A Forma da Adoração

A Música na Igreja

por: Parcival Módolo

“… Às margens dos rios de Babilônia nós nos assentávamos e chorávamos, lembrando-nos de Sião. Nos salgueiros que lá havia pendurávamos as nossas harpas, pois aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções, e os nossos opressores, que fôssemos alegres, dizendo: Entoai-nos algum dos cânticos de Sião. Como, porém, haveríamos de entoar o canto do Senhor em terra estranha?”

Temos grande prazer em falar sobre este tão importante assunto e queremos deixar claro, de início, que as nossas considerações não são, de modo algum, dogmáticas. Pelo contrário, poderemos conversar sobre elas com toda a liberdade dentro do prumo da Palavra de Deus. Assim, trataremos juntos deste tema que vem ocupando, cada vez mais, espaço na Igreja. Sem dúvida, esse é um assunto delicado e difícil, mas cujo debate não pode ser adiado. Tem sido dito que a música vem se tornando um problema nas Igrejas evangélicas da atualidade. Não concordamos inteiramente com isso. Estamos convencidos de que seria mais correto dizer que a música reflete um problema já existente na Igreja. Ela simplesmente é, quem sabe, a parte mais notada e audível do problema.

Estudando a história do Salmo 137, esse bonito e triste hino cantado pelo povo de Israel no cativeiro da Babilônia, lembramo-nos de uma frase proferida pela cantora Elis Regina, alguns meses antes da sua morte. Ela disse em uma entrevista: “sou como o Assum-preto que tem que cantar mais e mais quando lhe furam os olhos”. A frase nos deixou intrigados e procuramos saber o seu significado. Descobrimos que o Assum-preto é um pássaro criado em gaiola, por aqueles que gostam de pássaros cativos, cujo canto é muito bonito e constante. Apesar disso, descobriu-se um modo de fazer com que esse pássaro cante ainda mais. Eles furam os olhos dele e, assim, na triste escuridão de sua vida, ao invés de se calar, ele canta ainda mais. Isso serve de enlevo para os que o mantêm na gaiola. Essa triste história trouxe-nos à lembrança a narrativa do que antecedeu o cântico do Salmo 137.

No ano 587 a.C., Zedequias reinava em Judá. Seu reino foi atacado por Nabucodonosor; e Jerusalém, a capital de Judá, foi cercada pelo exército inimigo, tornando-se impossível entrar ou sair da cidade. Em virtude disso, mais cedo ou mais tarde a rendição teria que acontecer, como de fato aconteceu. Quando Jerusalém caiu, os babilônios, liderados por Nabucodonosor, entraram na cidade e prenderam o rei Zedequias. Os cruéis dominadores degolaram os filhos de Zedequias em sua presença e depois lhe furaram os olhos. Então o rei foi levado para Babilônia para passar o final da sua vida tendo como última coisa vista exatamente a morte dos seus filhos. Na Babilônia, o povo que tivera os “olhos furados” foi instado a cantar. “… aqueles que nos levaram cativos nos pediam canções” (v. 3). Os opressores queriam ouvir o cântico de Sião. Estranhamente, o povo opressor pedia manifestações artísticas, culturais e até mesmo religiosas aos cativos. Normalmente, o conquistador impunha os seus hábitos, sua língua, e suas expressões culturais aos conquistados. Mas ainda assim, os babilônios queriam ouvir os cânticos de Sião. Que cântico de Sião é este? Como era o cântico conhecido como “Cântico de Sião”? Os cânticos de Sião falam do Deus que intervém em favor do Seu povo. Os babilônios queriam ouvir exatamente esses cânticos, com os instrumentos apropriados. Israel, contudo, pendurou as harpas nos salgueiros por não conseguir cantar em terra estranha.

O fato é que durante toda a história do povo no Velho Testamento e depois da vinda de Cristo, durante toda a nossa história cristã, a música fez parte dos momentos mais importantes da vida do povo de Deus. Isso continua sendo verdade em nossos dias. Contudo, a Igreja passa por um momento cuja ênfase quanto ao canto, ao som de instrumentos e das vozes no culto, não obedece a um padrão. Qual é o verdadeiro papel da música no culto? Para que realmente serve a música?

Criando uma atmosfera

Costumamos dizer, a grosso modo, que a música tem, pelo menos, dois papéis muito importantes no culto: o de impressão e o de expressão.

A) O Papel de Impressão

A Impressão tem a ver com a criação de um ambiente próprio, de uma atmosfera que mexe com as pessoas, quer elas queiram, quer não.

Sempre se soube que a música tem algum efeito sobre o ser humano. Nas últimas décadas, pesquisas comprovaram que ela mexe não só com os seres humanos mas, também, com os animais e vegetais. É possível que muitos de vocês já tenham lido, em alguma revista, reportagem sobre plantações que passam a produzir mais pela influência da música; ou sobre gado confinado, particularmente na Suíça, que em virtude da música passa a produzir mais leite. Tudo isso é verdadeiro. O que não se sabia, com clareza, é como ela age nos seres humanos. Mas o fato é que, quando ouvimos determinadas músicas, ficamos tristes ou alegres. A esse poder, a essa característica que a música tem, chamamos de função subjetiva. Ou seja, em alguns ocorre uma reação, em outros parece nada ocorrer. A ciência tem procurado definir exatamente, e de forma objetiva, o que a música faz. Onde a música mexe com a gente? Por onde a gente é pego? Será que tem a ver com razões culturais? Será que é porque a gente gosta mais de uma e menos de outra? Como funciona tudo isso? Será tudo isso subjetivo ou há uma razão objetiva? Isso é uma reação orgânica? Essas perguntas, já há algum tempo, incomodam os cientistas. Clínicas especializadas têm dedicado anos nessa pesquisa. Portanto, no culto, o papel de impressão é de grande importância para criar um ambiente adequado. A música, até mesmo sem palavras, cria um “clima”.

Estivemos, nos dois últimos dias, em um encontro de adolescentes. A participação foi de 2200 adolescentes. No plenário, quando estavam todos juntos, o dirigente do “louvor” apresentou uma série de cânticos; uns barulhentos e outros piores. Como o volume estava alto demais, ficamos na porta. Depois de alguns minutos, percebemos que alguns adolescentes começaram a sair. Todos eles com fisionomia abatida. Perguntávamos a cada um: Você está com o estômago enjoado e a cabeça latejando? Eles nos olhavam curiosos pelo fato da pergunta identificar o que sentiam. A verdade é que eles estavam doentes de música e de som. Depois disso, o povo foi entrando numa euforia tão grande que quando terminou essa sessão de 40 minutos de barulho, o pregador não conseguiu desenvolver o seu sermão. Houve, então, um dramático apelo para que se fizesse silêncio. O dirigente dizia: “Agora precisamos ouvir”, “Deus está nesse lugar” etc. Como o auditório não atendia ao pedido de silêncio, o dirigente baixou o nível e falou com bastante dureza, mas nada de silêncio. Foi então que o menino que estava no teclado, que havia coordenado a parte do barulho, começou a tocar uma música bem suave e cantou algo bastante leve. Em pouco tempo, o silêncio predominava e todos conseguiam ouvir o que se falava.

Música de impressão trabalha com isso. Há a música certa para cada momento do culto: Momento de alegria, exultação, tristeza, confissão etc. Além disso, a música pode mexer conosco o suficiente para que assimilemos uma ideia e entendamos o que está acontecendo de forma mais clara.

