
The spirituals come from a time when dogma was irrelevant, from men who had no past that they could bear to remember, and no present that might not be defaced with degradation and terror, and no worldly future that they could dare to contemplate. Their subject was not the doctrine but the folklore of Christianity – Christ’s redemption and the promise of heaven. They were saturated with apocalyptic prophecy.
Os cantos primavam pela espontaneidade e improvisação. O líder era apoiado por um grupo de cantores “vocalistas”. Havia tanta interpolação improvisada que os primeiros editores dos negro spirituals consideravam uma tarefa penosa e até temerária a notação exata desses cantos. A contribuição africana encontrada nos cantos pode ser detectada nas improvisações, na forma “diálogo e resposta” de algumas canções, nos gritos, nas palmas e batidas de pés e ainda em outras manifestações corpóreas resultantes de uma religiosidade altamente emocional, também presentes nas reuniões do Grande Avivamento do início do século XVIII. A linguagem, além de metafórica, era bastante coloquial, com expressões de uso doméstico, conforme o registro abaixo:
Oh, Satan he came by my heart[h],
Throw brickbats in de door,
But Master Jesu come wid brush,
make cleaner dan before.
Alguns dos temas da hinodia de avivamento aparecem retrabalhados, muitas vezes fundindo elementos disparatados, com imagens e vocabulário extraídos da situação vivida concretamente, conforme atesta o negro spiritualMichael Row the Boat Ashore:
Michael haul the boat ashore.
Then you’ll hear the horn they blow.
Then you’ll hear the trumpet sound.
Trumpet sound the world around.
Trumpet sound for rich and poor.
Trumpet sound the jubilee.
Trumpet sound for you and for me.
Os negro spirituals espalharam-se pelo mundo todo, graças, principalmente, à fundação de estabelecimentos objetivando a educação da população negra bem como seu treinamento em artes manuais. A Universidade de Fisk, no Tennessee, e o Instituto Hampton, na Virgínia, tornaram-se famosos por suas publicações de spirituals e pela proficiência de um grupo de alunos e alunas no canto de negro spirituals. O conjunto Fisk Jubilee Singers empreendeu viagens internacionais, dando concertos que se tornaram famosos e ajudaram a propagar esse estilo musical.
Esse tipo de hinodia foi altamente popular nas três décadas finais do século XIX e está presente na maioria dos hinários protestantes americanos desde então, tendo sido difundido por todo mundo através da atividade missionária norte-americana.
Gospel melodies of the Sankey-Bliss-Stebbins-Doane type have been the staple of evangelical hymnals published for use in mission areas. Even in his own lifetime people in as distant as Egypt knew them when the Sankey-type melodies, called for he toured the Near East. Hymnals published during the past half century in China, Japan, Mexico, and South America, designed for evangelical situations (…), have specialized in “gospel hymns”.
Os termos gospel song e gospel music foram primeiramente usados por P. P. Bliss nos seus livros Gospel Songs, de 1874, e no Gospel Hymns and Sacred Songs, de 1875, este em co-autoria com Ira Sankey. As principais características dessa música eram: texto subjetivo, direcionado aos irmãos que estão perto; um tema único, enfatizado através de frases que se repetem; um estribilho, cantado após cada estrofe; uso da tonalidade maior, com a harmonia baseada no encadeamento dos graus I, IV e V, em andamento lento; as seqüências rítmicas são rotineiras e há pródigo uso da colcheia pontuada seguida da semicolcheia. Os temas mais recorrentes são: a conversão do indivíduo, a redenção por Cristo, a certeza da salvação e da vida eterna no céu. O caráter musical varia entre o guerreiro, o didático, o meditativo e o sentimental. O efeito de “eco” pode aparecer entre voz feminina e voz masculina: o soprano e o contralto apresentam o modelo rítmico que vem imitado pelo tenor e baixo logo após a apresentação do mesmo pelas vozes femininas, no tempo seguinte. O idioma popular também serviu para os gospel songs. Muitas das ideias musicais usadas nas canções da Guerra Civil foram rearranjadas para os gospel. A líder dos gospel songs, com milhares de textos para hinos, foi Fanny Jane Crosby (1820-1915), aluna e posteriormente professora na New York School for the Blind. Usou muito as palavras suave, gentilmente e precioso/a, comuns nas canções populares da época. Na verdade, a hinodia gospel foi o resultado final de todo um fazer que já vinha sendo gradualmente desenvolvido desde as primeiras manifestações de avivamento, no século XVIII.
