História da Música

História da Música – Vanguardas do Século XX

por: Fábio Lindquist

Dois séculos de música tonal, numa sociedade cada vez mais dominada pelo poder econômico e político do grande capital industrial, acabaram, no fim do século XIX, por consolidar uma situação cultural, onde as manifestações musicais, agora definitivamente sobre a forma de produção e consumo de uma mercadoria chamada arte, servia de alimento ideológico indispensável à burguesia. Os músicos, produtores desta arte, assumiram o papel de verdadeiros apóstolos, cuja função residia em fornecer a essa burguesia consumidora as suas obras.

Atendendo às necessidades da divisão social do trabalho, estes compositores se ocupavam em produzir apenas os projetos de tais obras, cuja execução ficava a cargo de outros músicos especializados na realização propriamente sonora das mesmas. Esses projetos, sob a forma de partituras, continham agora todas as instruções julgadas necessárias para que o executante – intérprete ou virtuoso – pudesse dar testemunho de suas habilidades em dar-lhe vida sonora.

Os compositores, assim como os intérpretes, profissionais altamente especializados que eram, na medida em que tinham pleno êxito no desempenho da sua função, passaram a ser considerados como gênios e trabalhavam de forma inteiramente individual, não restando mais nada da produção coletiva que havia caracterizado épocas mais remotas.

Foi extraordinária a riqueza desta produção musical que florescera nos séculos XVIII e XIX e que abrange os áureos períodos do Barroco, Classicismo e Romantismo. No final do século XIX, no entanto, deparamo-nos com uma época de crise: a produção musical européia perde sua homogeneidade, o sistema tonal passa a ser questionado e surge uma multiplicidade de direcionamentos novos e contraditórios entre si, que diversos grupos de músicos procuram imprimir à sua produção. (SCHURMANN, 1989)

Em meados da década de 1870, o fervor revolucionário e nacionalista, tão intimamente relacionado com o movimento Romântico, transforma o mapa da Europa. O nacionalismo não era de forma alguma uma força esgotada, mas, nos últimos anos do século, adquiriu um outro caráter, originando a dissolução de impérios há muito estabelecidos. Estava em curso nesta época uma verdadeira revolução no mundo das artes.

O Romantismo foi suplantado pelo Realismo, e pelos nascentes movimentos de vanguarda. Em 1874, um grupo de pintores franceses uniu-se para realizar a primeira exposição impressionista de Paris, num desafio aberto à ordem acadêmica estabelecida. Estes artistas procuravam captar na tela os efeitos da luz e os padrões em constante mudança do estado do tempo. O estilo dos impressionistas traduzia-se bem em termos musicais. Existem paralelos notáveis entre os efeitos criados pelos quadros dos impressionistas e o uso que os músicos do estilo faziam de texturas sutis de harmonia e timbre para criar imagens de cenas nebulosas e cheias de atmosfera.

Em direção inversa, muitos pintores procuravam conscientemente dotar os seus quadros de qualidades musicais. Elementos da arte oriental também atraíam o interesse tanto de pintores quanto compositores. Essas experiências demonstravam o espírito febril de criatividade prevalecente na Europa antes da guerra. Pós-Impressionismo, Art Nouveau, Fauvismo, Simbolismo, Cubismo e Expressionismo foram movimentos que surgiram num curto espaço de tempo. As especificidades destes estilos eram muito diferentes, mas, em geral, marcavam a influência decrescente das academias oficiais que tinham controlado as artes durante tanto tempo. (STANLEY, 1994)

O impressionismo é a primeira estética considerada modernista. As principais características desta estética aparecem na pintura, na poesia e na música: ar livre, natureza; interesse pela cor, pelo som puro, estudo sobre o tom; arabesco, linha pura, efeitos fugidios, visão momentânea; fascínio pelo instante sonoro; momentos de um mesmo objeto com efeitos diversos; percepção como sensação e não como sentimento; imediatismo; formas livres; música como experiência total; vago, indefinido; instinto, mistério, simbolismo.

A ideia a partir de um motivo extramusical é tipicamente impressionista. A ligação com a palavra – seja ela um assunto que motiva a composição ou então o título ou texto acrescentados em seguida – é essencial para a nova música.

