por: Lilianne Doukhan
É a transformação do coração que irá garantir a forma genuína da adoração cristã.
Todos nós adoramos de uma maneira ou de outra. Até mesmo aqueles que não acreditam em religião adoram. Eles adoram ídolos do esporte, da música ou o dinheiro. Fomos criados para a adoração. A criação de Adão e Eva por Deus no sexto dia, o dia que precede o sábado, tem um significado teológico e sociológico profundo. O Criador pretendia que na vida dos seres humanos a adoração tivesse prioridade sobre qualquer outra atividade humana. É essa prioridade que exige dos seguidores de Deus que eles não só adorem, mas também o façam da maneira certa. O fato e modo da adoração não podem ser considerados irrelevantes.
Qual é a forma correta de adoração? Há só uma forma ou estilo correto? As formas de adoração mudaram com o passar do tempo? Quem decide que forma ou configuração é a mais apropriada? Pondo de lado as opiniões e preferências pessoais, precisamos descobrir a resposta na Palavra de Deus.
O significado da adoração
As Escrituras proveem-nos vários modelos de adoração. Um dos mais claros está em Isaías 6:1-8, onde o profeta relata a visão que teve de uma cena de adoração celestial. Esse texto nos apresenta um programa, até mesmo uma ordem de adoração.
O capítulo tem início com uma visão de Deus em Seu trono celestial, uma visão de beleza, poder, majestade e reverência. Aqui aprendemos primeiramente por que prestamos culto: para responder à presença de Deus e atender Seu chamado à adoração.
Os Salmos – textos tradicionais de adoração e louvor de Israel – nos ajudam a descobrir como adorar: com alegria e reverência. O tema percorre os Salmos e é expresso em frases como: “Venham! Cantemos ao Senhor com alegria! Venham! Adoremos prostrados e ajoelhemo-nos diante do Senhor, o nosso Criador” (Salmo 95:1,6).
Equilibrar alegria e reverência representa um desafio. Nos cultos de adoração, frequentemente praticamos uma com exclusão da outra, e de algum modo não descobrimos o modo de combinar as duas. Parece difícil ser reverente e ao mesmo tempo jubiloso. Mas, isto é o que a Palavra de Deus diz que devemos fazer no culto de adoração.
A Bíblia também apresenta a adoração como uma atividade holística [1]. Os adoradores devem aproximar-se de Deus com todo seu ser. A adoração bíblica envolve espírito, mente e sentidos físicos. Isaías 6 fala de adoração como envolvendo os quatro sentidos: visão, audição, olfato e tato.
A adoração também é um ato corporativo. Vimos a Deus como um corpo de crentes. Isso envolve tanto a dimensão vertical quanto a horizontal. Frequentemente, quando adoramos, interagimos num grau limitado com as pessoas ao nosso redor, mas a verdadeira adoração precisa conduzir-nos a maior intimidade não apenas com Deus, mas também com o corpo de adoradores. Por serem nossas igrejas cada vez mais multiculturais e multigeracionais, a dimensão horizontal se tomou um desafio. Cada um dos diferentes grupos aspira expressar a adoração a seu próprio modo.
Além disso, quando vamos adorar precisamos descobrir a quem adoramos. A adoração não é algo que fazemos para nós mesmos. Ela deve ser feita para Deus e a Deus. É uma atividade centralizada em Deus, inteiramente focalizada nEle (veja Salmo 9:1 e 2). Não vamos adorar principalmente para obter bênçãos, para aprender algo ou desfrutar companheirismo. O propósito principal da adoração é ir a Deus, dar-Lhe glória e falar sobre Seus feitos.
Adorar, portanto, é uma experiência de parceria: Deus, de um lado, inicia o chamado à adoração e o adorador responde ao chamado.
Para que a adoração tenha lugar, é preciso seja ela significativa a ambas as partes. A adoração significativa é agradável a Deus. O Salmo 19 é bem claro nesse ponto: “Que as palavras da minha boca e a meditação do meu coração sejam agradáveis a Ti” (Salmo 19:14). Contudo, com que frequência esforçamo-nos para agradar a congregação ao planejarmos nosso culto de adoração!
A motivação determina nosso pensamento e organização no que respeita à adoração. A primeira preocupação que devemos ter em nosso coração sempre que lidarmos com formas e formatos de adoração é: “Será que isso vai agradar a Deus?” Quando queremos agradar alguém, tentamos descobrir o que a pessoa é: Qual é o seu caráter? O que ela gosta de fazer? Como ela se relaciona conosco? Precisamos fazer as mesmas perguntas para descobrir o que vai agradar a Deus. As respostas obtidas orientarão nossa busca pelo que é apropriado na adoração.