Os gospel hymns foram uma arma poderosa para o sucesso das campanhas de avivamento empreendidas pelo evangelista Dwight Lyman Moody (1837-1899) e seu organista e líder musical Ira David Sankey (1840-1908) pela América e Reino Unido:
Musicians have felt that “gospel hymnody” is not an unmitigated blessing. Moody and his “legions of light” have generally treated music as a utilitarian art – not a fine art. As long as a piece of music demonstrates power to furrow fallow ground and prepare a crop of converts, music is welcomed. (…) D. L. Moody demanded short prayers, and he demanded music that would delight the audience. Gospel hymnody does delight audiences.
Moody e Sankey foram os que estabeleceram os gospel songs como bandeiras para as campanhas evangelísticas, como atesta o slogan que usavam como propaganda dessas reuniões: “Mr. Moody will preach the gospel and Mr. Sankey will sing the gospel”. Os atributos dos hinos de Sankey foram descritos por um contemporâneo da seguinte forma:
Mr. Sankey’s singing has no pretension to the artistic, his music is made subservient to the words, and in accent and tone is constantly varied to suit the words; but the hallowed sweetness and winning tenderness of many of his songs has been effectual in awakening many thousands of people.
A simplicidade, a popularidade desse canto e até mesmo o escândalo causado por ele foram assim descritos pelo filho de Moody, ao escrever a biografia de seu pai:
Mr. Sankey sits at his cabinet organ close by – that “kist o’whistles’ which so scandalized some of the good Scotch brethren last year – and Mr. Moody calls on him to sing ‘Jesus of Nazareth passeth by'”. It is plain enough, before the first verse is finished, that this movement owes much of its success to Mr. Sankey. He has a voice of unequalled clearness and power, which sounds through the hall like a trumpet. Each word is articulated with great distinctness, and there is a soul in the singing that is something more and higher than mere art.
Os sucessores de Sankey foram Charles Alexander (1867-1920) e Homer Rodeheaver (1880-1955). O primeiro chegou a colaborar com Moody por pouco tempo, mas só se tornou conhecido como músico evangelista a partir de sua associação com R. A. Torry e com J. W. Chapman. Possuía um estilo distinto do de Sankey, preferindo reger com largos movimentos das mãos e trocando o órgão pelo piano para o acompanhamento. Rodeheaver obteve fama por seu envolvimento com a música das campanhas evangelísticas de W. A. Sunday (Billy Sunday). Incluía nas reuniões seus solos vocais e de trombone. Usou muito os gospel songs e ainda músicas semi-sacras, como o Brighten the Corner where You Are, que continha o ritmo sincopado do ragtime e os baixos em arpejos.
Os movimentos para o resgate da tradição que surgiram durante os séculos em foco apresentam uma característica singular: estão relacionados a grupos com poder político, com poder de decisão, mas que, sobretudo, são formados por pessoas cultas, quase sempre muitíssimo instruídas. Observem-se os exemplos estudados. A prima prattica, no barroco, consistia em reter os moldes da música deixados por Palestrina na Renascença, cujos mentores haviam sido aqueles que estipularam as regras da Contra-Reforma. As práticas desse estilo só podiam ser trabalhadas pelos que haviam tido algum tipo de treinamento acadêmico. A obra vocal de J. S. Bach, mestre inigualável na arte musical, nos idos de 1720 começava a ser rotulada de tradicional, porque mantinha as técnicas composicionais de imitação que já estavam sendo substituídas e cujos textos estavam impregnados da paixão pietista não-condizente com as exigências racionais e “nobres” do iluminismo. Os movimentos de retorno às raízes históricas de anglicanos (Oxford), de católicos (Sociedades Santa Cecília e sociedades de Canto européias) e de luteranos (sob o comando dos reis Frederico III e IV), no século XIX, foram protagonizados por gente da mais alta erudição. No caso dos anglicanos, o movimento tomou vulto e atingiu seus objetivos pelo empenho de professores da Universidade de Oxford e/ou de clérigos que se ocupavam com o estudo da história da igreja. Todos optaram pelo retorno do canto gregoriano e pelos hinos em latim e grego, numa atitude de valorização de suas liturgias passadas. Na América do Norte, os doutores da Universidade de Harvard temiam as deturpações que o povo andava cometendo nos cantos, porque era iletrado. Queriam preservar os salmos de Calvino a todo custo, tanto que criaram o “cantar em voz alta”. Músicos famosos e editores também espantaram-se com a forma “vulgar” que o povo utilizava nos cantos sacros, com adições “inescrupulosas” e, na tentativa de evitar a degeneração da música sacra, fundaram escolas e sociedades voltadas ao ensino da notação musical e do canto, sempre atentos à “pureza” do que estava grafado na partitura dos hinos, que era a forma tradicional de cantá-los. Note-se que, em todos esses casos citados, a tradição foi recuperada não por exigência popular, mas por insistência e pelo trabalho de grupos comprometidos com posições de comando, culturalmente muito bem preparados.