No impressionismo o pretexto extramusical chama nossa atenção para um determinado aspecto do objeto sonoro, e deste aspecto pode originar-se um outro encadeamento de referências culturais. As obras impressionistas têm sons imprevisíveis, melodia indeterminada, suspensa, vagamente exótica, assimétrica e irregular. Muitas vezes aparece um cromatismo dentro do âmbito de um trítono, dando a impressão de sons improvisados.

A música impressionista, assim como toda a música vanguardista, passa de arte do tempo a arte do espaço, impressão esta que deriva justamente da dissolução da sintaxe (disposição das partes no todo). O significado da música não interessa mais, ele nos indica o objeto musical. O arabesco desta música tem uma sinuosidade que não é regulada pelo sistema tonal, pelos esquemas simétricos das progressões, da rítmica simples, do andamento discursivo e, definitivamente, por aquele caráter claramente culturalizado.

No início do século XX, um grupo de músicos reunidos em Viena, considerando o sistema tonal definitivamente superado, desenvolvera uma produção musical em que sistematicamente são negados todos os pressupostos teóricos que de alguma forma se referiam às tradições tonais. Criaram uma nova linguagem musical, denominada atonal, isto é, música não centrada numa determinada tonalidade. Resultara daí o enunciado de novos princípios que, artificialmente concebidos, deveriam orientar as estruturas musicais modernas. Estes princípios visavam, em primeira instância, a remover qualquer espécie de hierarquia entre as alturas sonoras, típicas do tonalismo.

Tais preocupações nos sugerem imediatamente uma analogia com os ideais democráticos que, na mesma época, dominavam uma substancial faixa do pensamento político. Isso gerou uma aversão da burguesia a essas novas manifestações artísticas, ligando-as aos movimentos políticos marxistas e de esquerda. Para a maioria dos ouvistes, esta música soava caótica, e gerou reação hostil da sociedade. Contudo, alguns críticos olhavam para a atonalidade de uma forma mais positiva, como uma espécie de equivalente musical do Expressionismo, que constituía uma força tão importante nas artes visuais desta época, e que propunha o “retorno ao sujeito”, para reencontrar a expressão na arte. Mas o grande dia da música atonal foi quando se desenvolveu o Sistema Dodecafônico, que utiliza todas as 12 notas da escala cromática dispostas em qualquer ordem, como uma “seqüência” ou tema da composição. Este estilo, ou sistema, foi também denominado Serialista. (STANLEY, 1994)

A prática dodecafônica assume diversas faces. O romantismo atonal e o pontilhismo (inexistência de melodia, com sons pontilhados no silêncio) são considerados marcos na música do século XX. No pontilhismo, cada uma das notas da série dodecafônica é separada, o que evita qualquer relação harmônica entre elas. Outra importante inovação é a melodia de timbre: uma melodia pode ser formando mudando-se não apenas as notas, mas também mudando-se os timbres.

Além das escalas dodecafônica e atonal, outra importante inovação do período modernista é o uso de intervalos microtonais (intervalos menores que meio-tom entre as notas da escala cromática) e também os clusters (“cachos” de notas, que tendem ao ruído), tocados com as palmas das mãos, ou mesmo com o antebraço, sobre as teclas do piano.

No âmbito da arquitetura e do urbanismo tais crises artísticas também ocorreram. Os efeitos da Revolução Industrial tinham colocado em crise a estrutura tradicional da cidade. Surgem, de centros modestos, ou mesmo do nada, novas cidades ao redor de novas indústrias, ou novas indústrias se inserem no contexto de velhas cidades. O fenômeno do urbanismo é comum: é o fenômeno do afluxo de grandes massas, sobretudo das que formam a mão-de-obra operária. As cidades se transformam em metrópoles imensas e caóticas. Nenhuma política urbanística racional intervém para procurar ditar ordem à semelhante desenvolvimento, viçoso, porém anárquico.

