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O Cristão e a Música Rock – Capítulo 10

por: Calvin M. Johansson

A Música Popular e o Evangelho



Calvin M. Johansson é Professor na Faculdade de Música no Evangel College em Springfield, Missouri. Ele obteve seu mestrado em Música Sacra pelo Seminário Teológico da União e seu doutorado em Artes Musicais pelo Seminário Teológico Batista do Sudoeste.

Conferencista famoso, ele é autor de numerosos artigos e de dois livros: Music and Ministry: A Biblical Counterpoint, e Discipling Music Ministry: Twenty-first Century Directions. Ambos os livros são amplamente utilizados por universidades e cursos em seminários de música e adoração na igreja. Seu ministério congregacional como diretor de música e organista se estende por um período de mais de quarenta cinco anos.


Não se pode evitar. O que a igreja faz representa o que a igreja é. Uma congregação que mente para a assembléia municipal está exibindo seu cristianismo (ou a falta dele). Uma comissão de igreja que engana o seu pastor está dando testemunho de sua fé. Um programa de educação cristã que é tudo, menos existente, é ineficaz para o cumprimento da Grande Comissão!

O teísmo bíblico é tão abrangente que tudo o que a igreja aceita se torna uma analogia de sua fé. Eis por que as ações da igreja são tão importantes. Não falam apenas por si mesmas, mas pelo seu Senhor. Quando ela age de modo contrário à sua própria profissão de fé, tais ações ainda são percebidas como representando a Deus. Quando suas ações são consistentes com sua fé, tais ações igualmente representam o Todo-Poderoso. Tudo o que fazemos em palavras ou atos, para o bem ou para o mau, torna-se um símbolo operante da vida em Cristo.

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Uma vez que não podemos evitar testemunhar, a única pergunta que permanece diz respeito ao conteúdo do testemunho. Se o símbolo é virtuoso, consistente com a fé em todos os sentidos, o testemunho será positivo. O evangelho será promovido e será dada glória a Deus. Porém, quando o testemunho ou o símbolo é incompatível com a Palavra de Deus, quando mostra (por seu próprio meio de linguagem) características que são opostas às características do evangelho, então o símbolo traz desonra ao evangelho como um todo. Tais representações prejudicam muito a causa de Cristo. Elas precisam ser rejeitadas. Seja a pregação herética, a arte sentimentalizada de almanaque ou a música inadequada, a qualidade do testemunho é determinada por sua integridade aos princípios do evangelho em seu próprio meio.

Uma análise das características da música popular, 1 um gênero que inclui muitos estilos, deve, necessariamente, ser bastante genérica. As características mencionadas aqui são endêmicas a todos estes estilos. Também deveria ser notado que dentro de cada categoria de música popular, do rap à música da Broadway até a MCC, há níveis de valor. A música não é toda da mesma qualidade.

Obviamente, a ampla categoria da música popular não tem, de forma alguma, o padrão de excelência encontrado na música de arte, uma música de grande integridade e profundidade. Se tivesse, já não seria, por definição, música popular. “Pop”, da forma como estou usando o termo, refere-se ao que é feito com o propósito expresso de se tornar popular, em detrimento dessas características composicionais que produzem uma música de grandiosidade artística.

Objetivos Deste Capítulo. Este capítulo tenta ajudar o leitor a entender as diferenças fundamentais entre os valores e objetivos da música popular e os do evangelho. São comparadas e contrastadas oito áreas específicas. A análise destas áreas mostra que a música popular é hostil ao evangelho e pode, no final das contas, perverter seu significado e relevância para hoje.

A Música da Igreja Como um Símbolo. A música é pensada, freqüentemente, como um lubrificador do texto, como um meio para adoração, um tipo de halo de fundo pendurado sobre a congregação ou até mesmo como um estimulante emocional que pontua a pregação. A música para a igreja, porém, é uma coisa muito diferente. O mínimo que a música da igreja deveria fazer é ajudar no avançamento do evangelho. Embora esta influência da música possa ser totalmente subconsciente, não deveríamos tomar isto como certeza. Fazer isto pode ser perigoso. Muitos acreditam que o evangelho promovido através da música possa ser encontrado no próprio texto, separado da música. Eles consideram a

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música meramente como um acessório ao texto. Este é um entendimento errado da natureza compreensiva do alcance da música da igreja.

A música da igreja tem uma tendência poderosa à comunicação através de seu próprio meio de linguagem – notas, ritmo, harmonia, textura – algo muito mais abrangente que ela própria. Tentar separar a mensagem da música da igreja de seu meio, simplesmente não é possível, embora tal erro seja cometido com freqüência.

Sendo reconhecida ou não como tal, a música na igreja é um símbolo. É um símbolo do cristianismo, do teísmo cristão, ou, em suma, do evangelho. É um símbolo, não por causa do estilo ou qualidade, mas por causa do seu uso. Quer dizer, a palavra “igreja”, usada como adjetivo, descreve o uso no qual a música da igreja é empregada. Uma vez que “igreja” é uma descrição de todo o empreendimento cristão, a música de “igreja” (ou “cristã”) é uma música que, da mesma forma, descreve o cristianismo.

(1) Entretenimento Versus Edificação

A primeira e mais óbvia característica de toda a música popular é que ela é entretenimento, um fato geralmente esquecido por aqueles que usam música popular religiosa na adoração. Não obstante, o entretenimento está em seu próprio âmago. Míope e narcisista, o pop é orientado ao redor do prazer musical, baseado na extravagância e capricho individualista, em lugar do mérito e valor musical objetivo. Não importa quão veementemente as pessoas neguem isto, o pop entretém. E é por isto que ele existe.

Os músicos populares sabem disto e prontamente planejam suas interpretações para serem frívolas, se não tolas. Esta música divertida, com seu bombardeio constante de tolice musical, tende a transformar o ouvinte à sua própria imagem, um resultado que, com o passar do tempo, pode vir a ser qualquer coisa, menos “divertido”. Outra vez, quer seja descontraída, alegre, informal, louca, selvagem, secular ou cristã, a música popular tem, pelo menos, algo em comum – ela entretém.

A composição musical popular assegura que seja assim. O entretenimento ocorre quando a música é composta destituída de razão musical. Harmonia, melodia, ritmo e timbre são moldados para serem divertidos e visceralmente estimulantes. Sem a profundidade teórica, o pop utiliza uma construção que é vazia do pensamento musical sério. É unilateral, exigindo do ouvinte muito pouco na questão do investimento intelectual. Doce, azedo, sentimental, ou beligerante, é o pop derramado sobre o ouvinte com o abandono da alegria. Seu propósito, sua raison d’être, é divertir.

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O Evangelho Não É Entretenimento. Uma redenção transformadora, profunda, tem pouco em comum com o divertimento. O sacrifício de Jesus não foi um passatempo ocioso. Nem a vida à qual Ele nos chama é uma brincadeira ou é plena de tolices. Os cristãos são chamados a uma vida por vezes penosa e que, ainda assim, às vezes, é cheia de alegria indizível. Nunca se pretendeu que uma vida à semelhança de Cristo fosse frívola ou arrogante. Ademais, a adoração a Cristo, Aquele que sofreu, morreu e ressurgiu para nos conceder nova vida, não deveria refletir as predileções da cultura popular contemporânea para a trivialidade.

Adoração que seja focalizada em prover ao adorador bons momentos para brincadeiras, é sacrílego. Na acomodação do evangelho ao amor da sociedade por entretenimento, a adoração sofre uma guinada de 180 graus. Embora acreditemos que tal adoração seja dirigida a Deus, na realidade ela é dirigida às pessoas. O que utilizamos na adoração é aquilo que agrada a nós, as criaturas. Queremos coisas que gostamos – coisas que alimentem nosso impulso egoísta de termos momentos agradáveis. As tendências hedonistas do naturalismo acabam entrando na casa do Senhor. De fato, a adoração que é baseada num quociente de entretenimento é idólatra. O adorador está adorando a si mesmo.