O retorno à tradição também está relacionado com a valorização da identidade do grupo fomentador. Ao enfatizarem suas concepções teológicas e doutrinárias ou ao combaterem posições teológicas distintas das suas, esses estudiosos optam por uma bagagem histórica capaz de dar relevo a seus traços peculiares e distintivos, que nada mais é do que a sua identidade denominacional. Exemplo eficaz dessa tendência foi proporcionado pelo Movimento de Oxford, na sua procura pelo passado histórico da Igreja Anglicana, com conseqüências na música, como os cantos em latim e em grego e ainda a readmissão do canto gregoriano. O movimento de Oxford inspirou a confecção de um hinário, o Hymns Ancient and Modern, que abarcava a tradição revivida de anos anteriores da história da igreja, equilibrada com os hinos românticos do período vigente. As Sociedades Santa Cecília, ao proclamarem o retorno ao canto gregoriano e à música de Palestrina, nada mais queriam do que resgatar sua identidade histórica, ameaçada pelos modismos que grassavam na hinodia romântica, da era vitoriana.
A escolha de tendências contemporâneas está direta e/ou indiretamente relacionada aos apelos populares. O povo pode ou não ser afugentado desses movimentos, dependendo de muitos fatores. Se se observa a música sacra do período barroco, constata-se que na medida em que o stile antico foi se tornando cada vez mais acadêmico, mais ele foi se distanciando do domínio popular. O mesmo aconteceu em relação às obras de Bach: o povo sentiu-se afastado em razão do rebuscamento da linguagem musical, mais acessível a profissionais. Quanto aos hinos pietistas, tornaram-se elitizados quando se agregaram a eles os procedimentos técnicos virtuosísticos que a ópera utilizava nos solos vocais, o que os colocava num patamar acima da capacidade dos leigos que compunham uma congregação. Esses hinos só se prestaram às reuniões particulares de devoção de uma camada mais alta da sociedade. Nos casos em questão, nota-se que a música ficou fora do alcance popular por possuir características estruturais muito acima da capacidade média da população das igrejas cristãs.
O povo também interferiu na obra, através de acréscimos, supressões e até modificações da linguagem textual tradicional, quando havia um afrouxamento de leis, escritas ou não, ou quando se via como elemento excluído ou segregado. Essa prática levou ao improviso, que tem sido a marca de manifestações populares espontâneas, bastante encontradas nas expressões folclóricas. Quando distanciado das partituras musicais, o povo foi levado a introduzir a moda das canções seculares. Foi o que aconteceu nos primórdios da colonização americana, quando pessoas de menor erudição começaram a ornamentar o canto segundo os moldes copiados daquilo que ouviam e cantavam fora da igreja. No caso dos negro spirituals, as transformações empreendidas no canto foram feitas para que os negros pudessem extravasar a situação crítica de escravidão que viviam, e, ao mesmo tempo, eles representavam uma fuga expressa na esperança de um futuro melhor na eternidade, através de uma linguagem cheia de metáforas, que só os próprios negros podiam decodificar. Essa maneira improvisada de cantar foi, de certa forma, transportada para os hinos gospel, quando lhes adicionaram refrões e temas que iam ao encontro das necessidades espirituais do povo que acorria às campanhas de avivamento e/ou de evangelização. O povo é um elemento altamente significativo para as escolhas de canto. Se desprezado, o canto nas igrejas tende a ser elitizado e a participação da congregação, tão importante para a vitalização da liturgia, termina colocada em plano secundário.