Tudo é abandonado ao curso fatal das coisas, e a especulação privada reinou soberana, criando amontoados e adensamentos absurdos. A arquitetura lança-se à realização, principalmente nas periferias industriais, de habitações tristes, estreitas e sujas, para as massas trabalhadoras. Lançou-se, igualmente, à construção de edifícios de aluguel, para a grande ou pequena burguesia, sendo as construções sem grandes exigências estéticas, preocupadas apenas com o maior rendimento da exploração. (PISCHEL, 1966)

O século XIX foi marcado pelo que se chamou de Período Neocolonialista. As grandes potências européias se lançam a colonizar todos os povos da África e Ásia, como Portugal e Espanha fizeram com a América no século XVI.

Encantados com a riqueza arquitetônica desses povos, os arquitetos buscam incorporar os elementos decorativos e formais desta arquitetura. Uns reproduziam esses elementos em sua totalidade, no que se chamou de Movimento dos “Neos” (Revival), com o Neo-Arabesco, Neo-Indiano, Neo-Oriental, entre outros. Esse movimento também incluiu o revivalismo dos estilos do passado da própria Europa, surgindo assim o Neo-Gótico, Neo-Barroco, Neo-Românico, Neo-Renascentista, sendo o preferido o Neo-Clássico (ou Neo-Grego, Neo-Romano).

Outros arquitetos foram mais além, misturando ao acaso elementos decorativos e ordens arquitetônicas destes vários estilos e períodos em um único edifício, no que ficou denominado “Ecletismo”.

É importante notar que a produção musical, de maneira geral, seguiu direção oposta. Enquanto a arquitetura buscava valorizar e incorporar elementos estrangeiros, os compositores da época vão valorizar e divulgar cada vez mais os elementos nacionais, o folclore. A cultura popular é incorporada à produção erudita.

Logo surgem movimentos contrários a toda essa, para muitos críticos, banalização dos elementos históricos. Um dos primeiros foi e estilo Art Nouveau, que apesar de curta duração, teve primordial papel nessa busca por, como diz seu nome, uma arte nova. Um primeiro fator foi abolir os elementos arquitetônicos tradicionais, como frontões, colunas clássicas, volutas barrocas, etc. Com suas formas assimétricas, irregulares, sinuosas, vai contra o padrão vigente de belo. Outro fator foi a incorporação das novas tecnologias construtivas frutos da Revolução Industrial, como o aço, de maneira aberta e definitiva.

Enquanto os edifícios ecléticos usavam o aço de maneira tímida em sua estrutura, e ainda encobria essa estrutura com a alvenaria e todos os elementos meramente decorativos pré-fabricados em concreto, a arquitetura Art Nouveau vai deixar a estrutura em aço aparente, e vai usá-lo como um elemento decorativo, em varandas, corrimãos, parapeitos, maçanetas, vitrais, marquises e cúpulas de ferro fundido, com seus temas florais.

A arquitetura em aço logo se populariza, primordialmente nas pontes, nos “palácios de cristal”, e seu símbolo máximo até hoje é a Torre Eiffel, em Paris. Na América, sobretudo na “escola de Chicago”, estas técnicas construtivas se desenvolvem rapidamente, e uma nova estrutura surge: os arranha-céus. Neste estilo, repudia-se tudo o que é inutilmente ornamental; adotam-se critérios de pura funcionalidade.

Mas em meados do início deste século, a arte contemporânea sofreu graves ataques. No período do Nazismo, Hitler censurou e proibiu a produção de tudo que fosse contra os ideais conservadores de seu regime, denominadas de “artes degeneradas”, incluídas aí todos os estilos vanguardistas de pintura, escultura, design, arquitetura e música. Uma das primeiras baixas no mundo artístico foi a Bauhaus, uma escola de arquitetura e artes aplicadas. O seu corpo docente era constituído por um dos melhores conjuntos de talentos artísticos alguma vez reunido num único local, e teve enorme influência no design e na arquitetura contemporânea. (PISCHEL, 1966)

Após a derrocada do regime nazista, as ações para a reconstrução das economias da Europa Ocidental tiveram elo no domínio cultural. No centro destas atividades, a Alemanha fez esforços para derrubar a censura que prevalecera durante o regime Nazista, e os compositores serialistas voltaram a ser ouvidos em concertos. Esta nova onda dodecafônica foi peça chave no desenvolvimento do “serialismo total”, que se expandiu para além da altura para áreas como o ritmo e a dinâmica. (STANLEY, 1994)

O serialismo total, ou integral, consistiu num sistema em que são acrescentadas à série de alturas uma série de durações, uma série de intensidades e uma série de timbres. A ideia do serialismo serve também para a organização de séries de 23 notas (incluindo os micro-tons), ou séries de sons sem alturas definidas.