Deveria ser óbvio que o uso de música popular de qualquer tipo na adoração, simplesmente transforma a adoração em entretenimento, não importando qual seja a categoria, tipo, estilo ou subespécie de música utilizada. Quer seja utilizado rock, MCC, swing ou ragtime, o resultado final será o mesmo: adoração convoluta, banalização da fé, e imaturidade do crente.

Por outro lado, a grande música edifica o ouvinte. O compositor investe a obra musical das características que convidam o ouvinte a refletir seriamente em níveis de conteúdo musical que vão além do temporal. Com equilíbrio emocional e intelectual como resultado de uma composição competente, a profundidade musical na grande música ressoa por simpatia dentro do coração e da mente do ouvinte na forma de um todo indivisível.

Aqueles que se entregam por inteiros a uma peça de boa música são trasladados a ambientes além da descrição. São iluminados e transformados. Estas experiências os deixam com um senso de assombro. Da mesma forma que na revelação geral, o ouvinte é fundamentado e edificado. Muito além do entretenimento, a boa música leva a pessoa face a face com um mundo que reflete a glória de Deus.

(2) Novidade versus Criatividade

A Música Popular É Novidade. Ela confia na ornamentação fácil (muitas vezes de uma obviedade detestável!) para dar a ilusão de verdadeira criatividade. Isso requer

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uma mudança constante, porque não soa bem. A lista das 40 mais vendidas é um exemplo disto. A contínua entrada e saída de títulos indica como o gênero precisa do impulso da mudança para permanecer vivo.

Sendo descartável, sustenta um tipo de abordagem à composição baseada em modismos, e a música popular precisa ter isto para sobreviver. Integridade leva à rejeição. A música popular não pode tolerar o grau de criatividade que a arte musical exige, porque então ela deixaria de ser popular. A novidade depende da promoção e de truques para atrair a atenção, abundantes nos anais da história popular.

Algumas das inovações mais extremas não são apenas novidade; elas são bizarras. Arrancar a cabeça de uma pomba com uma mordida ou amplificar o ruído penetrante do golpe de uma armadilha se fechando podem ser novidades, mas certamente tem pouco a ver com a criatividade. Esta pode ser definida como sendo relacionada com a imaginação e a integridade. A imaginação vem do talento inato e visão que um artista possui.

A competência do trabalho de composição determina a integridade da obra. Tanto a imaginação quanto a habilidade são necessárias. É uma falácia pensar na criatividade (no sentido em que estamos usando o termo) como simplesmente “inovação”. De fato, a criatividade só existe enquanto reflete, de forma certamente tosca, a criatividade do Deus Todo-Poderoso. Quando Deus olhou o mundo que Ele havia feito, na criação inicial, a Bíblia diz que “Deus viu todas as coisas que fizera, e, contemplou, eis que era muito bom.” (Gênesis 1:31). Esta é uma declaração de qualidade. A criação não apenas foi criada, ela foi bem feita. Mais que isso, foi criada com um elevado grau de excelência; foi criada muito boa.

Excelência Criativa. Deus, o “Criador dos céus e da terra,” achou conveniente nos contar da Sua habilidade criadora no início de Sua revelação a nós. Além disso, Ele nos fala que somos feitos à Sua imagem. Entre as várias maneiras que a Sua imagem é exibida em nós, o que certamente se salienta entre todas as outras, é o fato de que fomos feitos à imagem de um criador. Quando lemos na Bíblia desde o início, a narrativa começa com o fato da existência de Deus. Então há o relato da criação inicial. Quando chegamos ao verso 26 de Gênesis 1, as únicas coisas que nos foram ditas sobre Ele são que Ele existe e que Ele é um criador. “Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” leva à conclusão lógica de que fomos criados à semelhança de um Criador.

Criatividade não é pouca coisa. Ela é a primeira coisa que conhecemos sobre Deus e a primeira coisa que conhecemos sobre os seres humanos, o que dá a ela uma certa prioridade. Os concílios que moldaram os credos (como os credos de Nicéia e o Apostólico)

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reconheceram a importância da habilidade criadora de Deus pela afirmativa no início de cada formulação: “Cremos em um Deus, o pai, o Todo-Poderoso, criador dos céus e da Terra”. E novamente “Creio em Deus Pai, Todo-Poderoso, criador dos céus e da terra.”

Quando usamos a criatividade de Deus como modelo, é imperativo notarmos que tudo o que Ele fez, foi feito de forma excelente. Indo mais ao ponto, os produtos da criatividade de Deus não eram banais, triviais, loucos ou selvagens. Eles não eram casuais, vulgares ou estereotipados. Não eram relaxados, insignificantes, tolos ou excêntricos. Nem eram descartáveis ou dispensáveis. Para ser claro, quando Adão e Eva desobedeceram no jardim, toda a criação foi submetida à maldição do pecado. Mas mesmo assim, vemos um nível de criação, o qual define para nós a excelência criativa.

Falta Excelência Criativa Na Música Popular. A música popular não aspira o mais alto grau de excelência criativa. É fácil demais, óbvia demais. Faltam-lhe a arte musical e a imaginação da grande música. Enquanto algumas canções populares podem ser melhores do que outras, nenhuma chega ao nível de excelência encontrado na música séria. Pode ser novidade, mas não tem criatividade divina.

Uma vez que o pop não tem profundidade musical (como na música artística), a conclusão inevitável é que a criatividade do pop e a criatividade divina concorrem uma contra a outra. Isto faz do pop um meio inadequado para o testemunho teísta. Uma vez que um dos principais atributos de Deus é a Sua excelente criatividade, a melhor forma de testificarmos sobre Ele é quando nosso testemunho na música da igreja é profundamente criativo. A moderna música da igreja pode ser divertida para se ouvir, mas musicalmente ela sugere que a fé cristã seja semelhantemente superficial. Isto implica que o autor de uma fé tão superficial seja, da mesma forma, sem importância, do ponto de vista criativo, o que dificilmente é uma representação apropriada do Deus Todo-Poderoso.

Sabemos que Jesus, como agente da criação, literalmente sustenta o universo(s) pelo poder de Sua palavra. Creatio continua, a criação contínua de Deus, fala eloqüentemente de Seu poder para sustentar o que Ele criou originalmente e que a esta sustentação é tão criativa quanto a criação original. Além disso, Deus escolhe trabalhar através dos homens na continuidade da criação. Ele nos deu um propósito criativo para cumprirmos o potencial que Ele colocou no mundo ao princípio. Conseqüentemente, os homens são os braços da creatio continua de Deus.

Se os homens devem ser agentes criativos de Deus, a igreja deveria se conscientizar que ela também é parte do apelo criativo de Deus. O Corpo de Cristo na

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terra, na sua representação do que significa testemunhar da graça de Deus, deveria incluir obras da mais elevada criatividade da qual os seres humanos são capazes. A adoração corporativa da Igreja é seu testemunho coletivo. Pode alguém omitir os meios musicais da criatividade divina e esperar um bom testemunho através de formas que sejam absolutamente afetadas pela pobreza?

A cultura popular tem capturado de tal forma as mentes e corações da Igreja que, sem um segundo pensamento, a adoração tem sido privada da maior parte da criatividade musical. Isto rebaixa os padrões da Igreja, de forma a receber a aprovação da cultura mais ampla. A Igreja deveria ser uma versão requentada da sociedade que está tentando salvar? Isto não faz sentido. O que é preciso é de uma decisão firme. Um começo seria evitar a música popular na igreja, a qual é a lembrança da obsessão de nossa cultura como a novidade. Em vez dela, deveríamos confiar naquilo que possua em si o atributo divino da elevada criatividade.

(3) Satisfação Imediata Versus Satisfação Posterior

O princípio estético geral no qual o pop se baseia é a da satisfação imediata. Este princípio, mais que qualquer outro, define o gênero. Cada aspecto da estrutura musical, seja melodia, harmonia, ritmo, textura ou forma, é construído sobre a noção de prover satisfação musical da maneira mais rápida, mais direta. Existe pouca sutileza estética no pop. Assim como nossa cultura é a do imediatismo AGORA do cartão de crédito, da mesma forma a música pop reflete esta cultura, por ser uma música de indulgência imediatista AGORA.