Quando preocupadas com a contextualização e ao mesmo tempo com a popularização do canto sacro, as pessoas acabam adotando as características dos estilos vigentes no meio secular. Observe-se a época barroca: os hinos pietistas caíram no gosto popular quando a emoção ficou exacerbada, tal qual acontecia nas óperas. Foi o caso dos hinos de Paul Gerhardt, que, além da emoção, continham uma mensagem que falava às necessidades das pessoas que atravessavam uma guerra. Populares também foram os hinos dos Wesley e os da era vitoriana. Todos possuíam características musicais que os aproximavam da música secular do momento. Não foi sem razão que Charles Wesley se inspirou nas melodias populares e no uso de Purcell e Haendel para delas retirar o material musical usado nos seus hinos. Essa posição em favor de uma tendência popular estarreceu os conservadores da igreja, mesmo porque John e Charles pertenceram a uma igreja que ainda não havia permitido esse tipo de hinodia dentro de sua liturgia. O sucesso popular dos hinos da era vitoriana deveu-se prioritariamente ao estilo musical dos mesmos, que copiavam as baladas e falavam a linguagem comum das óperas contemporâneas. O mesmo aconteceu aos hinos da linha gospel. A grande aceitação que tiveram entre o povo se deu em razão de usarem uma linguagem que estava nas “paradas de sucesso” da época, entendida pelas multidões. Eles possuíam a qualidade valorizada por Thomas Hastings, ou seja, a capacidade de influenciarem os sentimentos das pessoas.
Os líderes das reuniões de avivamento transformaram os hinos em perfeitos canais de expressão para um ambiente altamente emocional, talvez alicerçados no princípio de que “os fins justificam os meios”. As características românticas adequavam-se perfeitamente a essa causa, com suas peças “melodiosas”, similares às baladas e acessíveis ao gosto popular da era vitoriana. As repetições dos refrões e o uso de linguagem pessoal colaboravam para a exacerbação das emoções e a criação de um ambiente propício ao apelo evangelístico, bem ao gosto romântico do momento. Foram ajudados pela febre de publicação de hinários, sempre reeditados. Os líderes das reuniões de avivamento não viram qualquer empecilho para o uso de música procedente do meio secular. Pelo contrário, julgaram as características da música da atualidade bastante eficazes e exploraram ao máximo essas inclinações populares, já que queriam atingir o povo com sua mensagem. Em todos os casos acima arrolados, percebeu-se que os líderes foram sensíveis a um clamor popular e souberam retirar dos modelos vigentes o que lhes seria útil a fim de tornar a mensagem cristã mais acessível à população.
Na tensão entre tradição e contemporaneidade, o povo, se escolher por si mesmo, vai optar pela tendência do momento, majoritariamente ditada por aquilo que está em voga nos meios seculares. Desconhecem-se os parâmetros que levam o povo a optar por uma característica moderna ou a descartá-la. Supõe-se, entretanto, que as melodias adotadas possuam qualidades intrínsecas muito similares aos cantos do acervo folclórico de uma região ou de um povo, que primam pela simplicidade de sua melodia, principalmente quanto aos intervalos usados.
Quanto aos critérios para a composição de hinos e confecção de hinários, constatou-se que a contextualização dos mesmos ocorreu sempre que compositores e líderes estiveram preocupados em se colocar no nível da camada popular, utilizando os recursos técnicos vigentes no meio musical secular e/ou atentando para falar à emoção das pessoas. Observem-se os hinos pietistas, os de Watts, os spirituals e os gospel songs: todos primaram por uma linguagem subjetivista e por características musicais de gosto popular. Além disso, formaram uma hinodia que deveria embasar movimentos de renovação espiritual. Quando se consideram os hinos mais tradicionais, quase sempre também se observam movimentos dirigidos por intelectuais e/ou pessoas interessadas numa renovação histórico-litúrgica, como foi o caso do Movimento de Oxford, das Sociedades Santa Cecília e por fim dos papas Pio X e Pio XI com suas encíclicas. Também não fica descartada a possibilidade de esses movimentos terem ido buscar na história subsídios para a defesa da identidade denominacional que vinha sendo “ameaçada” de ser descaracterizada pela hinodia “piegas e emocionalista” de movimentos contemporâneos.