Restabelecendo o culto

O segundo livro das Crônicas registra dois períodos importantes da história do povo de Israel. Nos primeiros nove capítulos o reino de Salomão abrangia toda a nação de Israel. Esse foi o período em que o rei atingiu o apogeu tanto social quanto economicamente. Foi o momento áureo de Israel. A segunda parte do livro, a partir do capítulo 10, registra o ocorrido depois da morte de Salomão. A história de outros vinte reis é contada nesses capítulos. Alguns eram bons e outros maus. O reino já estava dividido: Israel e Judá, e a história agora é vista sempre da perspectiva do templo. O bom rei era o que governava com Deus, o mau rei era o que se afastava de Deus. Ezequias foi um desses vinte reis, mais exatamente, foi um dos doze bons reis. Sua história inicia-se no capítulo 29. Ele abriu as portas da casa do Senhor e as reparou. O pai dele chamava-se Acaz, e havia sido um péssimo rei. Ele havia, entre outras coisas, profanado os utensílios sagrados do templo e jogado muitos deles fora. Outros utensílios foram levados para o palácio e o templo ficou abandonado durante toda uma geração. Mas quanto a Ezequias, a sua primeira providência foi restaurar o Templo e celebrar o primeiro culto. Assim, aquelas pessoas que nasceram no reinado de Acaz entraram no templo pela primeira vez. A grande maioria, certamente, não sabia o que encontraria lá. Talvez perguntassem: “Como é que é, agora que o rei mandou a gente celebrar o culto, como é que vai ser?”.

A celebração do sacrifício não era esteticamente nem um pouco bonita. Vocês todos conhecem relatos importantes daquela época quando animais, dezenas e centenas, eram sacrificados em um único dia. Aqueles que imolavam os animais ficavam com sangue até acima do joelho e sentiam-se mal. Isso não era uma cerimônia bonita ou esteticamente agradável. O cheiro não era de churrasco. As entranhas sendo limpas, lavadas e queimadas. Isso não era agradável. Contudo, era assim que Deus havia ordenado que se celebrasse o sacrifício, e era, portanto, assim que deveria ser feito. Era uma celebração assim que estava para ser feita, depois da restauração do templo.

Depois que Ezequias restaurou o templo, ele reuniu os levitas e devolveu-lhes a função que lhes cabia. Essa tribo tinha sido separada desde os tempos de Moisés para um ministério ligado à casa do Senhor: enquanto o templo não estava construído, eles eram responsáveis por carregar todos os utensílios relacionados ao tabernáculo: seu transporte e sua montagem. Quando o templo foi construído, eles ficam a serviço do templo. Uma tribo inteira, 1/12 de toda a população, destinada para esse serviço. É deles que saíam os sacerdotes, mas era também a tribo de Levi a responsável pela infra-estrutura do templo: Os porteiros, os serventes, os cantores sacros, os instrumentistas, etc. eram dessa tribo. Evidentemente, durante todo o período de Acaz os levitas não tiveram ocupação no templo. Ezequias, contudo, reúne-os e manda fazer uma limpeza no templo (II Crônicas 29:16). A partir daí, ele estabeleceu os levitas na casa do Senhor, com címbalos, alaúdes e harpas (II Crônicas 29:25). Quando o sacrifício teve o seu início, uma cerimônia estranha para muitos, um cântico foi entoado ao Senhor ao som das trombetas e dos instrumentos de Davi (II Crônicas 29:27-28). É a única vez em que se toca música durante o sacrifício. Em todo o relato do Velho Testamento não vamos encontrar, nenhuma vez, música sendo tocada durante o sacrifício. Assim, o escritor sagrado registra que toda a congregação se prostrou enquanto se entoava o cântico e as trombetas soavam. E foi assim, até o final do holocausto (II Crônicas 29:28). De repente, sem ninguém mandar. Depois disso, o verso 36 do capítulo 29 nos informa que “Ezequias e todo povo se alegrava por causa daquilo que Deus fizera para o povo, porque subitamente se fez esta obra”. Essa frase está conectada com o momento em que o povo adorou o Senhor. O “subitamente se fez esta obra” foi o momento em que de repente, sem ordem de ninguém, o povo caiu e adorou o Senhor. Isso, curiosamente, aconteceu no momento em que a música soou no espaço. Esse é o papel de impressão que a música tem, de criar uma atmosfera, de apropriar aquela verdade que acontece num ambiente para que você absorva aquela verdade.

Pesquisas recentes

Os cientistas têm se preocupado muito com essa característica da música. Pessoas têm até usado essas experiências sobre a influência da música para ganhar dinheiro. Por exemplo, qualquer supermercado grande, especialmente nos Estados Unidos, onde as pesquisas estão mais adiantadas, tem sempre música soando no espaço. A música certa para o ambiente. Pode acreditar que ela está cumprindo o seu papel e fazendo o cliente comprar mais. Se você tem um bom dentista, ele terá sempre uma música adequada em seu gabinete para que você sinta menos dor. Um restaurante “fast-food” tem cores e música escolhidas de acordo com seus propósitos: impressionar os clientes mas saturá-los e faze-los ir embora logo. Por que isso acontece? Como é que isso acontece? Os cientistas têm descoberto que isso não acontece subjetivamente, não é só uma questão de gostar ou não, de mexer com você e não mexer comigo. A primeira coisa que precisamos considerar é que a música é formada de três elementos básicos e esses três elementos mexem conosco o tempo inteiro. Cada um desses elementos atinge uma parte do nosso organismo. Se você estudou um pouco de música, você se lembra ainda de uma afirmação que estava em todos os livros: a música tem três elementos: ritmo, melodia e harmonia. Essa definição, hoje, já está ultrapassada, porque música é muito mais do que só esses três elementos. Há outras coisas envolvidas. Contudo, esses três elementos estão presentes sempre que música soa no espaço e gostaríamos de qualificar cada um deles:

O que é Ritmo?

Por exemplo, ouvimos as pessoas dizendo que o coração está batendo em um ritmo muito acelerado. Esse é um uso correto da palavra. Ritmo é a marcação do tempo, ou a freqüência em que a ação se repete. Quando transportamos essa ideia para a música, temos alguma dificuldade, porque a palavra “ritmo” é usada para muitas coisas em música. Pode se dizer: “ritmo de valsa”. Algumas pessoas dizem: “não gosto de determinada música porque ela não tem ritmo”. Isso é um equívoco. O ritmo é o esqueleto da música, a passagem do tempo na música. É verdade que existem alguns instrumentos que só conseguem marcar ritmos, não conseguem tocar melodias. São os tambores, o triângulo, a bateria, etc…

Acontece que o “ritmo” mexe com uma parte específica do nosso organismo: os nossos músculos. Somente com os músculos. Isso pode ser visto na alteração do pulso cardíaco conforme a música do ambiente. Alguns segundos depois de começar uma música que tem uma estrutura diferente, nosso pulso imediatamente se altera. E isto pode acontecer mesmo que você não esteja consciente da música soando no espaço. O princípio rítmico tem sido muito utilizado até na medicina. Por exemplo, as estruturas da música barroca têm sido utilizadas como uma espécie de relaxamento; o que tem sido chamado de “massagem cardíaca para gestantes”, porque o curso de uma estrutura musical barroca funciona como uma massagem cardíaca que equilibra o pulso da mãe e o do feto: o coração do feto pulsa duas vezes a cada pulso do coração da mãe. Então os dois corações acabam sincronizados e fazem uma massagem cardíaca relaxante para mãe e filho. Portanto, ritmo mexe com os nossos músculos e há instrumentos que o enfatizam, que só conseguem marcar ritmos.

O que é Melodia?