Satisfação Imediata. A música pop é notavelmente fácil de ser assimilada. Apenas este fato é o responsável pela rapidez com que o interesse nela se dilui. Os componentes musicais do pop raramente sobrevivem ao interesse do ouvinte neles. Eles são compostos para uma fácil assimilação, o que não fornece qualquer desafio significativo ao ouvinte. Aquilo que é totalmente compreendido é tão interessante quanto o jornal de ontem. Exceto pela nostalgia, as novas canções suplantam as velhas numa parada infinita, porque o princípio estético da satisfação imediata exige uma constante renovação, se o gênero quiser ser perpetuado.

Leonard Meyer demonstrou que, quando os objetivos musicais são “alcançadas do modo mais imediato e direto,” 2 o valor estético é desprezível. Falando diretamente do pop e da música artística, Meyer sugere que a diferença entre “a música artística e a música primitiva está na velocidade da tendência à satisfação. O

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primitivo busca a satisfação quase imediata de suas tendências, sejam estas biológicas ou musicais. Ele também não pode tolerar a incerteza. E é por isto, porque os desvios para longe da certeza e do repouso da nota tônica e as demoras prolongadas na satisfação sejam intolerantes para ele, que o repertório tonal do primitivo é limitado, não porque ele não possa pensar em outros tons. Não é sua mentalidade que é limitada, mas a sua maturidade. Note, por exemplo, que a música popular pode ser distinguida do verdadeiro jazz na mesma base. Porque, enquanto a música pop, seja no estilo da música comercial ou da variedade de Ethelbert Nevin, vem fazendo uso de um amplo repertório tonal, ela opera com tantos clichês convencionais que a satisfação é quase imediata e a incerteza, minimizada.”3

A velocidade da tendência à satisfação é um indicador do valor musical. As tendências do pop para inibição do objetivo final são desprezíveis; na música artística elas são significativas. O grau em que se trabalha criativamente na direção à tônica final, por exemplo, o aparecimento por fim da cadência conclusiva, adiada até que as digressões sutilmente construídas tenham sido completamente esmiuçadas, é o grau de valor que uma peça alcança.

Se já houve um princípio estético que combinasse perfeitamente com uma cultura, é este princípio de satisfação imediata. Desde “Como Tocar Piano em Dez Lições Fáceis”, a purês de batatas instantâneos, até a teologia contratual e ao sexo fora do matrimônio, a atitude prevalecente de nossa cultura é a de consumar o desejo com uma urgência que vê a postergação como repugnante.

Tal prática está disseminada por uma ampla fronteira cultural e está fortemente arraigada na psique coletiva. É vista claramente na atitude casual com relação à fornicação e ao adultério. Se a satisfação imediata tem corrompido a moralidade às suas próprias normas, quanto mais deveríamos esperar que ela fizesse o mesmo com a avaliação estética da sociedade. Esta é a razão porque o pop é uma analogia musical dos valores de nossa cultura.

Satisfação Posterior. O corolário oposto da satisfação imediata é a satisfação posterior. É um dos princípios estéticos fundamentais empregados na criação da música de valor e integridade. Minha experiência, durante toda a vida, em ensaiar corais em igrejas e em faculdades, tem sido de que a música com uma satisfação posterior é bem aceita, mesmo depois de semanas e meses de ensaio. Mas a música popular de qualquer natureza não consegue o mesmo desempenho. Os coristas se cansam de ensaiar suas melodias e harmonias previsíveis.

A despeito de qualquer dificuldade técnica, quando os elementos musicais demonstram padrões musicais triviais, aquilo que, num primeiro momento, faz

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a música ser popular, é a mesma coisa que a mata no ensaio. O mesmo pode ser dito acerca da audição criteriosa. Peças que podem ser assimiladas sem esforço, por assim dizer, não têm o poder de atrair a atenção do ouvinte por muito tempo.

O mistério se vai, o desafio se dissipa, a música é plástica. Mas a música construída sobre a satisfação posterior tem, imbuída em si, a distância, a aventura e o desafio. A alegria da antecipação é um propulsor em direção à eventual satisfação. A audição é um processo de olhar para frente, de novas descobertas, de descobrir na música uma semelhança com a condição humana.

Um Princípio Evangélico. A satisfação posterior é um importante princípio evangélico. Consistente com a maneira de Deus lidar com a humanidade, o Novo Testamento continua o padrão de revelação progressiva do Velho Testamento. Desde o primeiro encontro com Abraão até a ascensão de nosso Senhor, “aquilo que há de vir” sempre nos atrai. Hebreus 11 narra sobre os heróis da fé, que morreram na esperança de receberem aquilo que lhes foi prometido.

O Novo Testamento revela que os cristãos se sentarão algum dia no banquete Messiânico. Algum dia, não haverá dor, nem tristeza; algum dia, receberemos um corpo incorruptível; algum dia, o leão e o cordeiro se deitarão juntos. Cristo morreu. Isso faz parte do registro histórico. É verdade que Cristo subiu, mas também há a esperança de que Ele virá outra vez. Os cristãos vivem na esperança. Não recebemos agora todas as coisas que virão a nós. Esperamos até a plenitude do tempo. Isso é satisfação posterior.

Algum dia seremos completamente vindicados. Mas não agora. Incluída no modo de Deus lidar conosco está uma linha no tempo. A vida é um processo; nossa experiência cristã é uma viagem. Embora sejamos completamente filhos e filhas de nosso Senhor na conversão, mais coisas virão. Se a vida cristã é alguma coisa, ela é um processo de amadurecimento, um processo de se tornar conforme a imagem do Filho. Isso leva tempo. A satisfação completa é posterior. O esforço para nos transformar naquilo que Deus quer que sejamos deve ser uma marca de nossa condição humana cristã.

O conceito de satisfação posterior também é um princípio básico da vida. É a maneira como Deus fez o mundo natural. A vida vem da semente, então o crescimento a leva à maturidade. O fim da vida é encapsulado no tempo. Não acontece tudo de uma vez. Adicionalmente, o progresso na direção do objetivo eventual é impedido pelas dificuldades e desvios. Estas incursões fazem da vida uma estrada difícil de viajar. No entanto, compreendidos corretamente, os rigores da vida têm um propósito, porque eles dão significado e moldam a existência.

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A Música Popular Não É o Evangelho Musical. Estas considerações deveriam nos fazer rejeitar a atual aceitação precipitada da satisfação imediata como estratégia básica de vida. Não é assim que Deus planejou a vida. Nem é este o modelo para a caminhada do cristão. Trabalhos estéticos baseados na satisfação imediata não podem aspirar a grandiosidade, porque estão fora de compasso com o desígnio divino. Como um princípio de vida, um princípio evangélico e um princípio estético, a satisfação imediata fracassa.

Sob esta luz, por que a igreja cristã tem se enamorado tanto com a música popular? Baseado como deve ser na satisfação imediata, o pop é incapaz de ser o evangelho musical. Seu veículo de notas, ritmos e harmonias é incapaz de demonstrar um testemunho revelador geral do evangelho. A música popular simplesmente tem pouco em comum com o evangelho.

A adoração é uma atividade que deve ser consoante com a escritura e com a caminhada cristã. O fato de que muito da adoração esteja sendo preenchida com formas de música construídas no princípio estético do imediatismo, em lugar da satisfação posterior é lamentável. Tal adoração tem todas as marca de identificação da adoração popular e tem mais em comum com o mundo do que com o céu. A adoração incompatível com o evangelho, mais uma vez, não é adoração de forma alguma.

(4) Baixos Padrões versus Altos Padrões

O padrão da música popular é determinado pelo mínimo denominador comum da preferência do público. A música para o povo significa música que não seja mais elevada que a inclinação do ouvinte menos inteligente. Ela é predisposta na direção do rebaixamento da avaliação musical porque não convida o ouvinte a subir a um nível mais elevado de competência musical.

