A Audição

Tocadores de MP3 Já São Risco à Audição

por: Alexandre Gonçalves

O hábito cada vez mais comum, principalmente entre jovens, de ouvir música em tocadores de MP3 e celulares com o uso de fones de ouvido por longos períodos e volume alto já causa reflexos em consultórios e clínicas médicas: casos freqüentes de pacientes com problemas de audição. Apesar de pequenos, alguns desses aparelhos são capazes de produzir um volume máximo equivalente ao de uma britadeira, algo em torno de 120 decibéis (dB). A legislação brasileira, por exemplo, permite que um operário permaneça só sete minutos por dia exposto, sem proteção auricular, a sons acima de 115 decibéis.

Um dos primeiros sinais de problemas de audição é o aparecimento do “zumbido”, ou seja, um ruído contínuo que parece um chiado. Imagine, por exemplo, uma emissora de televisão fora do ar. O problema pode ser agravado pelos barulhos do dia-a-dia, como trânsito intenso, construção civil e até mesmo músicas com volume alto em festas.

Esse crescimento de jovens que buscam atendimento já se reflete em números no Grupo de Apoio a Pessoas com Zumbido, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Nos últimos cinco anos, houve um aumento de 20% no número de jovens com menos de 20 anos atendidos pelo serviço.

“No início do nosso trabalho nenhum jovem procurava o ambulatório”, afirma Tanit Sanchez, livre-docente da USP e responsável pelo serviço. Atualmente, 311 pessoas estão cadastradas no ambulatório com problemas causados por exposição a ruído. Dessas, 18 são adolescentes.

A pesquisadora ressalva que não é possível dizer quanto desse aumento pode ser atribuído aos tocadores de MP3 e dispositivos similares. Mas afirma que lugares barulhentos, como shows e festas, podem contribuir. Segundo Tanit, a exposição contínua a sons intensos é responsável pelo zumbido em cerca de 35% das pessoas que procuram o ambulatório.

Capacidade

Testes feitos em walkmans e tocadores de MP3 mostraram que todos são capazes de reproduzir música acima dos 100 decibéis, segundo estudo da Associação Americana de Fala, Linguagem e Audição (Asha, na sigla em inglês), realizado em 2006.

Iêda Russo, fonoaudióloga e professora da PUC-SP e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, afirma que a exposição prolongada a um som com intensidade superior a 90 decibéis pode prejudicar a audição. Trabalhando há 35 anos na área, ela diz que houve uma mudança significativa na saúde auditiva dos jovens na última década.

Segundo a fonoaudióloga, a exposição dos adolescentes a sons e ruídos cada vez mais intensos e por períodos prolongados levou a uma redução da sensibilidade auditiva. Ou seja, antes, não era raro encontrar um universitário que, em um exame, era capaz de perceber sons abaixo do limiar médio de audição do ser humano (0 decibel). O vento nas folhas, por exemplo, tem 10 decibéis. Atualmente, na média, os jovens começam a detectar nos testes sons acima de 10 ou 20 decibéis. Embora 20 decibéis seja um valor aceitável, a fonoaudióloga considera significativa a redução da acuidade auditiva.

“Sei que música alta pode fazer mal para os ouvidos, mas às vezes gosto de ouvir com volume elevado”, diz Thiago Murakame, de 15 anos, que usa o fone de ouvido até quando está em casa. Já Daniela Mincis, de 15 anos, diz que programa um horário para seu tocador de MP3 desligar sozinho porque tem o hábito de dormir ouvindo música.

Prevenção

Iêda deixa claro que não é contra a utilização desses aparelhos, mas afirma que é preciso ensinar os jovens a tomar cuidado. A fonoaudióloga lembra que a audição não serve só para comunicação: também é importante para apreender o que acontece fora do campo de visão. “Ter um dos ouvidos disponíveis para o ambiente previne acidentes”, diz ela, ao comentar o costume de alguns jovens de deixar um dos fones fora do ouvido.

Iêda sugere que adolescentes ouçam música na metade do volume dos aparelhos – de modo que os amigos ao redor não possam escutar o som. Eleita este ano para a presidência da Sociedade Internacional de Audiologia, ela pretende sugerir aos fabricantes de tocadores de MP3 que diminuam o volume máximo dos aparelhos. Tanit concorda: “Eles não precisam alcançar 120 decibéis.”

A ideia de Iêda será proposta no próximo congresso da sociedade, em 2009. Ela conta com o apoio de outros diretores da instituição. “Há grupos de pesquisa na Alemanha e no Canadá preocupados com o impacto”, aponta.

O projeto teve precedente. Influenciada pela pesquisa da Asha, a Apple lançou em 2007 um software para que seus clientes pudessem regular o volume máximo do iPod. Renata Mello, de 15 anos, gosta de música alta, mas, consciente dos riscos, usa o recurso no seu aparelho.

Iêda não ignora que muitos tocadores são produzidos em países onde não há controle de qualidade. “Por isso, nada substitui a conscientização dos jovens.”


Fonte: Jornal O Estado de São Paulo, edição de 03/08/2008, p. A24 – disponível aqui

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