História da Música

História da Música – Classicismo

por: Fábio Lindquist

O século XVIII é freqüentemente descrito como a Idade da Razão. À medida que os filósofos e cientistas começavam a desafiar os pressupostos tradicionais sobre a natureza da fé e da autoridade, era posto em questão o poder ilimitado da Igreja e da Monarquia. O seu espírito de investigação tinha raízes numa abordagem crítica que muito contribuiu para dar origem aos acontecimentos turbulentos que depressa iriam irromper no mundo ocidental. Em meados do século, no entanto, essas convulsões não passavam de nuvens distantes no horizonte.

O estilo prevalecente nas artes era o Rococó, que os arquitetos franceses introduziram a fim de suavizar a grandiosidade severa do Barroco. Suas marcas características eram a graciosidade, a frivolidade e o prazer sensual. O equivalente musical ao rococó foi o estilo galante, que estabeleceu-se com base semelhante de leveza e elegância, substituindo a escrita complexa da música barroca por melodias de grande fluência e sentimentalidade.

À medida que o século XVIII se aproximava do fim, verifica-se uma reação quer contra os exageros estilísticos do rococó quer contra a sociedade que os gerara. Este descontentamento era mais óbvio na França, onde se estabelecia as bases para a Revolução Francesa. Este movimento, o Iluminismo, pregava a substituição das superstições da religião pelas virtudes humanas da razão, da tolerância e da justiça. Na América, a Revolução Americana se formava. Os Estados Unidos declaram sua independência da Coroa Inglesa. A França, encorajada por este acontecimento, derruba a monarquia. Ambos países instauram a República.

Vários desenvolvimentos marcantes no mundo artístico constituíram um elo destes importantes acontecimentos. Nesta altura, o veículo das mudanças foi o classicismo. Em um determinado nível, “classicismo” diz respeito à influência das culturas da antiga Grécia e Roma. Este dado é mais evidente na arquitetura, onde há modelos a imitar. Num domínio como o da música, a alusão é menos clara. Aqui, “clássico” pode dizer respeito às qualidades que eram mais apreciadas pelos artistas do mundo antigo: clareza, simplicidade, moderação e equilíbrio. Em termos práticos, significava um afastamento da polifonia da música barroca e um maior interesse por uma melodia e harmonia sem adornos, numa abordagem mais intelectual e distante. (STANLEY, 1994)

O estímulo do revivalismo clássico proveio de duas fontes principais. Por uma lado, desenvolveu-se como uma reação ao espalhafato do barroco e do rococó. Ao mesmo tempo, tinha origem em novas descobertas arqueológicas surpreendentes. As maravilhas do mundo antigo haviam mantido a sua atração desde a Renascença. Uma visita às ruínas de Roma antiga continuavam a ser uma das paragens obrigatórias das viagens de qualquer jovem abastado.

Na arquitetura, as ordens clássicas se popularizam. A simetria, o rigor geométrico e a monumentalidade são novamente as premissas básicas para os edifícios. Frontões, cúpulas e pilares na fachada se tornam quase obrigatórios. O branco do mármore e a ausência quase total de adornos davam um aspecto sóbrio porem solene, dando um ar quase monolítico. Na esfera musical, estas tendências eram mais evidentes, no gosto crescente pela simplicidade e pela contenção. Para que a falta de adornos não comprometesse a expressividade, a orquestra se torna o grande veículo da música clássica.

Pela primeira vez na história da música, as formas instrumentais tomaram precedência sobre as formas vocais. O grande número de instrumentos, com predominância das cordas, vão dar o aspecto de massa coesa e monumental, presentes na arquitetura.

Na sociedade, a ascensão da burguesia teve conseqüências significativas para os músicos. Até então, fora vital para qualquer aspirante a compositor procurar uma nomeação real ou ligar-se a uma casa nobre. Em fins do século XVIII, já não se passava assim. Um compositor poderia também trabalhar como independente, tentando ganhar sua vida vendendo músicas sob encomenda, ou através de espetáculos públicos que, patrocinados por nobres ou burgueses, representavam fontes potenciais de rendimento para os compositores.

Essa diversidade das fontes ilustra até onde a música evoluíra. A maior parte das principais cidades podia orgulhar-se de ter pelo menos um recinto público para concertos, as salas de concertos. Isso indica uma mudança marcante na relação da música com a arquitetura. Até então a música era composta de maneira a explorar as características acústicas do ambiente, e torná-la condizente com os aspectos acústicos, plásticos e ideológicos do espaço, na maioria das vezes uma igreja. Com a secularização e popularização da música, grandes recintos são construídos para abrigar os concertos públicos. Além disso, com o crescente domínio da Acústica, cujos estudos se desenvolveram bastante no século anterior, tais recintos eram adequados a audição da música, num processo inverso ao vigente até então.

A publicação de música tornara-se uma indústria com bastante peso. As novas revistas que surgiam incluíam críticas aos últimos concertos, juntamente com conselhos úteis para o número crescente de músicos amadores que desejavam tocar em casa. Técnicas sofisticadas de fabrico tinha feito descer o preço da maior parte dos instrumentos musicais, fato que contribuiu para tornara-se moda adquirir um mínimo de dotes musicais como um complemento social indispensável.

Se até 1750 a música era criada principalmente para benefício da Igreja, da Nobreza e da Coroa, durante o período clássico passou a ser um prazer ao alcance de muitos outros grupos da sociedade. O período seguinte, o Romântico, proporcionaria música para o indivíduo. (STANLEY, 1994)


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