Sendo “força de choque” e, portanto, minoritários, internacionais e rebeldes, os movimentos denominados “de vanguarda”, diversos quanto à origem e intentos, efetuam uma nítida e deliberada ruptura relativamente à visão tradicional. Essa fratura está na base do nosso século; e a ela confere, convulsionando tudo, um aspecto de crise, de busca e experimentação. A contribuição mais essencial do período entre as duas guerras consistiu na afirmação e advento de um novo estilo arquitetônico: o Modernista, também chamado racionalista ou funcionalista.

Esse advento deve ser contemplado por diversos aspectos. O primeiro é a exigência de se criar uma arquitetura adequada e aderente à nossa civilização tecnológica, às necessidades e aos serviços que ela postula, ao modo de viver e trabalhar do homem moderno. “A forma deve acompanhar a função”, proclamou o norte-americano Sullivan com sua “escola de Chicago”. Mas a funcionalidade não tem o propósito de ser simples moda, e sim adequação a um mundo novo de relações, a outra escala de valores.

O segundo aspecto é a reevocação da essencialidade das formas, à sua sincera força geometrizante, à autenticidade das estruturas. Contra todas os ornamentos que a prendam a uma época ou a uma tradição nacional ou local, a linguagem arquitetônica assume, assim, característica internacional e alcance universal. Em terceiro lugar, a eliminação do divórcio entre arquitetura e técnica. Quer-se fazer uso de todas as possibilidades – construtivas e expressivas – das novas técnicas, dos novos materiais e princípios. Ao lado do aço, do vidro, e dos elementos pré-fabricados, incorpora-se o concreto armado.

O quarto e último elemento da arquitetura Moderna é a totalidade de sua visão: a construção torna-se realidade que se insere esteticamente num ambiente dado, e que socialmente se enxerta no tecido de uma comunidade ou cidade. Decorre disto o estreito vínculo existente entre a arquitetura e a urbanística. (PISCHEL, 1966)

E a música sempre esteve acompanhando de perto essa evolução. Como em arquitetura, novos materiais obrigam a inventar novas estruturas. De início, o concreto começou por imitar a pedra; logo o material se tornou tão forte, que a tradição estalou. Em música, o material vai obrigar a encontrar um sistema de expressão que lhe corresponda. De fato, a música atual já não vem edificada sobre o rígido embasamento do tonalismo, mas é em parte um processo híbrido, onde aparece camuflada uma série de qualificações – modal, atonal, politonal, serial, concreta, minimalista, experimental, conceitual, digital – que trazem em si, o próprio signo da mobilidade, a tal ponto que, para se falar de música hoje torna-se necessário, antes, desvendar suas novas estruturas, formas e significações. (IAZZETA, 1993)

A investigação da questão espacial mostra-se relevante no entendimento destes novos arranjos que começam a se estabelecer a partir deste século. Espaço cênico, espaço acústico e mesmo o espaço das freqüências sonoras, ganham por parte dos compositores uma atenção que, até então, era dispensada ao fenômeno sonoro na música como um evento apenas temporal. Isso trouxe uma série de conseqüências inusitadas, ampliando a flexibilidade e a mobilidade do material sonoro, que confere a individualidade de cada obra: problemas arquiteturais, ligados à construção de ambientes de escuta adaptados às novas exigências espaciais da música de hoje; problemas acústicos concernentes à percepção dos novos efeitos sonoros resultantes da espacialização do som; problemas estéticos, relacionados à natureza exata das finalidades que persegue o compositor ao fazer tal ou qual uso particular de uma certa realidade acústica do ambiente.