Baixos Padrões. O que é fornecido, é com base em que não seja muito cultural, erudito demais. A música popular do século vinte diminui o nível da sofisticação musical. Ela reflete a natureza adâmica da preguiça e da indolência e promove um declínio na habilidade para compor, tocar e cantar bem. As pessoas precisam de metas elevadas para excederem seus limites. O problema com o pop é que, como gênero, ele se fixou na mediocridade.

Contrariamente, a música artística assume uma normalidade de expectativas elevadas. Compositores não rebaixam sua escrita para alcançar uma platéia, mesmo no nível subconsciente. Diferentemente da composição popular, a qual existe dentro de uma estrutura assumida da necessidade de aceitação pelas massas, a música de arte espera que o ouvinte se eleve até o padrão estabelecido pela obra de arte. O ouvinte

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não determina o nível estético da arte do compositor. Em vez disso, a composição é feita para refletir a mais elevada excelência estética.

O fato de os executantes ou as platéias “entenderem” ou “gostarem” da peça não é relevante ao processo de composição. Se a obra estiver num nível muito elevado, a platéia é convidada a subir àquele nível. Não há diminuição de nível, nem escrita inferior. A grande música nos convida a sermos nossas melhores personalidades musicais. Sua suposição é que as pessoas têm a capacidade de se familiarizar com as mais elevadas e melhores formas de arte. A qualidade vem primeiro.

Altos Padrões. A Escritura também convida a padrões elevados. Estes são discernidos facilmente, por exemplo, nos Dez Mandamentos e na exigência de Deus a Israel para permanecer separado das culturas circunvizinhas. Não percebidos tão rapidamente, talvez, foram os padrões no Novo Testamento, sob a graça. Não ser responsabilizado diante da lei cerimonial pode parecer indicar uma liberdade total. Como os homens olham para a aparência externa, mas Deus olha para o coração, o comportamento ainda representa uma preocupação?

O próprio Jesus nos deu instruções a este respeito em Mateus 5. Sob a lei, adultério e morte eram proibidos, mas sob Seu reino também foram proibidas a luxúria e a raiva. Parece claro que um padrão mais alto é estabelecido sob a graça. Agora, o coração da pessoa é um campo de batalha adicional no qual o certo deve prevalecer. Além disso, tudo o que Jesus tem a dizer sobre pureza pessoal, prática da vida controlada por Deus, retribuição do bem por mal, disciplina, e o convite para deixar todas as coisas por causa de Cristo, mostra inequivocamente que a graça nos convida a um padrão mais elevado do que a lei jamais convidou. Em outras palavras, a graça cumpre a lei.

Sendo este o caso, pouco apoio é apresentado para a tendência da cultura popular ao mínimo denominador comum. Aceitando os padrões culturais mais baixos, a norma simplesmente degrada a sociedade. Se o convite do evangelho é para padrões elevados, então os cristãos têm um dever de promove-los onde quer que tenham a oportunidade.

Altos Padrões na Música da Igreja. Especialmente na adoração, deveríamos esperar que os altos padrões da escritura fossem aparentes nas obras de nossas mãos. A música na igreja deve ser de um calibre que se eleve acima dos baixos padrões do mundo. Simplesmente porque uma canção é apreciada não é razão para usá-la. As pessoas podem se sentir confortáveis com ela, mas a aceitação por um ambiente cultural de populistas e princípios adâmicos colocados por Deus no mundo natural, princípios que estejam acima da cultura e do tempo, pode ser evitado.

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Os compositores e artistas podem fazer tudo que desejarem, sem se preocupar com o valor musical do que estão fazendo. Embora isto possa parecer liberdade, realmente é libertinagem. Isto tem um preço: música pobre. A citação colocada acima do tribunal em Worcester, Massachusetts, é notável: “Obediência à lei é liberdade.” Subjetividade extrema é um convite a anarquia. Esta é a situação da música popular do ponto de vista da composição. Fazer o que é certo aos olhos de alguém pode se parecer com liberdade artística. Mas não é. É caos artístico.

O teísmo bíblico, por outro lado, é essencialmente uma cosmovisão objetiva. Deus é o chefe. Sua Palavra é regra. Embora Ele nos dê escolha, é uma escolha com conseqüências. Nós pagaremos o preço por escolher erroneamente. Apesar do fato de que Deus é mistério e que Sua Palavra pode ser interpretada incorretamente, Erik Routley afirmou que, em todos os assuntos de importância, Deus fala na escritura, se não através de referência direta, por suposição. Nenhuma escritura é de particular interpretação. Tal subjetividade é extremamente perigosa. A natureza objetiva do trato de Deus com a humanidade não pode ser perdida.

A objetividade teísta é importante porque é um meio pelo qual o valor estético pode ser estabelecido. A prática popular, baseada como é no gosto subjetivo, é um gênero musical consistente com pressupostos naturalistas e é contrária ao teísmo. Esta é uma razão pela qual a música popular, secular ou cristã, é incapaz de ser uma analogia musical do evangelho. Sua natureza é tão distante do foco da revelação bíblica que na realidade é um tipo de anti-evangelho. A grande música está baseada em normas teístas objetivas. O pop está baseado nas normas subjetivas naturalistas. Seja isto reconhecido ou não, os pressupostos do pop causam dano incalculável à arte musical. Eles prejudicam ainda mais à causa de Cristo.

Revelação Divina Objetiva. A revelação de Deus à humanidade não é uma ficção da imaginação subjetiva, mas um assunto da realidade objetiva. A reordenação do mundo por meio de uma ordem sobrenatural é completamente consistente com o fato da soberania de Deus. Tal interferência nos negócios humanos é autoritária e consistente com o teísmo bíblico. Como criaturas, somos obrigados a descobrir os parâmetros do Criador ao lidar conosco – uma descoberta que é mais direcionada pelas determinações de Deus do que pelas nossas.

Nosso relacionamento com Deus é fundamentalmente objetivo. A relação de um teísta com o mundo é semelhante. Isto não é sugerir que não haja qualquer

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matiz humano no que é observado e conhecido; porém, preceitos e princípios religiosos existem independentemente da observação humana. Viver num mundo impulsionado pelo subjetivismo é difícil. O relativismo contamina de tal forma a atmosfera na qual vivemos, que é praticamente impossível executarmos julgamentos objetivos, ou sequer considera-los.

Mas devemos considera-los. Se tolerarmos uma ruptura em uma área, ela tende a disseminar-se para outras áreas. A utilização de julgamentos musicais objetivos com respeito à música de adoração é importante. A permissão para que o ministério da música atue baseado no gosto musical subjetivo dos adoradores se ampliará para outros territórios da fé/vida. Como a música popular é impulsionada pelo gosto, ela tem uma tremenda propensão à subjetividade individual.

As pessoas que estão no controle dos conteúdos musicais de adoração e que são incapazes de verem através da cultura popular e que não sabem ou não reconhecem os rudimentos estéticos objetivos básicos, escolhem a música com base na preferência. A natureza objetiva do teísmo é frustrada musicalmente. A adoração promove uma música que está fundamentalmente fora do sincronismo com o registro bíblico. Ao escolher a subjetividade ao invés da objetividade, a adoração é baseada mais no gosto subjetivo do que no valor objetivo – um foco centrado no homem. A adoração centrada no homem se torna adoração aos homens.

(5) Mercantilismo versus Não Mercantilismo

A música popular está firmemente aninhada no empreendimento comercial. Considerando-se que a aceitabilidade determina as vendas, o trabalho da música é influenciado pela demanda dos consumidores. As características imaginativas e técnicas da música popular como um todo, são moldadas por aquilo que um compositor conhece sobre as expectativas gerais da platéia. Até mesmo músicos que tentam coisas muito diferentes, até mesmo bizarras, não fazem nada sem considerar seu impacto sobre a platéia.

