História da Música

História da Música – Românico

por: Fábio Lindquist

Por volta do século IX, livres da opressão do Império Romano, os povos europeus começam a desenvolver suas próprias manifestações culturais, como língua, Música, Arquitetura e outras Artes. Como período artístico que sucedeu o do Império Romano, foi denominado de Românico, que marca o início da Idade Média, na Europa feudal.

No período do fim do Império Romano, a Europa estava arrasada após séculos de dominação romana e de ataques de povos bárbaros. As cidades, outrora grandes, se reduziram a feudos murados e pequenas vilas rurais. A única instituição que perdurou do período imperial foi a Igreja Católica Apostólica Romana, que dominava todo o Continente com seu poder religioso, e em muitas regiões com um poder quase temporal. Onde o poder temporal era exercido pelo senhor feudal, que dominava a classe social dos servos, o clero tinha a função de legitimar o poder da nobreza, garantir a autoridade das classes dominantes e justificar as relações feudais como necessárias e imutáveis.

Com sede em Roma, seus “tentáculos” nos demais países eram os Mosteiros e Conventos das ordens monásticas. Essas construções se destacavam por sua monumentalidade, onde predominava a horizontalidade, sólidas e pesadas paredes de pedra, com poucas aberturas para a entrada de luz natural. Tanto seu interior quanto exterior estavam quase ou nada dotados de ornamentos. Essa austeridade tinha a função social de pregar o desapego às coisas materiais, e a busca das coisas espirituais. (RAMALHO, 1992)

O surgimento do monasticismo, com sua rejeição ascética do mundo físico, confirmou a orientação transcendental no pensamento cristão até o ascetismo tornar-se o ideal da vida cristã. À medida que as comunidades monásticas emergiam como os centros de aprendizagem e fornecedores da cultura cristã, sua concepção do que era santo veio a ser comparado com o que era bonito e bom. Com o desenvolvimento do sacerdotalismo e do sacramentalismo, a participação congregacional na adoração foi minimizada, Deus foi distanciado da experiência direta dos adoradores. (STEFANI, 2002)

As poucas aberturas dessas construções direcionavam a luz para o altar, onde se encontrava o clero e os objetos litúrgicos, ficando a congregação na penumbra. Isso passava a ideia de santidade dos representantes de Deus aqui na Terra, e a condição de trevas espirituais da população leiga. O peso de sua massa construtiva ao mesmo tempo passava a sensação de opressão e de proteção, como que dizendo que é a Igreja que domina, mas diferentemente da dominação do senhor feudal, apenas ela pode salvar a alma.

As pessoas que entravam nas catedrais deixavam para trás sua vida de preocupações materiais e pareciam adentrar em um mundo diferente. Mas era um mundo misterioso, que inspirava temor, onde a esperança de salvação misturava-se ao medo da morte e do julgamento; e nas comunidades simples o foco principal estava no medo.

A teologia românica concentrava-se em Deus como uma figura de autoridade – soberano, ditador da lei e juiz. As criações estéticas derivadas dessa ideologia certamente inspiravam mistério, temor e reverência, e às vezes intimidação (STEFANI, 2002)

Nestas “fortalezas” sagradas os religiosos se refugiavam dos males deste mundo. Suas atividades diárias consistiam de orações, meditações, leituras da Bíblia (copiadas a mão por eles mesmos) e de cânticos. A fonte musical destes cânticos era os cânticos judaicos (Salmos) e a música grega, preservada pela Roma Antiga.

Inicialmente herdado da sinagoga judaica, o estilo de música sacra cristã primitiva foi conscientemente cultivado durante séculos sucessivos para refinar essas características próprias de uma orientação transcendente. Ambas músicas, da sinagoga judaica e a música cristã primitiva, exibiram o mesmo canto bíblico intencionalmente restrito, mas certos pontos secundários de diferença existiram, particularmente relativos à expressão do sentimento humano. Enquanto o canto judaico era um canto humano, imperfeito, o louvor cristão buscava aproximar-se da beleza pura e perfeita de um coro de anjos.

