O Ministério Levítico e a Influência do Humanismo na Música Evangélica Contemporânea

por: Rubens Ciqueira

Segunda Parte: O Humanismo e Suas Influências

Capítulo 02: O Humanismo e Suas Influências nas Artes

I – O Renascimento: Uma Nova Concepção Das Artes

O movimento renascentista foi a evolução das artes, sobretudo da Pintura, da Escultura, da Arquitetura, da Literatura e da Música com características e propostas novas. Utilizando-se de temas cristãos ou da antiguidade greco-romana, a arte renascentista valorizou o homem como a medida de todas as coisas[19] .

A Escultura e a Pintura adquiriram autonomia em relação à arquitetura. As obras dos artistas retratavam a beleza, a harmonia e o movimento do corpo humano, em perfeitas construções anatômicas. A técnica da pintura desenvolveu-se rapidamente, pois os artistas precisavam retratar o burguês, sua família e os objetos de luxo de sua residência com minúcias de detalhes.

Houve o florescimento de vários gêneros literários como a poesia, o romance, a epopéia, a história e a ciência política. A multiplicação das universidades e a invenção da imprensa de tipos móveis pelo alemão Johannes Gutemberg (1400/1468) permitiu uma vasta difusão do saber.

A música tornou-se uma arte independente e não simplesmente um instrumento auxiliar das cerimônias religiosas. Além da música sacra, desenvolveram-se a profana e a arte do canto coral. A polifonia foi a principal manifestação musical da época renascentista e a música religiosa passou a sofrer influência da música profana. Aos poucos, abandonou-se o Canto Gregoriano e temas de Canções populares foram penetrando na liturgia cristã. Compositores e músicos, em suas criações e interpretações uniam a habilidade técnica, emoção, conseguindo efeitos extraordinários[20] .

Com as riquezas acumuladas com o comércio, a burguesia italiana incentivava o embelezamento das cidades, com a construção de palácios, catedrais, capelas, pontes e monumentos em praças públicas, patrocinando do o desenvolvimento das artes em geral. Nobres, burgueses, papas e bispos financiavam e contratavam os artistas para decorarem seus palácios, capelas e igrejas e eram chamados de “mecenas”. Ter a sua volta um punhado de artistas e intelectuais significava prestígio e poder para as ricas famílias da época.

Os Médicis, que controlaram a cidade de Florença de 1434 a 1492 transformaram-na em capital do renascimento. Arquitetos, pintores, es cultores, literatos e músicos como Donatello, Brunelleschi, Ghiberti, Filippo Lippi, Botticelli, Michelangelo, Leonardo da Vinci deram à corte dos Médicis brilho e sofisticação incomparáveis[21] .

Cosme de Médicis (1389/1464) patrocinou em 1440 a fundação de uma academia, copiada da famosa escola ao ar livre mantida por Platão em Atenas, no século IV a.C. No governo de seu neto Lourenço, O Magnífico (1449/1492), sob a direção do humanista Marcilio Ficino (1433/99) a academia platônica realizou um imenso trabalho de tradução e comentário rio das obras de Platão. Dela participavam também eruditos bizantinos que chegaram à Itália após a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453. Sua biblioteca reunia uma enorme coleção de manuscritos gregos. Em Roma, os papas Alexandre VI (da família Bórgia – 1492/1-503), Júlio 11 (1503/1513) e Leão X (da família Médicis – 1513/1521) utilizaram-se dos recursos da igreja arrecadados em toda a Europa cristã para a construção de igrejas e palácios, visando a transformar a cidade na “capital de um universo ampliado a partir das grandes descobertas”.

Na Itália renascentista, sobressaíram-se escultores como Ghiberti (Porta do Paraíso, do batistério de Florença, em bronze), Donatello (estátua de David, em bronze), Michelangelo (estátuas Pietà, -“David”, Moisés em mármore); arquitetos como Brunelleschi (cúpula da igreja de santa Maria Del Piore, em Florença), Bramante (basílica de são Pedro, em Roma); pintores como Botticelli (“Alegoria da Primavera), Rafael Sanzio (madonas) Ticiano (“Vênus de Urbino”) Michelangelo (1 pintura das paredes e do teto da capela sistina em Roma); músicos como Palestrina e Orlandus Lassu e Leonardo da Vinci que foi pintor (Monalisa), escultor, engenheiro, matemático, músico e filosofo, sendo o primeiro considerado um verdadeiro gênio renascentista.

