Estudos Bíblicos: Adoração

Estudos Bíblicos: Adoração – Lição 12 – Adoração na Igreja Primitiva

Comentários da Casa Publicadora Brasileira

por: Ruben Aguilar

O motorista, quando aciona a chave para ligar o motor do seu veículo, manifesta duas atitudes conscientes para concretizar a atividade desejada: conhecimento e confiança. Tal motorista sabe que a máquina que pretende usar foi fabricada para efetuar o transporte de pessoas; e ao mesmo tempo acredita que aquela complexa máquina funcionará com eficácia. De maneira geral, toda atividade, seja na área tecnológica ou científica, para ser realizada, requer essas duas expressões da pessoa humana.

Os eventos passados que fazem parte da História, geral ou biográfica, igualmente precisam do conhecimento de certas evidências e uma dose de confiança ou fé, para ser aceitos como acontecimentos reais. Os documentos que registram determinado evento produzem, ao mesmo tempo, um vazio amplo de detalhes não relatados. O maior número de documentos, contrariamente ao esperado, amplia o espaço de detalhes ignorados. Em geral, o vazio de detalhes é preenchido pela fé, depositada no próprio registro documentário ou nos resultados de experiências semelhantes.

Existe uma tendência de considerar como evento real só o que pode ser documentado, a despeito de opiniões pessoais, referidas sobre o caso. Essa tendência atenta negativamente contra o parecer ou registro de quem processa a narrativa histórica. Um exemplo extensivo dessa tendência é a relativa à vida de Jesus. Pessoas que propagam essa forma de interpretar a historicidade de Jesus aceitam unicamente o que pode ter acontecido com o Mestre galileu, seguindo os padrões de vida e comportamento de um ser humano comum da Sua época. Obviamente, negam os fatos portentosos realizados por Jesus, como: a multiplicação dos pães, a cura dos paralíticos, a visão devolvida aos cegos, a ressurreição de Lázaro, Sua própria ressurreição, etc. Esse procedimento é uma forma extremada de analisar e relatar o tema do Cristo histórico.

É imprescindível manifestar fé nos detalhes que documentos históricos não relatam. Em relação à vida de Jesus, negar os escritos evangélicos seria uma alienação das fontes históricas primárias. A morte de Jesus causou consternação e intensa frustração na mente dos Seus discípulos. Tão intenso foi esse sentimento que eles tiveram dúvidas sobre a Sua ressurreição. Mas Jesus deu “muitas provas”, “convincentes”, sobre esse fato, a tal ponto que Seus seguidores empreenderam a grande missão de difundir essa verdade. Naquele tempo, muitos acreditaram na ressurreição de Jesus, e com fé profunda, colocaram a vida no crisol do sacrifício cruento, como adoração ao Deus feito carne.

A Pregação da Palavra

O grupo de discípulos constituído por Jesus empreendeu uma atividade de obediência e dedicação à missão aceita. A adoração expressa, não mais seria nos átrios do Templo de solo anfractuoso; nem durante a cerimônia do cordeiro imolado cujo sangue escorrendo tingia o altar e as mãos do executor. A adoração passou a ser realizada sob a égide divina: “em espírito e em verdade”, devia ser efetivada na esfera do serviço; pois a verdadeira adoração deve ser tributada ao único Deus verdadeiro e, só a Ele se deve servir.

No período apostólico, o serviço executado como forma de adoração foi realizado por meio do dom da pregação. Alguns movimentos político sociais contribuíram para que a pregação do evangelho redentor alcançasse lugares extremos do centro de difusão do cristianismo. Entre esses fatos pode-se mencionar a “diáspora” ou dispersão dos judeus, por imposição do poder romano, das cidades da Palestina, como forma de evitar conglomerações que derivassem em rebelião. Muitos judeus convertidos ao cristianismo, que foram vítimas dessa decisão política, chegaram a terras estranhas e longínquas e adoravam a Deus mediante a pregação do evangelho. Outro fato a ser mencionado e que contribuiu com a pregação apostólica foi o derramamento do Espírito Santo no meio dos eventos comemorativos da festa do Pentecostes. Centenas e milhares de pessoas de distintas nacionalidades e línguas, “vindos de todas as nações debaixo do céu” (Atos 2:5) visitavam Jerusalém e outras cidades da Palestina. O poder divino se manifestou na ocasião, permitindo que cada pessoa ouvisse a pregação do evangelho na sua língua materna (Atos 2:8) e, como resultado inicial desse ato prodigioso, três mil pessoas aceitaram a nova mensagem.