A melodia mexe com as nossas emoções, e somente com elas. Alguém diz: “quando ouço aquela música sinto uma tristeza!”. Ou seja: a melodia nos deixa tristes ou alegres. A melodia mexe com as emoções. Não é o ritmo que nos deixa tristes, também não é a harmonia, mas, sim, a melodia. Melodia é uma sucessão de sons. Há melodia de uma só nota. Isso quer dizer que cantar uma nota, depois outra, depois outra, forma uma melodia. Qualquer um de nós pode inventar uma melodia.(Uma boa melodia já é outra conversa…!). Portanto, podemos imaginar que melodia é uma coisa horizontal. Se você puder imaginar uma nota, depois outra, depois outra, você verá uma dimensão do movimento das notas. Existem instrumentos que só tocam melodias, só conseguem tocar uma nota, como a flauta, o pistom, o trombone e o saxofone. São instrumentos que não conseguem tocar mais que uma nota ao mesmo tempo. São conhecidos como instrumentos melódicos.

A melodia mexe tão duramente com as emoções que a melodia certa, num auditório que se deixa levar por ela, destrói emocionalmente qualquer um. Não há necessidade do Espírito Santo para fazer um auditório chorar; basta usar a melodia certa. Para mudar de vida, para ser uma nova pessoa, precisa-se do Espírito, mas fazer chorar a gente faz com a melodia certa, facilmente. E não só fazer chorar.

Nos acampamentos, temos feito a seguinte experiência: pedimos às pessoas para se deitarem, fechar os olhos, levantar os braços, relaxar, e ouvir atentamente uma melodia. Alguns minutos depois, muitos estão chorando. Repetimos o processo e mudamos a melodia, então muitos dormem. Como se vê, um auditório pode ser facilmente manipulado, desde que se use a melodia certa. E isto nós temos visto com muita freqüência, nas igrejas novas, principalmente. É fácil fazer um auditório chorar.

O que é Harmonia?

A harmonia pode ser definida como sons simultâneos. Se tínhamos melodia como sons sucessivos, uma nota, depois outra, depois outra; agora podemos dizer que harmonia são melodias juntas. Quando um grupo está cantando ou tocando, seja música jovem, seja um coro, seja um grupo instrumental, uma flauta, um sax, uma clarineta, cada um deles toca uma melodia, e a combinação de todos forma uma harmonia (ou desarmonia…). Nas quatro vozes do coro, cada uma canta uma melodia, e a combinação delas forma uma harmonia.

A harmonia é vertical, portanto. Se a melodia é horizontal: uma nota após a outra; a harmonia é verticalidade, é a estrutura que soa simultaneamente. A Harmonia mexe com o intelecto. Ela tem a ver com o córtex cerebral, o hemisfério direito e esquerdo, com cognição e criatividade: os dois hemisférios do nosso cérebro. Com a coisa aprendida e com a criatividade que é característica da raça humana. Só os humanos têm os dois hemisférios funcionando dessa forma. Os mamíferos, da criação toda o grupo mais evoluído depois da raça humana, têm muitas características interessantes no seu cérebro: eles são sensíveis às melodias e até mesmo conseguem detectá-las. São sensíveis inclusive a ponto de ter o seu comportamento alterado a partir de melodias. Aos mamíferos é possível fazer com que se comportem mais agressiva ou mais moderadamente, por influência pura de sons melódicos. Mas eles não conseguem entender harmonia. Somente os seres humanos entendem harmonia. Quanto mais elaborada e complicada a harmonia, mais difícil de ser apreciada e entendida, porque, de fato, ela tem que ser entendida. Nós costumamos dizer que harmonias muito simples são aquelas que, no caso do violão, nunca saem da primeira, segunda e terceira posição. Quanto mais complicada a harmonia, mais complicada é para ser ouvida. Exige um pouco mais de “massa cinzenta”. Por isso, nem todo mundo aprecia uma tremenda fuga em órgão de Bach, porque é harmonia elevada ao extremo. Aliás, Bach só podia ter nascido na Alemanha. Os alemães pensam harmonicamente. Assim, o elemento mais importante na música deles é exatamente a harmonia. É muito curioso, pois não conheço nenhuma canção folclórica alemã cantada em uníssono. Os instrumentos que tocam harmonia são: o piano – toca várias vozes ao mesmo tempo; o violão – toca pedaços de harmonia, acordes; etc.

Diferentes ênfases

Na história da humanidade, diferentes povos enfatizam esses diferentes elementos na sua música, conforme as características que cada povo tem. Os povos africanos dão uma tremenda ênfase aos músculos e ao corpo. Eles dependem disso para sobreviver. Obviamente, a música deles é construída, basicamente, em cima do ritmo. No que se refere à melodia, os italianos, no século XIX, a enfatizaram tremendamente em sua música. A Ópera só podia ter nascido na Itália, pois a melodia é o seu centro. A Melodia é sempre muito chorosa e os italianos choram mesmo durante a ópera. Também brigam, depois se abraçam; é típico do temperamento italiano essa explosão de sentimentos, essa emoção. Esse povo, portanto, só podia enfatizar, na sua música, a melodia.

Cada vez que um desses elementos é por demais enfatizado, há um certo detrimento nos outros dois. Qualquer deles, enfatizado em demasia, anula os outros dois. Por isso, uma genial “Fuga de Bach”, executada no órgão a cinco vozes, pode não agradar à primeira vista. Parece que não tem uma melodia acontecendo, mas muitos sons acontecendo ao mesmo tempo. Houve uma ênfase tão grande na harmonia que desconsiderou-se a melodia. Melhor dizendo, a melodia não é a ênfase central nesse tipo de música. O mesmo acontece com o ritmo; quando ele recebe uma ênfase muito grande, perde-se em melodia e muito em harmonia. Mas há uma agravante: A ênfase exagerada no ritmo leva as pessoas a desligarem parte das informações do cérebro. Por isso, o ritmo é um dos elementos mais valiosos para o desligamento das pessoas nos centros de umbanda, yoga, zen budismo, etc.. “Mantra” nada mais é do que uma pequena melodia repetida tantas vezes que se torna um ritmo. Excesso de ritmo leva as pessoas a parar de pensar.

Assim, por essas duas características do ritmo, porque ele mexe com o nosso corpo, só com os músculos, e porque leva a um desligamento do intelecto, que temos, inconscientemente, grande dificuldade, nas nossas igrejas, para aceitar uma grande ênfase no ritmo. Intuitivamente, as pessoas sentem isso, primeiro um apelo muscular fortíssimo e, segundo, o desligamento intelectual. Ouvi há pouco um comercial de uma escola de dança que tinha uma frase incrível: “quem dança não pensa! Venha esvaziar sua cabeça, venha dançar conosco”. Essa é uma frase verdadeira. O excesso de ritmo faz as pessoas deixarem de pensar. Também por isso, há uma grande dificuldade para a aceitação dos instrumentos rítmicos na Igreja. Intuitivamente, a Igreja sente que alguma coisa não está certa.

Cérebro mamal

Esses três elementos são responsáveis pela ação direta da música nos ouvintes. Por isso, a música é um excelente veículo para guardar informações em nosso cérebro. Todo professor de “cursinho” sabe disso. Geralmente eles usam melodias para ensinar fórmulas complexas. Uma mensagem, uma vez interiorizada por meio de uma melodia, nunca jamais será apagada da memória. As melodias são fixadas numa região do nosso cérebro chamada “cérebro mamal”. Os mamíferos possuem essa região, por isso que é chamada de “mamal”. Essa região arquiva definitivamente as informações no cérebro. É como se fosse um computador que grava algo que não pode mais ser “deletado”. Aquilo ficará arquivado para sempre, independentemente das pessoas desejarem ou não. Uma vez que a mensagem foi aprendida, as pessoas nunca mais estarão livres dela. Ela pode ser esquecida temporariamente, mas nunca apagada. Isso pode ser visto no dia-a-dia: Você teve uma determinada experiência em sua vida ouvindo uma melodia. Depois disso, nunca mais tornou a ouvir aquela melodia e nem passou por aquela experiência. Então, 30 anos mais tarde, você volta a ouvir a melodia. O que acontece? Imediatamente vem à sua memória a experiência pela qual você passou quando ouviu aquela melodia pela primeira vez. A mesma coisa acontece com os perfumes. Aliás, os perfumes também são decodificados em nosso cérebro na região mamal. O olfato é o único dos cinco sentidos que é decodificado pelo cérebro mamal. A música, como o olfato, fixa as coisas em nosso cérebro para sempre. Isso eu estou afirmando cientificamente: Você nunca mais estará livre dos “Mamonas Assassinas”. Não é uma desgraça?