Segundo IAZZETA (1993), essa problemática emerge de três modos distintos. Em primeiro lugar, no âmbito das larguras sonoras, onde há um alargamento do espaço das freqüências, tanto num plano bidimensional – dos sons mais graves aos mais agudos – quanto num plano tridimensional com a incorporação dos aspectos de densidade e massa sonora. O segundo modo de apreensão do espaço pela música é mais objetivo e representa, de certa forma, um retorno à maneira de se fazer música na Antigüidade e, também, na Idade Média, vinculando o acontecimento musical a um evento cênico. O terceiro ponto se relaciona muito diretamente ao atual estágio de desenvolvimento tecnológico que tornou possível a exploração de uma capacidade perceptiva peculiar: a de estabelecer, através do som, relações espaciais (distâncias e direções) entre as fontes sonoras, bem como características acústicas do ambiente.

Apesar dessa capacidade ser bastante utilizada cotidianamente em música, é somente na metade deste século que vai ocorrer uma exploração um pouco mais consistente das características sonoro/espaciais dentro do discurso musical, trazendo à tona uma série de problemas relacionados à arquitetura dos ambientes e á localização das fontes sonoras. Obviamente, o elemento espacial sempre desempenhou uma influência importante na formação da linguagem musical, ainda que isso não se procede de modo aparente. É impossível não reconhecer, por exemplo, as afinidades entre a acústica ressonante das igrejas e catedrais e o cantochão medieval, ou a relação entre o surgimento das grandes salas de concerto e os volumosos conjuntos orquestrais que vão se formando a partir do século XVIII. Sem dúvida, todo espaço onde se realiza um espetáculo é um espaço social sujeito a refletir as mais variadas nuances do pensamento cultural onde se insere. As grandes transformações por que vem passando a música esbarram, por vezes, no cerceamento imposto por uma audiência cuja postura sonora ainda se baseia em princípios bastante tradicionais. Cada vez mais torna-se necessária a criação de espaços móveis que suporte configurações diferentes na disposição de intérpretes e ouvintes, bem como, possibilitem a utilização de recursos extra musicais. As salas de concertos atuais, revestidas de sua aura aristocrática, em nada cooperam na formação de novos públicos afeitos às novas propostas musicais que têm surgido. Como diz Pierre Boulez (1984): “A orquestra atual leva ainda a marca da sociedade do século XIX, que por sua vez herdou a tradição das cortes principescas. Penso que a arquitetura das salas é um fenômeno desconcertante de conservadorismo”.

Esta postura conservadora frente o Modernismo começou a tomar força nos anos 60, mas vai mesmo se firmar nos anos 70. A Arquitetura Racionalista se popularizou demais no período do Pós-Guerra. Havia a necessidade de se reconstruir a Europa bombardeada. A arquitetura Moderna se mostrava a ideal para tal feito. Com suas linhas simples, sua estrutura racional, e com o emprego de materiais pré-fabricados, possibilitava contruções rápidas e econômicas. A máxima minimalista de Mies van der Rohe, que dizia que “Menos é mais”, é levada às últimas conseqüências.

Em todo o mundo surgiam construções em que quase só se viam linhas retas e perpendiculares, grandes e claras. As fachadas dissolvidas de cima a baixo em vidro e cuja decoração, tanto interior com exterior, se contentava com o efeito não adulterado dos materiais: metal cromado, paredes de tijolo áspero, madeira não envernizada, concreto não revestido, pedra de relevo rude. Devido à sua construção, com base num esqueleto simples e plantas abertas, as construções no estilo de Mies – mantendo no essencial a mesma forma – podiam ser interminavelmente adaptadas e aplicadas, quer se tratasse de arranha-céus, ou de construções baixas. (PISCHEL, 1966)

Na música tal fenômeno fez surgir um estilo também denominado Minimalista. Neste estilo, igualmente como na arquitetura, vão se utilizar as mais recentes tecnologias, e sua estrutura melódica será composta de um mínimo de elementos. No lugar de instrumentos tradicionais, os primeiros instrumentos eletrônicos, na época chamados de “eletroacústicos”. A partir desses instrumentos, a sua maioria de teclado (que seriam os “avós” dos atuais sintetizadores) e da gravação em fita magnética de sons de outros instrumentos e de sons do cotidiano, criavam-se pequenas “células” melódicas, que eram repetidas ad infinitum, como num mantra indiano.