Os métodos utilizados para executar a magna tarefa, foram: kerygma, “proclamação”e didaké, “ensino”; os mesmos que os seguidores de Cristo praticaram ao longo dos séculos. O significado dos termos permite ter uma ideia da forma de trabalho executado. A proclamação da mensagem evangélica era efetuada em lugares em que a concentração de pessoas era permitida, em espaço aberto como no discurso do apóstolo Pedro, durante os dias de Pentecostes, e no pórtico do Templo, como aconteceu alguns dias após o primeiro evento. O didaquéou ensino, era uma interlocução entre uma pessoa que precisava ser instruída no conteúdo da mensagem e o instrutor, como foi o caso do encontro de Filipe com o oficial da Etiópia, na estrada para Gaza.

O tema das pregações era: o estabelecimento do Reino de Deus em suas duas fases: a primeira, o reino da graça, e a segunda, o reino da glória. O reino da graça constitui o agrupamento de pessoas que, mediante arrependimento e fé, aceitam seguir a doutrina de Cristo (Atos 2:38). Vivem neste mundo; mas, não pertencem ao mundo. O reino da glória compreende o conjunto de pessoas de todas as épocas, conformando uma grande multidão que, permanecendo fiel e leal a Deus, receberá finalmente a recompensa da vida eterna, nas mansões celestiais.

Paulo no Areópago

Na cidade de Atenas, nos tempos da Grécia antiga, duas colinas se destacavam como lugares de concentração popular. A mais importante era a Acrópole, onde foram erigidas várias suntuosas edificações, entre elas: o Partenon e o Teatro de Dionicius. Um pouco mais ao norte dessa elevação, estava localizada a colina denominada Areópago. O significado desse nome não é claro, mas muitos consideram que nele está uma referência ao deus Ares, “senhor da guerra”, Marte para os latinos. A alusão ao deus da guerra, exposta no vocábulo Areópago, é de tal transcendência que motiva a aceitação etimológica desse nome com o significado de “colina de Marte”.

O Areópago era um lugar amplo, que servia como foro de pensadores. Ali eles expunham suas ideias ao debate popular. Essa colina abrigava poucas edificações; entre elas, possivelmente o prédio da autoridade comunal, onde se reunia o concílio da cidade. Outro edifício público era o palácio da corte, onde se realizavam reuniões de juristas e também onde os membros do tribunal de justiça procediam ao julgamento de acusados. Na época de Paulo, o espaço aberto no cume da colina, era frequentado por pessoas versadas nas bases filosóficas do pensamento grego, principalmente os seguidores do epicurismo e estoicismo. Sentados nos bancos de pedra, muitos aguardavam a exibição de um expositor do pensamento filosófico que pudesse entretê-los com suas elucubrações, para logo iniciar um debate. Foi ali que Paulo apresentou a mensagem do evangelho de Cristo.

Paulo, convertido ao cristianismo, ostentava uma personalidade bem alicerçada no conhecimento cultural da época. Judeu de elevado intelecto, ele mesmo destaca o privilégio de ter sido instruído aos “pés de Gamaliel” (Atos 22:3), o mais famoso e respeitado rabino fariseu desse período. Pelo conteúdo de suas epístolas se deduz que ele também conhecia os costumes populares prevalecentes na época, como: lutas, corridas, jogos atléticos, coroas, etc., que serviam de base ilustrativa, nas suas mensagens, aplicadas à experiência cristã. Paulo teve a oportunidade de demonstrar seu conhecimento da filosofia grega quando, ocupando o estrado pétreo do Areópago, reservado aos expositores das especulações filosóficas, ele sentiu que sua presença atraiu em forma concêntrica, os olhares curiosos dos muitos espectadores reunidos na ocasião.

Os interlocutores de Paulo eram pessoas versadas nas correntes filosóficas mais populares da época como o epicurismo e o estoicismo. O relato bíblico identifica alguns desses letrados, com o epíteto de “filósofos” (Atos 17:18). Epicuro e seus seguidores desejavam “salvar” a humanidade da escuridão religiosa e promoviam a exclusão dos deuses para desfrutar uma vida de bondade e prazer. Acreditavam na existência de deuses feitos de átomos de matéria refinada, mas que não interferem na natureza. O estoicismo, por seu lado, na época de Paulo, gozava de maior popularidade do que as irradiações luminosas do pensamento de Platão e Aristóteles juntos. Os estoicos acreditavam na existência de um deus imanente do Universo; uma força que determina o modo de ser das coisas pelo qual recebia o nome de Logos Spermatikos. Era também identificado como pneuma, “respiração”. Essa qualidade fazia que estivesse presente em todas as coisas e até nos eventos.

Para o apóstolo Paulo, revelar os atributos do Deus verdadeiro e dissertar sobre o ministério redentor de Cristo, era um ato de extrema contrição; uma atitude de concentração profunda e de consumada adoração, onde a natureza humana é sufocada pela divina, que o fez exclamar: “vivo não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2:20). A pregação consciente e responsável é um ato de adoração.