O que as crianças estão cantando em nossas igrejas? Já pensaram que daqui a trinta anos, se elas estiverem fora da Igreja, queira Deus que não, elas poderão se lembrar das melodias que cantaram sem que isso faça qualquer diferença para a vidas delas? Não seria bom pensar mais seriamente na música que as crianças da nossa Igreja estão cantando?

As crianças, ao contrário dos jovens, são permeáveis. Temos dado muita ênfase em nossas igrejas ao trabalho com os jovens. Em nossa opinião, é tarde demais! Os jovens não são permeáveis e não são abertos a novas informações. Costuma-se dizer isso: “Os jovens são abertos”. Não é verdade! “O jovem sempre aceita o novo”. Não é verdade! O jovem não aceita o novo até que esse novo seja aprovado pelo seu grupo. O grupo em que o jovem está, pode ser de cinco, quatro, três, ou duas pessoas, é determinante. O grupo de identidade dele precisa primeiro admitir determinada coisa para, então, ele passar a fazê-la. Se, no grupo dele, todo mundo usar calça azul, não pense que ele vai usar amarela. Se, no grupo dele, todo mundo ouve “rapp”, não pense que ele vai achar que outro tipo de música presta. Os jovens são tremendamente impermeáveis. Já as crianças, são permeáveis.

“Abobrinhas teológicas”

A música fixa em nossa cabeça, para sempre, verdades teológicas Mas o problema é que ela fixa também, para sempre, mentiras ideológicas. Indelevelmente. Fixa de tal forma que nunca mais você as esquecerá. Lutero destacou um importante fato quando ele disse à sua congregação: “eu sei que amanhã, segunda-feira, vocês vão esquecer o que eu estou falando agora no meu sermão. Mas os hinos que os faço cantar, jamais vão ser esquecidos”. Por isso, é preciso parar e pensar seriamente no que estamos cantando nas nossas igrejas. A Igreja tem passado, e eu a tenho visitado no Brasil inteiro, por uma fase de esvaziamento doutrinário, também porque tem cantado “abobrinha”.

Uma forma litúrgica estranha, muito comum nas igrejas hoje em dia, é o chamado “Momento de Louvor”. Um grupo de pessoas vai à frente, jovens que sabem tocar alguns instrumentos e cantar, e, por 40 minutos, apresentam uma série de músicas. E para piorar, o líder do grupo, sem nenhuma formação teológica, começa a doutrinar a Igreja, falando sempre entre 4 a 5 minutos antes ou depois de cada música. Ele explica como é que age o Espírito Santo, como é o plano de Deus, como a gente deve se comportar, e como a Igreja deve fazer. Esse doutrinamento com música está sendo absorvido indelevelmente, independente do que o pastor disser mais tarde. Se temos uma sugestão já, nesse momento da nossa conversa? Sim: Não os deixem falar mais. Eles estão catequizando a sua Igreja, de verdade. Por que? Porque usam a música, registrando e arquivando para sempre. E, como têm cantado qualquer música, e qualquer texto, estão ensinando “abobrinha teológica brava”, heresia, muitas vezes, e levando a Igreja a perder a sua característica, a sua identidade.

Estamos falando do que já está acontecendo. A Igreja está perdendo a sua identidade. Tanto faz, para o jovem, ir à sua Igreja ou ir à comunidade “não sei o quê”. Porque em ambas ele canta a mesma música repleta de mentiras teológicas, sem aprofundamento bíblico. Seus cânticos são sempre vazios e falam de alegria e euforia. Há pelo menos um deles que fale: “Se temos de perder, família, bens, mulher, se a morte enfim chegar, com ele reinaremos” como Lutero fazia? A Igreja dele não tinha problemas com a teologia da prosperidade, tinha? Porque ele cantava isso. A nossa Igreja deixou de cantar essas coisas. Não nos admira o esvaziamento doutrinário da atualidade. Por isso, começamos dizendo que não achamos que o problema é a música; achamos que a música é o sintoma do problema. O problema é muito maior que a música. É teológico e doutrinário. Tem se refletido na música, mas é muito mais sério.

Meus irmãos, a música tem o papel de impressão no culto, de criar uma atmosfera própria para diferentes momentos do culto. Faça uma experiência sobre esse papel de impressão que tem a música: Quando estiver assistindo a um filme pela televisão, na cena mais importante, tire o som. Se o filme for de terror aqueles monstros deixarão de ser tão horrorosos; se for filme romântico, o par vai ficar desajeitado; se for filme de aventura, o mocinho vai cair do cavalo. Na verdade, vai estar faltando o elemento mais importante aliado à imagem para tornar a cena convincente: a música, o som. Música ou qualquer manifestação sonora. Não é sem razão que Hollywood premia não só os melhores efeitos acústicos, sonoros, dos filmes, como também as melhores músicas. As músicas e os sons complementam e fazem o filme “acontecer”. O cinema mudo não dispensava a música. Dispensava a palavra, mas não a música. A música variava de acordo com a atmosfera do filme. Se estava acontecendo uma cena de movimento, a música, evidentemente levava a gente ao movimento; se a cena era de tristeza, a música acompanhava esse momento. Fazia com que a gente se convencesse da cena. A música é usada até preparar-nos para o que vem em seguida, antes da cena acontecer.

Endossando o texto

Mas há outro papel importante da música em nosso culto: 

B) O Papel da Expressão

Isso acontece quando ela diz alguma coisa junto com o texto, quando endossa e subsidia o texto. Quase sempre em que há um bom casamento entre letra e música, a mensagem que está sendo dita passa completamente para as pessoas e as pessoas a absorvem… Há um exemplo muito interessante na Bíblia: “Fez também Davi casas para si mesmo, na cidade de Davi; e preparou um lugar para a arca de Deus, e lhe armou tenda.” (I Crônicas 15:1). É preciso lembrar que esse momento histórico aconteceu quando a arca foi transportada para o seu lugar definitivo. Ela foi, por um bom tempo, transportada de um lugar para outro. Depois, ela ficou em Quiriate-Jearim, de onde foi levada para a casa de Obede Edon. Da casa de Obede Edom, ela foi transportada finalmente para um lugar definitivo, construído por Davi. Ele reuniu toda a nação em Jerusalém, para fazer subir a arca. Esse é o momento histórico que estamos vendo aqui. O momento do transporte da arca para seu lugar definitivo. Davi, então, tomou algumas providências: reuniu os levitas e determinou quem faria o quê. Depois disso, escreveu um salmo, um hino feito especialmente para aquela ocasião. Ele chamou os músicos e disse: “Ensaiem esse hino porque ele será cantado no dia do transporte da arca. Todos devem aprendê-lo na ponta da língua. Vamos fazer algo bem feito”. No verso 15, o cronista registra: “os filhos dos levitas trouxeram a arca de Deus aos ombros pelas varas que nela estavam, como Moisés tinha ordenado, segundo a palavra do Senhor”.