Contudo, a possibilidade de construir com rapidez e economia era freqüentemente usada apenas para realizar caixas sem ornamentos e de exterior superficialmente moderno. Onde Mies usara materiais caros, como o ônix ou o mármore, procurava-se obter o mesmo aspecto com pré-fabricados de padrão semelhante. Por detrás das fachadas não se encontravam plantas abertas, mas antes espaços minúsculos, semelhantes a celas.

Os pioneiros da arquitetura Moderna tinham sonhado com casas que não só funcionassem como máquinas mas que também fossem produzidas por estas. No entanto, quando as casas passaram a ser realmente montadas com componentes pré-fabricados por máquinas, verificou-se que isso conduzia não só a uma monotonia sem limites mas também a uma produção e modelação de qualidade extremamente baixa.

Esse fracasso da crença eufórica no futuro e no progresso começou lentamente a ser reconhecido, por volta de 1970. Uma habitação numa nova urbanização era ainda considerada como o cúmulo da felicidade na face da terra e os urbanistas e arquitetos modernos estavam convictos de que a nova cidade, planejada até ao ínfimo pormenor; pensada na perspectiva dos automóveis, com grandes eixos viários e parques de estacionamento, estruturada nas suas funções, desobstruída e permeada de espaços verdes, teria de ser melhor do que a antiga, de crescimento aleatório, caótica e compactada.

No entanto, a desagregação da cidade, segundo a qual só se habitava numa zona e se trabalhava noutra, sendo uma terceira zona reservada para as compras e tempos de lazer, conduziu à desarticulação do que tinha sido até então considerado uma “cidade”. Deu-se a desertificação temporária de quarteirões inteiros, juntando-se a isso uma arquitetura considerada monótona, numa imitação esquemática, interminável e sem qualquer rasgo de criatividade. A reação contra a crença num racionalismo técnico radical logo surgiu. Começou-se a falar na inospitalidade das cidades e a reagir contra os planos de demolição de edifícios antigos e de construção de estradas. (PISCHEL, 1966)

Um certo medo do futuro e uma fuga da realidade juntou-se à essa situação. Surge o Movimento Hippie, se popularisa o exoterismo e outras ideologias políticas não menos irracionais. A moda “psicodélica” do “Flower Power” vai gerar uma preferência por cores berrantes, em oposição ao branco do modernismo; na onda nostálgica e na redescoberta do Art Nouveau. A cidade do século XIX foi reavaliada nesta época, e sua revalorização vai eclodir no que se denominou Pós-Modernismo.

Os porta-vozes da arquitetura pós-modernista procedem com a arquitetura moderna da mesma forma esquemática que o modernismo, que repudiara em bloco seus antecessores. Substituíram novamente a assimetria equilibrada por uma simetria clássica, as janelas tornam-se outra vez pequenas e, em vez da ausência de ornamentação, usam-se ornamentos sobrepostos. O “Less is more” (“Menos é mais”) de Mies van der Rohe é substituído pelo “Less is bore” (“Menos é monótono”) de Venturi. Se para os modernistas “a forma segue a função”, agora “a forma segue a fantasia”.

Mas o que se viu foram citações de edifícios históricos, de maneira cada vez mais aleatória. Os arquitetos pós-modernistas pouco mais apresentaram que do que um anti-programa pouco original contra o Movimento Moderno, em que invocavam os tempos pré-modernistas, sem se lembrarem que os vanguardistas do século XIX, como Ledoux, Boullée ou Gaudí, que se tornaram seus heróis, estavam voltados para o futuro, e não para o passado. Tudo isso culminou na reconstrução de edifícios históricos inteiros há muito desaparecidos e numa arquitetura que copiava diretamente o historicismo do século XIX. (GYMPEL, 1996)

Neste período a música erudita também vai tomar uma direção de volta ao passado, no que se denomina Música Neo-Clássica: uma busca aos modelos melódicos e harmônicos do Classicismo, visto que o experimentalismo desenvolvido pelos modernistas na primeira metade do século XX não arregimentou muitos apreciadores entre a massa burguesa.

