A Forma da Adoração

Música no Culto

por: Antonio Carlos Gonçalves Mataruna

A música é considerada como uma arte funcional, isto é, uma arte que tem uma finalidade prática e importante: servir de veículo de expressões humanas. É usada para anunciar produtos (comércio), revelar emoções (romantismo, civismo, política, etc.) e outras ações de comunicação. No culto, não se pode ignorar o poder da música na transmissão e consolidação de mensagens – revelação, louvor, testemunho, apelo, oração, etc. Consolida porque a música facilita a memorização das mensagens (exemplos: “jingles” de propaganda, hinos cívicos, enredo de escolas de samba (samba-enredo), hinos evangélicos, cânticos, cantigas de roda, etc.).

A música favorável ao culto é aquela que serve de veículo para a expressão do louvor do homem para Deus, seu criador, ou seja: “Se com tua boca confessares…” Se a boca é instrumento de confissão, de testemunho, de proclamação da Palavra, e se a música é um veículo próprio para conduzir tais mensagens, concluímos que o canto é um instrumento de adoração e testemunho.

1 – A Música no Antigo Testamento


Se fizermos uma viagem panorâmica através da Bíblia, iremos descobrir os momentos em que ela relata episódios em que o povo de Deus levantou sua voz para entoar algum cântico. O primeiro registro sobre o uso de cânticos se encontra em Gênesis, capítulo 31, versículo 27, onde é narrado um episódio envolvendo Labão e Jacó, citando, inclusive, o uso de tambores e de harpas para acompanhar cânticos de alegria. O texto só não esclarece se tais cânticos eram espirituais ou simplesmente festivos. Aliás, uma insinuação mais antiga sobre o cantar é encontrada em Gênesis, capítulo 4, versículo 21, onde é citada a pessoa de Jubal, filho de Lameque, que se tornou pai de todos os que tocam harpa e flauta. Ora, se havia harpa e flauta, naturalmente deveria haver voz para ser acompanhada por tais instrumentos.

Logo após a travessia do Mar Vermelho e a derrota dos exércitos do faraó, Moisés e os filhos Israel entoaram um cântico de louvor a Deus, conforme se acha registrado em Êxodo, capítulo 15, versículos 1 a 19.

Mais adiante, em Números, capítulo 21, versículo 17, encontramos um interessante texto que narra um episódio, durante a peregrinação de quarenta anos pelo deserto, em que o povo canta. O texto assim fala:

“Então cantou Israel este cântico: Brota, ó poço! Entoai-lhe cânticos!”

Dando um salto na história, no livro de Esdras, capítulo 3, versículo 11 (Bíblia Shedd), encontramos outro significativo texto que diz o seguinte:

Cantavam alternadamente, louvando e rendendo graças ao Senhor, com estas palavras: Ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre sobre Israel. E todo o povo jubilou com altas vozes, louvando ao Senhor por se terem lançado os alicerces da sua casa.

Trata-te de um momento especial na vida do povo de Israel, no pós-exílio, após a reconstrução dos alicerces do templo em Jerusalém, após ter Ciro, o persa, permitido que os cativos voltassem da Babilônia para a sua terra para restaurar o templo. É um exemplo, dentre os muitos encontrados nas Sagradas Escrituras, do uso da voz na adoração ao nosso Deus. Poderia ter escolhido um outro texto que reunisse o uso da voz no canto mas, creio, Deus me direcionou para este. Mas o episódio narrado é um bom exemplo para nos mostrar o objetivo da voz no canto: louvar e render graças ao Senhor.

Um outro texto significativo sobre o uso da voz está no livro do profeta Isaías, capítulo 40, versículo 9 (Bíblia Shedd), e faz a seguinte conclamação:

Tu, ó Sião, que anuncias boas-novas, sobe a um monte alto! Tu, que anuncias boas-novas a Jerusalém, ergue a tua voz fortemente; levanta-a, não temas e dize às cidades de Judá: Eis aí está o vosso Deus!