Quando falamos aos jovens sobre esse tema, sempre “abrimos um parêntese” aqui e destacamos que um moço chamado Uzá percebeu que a arca ia cair e correu para segurá-la. Uzá morreu imediatamente. Ele se esqueceu do mandamento de Deus para não tocar na arca. O problema estava na atitude errada de Davi ao determinar que a arca seria levada em um carro, como os filisteus a tinham conduzido até Quiriate-Jearim. Deus tinha dito que a arca devia ser conduzida com varas que eram passadas pelas suas argolas, e que os levitas deviam carregá-la.

No Brasil, ouve-se muito: “o que vale é a intenção”. Mas, realmente, o que vale para Deus nem sempre é a intenção. O que vale é a prescrição. De maneira que se há uma prescrição, não interessa a intenção. Mesmo que seja a melhor das intenções, a prescrição ainda está acima dela.

Quenanias, o melhor

No verso 16, Davi disse aos “chefes dos levitas que constituíssem a seus irmãos, cantores, para que, com instrumentos músicos, com alaúdes, harpas, e címbalos se fizessem ouvir, e levantassem a voz com alegria.”. No verso 19, lemos que: “os cantores, Henã, Asafe e Etã se faziam ouvir com címbalos de bronze” (instrumentos sonoros, altissonantes, barulhentíssimos); no verso 20: “Zacarias, Aziel, Semiramote, Jeiel, Uni, Eliabe, Maaséias e Benaia, com alaúdes, em voz de soprano”; no verso 21: ” Matitias, Elifeleu, Micnéis, Obede-Edom, Jeiel e Azazias, com harpas, em tom de oitava, executavam as melodias dos salmos para conduzir o canto. No verso 22: “Quenanias, chefe dos levitas músicos, tinha o encargo de dirigir o canto, porque era entendido nisso.” Não é uma boa razão para alguém cuidar da música no templo? Fulano cuida da música na Igreja, por quê? Porque ele é o melhor. Não é isso que temos visto, andando por ai, infelizmente. Um pastor nos liga dizendo: “Irmão, estamos precisando de alguém para trabalhar com música”. Perguntamos: “E o fulano, o que ele está fazendo?” Ele responde: “Ah! Ele está fazendo porque não tem ninguém que faça”. Por que razão alguns grupos tocam na Igreja? Eles tocam porque eles compraram os instrumentos! É como jogo de bola em time de várzea. O dono da bola joga sempre. Não importa se ele joga bem ou mal.

Em Brasília, há uns dois meses, estávamos falando a um grande grupo de jovens quando um deles nos procurou, mostrou-nos uma música e disse: “O Senhor me deu um cântico”. Estava horrível! Português errado, música ruim, uma lástima! Então, dissemo-lhe “Se você tem jeito e tem talento, vai estudar e torne-se um instrumento hábil para transmitir bem o que Deus lhe dá”. Quenanias era o chefe dos músicos porque ele era o melhor. Ser o melhor na época não era brincadeira.

Os levitas, logo depois dessa narrativa, são vistos em um treinamento sistemático de aproximadamente dez anos. Começavam a servir aos vinte e serviam como aprendizes, no templo, até os trinta anos. Aos trinta entravam para o serviço efetivo e trabalhavam até os cinqüenta. No verso 24: “Sebanias, Josafá, Natanael, Amasai, Zacarias, Benaia e Eliezer, os sacerdotes, tocavam as trombetas perante a arca de Deus; Obede-Edom e Jeías eram porteiros da arca.” E ai começou a cerimônia. Davi saiu com os capitães de milhares para fazer subir com alegria a Arca da Aliança do Senhor, da casa de Obede-Edom. No verso 26: “Tendo Deus ajudado os levitas que levavam a arca da aliança do Senhor, ofereceram em sacrifício sete novilhos e sete carneiros”. No verso 27: “Davi ia vestido de um manto de linho fino, como também todos os levitas que levavam a Arca, e os cantores, e Quenanias, chefe dos que levavam a arca e dos cantores; Davi vestia também uma estola sacerdotal de linho.” Eles estavam de toga, paramentados. Os cantores, o coro e a orquestra. Davi vestia uma estola sacerdotal de linho. No verso 28: “Assim todo o Israel fez subir com júbilo a arca da aliança do Senhor ao som de clarins, de trombetas e de címbalos, fazendo ressoar alaúdes e harpas.” No capítulo 16, versos 4 a 7: “Designou dentre os levitas os que haviam de ministrar diante da arca do Senhor, e de celebrar, louvar e exaltar o Senhor Deus de Israel, a saber: Asafe, o chefe, Zacarias o segundo, e depois Jeiel, Semiramote, Jeiel, Matitias, Eliabe, Benaia, Obede-Edom e Jeiel, com alaúdes e harpas; e Asafe fazia ressoar os címbalos. Os sacerdotes Benaia e Jaaziel estavam continuamente com trombetas, perante a arca da aliança de Deus. Naquele dia foi que Davi encarregou pela primeira vez a Asafe e a seus irmãos de celebrarem com hinos o Senhor”.

Um bom casamento

E então segue-se o hino, um salmo que Davi compôs especialmente para aquela ocasião. No final do hino, lemos: “Bendito seja o Senhor Deus de Israel, desde a eternidade até a eternidade. E todo o povo disse: Amém! e louvou ao Senhor”. Acontece isso hoje. Papel de expressão da música. Quando um grupo canta, canta pelo povo e o povo diz amém e louva ao Senhor. Esse é um papel importante que a música tem. E a música só faz isso efetivamente quando ela faz um bom casamento com a letra, quando a letra diz alguma coisa e ela diz a mesma. Quando a letra fala da majestade, do poder e da glória de Deus, e é acompanhada de música majestosa e poderosa; quando a letra fala do nosso problema como homem pecador e é acompanhada de música que também diz a mesma coisa. Há alguns exemplos clássicos de maus “casamentos”. Vamos na música nova, nos nossos hinários. Exemplo: “Oh! vinde fiéis, triunfantes alegres”, lembram essa música? É majestosa, vibrante, grande etc. Um lindo hino latino de Natal! Adeste Fidelis. Por algum tempo ela foi associada em nossas igrejas à letra: “Oh! vós que passais pela cruz do calvário.”…! Não tem nada a ver! A música diz uma coisa, a letra outra. A comunicação é vazia. Mau casamento entre letra e música. O que as igrejas normalmente fazem é cantar bem devagar e “mole” a melodia para, inconscientemente adaptá-la ao texto. Música só expressa o texto quando a música vem com ele, quando a música diz a mesma coisa. Aliás, essa é a função mais importante da música no culto: ser subsídio para a Palavra. Se ela não tem essa função, é show e não tem lugar no culto. A única função da música é ser subsídio para o texto, para a Palavra. Se ela não tiver essa função, é espetáculo e não tem lugar no culto.

Teologia e música

É por isso que, na nossa opinião, existe sempre uma única música certa para aquele específico lugar no culto. Não serve qualquer música em qualquer lugar. Tem que ser aquela. Pode ser até uma única estrofe, naquele lugar, porque ela tem a finalidade única de reforçar o que foi dito, tornar claro o que foi dito, subsidiar a Palavra. Outra vez Lutero: “em nome da teologia, concedo à música o lugar maior no culto”. Ele não está dizendo que a música é mais importante que a Palavra, ou que a teologia. A música tem que ser subsídio para a Palavra; se não for, ela estará fora do contexto. “Hoje o conjunto ‘Água Viva’ vem aqui abrilhantar o nosso culto”. Por que? O culto não precisa ser abrilhantado. O culto não é uma festinha de aniversário. É fácil de perceber nos nossos dias uma confusão entre culto e festa. No V.T. era mais fácil de se ver a distinção, porque existiam festas litúrgicas e momentos de adoração e sacrifício. Eram coisas diferentes. A festa era horizontal, era a hora de se alegrar no Senhor. Todo mundo se alegrava. Esta era a hora dos instrumentos, das danças, dos cânticos. Às vezes até no espaço do templo, inclusive, mas eram festas. Mas o culto sacrificial, o sacrifício, nem alegre era. Hoje temos misturado as coisas: Temos culto do pastor, culto do bebê, culto de formatura, culto das mães. Isso nos parece, cria alguma dificuldade para nós mesmos estabelecermos os limites. Até onde é “da mãe” e até onde “é de Deus”? Como vamos preparar o programa do culto e o sermão? Para a “mãe de Deus”?

