por: Paola Emilia Cicerone
Curioso destino, o do ruído: todos reagimos com aborrecimento, quando é excessivo, mas não o consideramos uma ameaça real para a nossa saúde. Ou, pelo menos, tendemos a minimizar os seus efeitos: todos sabemos que a exposição prolongada aos ruídos fortes, no local de trabalho ou numa discoteca, danifica o ouvido. Mas não pensamos que o ruído de fundo que nos acompanha quando trabalhamos num ambiente superlotado ou vivemos em lugares barulhentos pode traduzir-se em ansiedade, stress, insônia e até em patologias cardiovasculares. Na verdade, nós mesmos acabamos por contribuir para o problema, por exemplo, levantando a voz para nos fazermos ouvir ou aumentando o volume da rádio para “cobrir” os barulhos aborrecidos.
Barulho e Enfarte
No entanto, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), anualmente morrem 210 mil pessoas devido a enfarte (ou AVC) provocados pelo ruído, e um número ainda maior sofre de outros distúrbios ligados a esse fenômeno. “O problema nasce da dificuldade de quantificar os danos da poluição sonora, menos evidentes do que os provocados, por exemplo, pela poluição atmosférica. Muitas pessoas, pelo menos por momentos, percebem só uma sensação de aborrecimento ou nervosismo. Hoje, há estudos documentados que mostram os efeitos a longo prazo do barulho sobre o aparelho cardiovascular ou sobre o sistema nervoso”, explica o engenheiro Salvatore Curcuruto, responsável de uma agência italiana que se dedica à tutela ambiental e que coordena os organismos regionais de proteção ambiental, além de fornecer estudos e orientações nessa matéria aos legisladores.
Na realidade, embora a legislação contra o barulho seja cada vez mais eficaz, e as leis cada vez mais específicas, a situação está cada vez pior, “porque as fontes de barulho estão aumentando”, salienta Curcuruto, “e também porque se dá pouca atenção a esse assunto, a nível público: por exemplo, não se consegue obrigar as estações de televisão a limitarem o volume da publicidade, ainda que a normativa o preveja expressamente e tenha havido várias denúncias e pedidos”.
Em resumo, o problema do barulho é subvalorizado pelas instituições e pelos cidadãos. “Mas há estudos sólidos que indicam como o ruído representa um dano efetivo para a nossa saúde”, explica Ludovica Malaguti, do Instituto Superior de Saúde (Itália), “embora tendamos a minimizar a gravidade do problema”. Um pouco porque as normativas na matéria são de difícil aplicação, o ruído, pela sua própria natureza, escapa aos controles, não deixa vestígios materiais como a poluição atmosférica e implica uma vigilância constante. “A isto junta-se o fato de termos perdido o hábito cultural do silêncio: hoje vivemos imersos em sons, há música por todo o lado, mesmo no metrô ou nos estabelecimentos”, observa Malaguti.
Ouvido em Queda Livre
Segundo a União Européia, 1,8% das crianças e adolescentes entre os 7 e os 19 anos sofreu danos auditivos por causa de fones de ouvido, ipods e outros dispositivos. Hoje, realmente, tendemos a substituir um barulho por outro, e a usar esses aparelhos, por vezes com volumes sonoros bastante altos, para nos protegermos dos sons exteriores. Sem ter em conta as consequências.
Um estudo pedido pela American Speech-Language-Hearing Association, mostra que o nível de perda da audição da nova geração é muito mais disseminada e grave em comparação com a das gerações anteriores. Existe um risco para o ouvido, na verdade, uma vez que numerosos aparelhos têm uma capacidade sonora entre os 91 e os 121 decibéis, que, com os fones de ouvido, aumenta até aos 139, semelhante ao barulho de um avião a jato decolando.
Uma pesquisa feita pela Universidade de Boston mostra que, entre as pessoas que ouvem música num leitor mp3, mais de um quarto tem o volume a um nível muito superior ao limite recomendado. “É preciso ter em conta que ouvir música com fones de ouvido é um modo de ouvir especial”, explica Malaguti. “Há estudos que mostram como, neste caso, as células ciliadas da cóclea na orelha podem ser danificadas mesmo abaixo de 80 decibéis, que são o limite da atenção reconhecida.