Já este texto parece estar dirigido aos que exercem o ministério da profecia falada, da proclamação da Palavra revelada de Deus. Na versão revisada de Imprensa Bíblica Brasileira (De acordo com os melhores textos em hebraico e grego), o texto começa um pouco diferente, a saber:

Tu, anunciador de boas novas a Sião, sobe a um monte alto. Tu, anunciador de boas-novas a Jerusalém, levanta a tua voz fortemente;” …

De todo o modo, os dois textos enfatizam o uso da voz, tanto no cantar como no falar, para este anúncio: “Levanta a tua voz e anuncia: Eis aí está o vosso Deus! A ele louvai e rendei graças porque é bom.” Na vida cristã precisamos estar prontos para colocar a nossa voz a serviço do Senhor.

Acreditamos que o ápice da colocação da música no culto foi a instituição, por Davi, do ministério da música no tabernáculo em Jerusalém, confirmado mais tarde por Salomão na dedicação do templo construído sob sua liderança.

Foi na época de Davi que se organizou o livro dos Salmos, reconhecido como base do louvor cantado pelo povo de Israel. Quase metade deles (setenta e três, de acordo com os títulos) foi de autoria do próprio Davi. Asafe compôs doze, os filhos de Corá onze, Salomão dois, Moisés um, e Etã um.

2 – A Música no Novo Testamento


O Senhor Jesus cantava. Prova disso é o texto do evangelho de Mateus, capítulo 26, versículo 30, onde encontramos a narrativa do final da celebração da Páscoa pelo Mestre e seus discípulos. Diz o texto que “…, tendo cantado um hino, saíram para o monte da Oliveiras.” Que narrativa gloriosa! A música sendo usada pelo próprio Filho de Deus. Não poderia haver exemplo mais significativo do que este para nos mostrar o lugar da música no culto, sim, porque a celebração da Páscoa era um culto memorial, no qual se comemorava a passagem do Espírito de Deus e a libertação do seu povo do jugo da opressão egípcia. Era um culto de alegria e, com certeza, a música era de grande regozijo.

Agora passemos para um momento posterior. Vemos Paulo e Silas na prisão, sofrendo as agruras do aprisionamento num calabouço romano, passando por uma situação de extremo sofrimento. Entretanto, segundo o relato encontrado no livro de Atos, capítulo 16, versículo 25, eles “cantavam louvores a Deus”. Era o louvor na adversidade, reconhecendo que tais sofrimentos com a companhia de Deus eram plenamente suportáveis.

O apóstolo Paulo reconhecia o extremo valor da música na vida dos crentes e, por isso, deixou recomendações expressas em sua epístola aos Efésios, capítulo 5, versículos 18, parte b, e 19, e também em sua epístola aos Colossenses, capítulo 3, versículo 16, para que os crentes no Senhor Jesus Cristo se edificassem mutuamente com “salmos, hinos e cânticos espirituais.”

3 – A Música no Cristianismo


Mas que tipo de música pode e deve ser usado no culto, na igreja do nosso tempo? Que estilo musical é apropriado para cultuar a Deus?

Nem a literatura secular nem a Bíblia registram como eram as melodias entoadas pelo levitas e pelo povo de Israel nos tempos do Antigo Testamento. Nem sequer os gregos, que bem antes de Cristo (Pitágoras – século VI a.C.) realizaram profundos estudos sobre a Física do som e suas combinações, nos deixaram quaisquer anotações sobre suas experiências musicais. Nem ainda o Novo Testamento nos revela como os cristãos da igreja primitiva cantavam.

No século II ficou determinado pelas “Constituições Apostólicas” que o canto sacro seria constituído da entoação de um Salmo por um solista, respondida pelas congregações por meio de trechos fáceis, tais como “Améns” e “Aleluias.” Esta prática veio a desaparecer depois de dois a três séculos, eliminando totalmente a participação da comunidade no canto. Nesse meio tempo, os coros compostos por monges e clérigos continuaram a se desenvolver (Wanderley, p.3).

O século IV foi um período onde eventos importantes para a Igreja de Cristo começaram a acontecer. O primeiro deles foi o decreto do imperador Constantino, em 313, dando liberdade para o cristianismo. Há registros de que, por volta de 350 da era cristã, Hilário da Gália preparou o primeiro hinário cristão das igrejas cristãs (Ichter, p. 13). Depois disso surgiu em cena Santo Ambrósio (340-397), bispo de Milão que, neste mesmo século, estabeleceu um padrão musical para a sua diocese, com base nos elementos teóricos da música grega. Ambrósio foi denominado de “Pai dos Cânticos Religiosos.” Seus cânticos eram “antifônicos, congregacionais e melodiosos” (Ichter, p. 13).