Os critérios gerais para a criação de uma hinodia, que foram detectados no decorrer da leitura da bibliografia referente ao assunto abordado neste capítulo, podem ser classificados segundo as suas qualidades intrínsecas e extrínsecas. Como qualidades intrínsecas destacaram-se: a teologia, o biblicismo, o confessionalismo e o ensino. Os hinos pietistas, os de Watts e os dos Wesley exemplificam bem a preocupação com esses critérios: Watts com os Salmos em linguagem cristianizada e os outros com hinos parafraseando textos inteiros da Bíblia. Dentro do confessionalismo, poderiam ser arrolados os hinos de Wesley que defendiam uma doutrina diferente do “quietismo” dos morávios e ainda aqueles que endossavam os pontos de vista doutrinários que iam sendo propagados por John nos seus sermões, como a comunhão entre os crentes e os problemas sociais do momento. Outro critério relacionado aos Wesley e ao texto tem ligação com o caráter didático. Dentro das qualidades extrínsecas, os hinos podem ser subdivididos quanto aos aspectos da música e/ou do texto. Entre os listados pelo critério da abordagem pela emoção situam-se todos os que possuíam letra subjetiva, como os pietistas e toda a hinodia dos movimentos reavivalistas. Essa abordagem pode ser melhor caracterizada se a ela se somam as formas musicais populares, como as baladas da era vitoriana. Os Wesley usaram o equilíbrio da emoção com a razão. Esse traço pode ser verificado não só no prefácio redigido para o hinário de 1780, mas principalmente através da forma como John Wesley encarava a música pura, que, no seu entender, deveria ser subserviente à palavra. Essa a razão pela qual aboliu a música instrumental (não continha palavras) e a técnica do contraponto (dificultava a compreensão das palavras). Na questão do texto, destaque-se ainda a preocupação dos Wesley de manter uma linguagem acessível, porém não banal, e de produzir uma hinodia que viesse atender o calendário eclesiástico, as datas e os eventos mais importantes para o cristianismo, como é o caso do hinário composto por Charles para a Eucaristia. Há ainda um critério que aparece a partir de meados do século XVIII, vindo a explodir no XIX: é o comercial. Hinos e hinários são lançados para se ganhar dinheiro (ver Hasting e Lowell), e mesmo que por trás haja uma motivação menos “imoral” (como a existência das sociedades de canto e as escolas de música), não se pode negar que foi nesse período que os hinários obtiveram sucesso comercial como nunca antes havia ocorrido.
Em suma, quando se busca a tradição, três aspectos importantes aparecem: a profissionalização da música, que fica distante da capacidade leiga, os líderes cultural e socialmente superiores e o anelo por um retorno ou pela valorização de uma identidade cristã denominacional em vias de ser perdida, principalmente em razão de movimentos populares de renovação espiritual. Quando se trata da contemporaneidade dos cantos, o “elemento-chave” é o povo, que ora lidera, ora inspira o movimento, neste último caso levado por líderes sensíveis às necessidades populares. Esses líderes têm conhecimento das qualidades necessárias que devem ser retiradas do acervo popular para serem usadas nos seus intentos (como os refrões acrescentados aos gospel pelos evangelistas). Os movimentos encabeçados pelo povo excluem as características eruditas da música (como as peças de Bach) e dão preferência a expressões que estão mais perto do folclore, dada a sua simplicidade de execução musical (como os cantos semelhantes às baladas românticas). Outrossim, o povo é capaz de “contribuir”, principalmente se estiver mais ou menos livre de pressão superior, através de supressões, omissões e acréscimos tanto a nível musical quanto a nível de texto (como no caso dos spirituals).