Os babilônios de hoje

Tenho ouvido muitas vezes pastores dizerem: “a gente precisa manter os jovens na Igreja, os cultos precisam ser atraentes. Eu odeio essa música, mas tenho que deixar….” e quando cantam, muitos falam: “ainda bem que eles estão aqui, não estão no mundo”. É porque eles “estão aqui” que precisam fazer melhor que lá fora. Já houve uma época na nossa história reformada em que a música que acontecia nas igrejas era a melhor que se produzia naquele lugar. No séc. XVII, no séc. XVIII e no início do séc. XIX, se alguém visitasse uma cidade européia e quisesse ver e ouvir o que de melhor aquela população produzia, iria para a Igreja. Lá havia a melhor música e a melhor arquitetura. Os músicos da corte do Palácio iam lá aprender com os músicos da Igreja. A romaria até Leipzig para aprender com Bach era enorme. Bach passou 45 anos de sua vida trabalhando como músico de uma única Igreja (a Igreja de St. Thomaz, em Leipzig). Sua obra inteira foi S.D.G. (Soli Deo Gloria). Ele assinava assim. Essa era a sua finalidade; por isso ele fazia o melhor que podia, exatamente porque era para a glória de Deus. O músico do palácio podia fazer de qualquer jeito porque fazia para ganhar dinheiro, era só para honrar o rei. Mas na Igreja era o melhor que se podia produzir porque era para Deus. Percebe-se que mudamos radicalmente: da dianteira absoluta, passamos para a rabeira absoluta. Hoje nós estamos desesperadamente correndo atrás da música secular, para imitá-la, para ver se a gente consegue manter o jovem dentro da Igreja. É por isso que o povo não se importa mais com o nosso cântico de Sião. Os babilônios queriam ouvir o cântico de Sião. Em outros instrumentos, outro cântico que não era o deles. Os babilônios de hoje “não estão nem aí” com a nossa música. Hoje há 25 rádios “gospel” tocando música o dia inteiro. E daí, que diferença faz? Não tem diferença nenhuma das outras. E há ainda quem chame isso de música sacra!

Músicas boas e ruins

Mas a música continua tendo dois papéis no culto. O de impressão, de atmosfera, que ela já faz só com o instrumental… Mas o seu papel central no culto é o de expressão – é subsidiar o texto. E isso só acontece quando há um bom casamento entre os dois. Cada elemento diferente da música mexe com uma parte diferente do nosso organismo e isso faz com que sejamos integralmente atingidos, quer queiramos quer não, quer estejamos ouvindo ou não, quer sejamos perfeitamente hábeis, auditivamente, ou surdos completamente. A música consegue ser ouvida epidermicamente. A música influencia pessoas completamente surdas e altera o seu comportamento. Se se delinear na mente de alguém a ideia de que estamos defendendo a música do hinário em detrimento dos novos cânticos, ou defendendo coral em detrimento de conjunto, isso absolutamente não é verdade. Entendemos que existem muitas músicas novas muito boas hoje, e muitas muito ruins. A maior parte ruim por uma razão simples, porque elas ainda não foram filtradas pelo tempo; o tempo é um ótimo filtro. No séc. XVII também foi produzida muita coisa ruim, mas foi embora. Só ficaram as melhores. Existem muitas músicas novas boas sendo produzidas e, por outro lado, nos nossos hinários, existem muitas músicas que não são tão boas assim. Não é pelo fato de estarem no hinário que são boas. Como líderes, temos obrigação de analisar cuidadosamente os textos das músicas que estão nos hinários, dos hinos que vão ser cantados. Estamos, muitas vezes, cantando coisas impressas nos hinários em que nem sempre acreditamos.

A nossa proposta é que façamos uma leitura cuidadosa do texto, tanto dos novos cânticos quanto dos hinos impressos, mais dos novos porque não foram ainda filtrados pelo tempo, e usemos somente aqueles que realmente são bons, nessa linha de raciocínio. Também não entendemos que o grupo de jovens não possa ter lugar no culto, somente o coral. Da mesma forma também não entendemos que o coral “ruinzinho” que cantava há 20 anos atrás deva ser substituído pelo grupo de jovens também “ruinzinho” de hoje. O coral “ruinzinho” tem que ser substituído por um bom coral e o grupo de jovens “ruinzinho” tem que ser transformado num bom grupo de jovens. E assim encontrar o lugar de cada um no culto: do grupo de jovens, do grupo das senhoras, do conjunto masculino, etc., assim como o lugar do coral. Seja como for, a música tem que estar assessorando a Palavra. Ela só tem utilidade ali. E essa não é a realidade nas nossas igrejas há bastante tempo. Não temos usado, geralmente, os hinos porque eles subsidiam os textos ou porque eles dão expressão àquele momento de culto. Os hinos são normalmente uma espécie de descanso entre o que está acontecendo no culto. Por exemplo: Na liturgia há uma oração e uma leitura e, então, é preciso haver um hino. Qual? Qualquer um, basta que seja um hino. É muito comum usar-se a hora do cântico para que os retardatários entrem no templo, já que tiveram que esperar durante a oração ou a leitura da Bíblia. É também a hora que os diáconos usam para abrir a janela ou para pegar cadeiras para os visitantes. Ou, então, a vítima maior da espera, é sempre um cântico: “O pastor está atrasado, vamos cantando uns hinos enquanto ele não chega”.

Hino certo no lugar certo

A nossa visão do que seja a música incorporada no momento de culto é que haja, primeiro, um trabalho muito consciente do líder na escolha do que vai se cantar; depois, onde vai se cantar. Eu gostaria de esclarecer um ponto em que a gente faz certa confusão. Existem hinos que são herança dos séculos XVII e XVIII, alguns são de estilo coral; alguns desses corais eram compostos e tinham cerca de 42, 43 e até 50 estrofes. Essas estrofes eram cantadas de acordo com o período por que se passava naquele momento. Por exemplo, se era uma época de Natal, cantava-se o trecho do hino que falava sobre o Natal. Muitas vezes, muitos desses hinos são hinos que contam todo o plano da salvação. Esses hinos não foram compostos para ser cantados inteiros. Se você pegar o saltério de Genebra, por exemplo, que era o hinário de Calvino, ou o cancioneiro de Witemberg, de Lutero, vai encontrar muitos desses hinos. No saltério de Genebra vai encontrar o Salmo 119, inteirinho. Ninguém o cantava inteiro, evidentemente. Cantavam-se trechos dos hinos, os trechos que tinham mais a ver com aquele momento de culto. Perdemos um pouco disso a partir do momento em que a gente passou a ter uma nova visão do hino: o hino apenas como subsídio musical do culto; Canta-se o hino sem se preocupar com a letra. Se o culto está muito longo e o hino tem quatro estrofes e o coro, cantamos a primeira, a segunda e a última. Nunca a terceira. Mas às vezes a última começa com um “então”. “Então”, por que? Porque é a continuação da terceira. A nossa proposta é que cantemos as estrofes que servirem para aquele momento de culto. Pode até ser somente a terceira, se for a estrofe que sirva para aquele momento. Evidentemente, há hinos que não têm como ser partidos. Eles têm começo, meio e fim. Mas há muitos que são absolutamente compartimentados, eles foram pensados assim, para serem usados compartimentados. Vocês devem estar percebendo que isso exige trabalho, uma leitura cuidadosa. Vai custar tempo.