Mais tarde, Gregório, o Grande, no século VI, aproveitou a obra de Santo Ambrósio ampliando-a e estendendo um padrão musical para toda a cristandade de então, padrão esse que se estabeleceu através dos séculos sob o nome de canto gregoriano. Foi Gregório quem criou a primeira escola de música sacra, a Schola Cantorum, a qual preparou líderes para dirigir a música nas diversas igrejas de então e dos séculos seguintes. Os resultados da atuação dessa escola são conhecidos até hoje, havendo muitos religiosos praticando estilo musical que lá teve seu ensino iniciado.

Desde então, a arte musical vem sofrendo uma significativa evolução, acompanhando aquela pela qual passaram as demais artes. Destacam-se as influências dos períodos renascentista, barroco, clássico, romântico e atual. Especialmente no final da Renascença, por ocasião da Reforma, a música sacra passou a ser acessível à toda a Igreja, através do canto congregacional. Isto se deveu à ação de Martinho Lutero que levou a música para os lábios dos membros da Igreja Reformada. Lutero pregava que todo cristão tinha o direito de expressar sua adoração ao Senhor através de um dom dado por Deus mesmo: cantar. Os próprios textos do Novo Testamento, anteriormente apresentados, revelam que é lícito ao crente cultuar cantando. Fazer isso juntos edifica e alicerça a comunhão dos salvos. Antes disso, a música usada nos ofícios religiosos da igreja de então eram constituídos por Canto Gregoriano, sempre cantado por meninos e sacerdotes.

Após a Reforma, ao longo dos períodos da História, grandes obras musicais sacras foram compostas, das quais se destacaram as missas, os oratórios e as peças avulsas, e os seus compositores, tais como Johann Sebastian Bach, Antonio Vivaldi, Felix Mendelssohn, Joseph Haydn e tantos outros.

Até o surgimento do movimento reavivamentalista nos Estados Unidos, no século XIX, a música sacra congregacional se caracterizava essencialmente por Salmos metrificados e alguns hinos. A partir daí começaram a surgir os compositores do estilo “gospel songs”, que acabaram sendo trazidos ao Brasil pelos primeiros missionários que aqui aportaram, os quais vieram a servir de ponto de partida para os primeiros hinários aqui editados. Dentre os pioneiros neste processo de edição musical, dois nomes se destacaram: o da missionária Sarah Poulton Kalley, letrista, tradutora, esposa do missionário Dr. Kalley, da Igreja Congregacional, e de Salomão Luiz Ginsburg, batista, cognominado de “O Judeu Errante no Brasil”, considerado o pai do Cantor Cristão.

Esse estilo de música sacra esteve dominante até o pós-guerra. Por volta da década de 1960, novos estilos começaram a surgir nas igrejas dos Estados Unidos, baseados nos musicais da Broadway, sob formas de cânticos populares e musicais, os quais acabaram chegando até as terras brasileiras.

4 – O Uso dos Instrumentos no Culto


No que tange ao uso de instrumentos, temos no Salmo 150 bases que justificam o seu uso. O cuidado que precisa ser tomado é o de se evitar que a música instrumental, no culto, tenha feição de secularização. Se o som produzido por um instrumentista trouxer à nossa mente e ao nosso coração inspiração celestial, amém! Mas se trouxer a ideia do último festival de música popular, o do baile funk da esquina, ou do cantor mais badalado das paradas de sucesso da TV, ou mesmo se trouxer à nossa mente as imagens de embalos de Sábado à noite, então “vade retrum Satanás!!!” … A música na igreja, no culto, principalmente a instrumental, que dispensa palavras, deve sempre trazer à nossa mente uma imagem de coisas espirituais, e não de coisas materiais, visíveis, carnais.


Fonte: Publicado originalmente em: u>http://musicanoculto.xpg.uol.com.br/musica.htm


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