por: Julio Oliveira Sanches
Uma ovelha segredou a outra que estava com saudades dos antigos hinos do Cantor Cristão, que após a introdução dos chamados “grupos de louvor”, não eram mais cantados nos cultos. O Cantor Cristão havia sido abolido dos cultos pelo novo pastor, que tudo fazia para apagar a memória dos antigos pastorados.
Não é fácil desconsiderar a memória centenária do passado. Especialmente quando nela estão inseridas vitórias, bênçãos, almas salvas, batistério que não ficava seco e a alegria que o culto a todos outorgava.
“Também estou com saudades”, confessou a outra ovelha. “Mas eu canto em casa”. “Cante em casa”, sugeriu. A partir daí a ovelha saudosa começou a cantar os hinos que sabia de cor. Hinos que estavam guardados na memória como tesouros preciosos.
A alegria de cantar restituiu a alegria da salvação. “Por que não consigo memorizar os cânticos atuais? Embora os repita à saciedade, não consigo lembrar a letra na segunda feira. Qual o motivo pastor?”.
“Os motivos da não memorização daria uma tese de doutorado em música. Alguns volumes poderiam ser escritos e ainda ficaria matéria a ser pesquisada e estudada com dedicação”, respondi. Alguns, entre os muitos motivos, do porque da memorização dos hinos do Cantor Cristão e o porquê da não memorização com facilidade, dos atuais cânticos podem ser considerados:
Os cultos denominados antigos ou tradicionais tinham conteúdo. O prelúdio pelo coral, as leituras bíblicas, os hinos no decorrer do culto e outras partes formavam um bloco compacto. O culto tinha início, meio e fim. Todos os hinos estavam relacionados com a mensagem. Mesmo que o pregador fosse preguiçoso e fraco na oratória, o conjunto levava os participantes a gravar as verdades transmitidas. Aliás, a letra de alguns hinos era a salvação para o auditório do pregador sem conteúdo.
A música dos hinos, embora não repetitiva, marcava o adorador. A mensagem poética dos hinos prenhe da boa doutrina, falava por si só. O crente saia do templo cantarolando os hinos. “Oh que mensagem cheia da compaixão de Deus…”, “Que consolação tem meu coração descansando no poder de Deus…”, “Em Jesus confiar…” e muitos outros ficavam marcados na memória. Era fácil lembrar do culto durante os dias da semana e cantarolar os hinos.
Música, sem necessidade de ferir tímpanos, ajudava na memorização da letra. Entre as muitas razões, estas explicam o porquê não se conseguia esquecer os hinos do último domingo. O alimento balanceado, rico em nutrientes espirituais alimentava a alma do salvo e lhe oferecia ânimo para prosseguir e testemunhar de Cristo. Em suma, culto era culto, nada mais do que culto.
Ninguém se destacava na direção. O objetivo era a pessoa e glória de Jesus Cristo, jamais o “grupo de louvor”, o baterista e o corpo de baile. O foco era a Palavra de Deus exposta em suas variadas formas de apresentação. Ninguém saia do templo precisando de um comprimido para mal estar e dor de cabeça.
No caso o culto denominado “contemporâneo” a razão da não memorização é creditada a vários elementos cultivos. A ausência do púlpito em nome da melhor comunicação com o auditório. O pregador lidera o show e tem como função colocar o povo em pé e fazê-lo cantar. A bateria reina soberana no local do púlpito. O baterista, sem preparo musical, bate, não toca, o pobre instrumento, ultrapassando todos os decibéis recomendados pelos otorrinos. A maior parte do auditório bate palmas, mas não canta, marcando a cadência. O “grupo de louvor” com potentes microfones canta sozinho. Alguns poucos no auditório tentam repetir as letras desconexas, sem conteúdo bíblico, com português errado, concordância desprezada, verbos mal conjugados e heresias, as mais variadas.
A salada tem tantos ingredientes, que a mente não consegue digerir, os instrumentistas não se entendem. Alguns ainda tocam por cifras outros nem cifras conhecem. Cada um batuca do seu jeito. “Louvor” para ser louvor tem que ser repetitivo, creem os dirigentes. Mesmo repetido à exaustão, não consegue ser memorizado.
O expectador, no caso o salvo, “derruba os muros de Jericó”, “voa pelas montanhas”. Diz que “Jeová é homem de guerra”, “Rompe em fé” (prefiro “se a fé por vezes falha…”), “Navega sobre as tempestades” (prefiro o grito de socorro de Pedro), e claro cai no deserto espiritual. Atordoado com tanto barulho e faminto de íntima comunhão com Deus, não tem o que memorizar. Quando o “culto” está quase terminando é hora da mensagem. De preferência positivista, sem Bíblia, sem conteúdo, sem sequência hermenêutica, sem doutrinas, pois foi copiada da internet.
Como a igreja não tem e não segue um programa de Educação Religiosa definido, a cada culto vale a verborreia que nada constrói. O salvo sai do templo tão atordoado que se recusa lembrar do culto. Prefere ouvir os pregoeiros da televisão que pelo menos divertem o auditório com pseudos milagres e “palmas para Jesus”.
Coração vazio, mente faminta, alma desestruturada a tentar compreender o que fui fazer na igreja? Não tem o que cantar e contar. “Você entendeu o que o pregador quis dizer?”. “Não!”. “Nem eu!”. Qual a solução? Cante em casa os “velhos hinos” cujas mensagens perduram por toda a existência. Nunca ouvi alguém dizer “eu me converti ouvindo tal cântico”. Mas tenho ouvido centenas e centenas de irmãos a testemunharem: “esse foi o hino da minha conversão”. “Morri, morri na cruz por ti; que fazes tu por mim?”. “Quando me dei conta estava lá na frente do auditório entregando minha vida a Jesus”.
Portanto cante em casa, no trabalho, com os amigos salvos, na rua, enquanto dirige no emaranhado do trânsito, ao aguardar ser atendido pelo médico. Cante aqueles hinos que estão gravados em sua memória. “Não sei por que de Deus o amor a mim se revelou…”, “mas eu sei em quem tenho crido…”.
Não preciso implorar, como salvo, “entra na minha casa”, pois Cristo já adentrou a minha alma. No dia em que, convencido pelo Espírito Santo, me salvou.
Notas dos editores do Música Sacra e Adoração: Sendo o autor um pastor Batista, nos parece perfeitamente compreensível que o texto acima cite o hinário “Cantor Cristão”; mas obviamente a aplicabilidade a outros hinários tradicionais é imediata. Além disso, pelo mesmo motivo também nos parece compreensível a citação do culto aos domingos, que no caso dos Adventistas do Sétimo Dia, ocorre no Sábado.
Fonte: O Jornal Batista, ano CXII, edição 15 (08/04/2012), p. 3