Entre seus argumentos, Paulo destaca a versão desconhecida dos seguidores de Epicuro, referente à natureza divina. Fez alusão ao “deus desconhecido” cujos atributos pairam como a névoa sobre a superfície externa das cabeças, sem penetrar na profundidade da massa cerebral dos pensadores dessa linha filosófica. Mais adiante, no seu discurso, Paulo atraiu a atenção dos seguidores do estoicismo fazendo referência à afirmação de Aratus de Cicília, na sua obra Phaenomena: “pois nele vivemos e nos movemos, e existimos”, declarando a origem dessa premissa, com a afirmação: “como alguns dos vossos poetas têm dito” (Atos 17:28). Assim, o apóstolo, com franco sentimento de adoração, apresentou o Deus verdadeiro e a graça redentora de Cristo a um auditório cujo intelecto era eminentemente racional.

Adoração Contrária à Lei

A pregação da Palavra de Deus é um ato de adoração. Porém, essa forma de adoração pode não ser efetivamente positiva, e até se tornar negativa e atingir o limite da blasfêmia, quando não reproduz a vontade divina, mesmo que a intencionalidade da mensagem seja de serviço. Um dos princípios fundamentais da pregação como forma de adoração é a sua plena concordância com as asseverações bíblicas. Interpretar corretamente os ensinamentos bíblicos, as sentenças que refletem os atributos divinos, as figuras da visão profética, as metáforas e simbolismos do padrão didático de cada prescrição, as regras e orientações legais que conduzem as atitudes do crente, os padrões ritualísticos das cerimônias festivas, tudo isso deve ser bem entendido para não desfigurar nem tergiversar a verdade revelada.

O povo de Israel teve o privilégio que nenhum outro grupo étnico desfrutou; o de estabelecer uma religião com base na revelação divina. As outras nações criaram e estabeleceram formas religiosas estimuladas só pela expressão sentimental e logo racional dos precursores, carentes da iluminação da fonte sagrada. Mas o maior privilégio que Israel ostentou foi de ter sido a nação em cujo seio foi gestada, de maneira miraculosa, a encarnação do Filho de Deus. Cristo, Deus entre os homens, principalmente entre os judeus da Palestina era a maior revelação que o Ser divino poderia oferecer ao mundo. Ele veio para os Seus, mas os Seus não O receberam (João 1:11).

Os judeus não adoraram Jesus, nem através do seu simples reconhecimento como o Messias, nem mediante a obediência às Suas prescrições. Eles possuíam cópias dos livros sagrados entremeados com relatos não inspirados, de tradições originadas nos costumes dos antepassados, de interpretações sem concordância com o texto original, e de sentenças sociofilosóficas, que resultaram na versão denominada Talmude. São muitas as referências que o escritor evangelístico menciona sobre as circunstâncias em que Jesus fora rejeitado, ameaçado e escarnecido pelos judeus, motivados pela exaltada autoridade que eles atribuíam às tradições em prejuízo da luminosidade irradiada na originalidade da cópia sagrada.

Após o martírio de Cristo, a igreja por Ele fundada foi integrada, na sua maioria, por judeus conversos acostumados aos rituais e tradições dos seus antepassados. Eles aceitaram o cristianismo como a realidade messiânica que dá prosseguimento ao judaísmo, sem eliminar alguns ritos inerentes à prática religiosa. A convicção predominante da nova fé cristã era: a Lei e Cristo. Esse conceito, inicialmente sem consequências de ordem moral, ergueu-se com protuberância no estreito caminho em que o cristianismo começava a transitar, quando a pregação alcançou conversos de outras nacionalidades. Esses novos membros da igreja eram alheios aos ritos judaicos, e foram atraídos ao cristianismo pela pregação de Paulo, que exaltava a missão e sacrifício redentor de Cristo, como cumprimento das leis cerimoniais estabelecidas para o serviço no santuário. Por causa da novidade exposta por Paulo na sua pregação, ele foi acusado pelos cristãos judeus como praticante de uma forma errada de adoração, “contrária à lei” (Atos 18:13).

Elucidar sobre qual das duas mensagens era a real expressão de adoração da Igreja de Cristo, foi uma necessidade que levou os líderes apostólicos a celebrar o Concílio de Jerusalém. Nessa ocasião deliberou-se que os ritos judaicos são prescindíveis para seguir a fé cristã. Cristo veio cumprir a Lei da Aliança. Antes de exigir dos gentios, a submissão a essa forma desviada de interpretação do ritualismo veterotestamentário, a mensagem viva, que transcende o aroma da adoração, deve conter a essência do amor.

A pregação é uma forma de adoração autêntica, quando interpreta corretamente a revelação divina, transcrita na Bíblia Sagrada.

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