Dirigido pelo Mercado. Naturalmente as sub-categorias dos ouvintes no campo popular são numerosas; alguns estão sintonizados com o acid rock, outros com o country ou quem sabe com a MCC, hip-hop, ou gangsta rap. Seja o que for o sub-estilo, os compositores estão bem conscientes daquilo que é necessário para “ligar” sua platéia.

Escritores bem sucedidos de música popular são reconhecidos não com base no valor estético inerente, objetivo de suas canções, mas em quantos discos foram vendidos ou quantos ingressos foram comprados. Agradar a multidão é um imperativo no campo popular. As modas vigentes hoje serão, necessariamente, transformadas

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ou suplantadas amanhã. Contudo o estilo tem uma natureza cíclica inata, que faz dele um produto natural para o empreendimento comercial, dirigido ao consumidor e, assim, é fácil vermos por que a mutabilidade inconstante do público é tão pronunciada.

O comércio tem explorado a natureza efêmera do pop. Recentemente o braço musical da Time Warner e EMI anunciaram uma fusão no valor de 20 BILHÕES de dólares. 4 Considerando que milhões são gastos a cada ano na música popular de todas os tipos, estes gigantes percebem um potencial para ganhar ainda mais dinheiro nesse campo. Com ações públicas na Bolsa de Valores, estes empresários sabem que o que realmente importa são os lucros dos acionistas. Se alguma vez já houve algum questionamento sobre a motivação do lucro na música popular, ele agora pode ser deixado de lado. Até mesmo o campo da assim denominada Música Cristã Contemporânea é dominado por uns poucos conglomerados. 5 A arte está em baixa. O dinheiro está em alta.

A linguagem usada para descrever a música popular mostra sua orientação empresarial. A música popular é um produto. Pertence a uma indústria. Compositores de músicas são fornecedores e suas canções são artigos de consumo. A música que eles escrevem e as bandas que as executam são comercializadas em massa para a máxima penetração e saturação no mercado. A produção musical deve ser vendável. Se uma canção não vende, é eliminada. Portanto, os criadores do gosto tentam assegurar que uma peça em particular será lucrativa.

Tempo no rádio e televisão, exposição do artista, anúncios e uma ampla cobertura da mídia excitam o entusiasmo por uma nova canção ou novo álbum. Os custos são enormes, mas com a prática empresarial padronizada, o potencial para lucros ainda maiores é reconhecido. A música popular não é diferente de qualquer outro produto manufaturado. Ela é dependente dos negócios para a sua própria sobrevivência.

Obviamente, os compositores têm que ganhar a vida como qualquer outro. A diferença entre a música pop e a música de arte que o compositor escreve, porém, é que a primeira é uma entidade que foi moldada pela necessidade para ser aceitável. Para garantir isto, as características imaginativas e técnicas da música são influenciadas por aquilo que o compositor sabe que o público quer – o qual, poderíamos acrescentar, não é composto por músicos sensíveis e nem mesmo hábeis.

Por outro lado, o compositor clássico, que recebe uma encomenda por um novo trabalho, não atrela sua técnica de composição às excentricidades de quem faz a encomenda. Embora freqüentemente sejam dados parâmetros ao compositor (como a duração ou tipo do grupo executante), nenhum compositor digno de ser chamado assim permitiria que a sua integridade musical fosse comprometida por restrições à sua técnica de composição. A produção de uma obra de arte genuína não é ligada à aceitabilidade.

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O compositor de música de arte mantém o controle sobre o processo de composição. Além disso, seu sucesso não é dependente de fazer dinheiro para as grandes corporações. Seu sucesso é determinado por sua aderência a um critério estético objetivo – imaginação e técnica alcançadas com a excelência criativa. Enquanto o pop é uma música extremamente comercial, a grande arte tem uma vida em si própria, independente da capacidade de vendagem. Sua essência repousa na integridade estética.

O Evangelho não é um Negócio. Lucro não é a sua motivação. Acumular os bens deste mundo ou pensar no reino de Deus como uma entidade temporal, são antitéticos ao ensino do evangelho. As posses materiais são vistas nas Escrituras como um estorvo para alcançar o melhor das coisas de Deus. E ainda assim, práticas empresariais contemporâneas são freqüentemente usadas como modelos para a organização e desenvolvimento da igreja.

Todo este movimento de crescimento da igreja toma emprestado muitos dos conceitos do comércio. A terminologia (“pecadores” está em baixa; “afastados da igreja” está em alta), metodologia e organização de pessoal (o pastor é executivo-chefe), procedem todas do modelo empresarial. Uma igreja baseada neste paradigma está ligada ao pensamento terreno, pragmático e industrial. Os métodos bíblicos são envolvidos por uma avalancha de termos “modernos”. O Corpo de Cristo se torna uma empresa.

O modelo empresarial funciona bem para a indústria da música pop. Tratar a música como um produto permite controlar a obra de arte do princípio ao fim. Mesmo no mundo da música cristã, lucro e retorno ao acionista motivam a indústria. Todos os principais selos são propriedade dos conglomerados com finalidades lucrativas: Zomba, Gaylord Enrtertainment e Grupo Time-Warner.

A adoração assumiu um sabor comercial. Não apenas os negócios servem como modelo para a igreja, mas o mercantilismo afetou sensivelmente a qualidade da composição musical congregacional na adoração. Canções com estética comercial estão sendo cantadas, e algumas igrejas não cantam qualquer outra coisa, a não ser esse tipo de música. Os licenciamentos firmemente controlados dessas canções protegem os direitos dos detentores dos direitos autorais.

Assim, as igrejas têm de pagar royalties para usar a maioria das canções, quer diretamente, quer através de companhias licenciadoras como a Christian Copyright Licensing International (CCLI). Agora, o impulso para fazer dinheiro torna a igreja em um “mercado” de serviços. Embora o evangelho seja inerentemente não comercial, o mercantilismo molda a adoração na igreja quando a música pop religiosa é usada.

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(6) Indulgente versus Disciplinada

A música popular de todos os tipos é musicalmente indisciplinada. Suas características de composição tendem na direção da simplicidade, do manipulativo, do efeito. Ela opta pela indulgência e evita a restrição. Sem escrúpulos, o pop vai direto na jugular; a contemplação estética, suave e ordenada pela razão, é substituída pela titilação hedonista. A música popular fornece a satisfação sentimental na forma de excitação barata. O que está se perdendo é a árdua viagem até a chegada. O trabalho de dar à luz algo de valor é anátema ao pop.

Para mudar as melodias sentimentais melosas das músicas comerciais, a vulgaridade impetuosa das melodias do rock, a grosseria do country ou a balbúrdia do rap, uma abordagem composicional mais disciplinada mudaria o foco gênero, de forma que ele seria irreconhecível. O pop não pode tolerar a disciplina musical. Sua forma se tornou mais incontrolável. O heavy metal e o acid rock serão suplantados por desaforos ainda mais audaciosos, pois o pop encoraja a desordem.

A Música de Excelência Deve Ser Disciplinada. Por exemplo, certas notas da escala diatônica têm tendências de conduzir a voz em direções que limitam as escolhas do compositor. Estas tendências vêm da influência natural dos tons e semitons dentro do contexto da textura da peça. Elas existem, quer concordemos com elas ou não, mas a boa escrita exige que sejam levadas em conta. Nós podemos ignorá-las. Fazer isto resulta em uma degradação da qualidade.

O mesmo pode ser dito dos outros processos de composição relacionados. A pessoa escreve na tensão entre lei e liberdade. Essa tensão é a disciplina na composição. Sem isto, a música se torna restrita ou condescendente; conseqüentemente, a grande música sempre reside na disciplina entre liberdade de expressão e a restrição do princípio.

Chamados para serem discípulos, os cristãos têm o dever de adotar a disciplina. Ela é a marca de um discípulo. Pretende-se que a disciplina cristã afete não apenas coisas religiosas como a oração ou a leitura da Bíblia; ela também deve ter impacto na vida familiar, hábitos ao dirigir, dietas e momentos de lazer.