Tanto assim é que as novas normativas têm em conta esses novos limites.” Enquanto esperamos leis mais severas, pode ser útil seguir as recomendações dos especialistas: baixar sempre o volume, mesmo quando os barulhos de fundo não permitem uma audição ótima; usar os fones de ouvido só durante breves períodos de tempo; preferir os fones de ouvido tradicionais e consultar imediatamente um especialista em caso de sintomas claros de diminuição da capacidade auditiva.
Sempre Alerta
O resultado é que vivemos num permanente estado de stress. O nosso organismo está feito para reagir ao barulho em todas as circunstâncias, mesmo durante o sono, ficando num estado de alerta: um comportamento perfeitamente lógico para os nossos antepassados, nos tempos em que um barulho súbito representava invariavelmente uma ameaça que exigia defesa. O problema é que hoje, esse mecanismo permanece inalterado, e se, racionalmente sabemos interpretar os diversos barulhos que nos rodeiam – o tubo de escape de um carro, um estouro que ocorre abruptamente, o barulho de ferros feito por um bonde – o nosso organismo continua a reagir, através da amígdala, a área do nosso cérebro destinada à análise dos sinais externos. “O barulho é a resposta de alarme a um estímulo contínuo ou súbito que põe em alerta o aparelho neurovegetativo”, explica Malaguti.
É precisamente essa ativação permanente que danifica a nossa saúde, como acontece quando se puxa constantemente uma corda, correndo o risco de a rebentar. E são, sobretudo, o sistema nervoso e o aparelho cardiovascular que suportam as consequências disso. O stress provocado pelo ruído, na realidade, provoca um aumento dos batimentos cardíacos e da pressão sanguínea, que podem abrir a porta ao enfarte. Mas a produção excessiva dos hormônios do stress, especialmente o cortisol, atua também sobre o sistema nervoso. “Em geral, quem trabalha em público está particularmente exposto ao barulho, tem dificuldade em concentrar-se e tende a levantar a voz para se fazer ouvir”, explica Curcuruto, “sem contar com a sensação generalizada de mal-estar, o cansaço gerado pela necessidade de distinguir os sons ‘úteis’ – o som do nosso telefone ou a voz das crianças – na confusão sonora geral”.
“A reação mais difusa”, explica Malaguti, “é o chamado aborrecimento, um estado generalizado de mal-estar difícil de enquadrar, que, inicialmente, gera irritabilidade e dificuldade de concentração, mas que, com o passar do tempo, pode gerar distúrbios mais definidos, como a insônia e a ansiedade, assim como frustração e uma sensação de impotência no confronto com estes elementos de perturbação que sentimos que nos esmagam”. E com razão, visto que acabamos por viver num ambiente sonoro muito mais barulhento do que aquele que seria interessante para a nossa saúde.
Segundo a OMS, há milhões de pessoas vivendo acima do limiar de segurança aceitável para o barulho – fixado em 65 decibéis, durante o dia, e 55 à noite -, por culpa, sobretudo, do tráfego das cidades. Na verdade, os limiares aceitáveis para se poder contar com um certo bem-estar são inferiores: a lei portuguesa fixa em 55 decibéis o limiar aceitável de barulho para a noite, e, no caso de algumas zonas protegidas, como escolas ou hospitais, a lei prevê limites ainda menores, 45 decibéis para a noite e 55 para o dia. “De fato, para um trabalho que exige concentração, seria bom não ter um ruído de fundo superior a 40 dB, menos do que uma conversa”, explica Malaguti. Basta isso para compreender que a maior parte dos sons que nos rodeiam são, definitivamente, mais intensos. “Depois, é preciso ter em conta”, explica Curcuruto, “que o decibel não é uma medida linear: uma variação de apenas três decibéis implica uma duplicação da energia que nos atinge”. E são cada vez mais numerosos os estudos que dão testemunho dos seus efeitos.
Segundo um artigo publicado no European Journal of Cardiology, a exposição crônica ao barulho aumenta o risco de enfarte. Um inquérito realizado em Itália, na zona do aeroporto de Malpensa, mostra que as donas de casa que residem naquela área – onde o ambiente sonoro gira à volta dos 60/64 decibéis – apresentavam um número alarmante de casos de ansiedade e de insônia, assim como outros problemas como cefaléias ou alergias, que parecem indicar um estado geral de doença. E um estudo realizado pelo Instituto de Medicina do Trabalho, de Trieste, mostra que as farmácias que operam em quarteirões onde o nível sonoro noturno está entre os 55 e os 75 decibéis vendem uma quantidade dupla, por vezes tripla, de soníferos, em comparação com a média.
