por: Fábio Lindquist
Como adjetivo, a palavra “romântico” tinha uma longa e nobre história. Deriva dos antigos “romances” – as lendas de cavalaria popularizadas pelos trovadores na Idade Média – e foi usada para expressar as qualidades evocativas e imaginativas típicas destas obras. Os românticos opunham-se ao classicismo, proclamando a superioridade da emoção sobre a razão. Exigiam o direito à livre expressão, em lugar da antiga ênfase na contenção; elevaram o poder da imaginação a um estatuto quase divino.
Os artistas podiam fazer tais afirmações em grande parte devido ao fato dos seus patronos não serem já as cortes aristocráticas, mas sim a classe média. Os compositores tinham um maior controle sobre suas carreiras. De muitas formas, o movimento Romântico proporcionou-lhes o equivalente artístico de uma declaração de independência.
Os românticos inspiravam-se na Idade Média com um entusiasmo idêntico ao dos predecessores em relação à Grécia e Roma antiga. Este gosto pelo medievalismo permeava todas as artes. Na arquitetura, produziu o estilo gótico revivalista. A música, mais precisamente a ópera, incorporava temas de fantasia e lendas medievais. (STANLEY, 1994)
Os românticos distanciaram-se dos valores prevalecentes durante a Idade da Razão. A conseqüência natural era que se interessassem pelo irracional, pelo macabro, sendo a loucura, o horror e o sobrenatural temas comuns. Na música, essa influência pode ser observada, por exemplo, na Sinfonia Fantástica (1830), de Berlioz, na qual o compositor evoca uma série de alucinações induzidas pelo ópio. Na arquitetura, os casarões neogóticos, com sua aparência de “mansão mal assombrada”, decoradas com esculturas de monstros e gárgulas, típicas das catedrais góticas.
Dada a natureza lúgubre dos temas, poderá parecer surpreendente que a outra preocupação dos românticos fosse a natureza e suas belas e bucólicas paisagens. É claro que o gosto pela natureza não era uma novidade, mas a versão romântica desenvolveu-se em resposta direta a vários fatores contemporâneos.
O alastramento da Revolução Industrial e a crescente urbanização da sociedade fizeram com que o campo parecesse idílico. Isso se refletiu nos projetos urbanísticos das “cidades jardins”; e na arquitetura, no estilo Art Nouveau, com suas formas orgânicas, fazendo referência a temas florais, e com uma certa influência gótica. Enquanto os artistas clássicos procuravam dispor elementos naturais, de forma a criar um efeito harmonioso, os românticos não tentavam modificar a natureza, registrando apenas suas impressões pessoais sobre ela. Em vez de controlarem os elementos, sentiam-se a sua mercê.
De acordo com STANLEY (1994), a importância que os românticos atribuíam aos seus sentimentos pessoais e ao individualismo em geral estendia-se a todos os aspectos da sociedade.
Os benefícios econômicos decorrentes da Revolução Industrial resultaram em vantagens consideráveis para os músicos. O alargamento da educação e o crescimento das classes profissionais proporcionaram um novo público, permitindo a alguns executantes granjear grande fama. Os virtuoses eram os reais beneficiários. Com seu virtuosismo buscavam expressar os seus sentimentos desenfreados de paixão, ódio e loucura.
Esse tipo de virtuosismo foi estimulado também pelos avanços técnicos na construção de instrumentos musicais, em especial o piano. Isso encorajou os músicos a tornarem-se mais ousados em suas composições. A dificuldade técnica de muitas peças transformou-as em exclusivas dos executantes mais especializados, elitizando a música, fazendo distinção entre os diferentes níveis de público ouvinte.
Surgiu uma divisão semelhante na escala da produção musical. Por um lado, obras mais curtas, para serem tocadas por poucos músicos, para ouvintes seletos, no ambiente íntimo dos salões: a música de câmara. Por outro lado, o tamanho da orquestra foi aumentando gradualmente, a fim de satisfazer os efeitos opulentos da sinfonia romântica. (STANLEY, 1994)
O romantismo é o derradeiro momento da música tonal. As formas livres, o sinfonismo, o virtuosismo instrumental e os movimentos nacionais incorporam elementos alheios à tonalidade estrita do classicismo e esta lentamente se desfaz. A música do final do século XIX, embora carregada pelo individualismo, reflete as preocupações coletivas relacionadas aos movimentos de unificação que marcam a Europa do período. As composições unem o pensamento nacional às melodias populares. Elaborando-se contra a tradição que representava a arte dos séculos anteriores, essa corrente evocou a espontaneidade e a revolta, antes dominados pela razão e pela frieza. As transformações do mundo (sobretudo a Revolução Francesa) puseram em primeiro plano o indivíduo, com seus conflitos, inquietações e sua lucidez, seus pesadelos e sonhos, seus descaminhos, indignações e esperanças. A corrente romântica teve assim uma grande variedade de expressões.
O romantismo desempenhou seu papel no fomento do fervor nacionalista e revolucionário do século XIX, no enaltecimento dos sentimentos pessoais e da ação individual como força poderosa de mudanças quer políticas quer artísticas. Mas à medida que o tempo passava, o movimento Romântico ir-se-ia tornando cada vez menos significativo, embora no mundo musical sua influência se mantivesse forte durante muitos anos mais. (STANLEY, 1994)
Ao final do período romântico algumas obras trazem uma modulação tão fluida leva a tonalidade até seu limite, ficando a um passo da atonalidade. A enorme complexidade harmônica transgrediu as normas clássicas de composição e incorporou elementos e sons considerados capazes de dissolver ou ameaçar a própria harmonia. A tensão harmônica é tamanha que a velha harmonia finalmente entra em colapso. É o fim do tonalismo e o início do modernismo.
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