Incluídas nesta lista abrangente estão a música e a adoração. Para a composição ser boa, para ser um símbolo do evangelho e ser útil na adoração, ela tem que evitar a indulgência. O antídoto para indulgência na composição é a disciplina na composição.

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A Adoração Necessita de Música Disciplinada. Nossa sociedade permissiva é tão propensa a ter seus desejos satisfeitos que é um choque quando estes lhes são negados. Contudo, o evangelho é acerca do cumprimento da auto-negação pessoal. “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, e tome a sua cruz e me siga.” (Mateus 16:24).

Dietrich Bonhoeffer percebeu isto no seu livro The Cost of Discipleship. Graça barata pode ser divertida e engraçada, mas a graça custosa é a graça do evangelho. A medida contrária à adoração que tende a indulgência musical, é a inclusão de formas disciplinadas no culto de adoração. Canções que são mais ascéticas e clássicas do que românticas e populares, promovem o tipo de disciplina necessária para encorajar a maturidade. Quando um paroquiano indagou ao velho Dr. Erik Routley por que não poderia ter uma certa música em particular na igreja, ele respondeu, “Você não pode tê-la porque ela não é boa para você.”

(7) Bonita/Grotesca versus Bela/Verdadeira

A música popular tenta ser bonita (como no caso das formas populares de antes da II Guerra Mundial), exibicionista, completamente ridícula ou até mesmo pervertida (como no caso do pop depois da II Guerra Mundial). A necessidade de apelo imediato, sem esforço do ouvinte, leva o pop a ser direto e sem dificuldade para o ouvinte. A facilidade de consumo significa exatamente isto – assimilação sem esforço estético. Para satisfazer esta exigência, o apelo do pop deve ser imediatamente aparente; ele tem pouco tempo para dar o seu recado. A primeira impressão de uma canção ou a torna um sucesso ou acaba com ela. Assim, a música precisa de algum tipo de gancho para prender o interesse do ouvinte. Essa necessidade é satisfeita pela concepção da peça ao redor de um elemento que atraia mais diretamente uma platéia específica. A música popular primitiva se concentrou em tornar a melodia “bonita”, significando abertamente afetada, volúvel, sentimental, ou “legal”.

Posteriormente, outras formas de pop prenderam os ouvintes pela utilização de ritmos estranhos, ou através da utilização de características vocais não musicais ou outros sons tão intensos que tendem a hipnotizar o ouvinte. Qualquer que seja o caso, a música popular tinha pouca profundidade porque precisava se expor, de uma forma que não lhe permitia manter qualquer reserva. A impressão geral importante dos primeiros poucos compassos de uma canção não permita que nenhum impedimento estético intelectual se colocasse entre a canção e sua platéia em potencial. Tinha que optar para uma característica única, aparente, superficial que dava o recado sem questionamentos. Do bonito ao sórdido, o pop assume seu lugar sem ambigüidades .

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A Grande Música Leva a uma outra Direção. O conceito de grande música é ocupar o ouvinte numa consideração do belo. Tal compromisso exige que compositor invista níveis de imaginação e arte, os quais, quando contemplados, revelem a si mesmos numa seqüência infinita de espanto e temor.

Beleza artística tem pouco a ver com amabilidades. Vai além da decoração de superfície e trata com a realidade. Artistas revelam beleza, não pela realização de algo bonito (ou, como é o caso com a anti-arte, produzindo algo singularmente estranho), mas fazendo algo verdadeiro. A beleza musical é muito semelhante ao conceito hebreu de beleza. “Quão formosos são os pés dos que pregam o evangelho da paz!” (Romanos 10:15). Pés não são símbolos universais da beleza física. É exatamente o contrário. A visão teísta mantém que a boa ação produz boas coisas.

Integridade e ação exemplar resultam em beleza. Beleza musical é o resultado de uma composição que é bem construída e tem o componente essencial da integridade artística. Conforme os princípios estéticos universais são sustentados e trabalhados com imaginação e integridade, o trabalho artístico irradia beleza. Assim, a arte pode lidar com assuntos desagradáveis e ainda assim demonstrar beleza clássica. Por exemplo, o Réquiem da Guerra de Benjamim Britten é belo em sua investigação dos horrores da guerra. A beleza da música de arte não é o resultado de fazer a peça soar atraente, mas em faze-la artisticamente excelente.

A Bíblia, também, descobre beleza e verdade na boa ação. Integridade e honestidade produzem beleza – beleza que não é meramente a aparência exterior de um rosto, por exemplo, mas as obras internas do caráter. O resultado de fazer a coisa certa pode não parecer “prazeroso”, mas sempre será “belo.”

A Música da Igreja Reflete o Evangelho. A igreja precisa de programas musicais que desaprovem o que é bonito e se envolvam com o que belo. Música de igreja adocicada e melosa, juntamente com formas populares cada vez mais estridentes, precisam ser eliminadas. A adoração, se é para ter algum “valor”, precisa de uma música que reflita o evangelho. Embora a crucificação não seja um quadro bonito, ele é único em beleza. A realidade da dor e sofrimento de Jesus não deve ser evitado ou encoberto nas descrições do evangelho.

Jesus, o Cordeiro de Deus, central para o propósito redentor de Deus (um propósito planejado desde a fundação do mundo), fez o que era preciso ser feito e fez bem. A música inspirada no evangelho precisa dar a mesma

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atenção a sua substância e estilo. Em lugar de focalizar a aparência externa, como é feito na música popular, os compositores precisam de um tipo de consciência de composição que produza a profundidade da arte. O trabalho interno de composição da igreja deveria exibir, pelo menos, uma afinidade com o caráter de composição que é inspirado pela integridade da verdade do evangelho. A música de uma igreja indica mais do que preferência musical – ela é o testemunho coletivo das pessoas.

(8) Desequilíbrio Estético versus Equilíbrio Evangélico

Um conceito estético fundamental é o princípio de um equilíbrio entre unidade e variedade. Tal teorema é fundamental à arte de todos os tipos. Toda peça de música composta surge sob seu amplo alcance: rock, pop, sacro, thrash ou clássico. Pelo ponto até ao qual uma peça satisfaz um equilíbrio artístico entre os seus dispositivos unificadores e os variáveis, podemos atribuir o valor (até onde este princípio possa ir) de uma composição.

Este princípio estético foi colocado por Deus no mundo natural. Quando olhamos para as folhas de um carvalho branco, podemos nos certificar que toda folha é com certeza uma folha de um carvalho branco. Não há nenhuma folha de carvalho vermelho ou de bordo(*) em um carvalho branco. A unidade prevalece em toda a árvore.

Desequilíbrio Estético. Unidade é uma marca da criação de Deus; dá coesão a toda coisa criada. Por outro lado, muita coesão sufoca a inventividade e leva ao enfado. Se olharmos outra vez, com atenção, nossa árvore de carvalho branco, notamos que, embora todas as folhas sejam de carvalho branco, não existem duas delas que sejam exatamente iguais. Portanto, não temos aqui apenas unidade, mas também variedade. Se apenas a variedade estivesse operando, resultaria em absoluto caos. O fato de que Deus fez o mundo bem conectado e contudo, variado dentro desta conectividade, é uma pista de como as obras artísticas devem proceder. Ambas as partes da proposição são necessárias. Unidade e variedade precisam existir em um equilíbrio benéfico.

Considerando que o pop é uma música de satisfação imediata, ela tem que ter algum meio de realizar essa urgência. Um meio primário é fazer a música excessivamente repetitiva. A música popular é super-unificada. Certos elementos são repetidos, vez após outra, para que ocorra a assimilação fácil. Poderia ser a reprodução de uma fórmula harmônica clichê, repetida ad nauseam, ou um fragmento melódico (semelhantemente não criativo) repetido vez após vez. Ambos não tem o benefício de uma variedade técnica significativa.

