por: autor desconhecido [*]
Para os historiadores, não é tarefa fácil tentar determinar o período de início e fim da Idade Média, mas as propostas mais aceitas situam essa era da História entre a queda da Civilização Romana no século V, e o século XV, do Renascimento Humanista. Se aceitarmos essa hipótese, poderíamos dizer que a música medieval, em tese, acompanha essa cronologia e que foi produzida por praticamente mil anos. Assim, ela nasceria com as primeiras manifestações artísticas de uma nova cultura, fundamentada na síntese das sociedades romana e germânica, ambas articuladas pela Igreja Romana.
A crise dessa sociedade marcaria também o declínio da música medieval. Comparável aos documentos históricos medievais em geral, o corpo de peças musicais do período aumenta à medida que se aproxima o seu fim. Tal fato relaciona-se principalmente ao desenvolvimento dos sistemas de notação musical (portanto é uma questão de registro, não devendo se confundir com um retrato da intensidade da prática musical vigente).
O surgimento e desenvolvimento da polifonia escrita e das primeiras notações musicais no Ocidente deram-se na Idade Média. Freqüentemente, o caráter litúrgico ou paralitúrgico e festivo ligam a música aos ritos religiosos (a exemplo do cantochão e do calendário gregoriano), ou àqueles de reminiscência pagã (como as festas da chegada da Primavera).
É também nessa era que o amor profano se expressa em todo seu refinamento na arte dos trovadores e que a monofonia atinge a maturidade no Ocidente.
O período da música medieval é marcado pela estrutura modal praticada nas himnodias e salmodias, no canto gregoriano, nos organuns polifônicos, nas composições polifônicas da Escola de Notre-Dame, na Ars Antiqua e Ars Nova e ainda na música dos trovadores e troveiros.
Música Modal
A música modal se caracteriza pela importância dada às combinações entre as notas e a seus resultados sonoros particulares. De acordo com a função e o texto cantado, o compositor usa um modo escalar diferente. O fundamento da música modal é a composição melódica, seja em uma monodia (uma só melodia) ou em uma polifonia (mais de uma melodia, simultâneas).
Himnodias e Salmodias
A música erudita no ocidente começa com a proliferação das comunidades cristãs, entre os séculos I e VI. Suas fontes são a música judaica (os Salmos) e a música helênica sobrevivente na antiga Roma. As principais formas musicais são as salmodias, cantos de Salmos ou parte de Salmos da Bíblia, e himnodias, cantos realizados sobre textos novos, cantados numa única linha melódica, sem acompanhamento. A música não dispõe, então, de uma notação precisa. São utilizados signos fonéticos acompanhados de neumas, que indicam a movimentação melódica.
Monodia Gregoriana
A rápida expansão do cristianismo exige um maior rigor do Vaticano, que unifica a prática litúrgica romana no século VI. O papa Gregório I (São Gregório, o Magno) institucionaliza o canto gregoriano, que se torna modelo para a Europa católica. A notação musical sofre transformações, e os neumas são substituídos pelo sistema de notação com linhas. O mais conhecido é o de Guido d’Arezzo (995? 1050?). No século XI, ele designa as notas musicais como são conhecidas atualmente: ut (mais tarde chamada dó), ré, mi, fá, sol, lá, si.
Música Polifônica
Os sistemas de notação impulsionam a música polifônica, já em prática na época como a música enchiriades, descrita em tratado musical do século IX, que introduz o canto paralelo em quintas (dó-sol), quartas (dó-fá) e oitavas (dó-dó). É designado organum paralelo e no século XII cede espaço ao organum polifônico, no qual as vozes não são mais paralelas e sim independentes umas das outras.
Escola de Notre-Dame
A prática polifônica dá um salto com a música desenvolvida por compositores que atuam junto à Catedral de Notre-Dame. Eles dispõem de uma notação musical evoluída, em que não só as notas vêm grafadas, mas também os ritmos a duração em que cada nota deve soar. Os mestres Leonin e Perotin, o Grande, são os dois principais compositores dessa escola, entre 1180 e 1230. Ambos, em seu modo de composição rítmica, além da elaboração de vozes novas sobre organuns dados, se abrem para composições autônomas. Abandonam o fluxo rítmico do texto religioso, obedecido no canto gregoriano, em troca de divisões racionais, criando a base para escolas futuras.
Ars Antiqua
Desenvolve-se entre 1240 e 1325, e suas formas musicais perduram até o fim da Idade Média: o conductus, o moteto, o hoqueto e o rondeau. O moteto é composto a partir de textos gregorianos que recebem um segundo texto, independente e silábico, cada vogal corresponde a uma nota, seja esta repetição ou não da antecedente. Essa necessidade de cantar cada vogal num novo som impulsiona a notação rítmica. Os motetos que mais se destacam são realizados com textos profanos sobre organuns católicos.
Ars Nova
De 1320 a 1380 impera a Ars Nova, denominação de um tratado musical do compositor Philippe de Vitry. O organum e o conductos desaparecem, e o moteto trata de amor, política e questões sociais. Variados recursos técnicos são utilizados para dar uniformidade às diversas vozes da polifonia: as linhas melódicas são comprimidas ou ampliadas e muitas vezes sofrem um processo de inversão (sendo lidas de trás para diante).
Guillaume de Machaut é o grande mestre desse período. Utiliza, com precisão, recursos como os baixos contínuos e a isoritmia – relação de proporcionalidade entre todas as linhas melódicas da polifonia, possibilitando que as vozes se desenvolvam sobre uma única base rítmica.
Música Profana
A atividade de compositores profanos, como os minnesangers e os meistersangers germânicos e os trovadores e troveiros franceses, é intensa entre os séculos XII e XIII. Os trovadores da Provença, ao sul da França, e os troveiros, ao norte, exercem forte influência na música e poesia medievais da Europa. Suas músicas de cunho popular, em dialetos franceses, enfatizavam aforismos políticos (como no compositor-poeta Marcabru), canções de amor (Arnaud Daniel, Jofre Rudel e Bernard de Ventadour), albas, canções de cruzadas, lamentações, duelos poético-musicais e baladas. As bases para suas melodias são os modos gregorianos, porém de ritmo marcado e dançante, com traços da música de origem moçárabe do mediterrâneo.
Adam de la Halle (1237-1287) troveiro francês, menestrel da corte de Roberto II de Arras, a quem acompanha em viagens a Nápoles. Trata seus poemas em composições musicais polifônicas, como os 16 rondós a três vozes e 18 jeu partis (jogos repartidos), em que se destacam o Jogo de Robin e Marion e o Jogo da folha, que podem ser classificados como as primeiras operetas francesas.
Bibliografia:
Kiefer, Bruno – História e significado das formas musicais. Porto Alegre: Movimento, (1970).
Carpeaux, Otto Maria – Uma nova História da música. Rio de Janeiro: Alhambra, 1977.
Mundy, Simon – História da música. Lisboa: Ed. 70, 1980.
Jeremy Montagu – The World of Medieval & Renaissance Musical Instruments / The Overlokk Press – 1980.
Dicionário GROVE de Música – Editado por Stanley Sadie – Jorge Zahar Editor – 1994.
Roland de Candé – História Universal da Música – Martins Fontes – São Paulo – 1994.
Catherine Homo-Lechner – Sons et Instruments de Musique au Moyen Âge – Éditions Errance – 1996.
[*] – Nota: Os editores do Música Sacra e Adoração não localizaram informações acerca do autor deste artigo. Qualquer contribuição acerca desta informação será bem-vinda.
Fonte: Publicado originalmente no blog “Historia Geral e Reflexão em Música”