Após o Papa Gregório I ter unificado a liturgia do culto nas igrejas, no século VI, a música passou a ter uma grande importância nos ritos sacros, denominada de Canto Gregoriano. A música litúrgica foi o padrão para a cultura musical durante o período medieval. A música da Igreja claramente liderou a hierarquia musical aceitável na sociedade, determinando a direção do desenvolvimento artístico como um todo.

O tema e o objetivo da música de adoração cristã era permanecer sendo a glorificação de Deus e a edificação do homem. Seu foco era o Deus transcendente e a humanidade deveria ser ensinada sobre Ele e elevado ao Seu reino. A ênfase era a contemplação no lugar do envolvimento; o idealismo no lugar do realismo; a instrução no lugar do prazer. (STEFANI, 2002)

O Canto Gregoriano, como canto monódico unificado de uma Igreja que se responsabilizava por uma tal missão social, necessariamente deveria ser organizado de forma a favorecer a difusão dessa ideologia. O sistema modal, instituído para reger a organização melódica do Canto Gregoriano, deve ser entendido como um “princípio disciplinador”. Principalmente em se tratando das formas de recitação dos Salmos, nota-se, por exemplo, que um mesmo modelo de trajetória melódica freqüentemente servia de suporte para vários textos inteiramente diversos, bem como também era comum que um mesmo texto se sujeitasse a diversas formações melódicas distintas. (SCHURMANN, 1985)

Em sua estrutura melódica se destaca o uso de uma determinada altura sonora, uma nota dominante. Toda a trajetória da voz pela linha melódica parece estar vinculada a esta dominante, com a qual mantém uma relação de íntima dependência, impregnando-a de um caráter autoritário favorável ao desempenho social da Igreja.

O canto litúrgico era dividido em himnodias (cantos realizados sobre textos novos, cantados numa única linha melódica, sem acompanhamento de neumas, que indicam a movimentação melódica) e salmodias (canto de Salmos ou partes da Bíblia). A notação musical ainda não era precisa. Eram utilizados signos fonéticos acompanhados de sinais que indicavam a movimentação melódica. No âmbito da teoria musical, surgiram os oito modos eclesiásticos, inspirados nos modos gregos.

A melodia era dividida em três partes, sendo a primeira ascendente, a segunda permanente e a terceira descendente, com as mesmas notas que a primeira, formando uma estrutura simétrica, fazendo alusão aos versos da liturgia “Sicut erat in principio, et nunc, et semper, et im saecula saeculorum” (sempre foi, permanece e sempre será), que tanto se refere a uma característica Divina, quanto à ideologia de imutabilidade social do feudalismo; bem como imprimem à melodia e ao ouvinte as características de impessoalidade e de dependência de uma instância superior.

Para reforçar ainda mais essa ideia de permanência, era comum o uso de acompanhamento de um pequeno órgão de tubos ou de uma vièle de roda, que produzia um som único e contínuo, do início ao fim, além da predominância constante de uma nota cantada dominante, que com o eco se tornava mais contínua ainda.

São características desta natureza que sem dúvida eram relevantes para dotar a liturgia da austeridade pesada e opressora, também presente nas formas arquitetônicas do estilo românico. Todas as características da Arquitetura Românica estavam presentes na música desta época: a horizontalidade, gerada pela pouca diferença de altura entre a nota mais baixa e a mais alta da melodia; a falta de ornamentos, pela ausência de “voltas” em suas escalas; a já citada simetria; a unidade, pela estrutura harmônica em uníssono.

Além disso, suas pesadas e sólidas paredes de pedra, sua forma retangular com um comprimento da nave muito maior que sua altura, e um teto em forma côncava (abóbada), proporcionava um tempo de reverberação altíssimo, causando muito eco. Se a melodia e a harmonia fosse complexa, o som ficaria “embolado”. Com uma melodia simples e em uníssono, o eco acabava gerando uma “polifonia” e um “contracanto” natural, pela superposição das notas cantadas e do eco, criando um clima misterioso e místico.


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