A adoração, porém, deve ser também significativa para o adorador. É importante descobrir se o culto de adoração é relevante para nossa congregação, isto é, se ela achará significado nele. Isso nos chama a atenção para a importância dos símbolos. Na adoração, o significado está repleto de símbolos como a Ceia do Senhor, o batismo, a leitura da Bíblia, a oração, a música, a arquitetura, etc. Todos esses são “sinais” importantes para comunicar o significado da adoração, e deveriam contribuir para que ela seja viva e relevante.
Essa é uma tarefa difícil. E até muito mais difícil é combinar as duas coisas: o que é apropriado e a relevância. Como pode a adoração ser agradável a Deus e, ao mesmo tempo, relevante para a congregação? Como podemos combinar o elemento divino da convocação e o elemento humano da resposta em nossa experiência de adoração?
As formas de adoração
O culto de adoração diz respeito a toda a congregação e não só ao pastor. Nesse aspecto, precisamos educar nossas congregações, bem como os nossos pastores, dirigentes de culto e de música. Nossos dirigentes de culto e de música frequentemente servem a congregação com seus talentos e sua boa intenção. Os músicos, especialmente os que são treinados em habilidades específicas, devem lembrar-se de que a adoração é um momento muito especial. Nela você não apenas “executa música”. Na adoração você não apenas “interage” com a congregação. Não apenas “lê um texto”. Você faz todas essas coisas na presença de Deus e para Deus.
A verdadeira adoração, em sua essência e suas formas, começa com o aprender e ensinar sobre ela. A educação, o exemplo, o aconselhamento, o preparo de líderes e da congregação são todos ingredientes nesse processo de aprendizagem.
Aprender sobre a adoração suscita perguntas importantes: Há um estilo ou formato particular que Deus mais aprecia? Há uma maneira melhor de prestar culto? Há um modo para o mundo todo adorar? A Bíblia esclarece que não é tanto o estilo ou formato da adoração em si que importa a Deus. O que Deus está buscando é a condição e a atitude do coração do adorador. A expectativa mais elevada na adoração, aos olhos de Deus, é “um espírito quebrantado; um coração quebrantado e contrito” (Salmo 51:17). Deus não aprecia nossos sacrifícios, nossas formas de adoração, quando não encaminhamos a conversa para “praticar a justiça, amar a fidelidade, e andar humildemente com o seu Deus” (Miquéias 6:8).
É, portanto, a transformação genuína do coração que vai garantir o formato genuíno de adoração. Qualquer formato que utilizemos será destituído de significado se não o fizermos com um coração transformado. Numa corporação global, multicultural, como a Igreja Adventista, onde quer que adoremos, os mesmos princípios devem guiar nossa compreensão do que é a adoração. Derivados da Palavra de Deus, esses princípios são imutáveis e eternos, independentemente de tempo ou lugar. A divergência está em nossas expressões de adoração, no modo como adoramos. Precisamos determinar que atitudes, moldadas por nossa cultura, expressarão melhor a reverência. Aqui a pergunta real é: “Este modo particular de expressão, dentro de dada cultura, será verdadeiramente entendido como expressando reverência a Deus?”.
O mesmo é verdade com respeito à alegria. Há modos diferentes de ser alegre. Alguns saltam e gritam, outros são calmamente alegres. Qualquer que seja a cultura em que vivemos, precisamos descobrir o modo mais legítimo de expressar a alegria que procede da adoração bíblica. Que tipo de alegria deveríamos esperar desfrutar na adoração? Há diferença entre o tipo de alegria que experimentamos na adoração e a celebração que fazemos num jogo de futebol ou num evento musical? A alegria proveniente da adoração é muito especial, incomum. Ela é semelhante à nossa alegria humana, mas também muito diferente. O relato feito por Neemias sobre a dedicação dos muros de Jerusalém após o retorno de Israel do exílio, diz que eles estavam contentes “porque Deus os enchera de grande alegria” (Neemias 12:43). Assim, a alegria na adoração é um contentamento concedido por Deus, o resultado de nosso encontro com Ele e daquilo que Ele fez por nós. Nossa busca dessa alegria concedida por Ele é muito importante por que ela amoldará nossas expressões de adoração: a maneira como nos comportamos durante o culto de adoração, a música que executamos e como executamos essa música.