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Dificilmente qualquer música popular existiria sem o martelar constante da percussão ou de dispositivos percussivos numa cacofonia de barulho incessante. É essencial ao pop ter algo acerca de seus elementos musicais que super-unifique a forma. Muito do pop das últimas décadas dá impressões niilistas e anárquicas ao ouvinte. Quase sempre isto é produzido através do cantar e tocar de forma selvagem e orgiástica, com uma carga maciça de decibéis eletrônicos. Mesmo se alguém puder ultrapassar este nível de caos, a tendência é que encontre poucos níveis de excelência técnica. A impressão de completo pandemônio é produzida pela repetição executada violentamente, até mesmo brutalmente.

Equilíbrio Estético. A melhor música tem equilíbrio estético entre unidade e variedade. Os numerosos meios como isto pode ser produzido marcam a profundidade da grande composição. Músicos comprometidos com a criatividade honesta têm nas pontas de seus dedos uma riqueza de possibilidades, as quais não podem ser testadas mesmo em toda sua vida.

Deus criou o mundo como uma inspiração a todo compositor. A cada curva encontramos evidências da tremenda variedade dentro da unidade global de criação. Os compositores não deveriam tentar se desviar do modo de Deus fazer coisas. Os ouvintes também têm uma obrigação de encorajar as artes mais elevadas e melhores – aquelas com um equilíbrio entre unidade e variedade.

Se Deus criou o mundo de tal forma que exista um equilíbrio entre uniformidade e diferença na natureza, deveríamos esperar uma certa consistência em Seus procedimentos para conosco.

Pode-se ver prontamente a unidade e variedade operando nos relacionamentos humanos com o Deus Todo-Poderoso. Deus criou a todos como uma família (unidade), contudo cada pessoa nessa família é única (variedade). Seu trato com cada um de nós é feito sob medida, de acordo com o que Ele conhece de nossa condição contextual. Seu relacionamento com cada um de nós é pessoal e individual.

Por outro lado, Deus tem certos limites, os quais Ele não ultrapassa. Deus não tolerará a quebra de Suas leis. Todos os que são salvos têm que vir através de Jesus, porque Ele é o único mediador entre Deus e humanidade. A variedade nos Seu trato individual com a humanidade tem que estar dentro da unidade das leis que Ele nos tem dado. Há um equilíbrio perfeito entre tratar todos os homens de uma única forma e tratar cada um diferentemente.

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Deus Tem um Equilíbrio. Em um nível mais profundo, encontramos equilíbrio naquilo que, essencialmente, são mistérios. Humanos são tão finitos e Deus tão infinito que Ele chega a recorrer a paradoxos no relacionamento com Suas criaturas. Deus está ao mesmo tempo acima e abaixo, dentro e fora. Ele é imanente, contudo transcendente; amante, porém nosso juiz. A Bíblia nos fala que os primeiros serão os últimos e os últimos, os primeiros; que perdendo nossas vidas, nós as encontraremos. Na fraqueza é que somos fortes, e é dando que recebemos.

A vida (ressurreição) vem pela morte (crucificação). Deus dirige as questões dos seres humanos e,contudo, nos permite escolher. Ele é o soberano absoluto e, contudo, nos dá livre arbítrio. Um hino diz, “Busquei o Senhor, e depois eu soube que Ele moveu minha alma para O buscar, buscando a mim”. 6 Calvinistas e Arministas têm discutido os méritos relativos de posições opostas durante séculos. Cada qual equipado com capítulo e verso bíblico, finalmente chegam a um impasse. Estes são mistérios inexplicáveis.

Deus tem um equilíbrio entre soberania e livre arbítrio, mas é um equilíbrio incompreensível à mente finita. Ambos os lados de cada paradoxo são total e completamente verdadeiros. Os lados não são diluídos até que se encontre um “meio termo”. O equilíbrio é algo que só o infinito pode compreender. O melhor que podemos fazer é reconhecer o mistério.

O que é relevante para a nossa consideração aqui é que a música é a melhor linguagem que temos para lidar com o mistério. Foi Van Clibum que ecoou aquilo que os músicos conhecem por séculos: “As outras artes, embora altamente inspiradas, não são tão misteriosas quanto a música, porque a música é algo que não se pode ver, pode-se apenas ouvir e sentir seu impacto. Creio que foi Platão quem disse, ‘A música é para a mente o que o ar é para o corpo”. 7

A Música de Igreja Deve Ter um Equilíbrio. Infelizmente, nem toda a música é capaz de lidar igualmente com o mistério. A música popular é feita propositalmente leve e direta, de forma que tenha pouca ambigüidade. Isso é exatamente a sua maneira de ser. Não tem a intenção de esquadrinhar os grandes mistérios, em vez disso, seu alvo é o entretenimento. A música de excelência criativa e equilíbrio estético é capaz de procurar os significados ocultos por trás dos símbolos musicais. Exatamente o que acontece, é um mistério.

De certa forma, a grande arte toca em um nervo, nos profundos recessos do coração e da mente. Somos transportados para âmbitos além do temporal. Sendo elevados, tocamos algo do transcendente. O equilíbrio musical, assim como do evangelho, entre unidade e variedade, dá por fim lugar a um equilíbrio que é “explicado” apenas através da fé.

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A música da igreja necessita desesperadamente de arte musical que reforce as profundidades do assombro estético na fé. Entreter e divertir a congregação com música popular é um caminho certo para promover o infantilismo. A música de igreja com excelência, satisfação posterior, e uma unidade/variedade equilibrada é o evangelho em ação musical. Faz parte da adoração. A natureza transcendente da grande música tem muito a dar – é inaceitável substitui-la pela música pop.

Resumo. A comparação anterior entre as características da música popular e as características do evangelho pode ser resumida como segue:

Características Populares

Características do Evangelho

Entretenimento

Edificação

Novidade

Criatividade

Satisfação Imediata

Satisfação Posterior

Baixos Padrões

Altos Padrões

Cosmovisão Subjetiva

Cosmovisão Objetiva

Comercial

Não Comercial

Indulgente

Disciplinada

Bonita/Grotesca

Bela/Verdadeira

Desequilíbrio Estético

Equilíbrio Evangélico

As duas listas são surpreendentemente opostas uma à outra. As características populares são antagônicas às características do evangelho. É óbvio que uma música (popular) que é tão diferente da coisa que ela pretende representar (o evangelho), é incapaz de incorporar o evangelho em seu meio de testemunho (música). Por isso, o pop é inútil no esforço espiritual. Se ele for usado, fará muito mal a causa de Cristo ao pintar um quadro irreal do que seja a vida cristã.

Como o poder da música é tão forte, uma música de adoração que seja consistentemente de entretenimento, novidade, que satisfaça imediatamente, não tenha padrões, seja subjetiva, dirigida ao comércio, indisciplinada, “bonita” ou grotesca e desequilibrada, implanta a ideia no cristão de que a fé é semelhante a essas coisas. Ninguém pode ir à igreja semana após semana e ser exposto a músicas religiosas populares sem ser afetado negativamente.

Se o inimigo fosse arquitetar uma estratégia para evitar que os cristãos percebam seu potencial espiritual, não poderia fazer melhor do que incluir em seu plano o uso do pop na adoração. Contudo, a incursão da música de adoração e louvor segundo o modelo popular é um fato consumado em muitas igrejas.

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É Necessário um Reavivamento na Música de Adoração. Necessitamos de um reavivamento da música de adoração íntegra. Degradar a adoração a um arremedo de religiosidade da cultura popular, não é apenas perturbador, mas também ultrajante. Cada líder religioso e membro da congregação, deveria fazer tudo o que estivesse ao seu alcance para proteger a integridade da adoração. A maneira como adoramos afeta o Corpo de Cristo.

Os produtos de empresas como Integrity Music, Inc., Maranatha! Music, ou EMI, fornecem não apenas as formas gerais de pop, mas também as formas mais extremas dos vários tipos de música rock.. Batidas impulsionadoras, síncope constante, harmonias como do funk, contra-golpes e linhas melódicas bruscas, não líricas, combinadas com estridente cacofonia.