Parêntese no culto

Quando começarmos a fazer isso, as coisas ganharão uma nova dimensão. Por exemplo, quando o grupo de jovens deixar de ser parêntese de culto. Por que é parêntese? Começa o culto, faz-se a leitura, e então passa-se ao momento de louvor. Abre-se o parêntese: o grupo vai para a frente, afina os instrumentos e dirige o louvor. Canta-se uma vez uma música com todos, depois só as mulheres, então só os homens, explica-se o que o Espírito Santo faz na vida do crente; depois mais um cântico, mais um, outro mais. Quarenta minutos depois, todo mundo em pé, fecha-se o parêntese e o dirigente diz: “agora vamos continuar o nosso culto…”. Esse é um grande erro, e é recente em nossa história cúltica. Quando nós todos éramos crianças, não havia isso. Isso começou a acontecer há cerca de vinte anos, com a ênfase nos acampamentos dos jovens. No final do séc. XIX os metodistas enfatizaram tremendamente o acampamento de jovens. Nasceu daí um cancioneiro especial para esses tipos de reunião, mas a força maior surgiu, na verdade, nos últimos vinte, ou até, talvez, nos últimos dez anos. Os acampamentos reuniam uma quantia muito grande de jovens e para esses acampamentos compunha-se, cantava-se determinado tipo de música que não tinha nada a ver com a música que se cantava regularmente nas igrejas. Esses jovens passavam lá um final de semana e quando chegavam na Igreja queriam, com a maior das boas intenções, trazer aquela atmosfera, aquilo que sentiram lá no acampamento e a música que aprenderam e cantaram lá. Nessa mesma época, a nossa Igreja não estava aparelhada para oferecer um tipo de música alternativa de boa qualidade para os jovens.

Música sacra ou profana?

A geração dos anos 10 e 20, ou parte dela, foi convertida ainda pelos primeiros missionários ou, quando não, pelos herdeiros dessa conversão. Essa geração, e a geração que veio imediatamente depois, foi uma geração conversionista, ou seja, convertida. Foi um momento de conversionismo. Isto é, os nossos avós que freqüentaram a Igreja evangélica já tinham sido católicos antes de serem convertidos. Quando eles se converteram, cantaram um tipo de canção completamente diferente de tudo que eles tinham ouvido até então. Quando os nossos avós cantaram os hinos dos Salmos e Hinos (o primeiro volume traduzido integralmente) eles cantaram música sacra, absolutamente sacra, porque aqueles sons nunca haviam sido ouvidos antes. Não interessa se era música de bar americano. Aqui é um terreno complicado porque toca mesmo no que é música sacra e o que não é música sacra. Modernamente, definimos música sacra para um grupo; é impossível definição de música sacra genérica, por uma razão muito simples: o sacro, na verdade, aquilo que é verdadeiramente aceito por Deus, não tem nada a ver com a qualidade dos sons; tem a ver com o coração e lábios limpos, tem a ver com o cantante e com Deus. O estilo que está soando no espaço é mais ou menos convencional para um grupo de pessoas, e isso é que é sacro ou não para aquelas pessoas que estão ali. Cuíca é um instrumento sacro ou profano, na sua cabeça? Profano. Por que? Porque a gente faz associação com um tipo de coisas, etc.. Agora, leva essa cuíca para o Tibet, converte os tibetanos e diz a eles que esse instrumento vai abrir todos os cultos ao Senhor. “Esse som vai ser o introdutório do culto”. Pronto, a partir de então, aquilo lá vai ser o som santo por excelência, sacro por excelência. A cuíca não é menos santa do que o violino. O violino é feito de madeira, tripa e metal. A cuíca é feita de madeira, pele e metal. “Igualzinho”. Materialmente, não há diferença. Portanto, temos que pensar o que vale para as músicas. Temos ouvido muito isto: “a gente canta ‘passarinhos, belas flores’, (cantava, hoje já não canta tanto mais…) isso era música de bar, etc.”. Era mesmo, só que ninguém sabia que era. Aquele som nunca havia sido ouvido aqui; aquele tipo de melodia foi identificado pelos nossos avós, bisavós, como música sacra. Por que? Porque ela era diferente da que eles cantavam nos bailinhos de final de semana, ou na Igreja católica que eles freqüentavam. É exatamente isso que hoje é usado como critério para definir, para um grupo sócio-cultural, o que é música sacra: é diferente da música que aquele grupo conhece, fora do templo. Esta é a primeira característica de música sacra, naquele momento histórico. A segunda é que ela é, basicamente, acompanhamento para o texto, ponto em que nós já tocamos. Ela tem que ser texto, nascer do texto. Há um terceiro que se refere ao instrumentário, mas que não é o mais importante. Esses dois pontos fecham a questão para nós. Quando eles cantavam aquele tipo de música aquilo era, para eles, música sacra. Pode ser que para os nossos dias não seja mais. Quando o coro ou a congregação canta: “Altamente os céus proclamam”, muitos sentem-se elevados com essa música sacra. Uma vez em que eu estive passando férias no Brasil, morando na Alemanha, veio comigo uma família amiga, de lá, e nós fomos a uma Igreja, e o coro levantou e começou a cantar esse hino. Eles ficaram assombrados, porque esse é o hino nacional alemão, que Hitler obrigava todo mundo a aprender, inclusive. Para quem fica sabendo disso, é um choque. Mas isso não quer dizer que a melodia que está lá é ruim. É Haydn, uma maravilha. Mas quando a gente sabe, então complica. Outro exemplo é o hino “Grande é Jeová”. Quer música mais sacra que esta? Mas isso é Tannhäuser, uma ópera de Wagner, e nessa hora, o cavaleiro rapta a princesa da torre, com nem um pouco de boas intenções, bota-a debaixo do braço e vai embora. O mesmo acontece com o “Largo” de Handel. que todo solista gosta de cantar. Quer coisa mais santa? Só que aqui é o rei Xerxes, embaix da macieira, olhando a pessoa que iria conquistar e agradecendo à sombra da macieira. Isto não é sacro. Percebe-se, portanto, que essa é uma questão muito complicada e ela só é resolvida exatamente assim: música sacra é aquela, para aquele grupo sócio-cultural, diferente da sua secular. A sacra é a diferente da que, naquele momento, é secular.

Compromisso com o divino

É preciso dizer que, embora os músicos nos séculos XVII e XVIII procurassem aprender com os da Igreja, não é verdade que a música que estava fora se identificava com a da Igreja, porque a música que está fora sempre tem compromisso com o profano e a da Igreja sempre tem compromisso com o divino. Isto estava muito claro na cabeça do compositor da época; significa que o músico secular aprendia tecnicamente a fazer música; só que, no palácio, ele tinha que fazer música como o rei queria. Usava princípios técnicos, mas a característica da música quem comandava, na verdade, era o rei, não o compositor. Além disso, a música sacra, com esse compromisso extremo com o divino, jamais era imitada com esse cuidado lá fora, porque se é verdade que se aprendia a técnica, o músico fora da Igreja não era, de forma alguma, cuidadoso ou caprichoso como o músico do templo. Ele não tinha esse temor do compromisso de estar fazendo música para ouvidos divinos, temor presente o tempo inteiro na vida de Bach. Bach escrevia sua música com temor. Tinha que ser perfeita porque era para um Deus perfeito, e essa preocupação nunca houve fora da Igreja. Portanto, se é verdade que o pessoal vinha aprender tecnicamente com Bach, ou com os músicos da Igreja, o que reproduziam lá fora não era aquela música, nunca era.