O movimento renascentista expandiu-se e atingiu outros países. Na Alemanha, destacaram-se os pintores Albert Durer (“Os Quatro Apóstolos e Hans Holbein (Retrato de Erasmo de Roterdã); nos países baixos, Jan Van Eyck (Cônjuges Arnolfini11) e Pedro Breughel (Caçadores na Neve) e, na Espanha, El Greco (“Monte Sinai”)[22] . O renascimento literário teve como principais expoentes: na Itália: Dante Alighieri (“A Divina Comédia”), Maquiavel (“O Príncipe”, “A Mandrágora”), Bocaccio (Decameron), Torquato Tasso (“Jerusalém Libertada”); na Espanha: Miguel de Cervantes (“Dom-Quixote de La Mancha”); na Inglaterra: William Shakespeare (“Romeu e Julieta”, “Hamlet” “Otelo” ) e Thomas Morus (“Utopia”); em Portugal: Luís de Camões (“Os Lusíadas das”; nos países baixos: Erasmo de Roterdã (“Elogio da Loucura”) e na França, Rabelais (“Pentagruel” e Gargantua)[23] .

Todas essas obras revelam um acentuado espírito crítico da época, uma valorização dos feitos humanos e uma utilização progressiva das línguas nacionais. Nesse sentido, podemos destacar como uma influência marcante do espírito humanista, a tradução da Bíblia do latim para o alemão pelo monge Martim Lutero, responsável pela reforma protestante, movimento contra a supremacia papal iniciado na Alemanha e inspirado no princípio de que todo fiel deveria ser capaz de ler e interpretar, por conta própria as Sagradas Escrituras.

II – Nascimento do Melodrama[24]

Giovanni Bardi, conde de Vernio (1534-1612)[25] , chefe de uma antiga e poderosa família florentina, é o tipo de mecenas do Renascimento. Filósofo, matemático, helenista imbuído das ideias neo-platônicas, reunia, em sua casa, desde 1576, um pequeno cenário de filósofos, poetas e músicos, todos helenistas ou crendo-se assim. Como muitas outras Academias deste tipo, desde a Academia de Marsílio Ficino no século XV, a Camerata de Bardi persuadia-se da superioridade dos Antigos, em todos os domínios da arte e do pensamento. O mesmo zelo humanista, de que saiu a ideia de Renascença, tinha animado Lourenço de Médicis e o seu meio, os poetas da Pleiade, Antoine de Baïf e a sua Academia.

Geralmente, atribui-se a criação do melodrama à influência dos humanistas florentinos o que, em parte, é exato e muito especialmente aos trabalhos da Camerata Bardi, o que é falso. Os membros desta assembléia, segundo Baïf, preconizam, como outros humanistas, uma nova associação entre a música e a poesia, sob o modelo do que se crê ser a recitação lírica dos Gregos e Romanos. A sua originalidade é a reivindicação da expressão, isto é, de uma certa independência relativamente aos métodos de composição em voga; o estilo, na música vocal, deve ser o encontro do sentido poético e do sentimento individual. As sábias construções da polifonia querem se substituir pela livre expressão musical das paixões[26] .

A associação da música com o teatro é, contudo, cada vez mais freqüente: intermédios de numerosas festas florentinas, espetáculos de “máscaras” na Inglaterra, notável música de Andrea Gabrieli, para os coros de Édipo rei do Sófocles, em Vicenza (1585), Ballet comique de la Royne, no Louvre (1581), etc. As influências humanistas são importantes na maior parte destas realizações, sobretudo na adaptação do Edipo rei, devida à iniciativa da Academia Olímpica: o estilo dos coros de Gabrieli é, absolutamente diferente de tudo o que se fazia na época, realizando na polifonia, nota contra nota, uma fusão exemplar da música e do poema[27] .

O novo mecenas influente é Jacopo Corsi (1560-1604), compositor e cravista amador. É um espírito original, voltado para o futuro. A partir de 1590, mais ou menos, organiza em sua casa reuniões poéticas e musicais que os poetas Rinuccini e Tasso (Tasso, cuja Aminta alcançou um grande sucesso, em 1573, exerceu, certamente, uma influência pessoal no desenvolvimento do melodrama. Ele próprio bom músico, vigiava as adaptações das suas pastorais (pastoral – composição que reflete cenas campestres) e o compositor Emilio de Cavalieri freqüentam. Este, que nunca concordou com Bardi, estética e polifonicamente, acaba de ser nomeado superintendente das artes pelo duque Ferdinando. De 1590 a 1595, compôs a música de uma série de pastorais, infelizmente perdidas. Riniccini e Corsi, fundamentando-se nas tentativas de Cavalieri, chamam, em 1594, um músico da corte, Jacopo Peri (1561-1633), cantor reputado e grande maestro de harmonia encarregam-no de compor, inteiramente, a Dafne de Rinuccini. Trata-se de fazer, no teatro, a experiência do novo estilo, essencialmente dramático, intermediário entre a declamação e o canto; e, em breve, classificar-se a este estilo de representativo ou recitativo. Esta Dafne, de que subsistem, apenas, dois curtos fragmentos, é representada, uma primeira vez, na casa de Corsi, durante o carnaval de 1594-1595, depois repetida, três anos mais tarde. É, provavelmente, o primeiro melodrama todo cantado[28] .

