por: Gerson Pires Araújo [1]
O principal e primordial objetivo de cada ser humano ao entrar num templo não deve ser outro senão o de adorar. Embora o que faça Deus aceitar a adoração e o culto seja um espírito humilde e abatido diante da majestade do Criador do Universo e uma consciência de debilidade própria por parte dos adoradores, há contudo certos atos de adoração que se devem revestir de especial cuidado a fim de trazer à mente dos adoradores um ambiente propício para que o ato de adorar através de um processo de abstração, possa, na realidade, levar o indivíduo a ter uma íntima comunhão com Deus.
Em se tratando de tal acontecimento que é o de haver comunhão e comunicação da criatura com o Criador e do Criador com Suas criaturas, através da adoração e do culto prestado por seres finitos, falhos e imperfeitos, somos aconselhados pela própria revelação a estar conscientes da Santidade deste Deus que nos criou.
“Adorai o Senhor na beleza da Sua santidade” – Salmo 96:9.
O salmista nos concita aqui a adorarmos ao Senhor na beleza da Santidade. Isto nos quer sugerir que aquilo que é santo é também belo, e que existe Beleza na Santidade divina. Deve haver, portanto, elevada correlação entre o que é Santo, Bom e Puro e o que é Belo.
Se agregarmos a esta ideia, outra encontrada em Salmo 100:4, onde o povo de Deus é convidado a entrar nos átrios do Senhor com música e cântico, para adoração, somos levados a admitir que devemos usar as belas artes para adorar ao Senhor que é, em Si, o autor e fonte de beleza.
Queremos tecer alguns comentários a respeito do uso desta forma de conhecimento que é a arte. Na realidade arte seria uma parte do conhecimento como as ciências, letras, moral ou outra forma qualquer. A arte seria o cultivo da beleza em suas várias formas de expressão. É a noção reta das coisas a fazer; fazer bem feito.
Mas o que é Beleza? Quando podemos dizer que algo é Belo? Uma enciclopédia diz simplesmente: “Beleza qualidade do que é belo; harmonia de proporções, perfeição de formas, qualidade do que é agradável à vista ou ao ouvido, o que desperta admiração; tipo de perfeição física, coisa muito agradável”.
De acordo com Mercier, “beleza é a qualidade de uma obra que por coordenação feliz de suas partes, exprime intensamente e faz admirar um tipo ideal, ao qual ela se reporta”.
São Tomás de Aquino simplesmente dizia: “beleza é aquilo que agrada ver”. Lahrs acrescenta: “Beleza é a expressão de uma vida particularmente rica, livre e harmoniosa, a qual, sendo conhecida, estimula agradavelmente o uso de nossas faculdades representativas e emotivas: os sentidos, a imaginação, a razão e o sentimento”.
Encontramos nestas definições pelo menos alguns conceitos do que venha a ser beleza:
- Forma de expressão.
- Expressão de alguém ou de alguma coisa.
- Para que a obra ou alguém seja belo é necessário satisfazer certas características que possuam elementos subjetivos e objetivos.
- Deve provocar em quem contempla um estado de emoção.
Portanto, para que uma obra seja bela deve haver elevada correlação entre os elementos subjetivos e objetivos que a compõem, isto é, as características desta obra devem ter certas qualidades que deverão ser apreciadas por quem as contempla.
Expliquemos um pouco melhor. Uma obra para expressar algo de belo deve possuir como qualidades o esplendor da ordem e perfeição. Deve conter nos elementos que a formam harmonia, equilíbrio, proporção das partes, de formas, sons, cores, movimentos e de palavras.
Permanece, no entanto, a pergunta: o que é que determina se uma obra é proporcional em suas partes? Quando dizer que algo está em equilíbrio, fora do mundo físico? Como saber se existe harmonia de cores, formas, sons, movimentos e palavras? Em suma, como saber qual é o paradigma ou modelo da beleza? Quais as leis que regulam e norteiam uma obra de arte considerada bela? Como, neste mundo de divergências, gostos e individualidades, saber realmente o que é a beleza para poder se usar esta beleza na adoração, num sábado de manhã nos átrios do Senhor?
Convido-vos a voltarmos nossa atenção a dois textos, um da Palavra de Deus e outro do Espírito de Profecia[2]. Comecemos pelo segundo que se encontra no livro Educação, pág. 41: “Como o Autor de toda a beleza, sendo Ele próprio amante do Belo, Deus proveu o necessário para satisfazer em Seus filhos o amor do belo”.