A impressão musical geral é de um relaxamento corporal, manifestações rítmicas viscerais e volteios sexuais. O timbre vocal evocado pela música já diz tudo. Simplesmente ouça uma gravação profissional. Sons vocais duros, estridentes, sem foco são a norma. A beleza lírica dá lugar aos gritos estridentes – até mesmo brutais. Expressões vocais guturais produzidas sob tensão, causam terrível dano ao mecanismo vocal. Elas também danificam a sensibilidade estética do ouvinte. Ninguém pode escutar esta música muito tempo, antes que a sobrecarga de decibéis e de sons niilistas corroa a capacidade da pessoa de responder à grande música. Adeptos do rock rejeitam tais pronunciamentos. Eles tendem a chamar tal música, simplesmente, de música de elevada energia.

Para os cristãos, duas coisas são dignas de nota: primeiro, os músicos de rock, geralmente, admitem que o rock é para dançar (não estamos falando de danças folclóricas); segundo, a definição de ritmo musical implica em fluxo. Ironicamente, o martelar incessante da batida do rock inibe o fluxo. Este tipo de batida repetitiva imobiliza o verdadeiro ritmo. A batida do rock paralisa e incapacita o ouvinte num estado de reflexão, como num transe. Muito pouca energia reside na imobilidade.

A Necessidade de Avaliar a Música de Adoração. Líderes de adoração deveriam analisar o L&A (louvor e adoração) da música que estão dando as suas congregações. É compreensível que pessoas ocupadas sejam levadas pelas preferências de uma congregação (moldadas como estão por seus hábitos auditivos diários) e pelos estupendos esquemas de marketing dos fornecedores da música de L&A.

Mas os diretores de música, pastores e outros, necessitam avaliar o que está acontecendo. Acreditar que qualquer coisa que uma empresa de adoração publique esteja correto porque ela publica material “cristão” é tolice. Os publicadores denominados cristãos deveriam ser filtrados mais cuidadosamente do que os outros, porque seus materiais são usados na adoração.

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Ao contrário, a lista evangelística da edificação, criatividade, satisfação posterior, altos padrões, não mercantilismo, disciplina, beleza/verdade e equilíbrio evangélico, são características que podem ser encontradas na grande música. Se os diretores de música e pastores desejassem encontrar uma música que exibisse estas características, não precisariam ir além da música que possua uma forma de composição excelente. Tal música não precisa ser complexa. Ela precisa apenas ser boa.

Declínio Social Estético. Além da preocupação com a qualidade da música de adoração, existe uma preocupação maior, mais inclusiva. A causa da dificuldade com os padrões musicais na igreja é, basicamente, o declínio estético da população como um todo. Se o nível médio da apreciação musical fosse correspondente com as normas da grande música, os diretores de música e pastores não iriam impor a música popular a suas congregações. Como as pessoas ou preferem ou toleram a música popular, ela tem sido provida. Como a igreja tem adotado o modelo social consumista, as pessoas, com o passar do tempo, conseguem o que querem.

Uma solução para o dilema é que a igreja encoraje a produção, execução e audição da grande música na vida cotidiana do cidadão médio. A igreja certamente financiaria uma campanha educacional intensiva se as pessoas estivessem perdendo sua capacidade de ler a Bíblia. Semelhantemente, a igreja deveria montar um esforço para revigorar os programas de educação musical, produção de música amadora, sinfonias e coros locais e aulas de piano. Isto deveria desencorajar a aquisição do pop em favor da música “clássica”. É miopia acreditar que o Corpo de Cristo não tem nada a ver com as próprias coisas que causam tantos problemas. Somos chamados a sermos o sal do mundo.

Através dessas páginas tem sido enfatizado que a música popular é feita para entretenimento. Isto é música de diversão. O nome de uma companhia gigantesca diz tudo—Gaylord Entertainment [N.T. – A palavra “Gaylord” pode ser taduzida como “Senhor alegre”]. Word Records e Thomas Nelson foram comprados pela Gaylord Entertainment por $ 120 milhões de dólares em Janeiro de 1997. A liderança da Gaylord Entertainment obviamente sentiu que as novas aquisições poderiam melhorar sua linha de produtos. É ingênuo acreditar que tais estilos musicais possam descartar todas as suas formas de entretenimento e, de repente, não entreterem mais, simplesmente porque são usados na adoração. Chamar a música de entretenimento de “ministério” não muda sua vocação para o divertimento. É desonesto insinuar que o pop religioso seja alguma outra coisa do que entretenimento.

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Conclusão

A análise comparativa precedente entre os valores do evangelho e os da música pop tem mostrado que o tom geral do evangelho evita a popularidade. Um exame dos ensinos de Jesus mostra uma firmeza inaceitável para com as multidões às quais Ele ensinou. Pense nas Suas visões a respeito das possessões mundanas ou da vingança ou sobre virar a outra face. Lembre-se de que, embora as multidões adorassem seus milagres, no final das contas elas O crucificaram.

Querendo um rei terrestre para acertar as coisas, elas não estavam preparadas para lidar com as ideias de Jesus acerca do Reino. Nosso Senhor sabia disto. Ele não poderia ter tornado a posição do evangelho mais clara: “Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que entram por ela), porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela.” (Mateus 7:13-14).

Jesus reconheceu que poucos escolherão esse Reino, o caminho estreito que conduz à vida. Ele não tem atração popular. Por outro lado, muitos escolherão a porta larga que conduz a destruição. É o modo popular, sem as exigências do Reino. O evangelho de Cristo é um evangelho do caminho difícil, do caminho longo, do caminho disciplinado. Embora a salvação seja de graça, há um custo pessoal em servir a Deus, com padrões a serem mantidos e escolhas corretas a serem feitas. O evangelho não foi diluído para uma fácil aceitação; nem foi mudado para apelar à natureza adâmica. A conclusão é inevitável. O evangelho não foi concebido para ser “popular.”

Se o evangelho não foi feito para a popularidade, não faz sentido colocá-lo nas formas musicais que são feitas para serem populares. Fazendo assim, promovemos um evangelho diferente. Este é o ponto desta discussão. A música não é a questão. O evangelho é a questão. O problema com o pop não é apenas que ele é uma música pobre; o perigo do pop é a sua habilidade diabólica para desnudar o evangelho e iludir o crente. Se já houve uma razão para abandonarmos o pop no santuário, é esta. O pop transforma uma caricatura de si mesmo tudo aquilo que ele toca – até mesmo o evangelho.

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Notas

1. Alguns meses depois que o livro de Ken Meyer All God’s Children and Blue Suede Shoes foi publicado (1989), recebi um telefonema dele. Durante a conversação ele me assegurou que não conhecia o meu livro Music and Ministry: A Biblical Counterpoint (Peabody, MA, 1986) quando escreveu o livro dele, apesar do fato de que nós dois, independentemente, chegamos a conclusões semelhantes com respeito às características da música pop.

2. Leonard Meyer, “Some Remarks on Value and Greatness in Music,” em Aesthetic Inquiry. Essays on Art Criticism and the Philoso­phy of Art, ed. Monroe C. Beardsley e Herbert M. Schueller (Belmont, CA, 1967), p. 263.

3. Ibid., p.178.

4. Christopher Cooper. “Venerable or Not, EMI Was Bound to Be Absorbed,” The Wall Street Journal (January 25, 2000), seção A, p. 13.

5. Ted Olsen, “Will Christian Music Boom for New Owners?” Christianity Today (April 28, 1997), p. 80.

6. “I Sought the Lord,” The Hymnal 1982 (New York, 1985), número 689.

7. Van Cliburn, “Great Music a Gift from God,” Arts in Religion 19 (Inverno de 1969), p. 3.

(*) N.T. – bordo – Árvore da família das aceráceas (Acer saccharinum), nativa da América do Norte. Uma vez ferida, dela escorre uma seiva rica em açúcar, que pode ser extraída; a madeira é de largo emprego em marcenaria. (voltar)

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Capítulo 11

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