Nos Ouvidos das Crianças
As nossas crianças crescem envoltas em ruído. E as consequências estão à vista. Sobretudo na escola. Já em 2001, um estudo feito na Alemanha mostrava como um ambiente noturno barulhento altera os ritmos diários de produção de cortisol que, em condições normais, nos garante eficácia matutina para depois diminuir gradualmente até à noite, com os consequentes distúrbios de concentração, mas também com efeitos sobre o sistema imunitário. E as escolas, que deveriam poder contar com uma proteção especial contra o barulho, acabam por ser ambientes claramente barulhentos, onde a gritaria dos alunos se aproxima do ruído exterior, com inevitáveis distúrbios para os estudantes, mas também para os professores. “Os mais vulneráveis são as crianças em idade evolutiva, nas quais o barulho pode criar sérias dificuldades de aprendizagem”, explica Malaguti.
Um estudo realizado em 2005, com mais de 3 mil crianças em várias cidades européias, mostra que um aumento de 5 decibéis atrasa em dois meses a aprendizagem da leitura. E em casa as coisas não são melhores: um estudo realizado pela University College de Londres sobre as emissões sonoras de alguns dos brinquedos mais populares mostra que muitos deles chegam a tocar o limiar do perigo, fixado em 85 dB, e por vezes ultrapassam-no. E isto tendo em conta que sejam mantidos a uma distância adequada, ou seja, cerca de 25 cm, enquanto que os próprios jogos se transformam num perigo real, se forem colocados perto do ouvido. A nuvem negra toca os jogos eletrônicos, especialmente as armas de brinquedo.
Um conselho? Evitar os jogos mais barulhentos ou, pelo menos, limitar o seu uso. E, sobretudo, habituar as crianças a redescobrirem o silêncio, e a apreciarem os sons da Natureza.
Quinta Preocupação
De forma mais geral, um inquérito realizado em 1996 mostra que a maior parte dos europeus considera o barulho como a quinta principal causa de preocupação, precedida, sobretudo, por alguns fatores interligados, como a poluição e o trânsito. “Segundo algumas estatísticas realizadas em centros urbanos, a perturbação mais associada ao barulho é a insônia: isto ajuda a compreender até que ponto piorou a qualidade de vida”, observa Malaguti.
No entanto, as normativas européias, prevêem uma classificação acústica do território”, salienta Curcuruto – que deveria servir para fazer crescer as cidades com base em planos de referência ótimos, que devem ser tidos em conta também nos planos reguladores, por exemplo, para respeitar áreas destinadas a escolas ou hospitais.
Também existem indicações precisas para os ambientes de trabalho, que especificam o máximo de emissão sonora permitida nos diversos aparelhos e máquinas, “e até os aparelhos que adquirimos para casa, como os eletrodomésticos”, explica Curcuruto, “têm hoje a obrigação de indicar o nível de ruído entre as características técnicas. O mesmo é válido para os automóveis, que devem respeitar regras mais severas do que as que estavam em vigor há alguns anos apenas”.
Isso não impede que o barulho esteja presente em ambientes insuspeitos, como algumas zonas hospitalares, onde são os próprios aparelhos médicos que comprometem a tranquilidade dos doentes e dos médicos. Um estudo publicado no American Journal of Emergency Medicine mostra que nas unidades de cuidados intensivos o ruído ultrapassa os 55 decibéis, com prováveis efeitos não só sobre o mal-estar dos pacientes mas também sobre a capacidade de concentração dos técnicos. Sabemos, na verdade, que o barulho excessivo altera a capacidade de concentração; basta pensar no velho problema do barulho causado pelas discotecas: além de danificar as capacidades auditivas, sabemos que a exposição prolongada a música em alto volume altera as capacidades perceptivas, e acaba por ser uma causa entre outras dos incidentes que se verificam à saída das discotecas.
Em resumo, parece que hoje o silêncio é um bem a redescobrir: “toleramo-lo, quase com aborrecimento, mas seria importante redescobrirmos o seu valor”, conclui Malaguti, “e, sobretudo, não deixar arrefecer e esquecer este assunto”.
Fonte: http://www.saudelar.com