O segundo é o que encontramos no Salmo 27:4: “Uma coisa peço ao Senhor, e a buscarei: que eu possa morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida, para contemplar a beleza do Senhor, e meditar no Seu templo”.
O Senhor é o autor da beleza, e é Ele quem determina as leis que regulam algo que deve ser considerado belo ou não. É o Senhor do Universo quem deve ter a última palavra na questão. E se a beleza pode ser contemplada no Senhor e sendo Deus perfeito em beleza, por que não concluir logo que o modelo, o paradigma da Beleza é o nosso Deus, a quem vamos adorar no templo no sábado pela manhã?
Toda a beleza é uma expressão dAquele que é o autor da Beleza e é em Si mesmo o modelo para tudo o que é belo. Portanto, quando alguém consegue produzir uma obra de arte, qualquer lampejo de beleza, isso não é nada mais do que uma forma de revelação dAquele que é o Pai das luzes.
Vamos agora para os elementos subjetivos da obra de arte. Diz-se hoje que a arte é uma forma de expressão e deve ser totalmente subjetiva e expressar o que vai no íntimo do indivíduo. Os que propagam a arte moderna querem que se veja beleza nas obras produzidas por indivíduos que, interiormente, são desequilibrados e sem inspiração. Onde encontrar beleza e harmonia nestas obras? Simplesmente não as há porque não existe mais harmonia, equilíbrio e proporção na vida individual nem coletiva. Se arte moderna deve expressar toda frustração, desequilíbrio, maldade e pecado que vai pelo mundo, por que devemos nós, que estamos lutando contra a correnteza da maré do pecado que já assola este planeta há seis mil anos, perder os últimos minutos que nos restam, contemplando obras que só vão produzir emoções nefastas e nefandas em nossa vida cristã?
Na realidade, se uma obra de arte, como dizia S. Tomás, deve agradar aos sentidos, é necessário que estes sentidos se achem regulados conforme as leis naturais e sobrenaturais que Deus colocou no ato da criação. A obra de arte não é irracional ou incompreensiva. Apela também à razão, pois esta não deve estar divorciada da emoção para que haja uma vida de equilíbrio e proporção.
As artes podem ser usadas para dois propósitos definidos. O primeiro deles é o propósito utilitarista, para alcançar certos objetivos didáticos, comerciais ou outro qualquer. O que nos interessa é o segundo. Somos instados a contemplar o Senhor em Sua beleza a fim de que nossas emoções sejam incentivadas, excitadas e que possamos, aliadas à razão e à fé, usá-las para adorar ao nosso Criador enquanto Lhe prestarmos um culto racional.
Todas as capacidades do homem devem ser usadas na adoração e as emoções são uma destas capacidades. A beleza deve agradar aos sentidos e somos convidados a contemplar o Senhor em Sua beleza a fim de, levados pela emoção, sabermos apreciar a beleza de Seu caráter e sermos transformados à Sua semelhança através desse processo contemplativo.
Há uma estreita e íntima relação entre os elementos emotivos e racionais na adoração e para podermos usar uma obra de arte na adoração, seja ela qual for, deve haver integridade do objeto, proporção ou unidade na variedade, clareza na inteligibilidade.
Como produzir uma obra de arte que vá expressar a beleza objetiva e que desperte a admiração subjetivamente?
Voltemos à inspiração:
“É lei do espírito adaptar-se gradualmente aos assuntos de que é ensinado a ocupar-se. Se ele se ocupa apenas com coisas comuns, tornar-se-á definhado e enfraquecido. Se nunca lhe é exigido atracar-se com problemas difíceis, quase perderá, depois de algum tempo, a faculdade de crescimento”. Patriarcas e Profetas, pág. 665.
“Como imaginou em sua alma, assim é” – Provérbios 23:7.
Eis aí o segredo. Para produzir uma obra de arte ou mesmo interpretá-la ao se adorar, são necessários hábitos operativos mentais. Quer imitando, expressando ou mesmo criando uma obra de arte, a mente deve estar estruturada de acordo com os padrões de beleza impostos por Aquele que é o Autor de toda a beleza. Para que possamos apreciar o belo ou produzir uma obra de beleza é necessário primeiro saber o que é beleza, mediante o contato, a contemplação e imitação daquele Ser que é em Si, o paradigma da Beleza. Conhecer as leis que devem reger uma obra de arte é obrigação primordial de todo o artista cristão. Isto quer dizer, prezados jovens, que a arte moderna, que, influenciada pela filosofia existencialista de hoje, quer abolir todas as normas e regras para a ação e o fazer do homem, não é mais nada do que a negação da própria arte. Afastai-vos dela.