Trata-se, sem dúvida, de um novo gênero de espetáculo, que não se pode confundir nem com o madrigal dramático, composto em estilo polifônico e, especificamente, não representativo, nem do drama ou da comédia, interrompida com intermédios em estilo madrigalesco, nem por uma voz acompanhada. Seriam ainda os coros de Edipo rei do velho Gabrieli que melhor faziam pressentir o novo stile rappresentativo. Neste, os personagens exprimem -se musicalmente: a música não tem autonomia, está, essencialmente, na expressão dramática. É o que tinham previsto os autores anônimos do Jeu de Daniel, no século XII[29] .

2.1 – Oratórios[30] e Cantatas[31] :

As denominações de oratório e cantata foram muitas vezes confundidas. O próprio Bach batizou de Oratório de Natal um conjunto de cantatas. Contudo, estas palavras designam dois gêneros de composição vocal, não cênica, normalmente muito diferentes. O oratório é essencialmente narrativo e dramático: conta sem mostrar uma ação de caráter sagrado ou moralista. O Messias de Haendel, é a mais famosa composição no gênero[32] . A cantata é lírica: exprime sentimentos que podem ser tanto religiosos, como profanos. Contudo, se o oratório se torna profano ou lírico e se a cantata se torna dramática ou narrativa, a confusão dos gêneros é inevitável. Desde o fim do século XVII, a mesma denominação engloba gêneros diferentes, conforme os países. A cantata italiana e a cantata francesa são profanas; a primeira é mais lírica, a segunda mais narrativa. A Kantate alemã é uma composição religiosa, para solistas, coros e orquestra, sem elemento narrativo, o que em Itália, em França e em Inglaterra se chama sinfonia sacra, motet, concert spiritual ou anthem[33] .

2.2 – A Música Instrumental

Durante este período, a música instrumental passou a ter importância igual à da música vocal. A orquestra passou a tomar forma. No século XVII, o aperfeiçoamento dos instrumentos de corda, principalmente os violinos, fez com que a seção de cordas se tornasse uma unidade independente. Os violinos passaram a ser o centro da orquestra, ao qual os compositores acrescentavam outros instrumentos: flautas, fagotes, trompas, trompetes e tímpanos. Um traço constante nas orquestras barrocas, porém, era a presença do cravo ou órgão como contínuo, fazendo o baixo preenchendo a harmonia. Novas formas de composição foram criadas, como a fuga[34] , a sonata[35] , a suíte[36] e o concerto[37] . Diante de toda perspectiva lançada no advento renascentista, observamos as principais ideias que permeavam a época, qual a concepção do homem acerca de si próprio e o começo de uma nova maneira de entender e situar o ser humano na sociedade e no mundo.

Cremos que o entendimento correto daquilo que foi proposto pelos filósofos humanistas, nos trará uma ampla visão com respeito ao momento que estamos vivendo principalmente na arte que foi nosso enfoque maior e dentro da arte a música que é a nossa proposta de análise neste trabalho.

A nossa intenção nesta parte foi mostrar a origem de vários movimentos para entendermos melhor aquilo que proporemos nos capítulos seguintes. Acreditamos que para todo leitor, aquilo que salta aos nossos olhos como declaração primária do humanismo é: “O Homem é a Medida de Todas As Coisas”. Por trás desta talvez, simples frase, percebemos um turbilhão de ideias que colocam o homem quase que senhor do universo, e que todas as coisas devem ser feitas para seu bem-estar, para seu deleite e por que não dizer “para seu louvor”.

A arte sacra hoje é carregada de conceitos profanos que mudaram a ordem das coisas, ou seja, que tudo aquilo que nos fizermos e até a nossa própria vida é para louvor da glória do nosso Deus[38] . Deus é que tem que ser louvado e é a Ele que temos que agradar, não a homens.

Notas:

[19] STRICKLAND, Carol. Ph.D. Trad. Angela Lobo de Andrade. Arte Comentada da pré-história ao pós-moderno. Editora Ediouro. 6ª ed. 1999, p.32.