A forma se desprende totalmente da função, tornando as construções bonitas à vista mas de má utilização. Apesar da arquitetura pós-moderna procurar refúgio no familiar, no antigo e no romântico, utilizou também elementos formais modernos. Mas a supremacia deste estilo durou pouco. A substância intelectual deste estilo só lhe suscitou sensação por um curto espaço de tempo, até o final dos anos 80.

Por volta de 1990, a arquitetura pós-modernista foi substituída nos meios de comunicação pelo “desconstrutivismo”. Com base nos conceitos filosóficos de Jacques Deridas, os seus representantes desenvolveram uma sintaxe formal que ampliava ao extremo a abstração do Movimento Moderno. Os estudiosos colocam esses arquitetos no contexto histórico do modernismo e, por isso, designam-nos de “neo-modernistas”.

Mas, tal como os pós-modernistas, os desconstrutivistas também procuram, sem ter em conta a satisfação das exigências funcionais – dificultando-as mesmo – uma forma extravagante e espetacular, exprimindo a sua oposição contra normas de construção e de ornamentação. É freqüente encontrar elementos de uma delicadeza de filigrana ao lado de outros monstruosamente superdimensionados, o que dá à estrutura um aspecto caótico e um efeito instável, como se fosse desmororar-se de um momento para o outro. (GYMPEL, 1996)

No âmbito da música, assim como o desconstrutivismo se propôe como um recontextualizador do modernismo, a atual produção erudita vai reler os conceitos do dodecafonismo, surgido no início do século XX, que de certa forma era descontrutivista, pois desconstruía a escala cromática numa escala sem hierarquia tonal de uma nota para outra, o atonalismo, num estilo denominado “estilo aleatório”, em que as melodias são feitas ao acaso.

Hoje, início de um novo século (e novo milênio), mais do que nunca a música tem o caráter da mutabilidade. A cada dia novos estilos surgem, antigos são resgatados sob nova leitura, reformulados, fundidos a outros estilos. Os instrumentos que sugiram a milhares de anos convivem com o computador, instrumentos eletrônicos, samplers, sons digitais, etc. A arquitetura atual também possui o mesmo aspecto de pluralidade. Em centros históricos milenares são construídos edifícios com a mais alta tecnologia, seguindo as premissas estéticas da última moda.

Atualmente, uma série de novos movimentos convive com práticas remanescentes da música do pós-guerra. Destacam-se: a nova simplicidade, que visa à estética da liberdade da arte, propondo uma música com ausência de dificuldades, livrando-se da carga histórica; a nova complexidade, que resgata a importância estrutural do serialismo integral, numa música que expressa a complexidade do homem atual; a música espectral, que surge a partir do estudo de espectros sonoros de instrumentos e sons cotidianos com o auxílio de recursos audiovisuais, como vídeo, teatro, dança, etc.; e a computer-music, que utiliza recursos da informática na síntese sonora, no cálculo de estruturas sonoras e nas transformações de informação sonora, através de simulações diversas.

Durante o século XX, ocorreram mudanças tanto na sintaxe do discurso musical, quanto no papel que ela desempenha dentro da sociedade. A separação entre música erudita e popular nunca foi tão explícita. Isso criou uma certa distância entre a música produzida neste século e seus ouvintes contemporâneos. Em todos os outros períodos históricos a música que se ouvia era a música produzida naquela mesma época. Atualmente, com o surgimento dos meios de gravação, as músicas antigas passaram a ser mais difundidas, e a música do passado passou a ser a música do presente. Mas as pessoas vão muito menos a concertos, se comparadas com as pessoas do século XIX. As pessoas não precisam ir até a música, pois ela pode ir até seus ouvintes, seja através da mídia (rádio, TV) ou das gravações (CDs, discos, fitas, DVDs) Mas isso faz com que o ouvinte se prive de ouvir a música no seu ambiente natural (igrejas, teatros, salas de concerto). Além disso, deixa de fazer o exercício essencial para a compreensão de qualquer produto cultural, o de contestualização.

Para onde a música tenderá neste novo milênio? Somente o tempo dirá. O jargão técnico dos músicos é inadequado para explicar as novas criações. Ainda hoje existem, entre nós, propostas criativas que podem revelar mundos novos.


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