A obra de arte é regida por leis e é necessário e imprescindível que aquele que se dispõe a produzir uma obra de arte tenha suas estruturas mentais orientadas de acordo com as normas e leis criadas e mantidas por Deus.
Qual o uso que se deve fazer de uma obra de arte?
Lemos novamente da pena inspirada:
“Fazia-se com que a música servisse a um santo propósito, a fim de erguer os pensamentos àquilo que é puro, nobre e elevado, e despertar na alma a devoção e gratidão para com Deus. Que contraste entre o antigo costume e os usos a que muitas vezes é a música hoje dedicada! (…) A música faz parte do culto de Deus nas cortes celestiais e deveríamos esforçar-nos, em nossos cânticos de louvor, por nos aproximar tanto quanto possível da harmonia dos coros celestiais”. “O coração deve sentir o espírito do cântico, a fim de dar a este a expressão correta”. Patriarcas e Profetas, pág. 662.
O grande objetivo da educação e da vida é restaurar no homem a imagem de Seu Autor. Se somos transformados pela contemplação, quão oportuno é nos deixarmos emocionar pelas obras artísticas que na realidade contêm elementos de beleza. Quando contemplamos, apreciamos e nos satisfazemos com uma obra de arte, despertam-se em nós emoções enobrecedoras e sentimos o desejo de ser melhores cristãos. Para isso, no entanto, são necessários recolhimento, reflexão paciente, gosto nela perfeição, inspiração e meditação. Não se consegue pela agitação, correria e desatenção que caracteriza a vida moderna.
A arte pode criar emoções que exprimem o clima, o ambiente de certos momentos ou ocasiões. Quando ouvimos “A Criação Completa Está”, do Oratório A Criação, de Haydn, podemos na realidade sentir o clima de júbilo que marcou o primeiro sábado deste mundo. Se quisermos sentir a solenidade daquela sexta-feira quando nosso Redentor expirava no Calvário, ouçamos Tenebrae Factae Sunt, de Ingegneri. Para sentirmos as emoções vibrantes e marciais da vitória divina durante a Reforma, ouçamos e cantemos Castelo Forte, de Lutero.
Todos nós devemos ser artistas quer para elaborar uma obra de arte, quer para interpretá-la ou simplesmente para apreciá-la. O artista cristão estrutura sua mente conforme as leis que Deus deixou para reger a obra de arte. Só então ela pode expressar, mesmo que vagamente, as maravilhas do que o olho não viu nem ouvido ouviu, e só então poderemos fazer com que nossos cânticos possam se aproximar dos coros angelicais. Quando em nossa vida estivermos nos aproximando do ideal que Deus tem para Seus filhos a santificação só então poderemos manifestar o ideal em nossa obra de arte. Quando a mente se acha estruturada conforme Deus, quando tivermos, como disse Paulo, a mente de Cristo, então vamos reproduzir a Beleza divina na pintura, na música, na escultura, na poesia ou noutra arte qualquer.
Quando chegamos ao templo para adorar, devemos fazer diferença entre o sacro e o profano. Quando, em nossas reuniões religiosas ou cultos que rendemos a Deus, entoamos nada mais que música popular com uma letra pretensamente sacra, não fazemos nada mais que trazer fogo estranho perante o altar do Senhor e isto só pode ser considerado como abominação e sacrilégio diante dos olhos divinos.
Quando o coração e a vida de um artista estão cheios de amor para com Deus e seus semelhantes, quando sua vida é pautada por uma estrita aderência aos princípios divinos, quando a mente se acha estruturada por um conhecimento claro, preciso e detalhado das leis que regulam o Universo de Deus, quando os sentimentos e as emoções se acham despertos, controlados e dirigidos pelo poder do Santo Espírito, então, e só então, ele poderá produzir urna verdadeira obra de arte que vai exprimir a Beleza da Santidade divina.
Notas:
[1] Agradecemos à Loide Simon por esta contribuição ao Música Sacra e Adoração.
[2] Neste contexto, o Espírito de Profecia são os escritos por Ellen G. White. Todos os textos localizados neste artigo sem a referência de autoria, são de Ellen G. White (nota dos editores do Música Sacra e Adoração).
Texto Bíblico:
Salmo 100:4 “Entrai pelas suas portas com ação de graças, e em seus átrios com louvor; dai-lhe graças e bendizei o seu nome”. (voltar)