Música sacra é a que é feita com a intenção de ser sacra? Não sei. Pode ser sacra para quem fez, pode não ser para o vizinho. É muito difícil determinar hoje isso, porque não temos critérios tão comprometidos com a música quantos já houve em outros tempos. Nos séculos 16, 17 e 18, entendia-se que havia uma música objetivamente boa e uma música objetivamente má. A música objetivamente boa era baseada em princípios numéricos, da ordem, do número, e agradava a Deus. Não interessa se ela tinha texto ou não, não interessa se era sacra ou não; e havia uma música objetivamente má e que, dualisticamente, agradava a Satanás; e o parâmetro disso era muito bem estabelecido. Nesse caso, mesmo o compositor fora da Igreja quando escrevia dentro dos parâmetros da música boa, dentro dos princípios da ordem, essa música agradava a Deus, mesmo que não fosse música com finalidade litúrgica. E a outra música, feita sem os parâmetros da ordem, do número, mesmo que fosse feita para a Igreja, era má e não agradava a Deus. Era muito fácil naquela época, mas hoje nós não temos mais um critério muito claro do que seja música objetivamente boa e objetivamente má.

Música de imitação

Será que a nossa música tem que ser uma imitação da música secular? Não. Será que, então, estamos defendendo aqui que a gente só tem que cantar os velhos hinos do hinário? Também não. Será que estamos dizendo que os jovens não têm participação no culto? Também não. Gostaríamos muito de ver outra vez a música da Igreja liderando o movimento cultural, que ela fosse melhor e nitidamente melhor. Isso não é impossível. Eu tenho visto isso acontecer em outros lugares, não no Brasil. Nós, infelizmente, no Brasil, tivemos uma censura, uma lacuna muito grande. Quando os jovens procuravam por uma coisa nova não tinham isso sendo fornecido. A geração dos anos 30 cantou os hinos do hinário sem problemas; a dos anos 40, também, mas já cantou um ou outro corinho; a dos anos 50 cantou mais corinhos; a dos anos 60, só cantava corinhos; a dos 70 não quer cantar nada que não sejam as músicas novas. Por que? Porque quando a geração dos anos 50 e 60 procurou alguma coisa, não encontrou; os músicos sacros, se havia, estavam calados; não havia ninguém compondo hino, boa coisa mesmo, que pudesse ao lado do hinário aparecer como alternativa boa. Porque é muito fácil a gente falar para o jovem: “isso é uma droga”. Difícil é falar: “isso é melhor que isso” e fazê-lo sentir que é melhor mesmo. Temos visto muito nas nossas igrejas gente falando assim: “O rock não pode”. “Por que?” “Porque não”. “Mas por que não”?, “Porque é do diabo”. “Mas por que é do diabo?” “Porque é”. Isso é resposta? “Esse tipo de música não pode por causa disso, disso, e disso”; “porque tem uma outra muito melhor, ouça”. Onde está essa parte? Não é só criticar: “esse conjunto de jovens é uma droga”. É mesmo, muitas vezes, mas onde está um melhor? Falta mostrar como fazer melhor, como fazer diferente. Pegar essa criatividade que está ai e multiplicar isso. Eu tenho uma certa tranqüilidade em dizer isso até por estar coordenando uma faculdade de música sacra que tenta exatamente fornecer para a Igreja do futuro essas pessoas, que vão poder dizer isso. Se é verdade que nos últimos 40 anos a produção de música nacional sacra não esteve muito boa, para oferecer uma alternativa satisfatória, quem sabe os próximos 40 anos vão ser melhores. A geração passada quando quis cantar coisas novas não encontrou nada. Ou cantava as coisas velhas ou importava. E importou, num primeiro momento, dos Estados Unidos nem sempre as melhores coisas; num segundo momento imitou aquela música. Nas primeiras gravações de grupos alternativos jovens no Brasil, você tem música americana, autenticamente americana, traduzida para o português. Música jovem americana. Num segundo momento, música escrita no Brasil por eles mesmos, mas imitando o estilo que havia sido importado. Num terceiro momento, nacionalismo exacerbado; que condena tudo o que é importado e surgem os grupos super- alternativos: “Pé no chão”, “Barriga verde”, sei lá como chamam, proclamando que tudo que vinha de fora, em princípio, não prestava; a gente tinha que fazer uma coisa que fosse só nossa. É ai que se esbarrava num problema sério de convencer o pessoal do Sul a cantar baião; uma loucura, porque aquilo não era deles, na verdade. Nós estamos tão fragmentados nessa questão cultural que para o pessoal do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, o coral alemão era muito mais música deles do que baião. E com a gente também era assim.

Boa pergunta:

E agora, o que a gente faz domingo [ou sábado[1]] que vem? – A primeira coisa: já vai melhorar muito quando lermos os textos, ler cuidadosamente e isso não é fácil de fazer: ler o texto criticamente, quer seja um dos novos ou do hinário. É muito difícil porque, primeiro, sempre lemos um hino impresso com respeito, é palavra “meio inspirada”; temos dificuldade em criticar, ainda que esteja péssimo em linguagem e teologia; a segunda dificuldade que temos em relação aos hinos é que muitos deles nos acompanham há muito tempo, então, estamos muito ligados emocionalmente a eles. Temos uma ligação emocional que não nos permite ser racionais, muitas vezes, para fazer uma análise honesta daquele texto. Se conseguirmos fazer isto seriamente, sempre, tanto com os hinos do hinário como com os novos, num primeiro momento; e, num segundo momento, feita esta seleção, encontrarmos o lugar “certinho” deles acontecerem; e ao invés de um pacote de 40 minutos de música, usarmos dentre aquelas 6, 7, ou 8 músicas selecionadas, aquela certa para o momento certo, então o nosso culto passa a ter coerência e as pessoas começam a ter a sensação de começo, meio e fim. E isso já melhora no domingo que vem. E depois, entendemos que a função dos líderes nas igrejas tem que ser despertar nas pessoas vocacionadas para a música o senso de responsabilidade de que estão fazendo uma coisa muito séria. Descobrir essa gente e levá-las para frente. Para frente não quer dizer para a frente da Igreja, para tocar. Quer dizer: “levá-las a aprender”. Ninguém tem mais desculpas de que não tem onde aprender. Há cursos ótimos, professores ótimos, em muitos lugares. É preciso resgatar a importância de se aprender música, que perdeu-se na nossa cultura. Há 30 anos atrás qualquer Igreja de bairro ou do interior tinha uma, duas, três, quatro pessoas que sabiam tocar piano, porque eram os nossos avós, de cuja formação cultural a música fazia parte; as mulheres, especialmente, tinham que saber: cozinhar, bordar e tocar piano, para casar. Hoje não tem mais ninguém que possa tocar.

Irmãos, passamos por um momento complicado sim, mas se é verdade que o começo da solução do problema é exatamente a consciência dele, entendemos que vamos encontrar saídas, porque mais e mais pessoas estão sendo despertadas.


Parcival Módolo – Coordenador do Bacharelado em Música Sacra do Seminário Presbiteriano Rev. José Manoel da Conceição; Secretário Geral de Música da Igreja Presbiteriana do Brasil e Regente titular da Orquestra Municipal de Americana, SP. É formado pela Westfälische Landeskirchenmusikschule, da Alemanha, e pela University of Southern California, dos EUA.


Nota:

[1] As expressões entre [colchetes], quando existentes, são de autoria dos editores do Música Sacra e Adoração e não constam do original.


Fontes: Publicado em O Presbiteriano Conservador, na edição de Julho/Agosto de 1996.


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