Diana Goulart: O instrumento do cantor é muito mais do que a “garganta”. O seu instrumento é o corpo, o organismo como um todo. Quem canta é você, não apenas a sua garganta.
O condicionamento físico, a saúde em geral, o bem estar no mais amplo sentido da palavra – inclusive o psicológico – são fundamentais para um bom desempenho vocal. Tudo que é benéfico para o organismo faz bem para a voz; e inversamente, tudo que é nocivo para o organismo faz mal para a voz. Dormir pouco, fumar, beber em excesso, alimentar-se mal… é óbvio que nada disto pode fazer bem – seja para a voz, seja para a vida. Respirar bem, estar relaxado, ter uma boa postura, evidentemente fazem você cantar melhor, e também ter mais disposição e energia para o trabalho e para o lazer.
Mas atenção: cuidar da saúde e do bem-estar não deve ser confundido com os rituais de preparação para cantar. Há cantores que não sobem num palco sem mastigar três cristais de gengibre, tomar chá de limão com mel, própolis e agrião, pingar descongestionante no nariz … não tenho nada contra os descongestionantes, chás, etc., desde que sejam usados com indicação médica, com moderação e em caso de real necessidade. Estou me manifestando contra o uso compulsivo e ritualístico destes mecanismos: não se pode depender disto para ter um bom desempenho.
Cantar é um ato natural, que faz parte das atividades cotidianas do cantor. Ele deve estar sempre pronto para isto, com a voz sempre inteira, disponível. Mesmo num dia “péssimo”, ainda que não se vá fazer um show especialmente inspirado, um mínimo de correção tem que ser atingido – até porque o cantor tem o privilégio de ter um trabalho que gera prazer ao ser feito, melhorando assim a sua disposição depois de um show bem realizado. E esta realização não pode depender de fatores externos: o cantor tem que ter os recursos técnicos e interpretativos disponíveis, internalizados, automatizados.
Por isso é que há necessidade de intenso trabalho de preparação a longo prazo. Não basta aprender a respirar bem e saber como usar os recursos vocais: é preciso praticar e automatizar este processo. A técnica só se torna um aliado útil quando ela já está assimilada, e não precisamos nos lembrar dela. Dito de outra forma: só podemos utilizar realmente a técnica que já está internalizada, ou já faz parte do nosso comportamento inconsciente. Essa técnica não se limita à garganta: envolve todo o corpo, a mente e a alma.
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Diana Goulart é professora de Canto, fonoaudióloga, pesquisadora do canto e palestrante sobre diversos temas ligados à voz e ao canto. Para informações mais detalhadas, visite https://www.dianagoulart.com.br