[20] ZIMMERMANN, Nilsa. A Música Através dos Tempos.Editora Paulinas. 2ª ed. 2001. p.27.

[21] STRICKLAND, Carol. Ph.D. Arte Comentada da pré-história ao pós-moderno. p.33,34.

[22] ibid. p. 36,7,8.

[23] ibid. p.38,9.

[24] me.lo.dra.ma s. m. 1. Espécie de drama em que, com recursos vulgares, se procura manter a emoção do auditório. 2. Ant. Drama em que o diálogo era interrompido por música instrumental. Michaelis – UOL

[25] ZIMMERMANN, Nilsa . A Música Através dos Tempos. p.30.

[26] CARPEAUX, Otto Maria. Uma Nova História da Música. Editora Ediouro. 1ª ed. 1999. p.30.

[27] HUDSON, Thames. Música Clássica: Uma história Concisa.Editora Zahar. 2ª ed.1991 p.42,3.

[28] CARPEAUX, Otto Maria. Uma Nova História da Música. Editora Ediouro. 1ª ed. 1999. p. 105.

[29] ibid. p. 106.

[30] Gênero dramático musical, de assunto religioso. Tirado geralmente da Bíblia, com solos, coros e orquestra, executa-se sem cenário uma dramatização sem apresentação cênica. Originou-se do teatro sacro medieval. ZIMMERMANN, Nilsa . A Música Através dos Tempos. p.132.

[31] Poema lírico cantado. Em suas origens, peça musical que deveria ser cantada (do italiano “cantare”), em oposição ‘a tocata, para ser tocada. Inicialmente composta para cantor solista e acompanhamento instrumental. Mais tarde (século XVII), foi-lhe acrescentado coral e orquestra. J.S. Bach cômpos 295 cantatas. Ibid. p.124.

[32] GUSTAVE, Kobbé. Kobbé: o livro da ópera. Editado pelo conde de Harewood; trad. Clóvis Marques. ed. 1997. p. 41.

[33] ROEDERER, Charlote. Schirmer History of music. A Division of Macmillan Publishing Co., Inc. 1ª ed. 1982. P.36,7.

[34] Composição polifônica escrita em estilo contrapontístico, sobre um tema único ou “sujeito”, exposto sucessivamente em ordem tonal determinada por certas leis. Baseia-se principalmente na imitação, isto é, na reprodução sucessiva dos mesmos desenhos melódicos ou rítmicos, por duas ou mais vozes distintas. Uma frase parece estar fugindo da outra. A fuga é a forma mais elaborada em contraponto. As vozes apresentam o tema em constante superposição e perseguição. Surgiu na Itália quinhentista, atingindo o seu apogeu com J. S. Bach que, em sua Arte da Fuga, fixou os princípios do gênero. Adaptada às novas concepções tonais, ela ressurgiu em compositores modernos como Stravinsky. Bartók, Alban Berg e outros. ZIMMERMANN, Nilsa . A Música Através dos Tempos. p.127.

[35] (Do italiano “suonare”, “tocar”.) Originariamente, destinava-se a qualquer composição instrumental tocada, em oposição à cantata (cantada). A sonata passou por evoluções até que Philipp Emanuel Bach a fixou numa forma definida. As partes da sonata são geralmente: 1º- Alegro; 2º – Adágio; e 3º Finale. Ás vezes, se incluem trechos curtos como minueto, Scherzo etc. Haydn, Mozart e Beethoven levaram a sonata à mais alta expressão. A forma sonata serve de base para a sinfonia e para o concerto. Ibid. p.136.

[36] (Do francês “suite”, “seqüência”). Uma série de danças populares executadas por conjuntos orquestrais, todas no mesmo tom, variando às vezes do modo maior para o menor. Danças que podem fazer parte da suíte: alemanda, sarabanda, giga etc. ibid. p. 136.

[37] Forma musical escrita para um instrumento solista, com acompanhamento de orquestra. Oi criado por volta de 1700, pelos compositores Albinoni e torelli, ganhando forma definitiva com Vivaldi. No início do século XVIII, adquiriu a forma sonata (em três movimentos). A partir daí, o concerto evoluiu muito e, no Romantismo, adquiriu maior liberdade formal. O concerto pode ter ainda uma ou várias cadências (um solo, que exige maior virtuosidade do concertista). Ibid. p. 125.

[38] Efésios 1. 12: “a fim de sermos para louvor da sua glória, nós os que de antemão esperamos em Cristo”.


Fonte: Publicado originalmente em http://www.textosdareforma.net


Terceira Parte – Introdução

Escolher outro capítulo