por: Joêzer Mendonça
O neopentecostalismo surge num momento em que as fronteiras entre sagrado e secular estão cada vez mais diluídas. No esforço eclesiástico de dar sentido ao conteúdo bíblico para as novas gerações, os tradicionais limites que separavam a igreja de um modelo cultural secular foram progressivamente apagados, levando a um processo de nivelamento entre o sagrado e o secular.
As igrejas cristãs contemporâneas demonstram uma enorme tendência a sacralizar o profano, expressadas em eventos como o “Carnaval de Jesus”, a “balada gospel” ou a rave gospel. O sociólogo da PUC-Campinas, Luiz Roberto Benedetti, entende que essa postura das igrejas revela que “há, aqui, mais do que transposição, um nivelamento entre sagrado e profano” (As Religiões no Brasil, p. 132).
Vemos as igrejas atuais cada vez mais afeitas à mimetização de eventos seculares do que ao trabalho de reforma espiritual da sociedade. As cidades recebem apenas o impacto de multidões movendo-se de um logradouro público a outro, de uma inauguração de igreja a outra, de um show a outro show. Os evangélicos vão se dividindo entre entusiasmados e envergonhados, como se notou na reação à presença de artistas/ministros gospel com público de verão e dançarinas de biquíni no palco do programa Caldeirão do Huck.
Levados à igreja supostamente pela música, os novos conversos são deixados à margem do estudo da Bíblia e sobrevivem espiritualmente pela graça de Deus e pelo poder dos chavões de cura, unção e prosperidade.
No entanto, vejo que, apesar da sinceridade que possa existir, alguns músicos intitulados levitas têm borrado perigosamente a fronteira entre sagrado e profano.Veja o que diz a letra de “Ofertório”, de Adriano Gospel Funk:
Tem ofertante dizimista aqui? / Se tem, dá um grito
Tem mão de onça? / Se tem, vai ser queimado agora
Mano para de “caô” e deixa de ser enrolão
Se você não é dizimista “pode crer” tu é ladrão
A canção “Ofertório” apresenta características ligadas ao funk carioca (o “batidão”), como descontração, linguagem coloquial, tratamento irreverente de temas mais sérios e estrutura rítmica dançante. Em contraste com a seriedade e a solenidade que marcam as composições feitas para o tradicional recolhimento de dízimos e ofertas nas igrejas protestantes históricas, essa canção denota uma ambiguidade que apaga a seriedade da mensagem, já que seu teor humorístico confunde os limites tradicionais entre sacro e secular a ponto de não ser possível definir imediatamente se a canção pretende incentivar ou satirizar a doutrina.
No mesmo espírito, o hit “Créu” foi adaptada para “Céu”. É como se batizassem a canção original e agora ela fosse capaz de emitir significados altamente espirituais e cristãos. Mesmo quem não pertence oficialmente a uma igreja, não se constrange e faz uma paródia gospel de sucessos seculares. Vamos culpar os satiristas? Quem começou com isso foram os próprios evangélicos!
O hit do momento “Ai, se eu te pego” tem agora uma versão gospel: “Deus, eu te quero”. E há quem creia que não importa como a mensagem seja pregada, o importante é pregar a mensagem! Sem mais.
Fonte: Nota na Pauta/