Forma e conteúdo andam de mãos dadas tanto na adoração quanto em toda espécie de arte. Tanto na arte como na adoração: Se a mensagem transmitida pela forma não for a mesma expressa pelo conteúdo, acabaremos tendo uma arte falsa ou falsa adoração. A imagem da tubulação e da água ilustra o assunto da expressão cultural. Conquanto os tubos possam ser de materiais diferentes metal, plástico, cimento todos eles podem transportar água. Semelhantemente, expressões culturais diferentes podem transmitir uma verdade particular.
Porém, uma coisa é importante: Precisamos ter certeza de que quando a água chega a nós e a bebemos, ela ainda é pura, não adulterada, verdadeira. Se essa água for alterada em sua composição química, ela pode se tornar um veneno. Certos canais ou tubos podem mudar a natureza da água. Se eu usar um tubo de chumbo para transportar minha água, ela colherá no trajeto chumbo suficiente para me deixar doente. Aquilo que é essencial à vida pode tornar-se causa de doença. Se nossa forma de adoração de algum modo adulterar a mensagem que queremos transmitir, ela não é uma forma apropriada de adoração e precisamos mudá-la. Por outro lado, se transmite verdadeiramente a mensagem de adoração, mesmo que não seja na forma tradicional, então é um formato apropriado para a adoração.
Uma das difíceis realidades da adoração é que ela traz consigo uma tensão, como podemos notar, entre o participante humano e o participante divino; entre as expressões de alegria e reverência, e entre o que é apropriado e o que é relevante. Essa é uma tensão saudável porque constantemente nos desafia em nossa adoração. Ela requer que não poupemos esforços para encontrar um equilíbrio sadio entre os dois elementos. Essa tarefa não pode ser feita por uma única pessoa; ela envolve toda a congregação para assegurar que nossa adoração seja agradável a Deus.
Sob a perspectiva dessa tensão, qualquer discussão sobre formas e formatos de adoração toma uma nova direção. A questão não é mais escolher entre estilos – o que poderia significar que há alguns estilos melhores do que outros – mas fazer escolhas dentro de um determinado estilo. Uma multiplicidade de estilos de adoração está disponível e dentro de cada estilo devemos escolher os elementos que adequadamente transmitem os verdadeiros valores da adoração.
As questões não são: É certo bater palmas no culto de adoração? Este estilo de música é aceitável? Devemos usar dramatização no culto de adoração? Devemos ajoelhar ou ficar em pé para a oração? Formas e formatos não são a meta ou o propósito da adoração. Eles são agora resultados e consequências de nossa reflexão sobre adoração. A essa altura, novas perguntas surgirão e orientarão nossa busca da verdadeira adoração:
- Como podemos captar o senso de santidade na adoração?
- Como podemos moldar o culto de adoração, de forma que o adorador seja conduzido a concentrar-se em Deus, em vez de na música ou na pregação?
- Como podemos expressar alegria e reverência na adoração e manter o equilíbrio entre as duas?
- Que expressões de adoração podem ajudar os membros da congregação a se tornarem melhores praticantes de sua fé, ou seja, exercer misericórdia e justiça, os sinais da verdadeira adoração?
- Como o culto de adoração pode comunicar nossa mensagem ao mundo?
Precisamos reaprender como adorar. O segredo para conseguir isso é reaprender como nos ligarmos a Deus em um nível pessoal. A adoração corporativa principia no nível pessoal. À medida que aprendermos a conhecê-Lo melhor e como nos aproximarmos dEle, à medida que aprendermos a maneira de nos dirigirmos a Ele e de nos relacionarmos com nossos companheiros de adoração, descobriremos como tornar nosso culto de adoração mais significativo.
Lilianne Doukhan (Ph.D. pela Michigan State University) ensina musicologia e música e adoração na Universidade Andrews, em Berrien Springs, Michigan, EUA. Atualmente está trabalhando num livro sobre adoração e música. Seu e-mail: [email protected]
Notas:
[1] A autora usa a palavra aqui em seu sentido restrito, ou seja: a adoração é holística por ser um ato de totalidade, orgânico. Aproveitamos a nota para esclarecer que todas as expressões entre [colchetes] – se existentes – são de dos editores do Música Sacra e Adoração.
Fonte: Revista Diálogo Universitário, Volume 15, nº 3, pp.17-19.