O Ministério da Música na Igreja Local

Introdução a uma Filosofia de Música Sacra a Partir de uma Perspectiva Adventista

por: Roy Graf Maiorov
Universidade da União Peruana, Lima, Peru
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Resumo

Este artigo é uma reflexão sobre a música no campo da adoração. O autor destaca que se trata de um assunto repleto de significados complexos. A música de adoração é um fenômeno de múltiplas manifestações, associada a experiências variadas. Estudar sua filosofia é pretensioso, e ainda mais tentar regulamentá-la. Embora não possamos ser taxativos no tratamento deste assunto, este artigo é também um convite à reflexão sobre a música de culto.

Palavras-chave: Adoração – Louvor – Culto – Igreja – Música

Abstract

This article is a reflection on the music in the area of worship. The author notes that it is a complex subject full of different meanings. Worship music is a phenomenon of multiple manifestations associated with varied experiences. Studying this kind of music is pretentious, much more trying to rule on it. Although we cannot be unilateral in the treatment of this topic, this article is also an invitation to reflect on worship music.

Keywords: Adoration – Service – Church – Music – Praise

Introdução

Música é um termo carregado de significados difíceis de assimilar e englobar em uma única definição. É um fenômeno de manifestações muito diferentes, associado às mais variadas experiências humanas. É uma palavra ligada às mais belas emoções, mas também aos debates mais acalorados. Falar de música já é um desafio. E querer fazê-lo no que diz respeito à filosofia da música é provavelmente pretensioso, e nem estamos falando em querer propor uma filosofia da música ou menos ainda estabelecê-la. Mas a música existe. Está aí. Faz parte de nossas vidas e da vida da igreja. Embora não possamos defini-la com clareza, compreendê-la totalmente, apreendê-la plenamente, sua própria existência nos convida a refletir sobre ele.

Música é, sem dúvida, uma arte. Mas penso que definitivamente não é qualquer arte. Faz parte de toda a vida. É impossível imaginar uma arte que possa competir com ela em poder e influência. Ninguém passa nem mesmo algumas horas de sua vida sem ouvir, tocar ou produzir música. Podemos nos perguntar se a música é boa ou ruim, positiva ou negativa, bonita ou feia, mas não podemos questionar que ela existe, nos rodeia, nos inunda e é imensamente mais popular do que qualquer outro tipo de arte.

Adoração e Música

A filosofia adventista da música sacra deve certamente ser emoldurada dentro de uma teologia de adoração que a embase.

O que é adoração? Provavelmente, a definição bíblica mais precisa de adoração é Salmos 29:2: “Tributai ao Senhor a glória devida ao seu nome” (veja também Salmos 95:6,7; 96:7-9). Do ponto de vista bíblico, a adoração é a atividade da própria criatura em relação ao seu Criador. Implica (ou é) obediência, serviço e entrega ou sacrifício total. Entendida corretamente, a adoração não é algo que se faz apenas no contexto de um culto ou serviço religioso. É uma atitude de vida da criatura que se reflete em todas as suas ações.

A adoração parte de uma certa concepção de Deus.1 A cultura ocidental, devido à influência do pensamento grego, tende a ver Deus como um ser atemporal, imaterial e separado da realidade humana. Segundo essa concepção, é um ser totalmente alheio à esfera espaço-temporal do ser humano. O cristianismo adotou em seu início essa concepção de Deus2 E, à medida que a igreja cristã avançava em direção a um processo de institucionalização, ela adotou uma liturgia que refletia a concepção de Deus como afastado e distante. Isso também resultou em uma hierarquia sacerdotal especializada que conduzia todo o processo de adoração (clero) e na qual os “leigos” tinham muito pouca participação. A adoração foi mediada pelos especialistas. Por sua vez, a adoração era o que determinava a cultura, e não o contrário.

Nossa cultura contemporânea, entretanto, se voltou para o extremo oposto. Deus é concebido como um ser imanente, que não é basicamente diferente do ser humano. Além disso, em muitos aspectos, o ser humano é deus. É uma visão humanística e quase panteísta da adoração. Portanto, a adoração contemporânea enfatiza a experiência subjetiva, o gosto pessoal e as contribuições do meio. A cultura é o que condiciona a adoração e a determina. O importante é o show, o resultado emocional, o impacto midiático e a contribuição subjetiva do adorador. O conteúdo revelado é cada vez menos importante. Deve-se evitar os espaços vazios e lutar contra o silêncio. A experiência emocional é confundida com a experiência espiritual.

A partir de uma perspectiva bíblica, a maneira correta de adorar não é algo que a criatura decida. Caso contrário, não seria obediência, serviço ou rendição. É Deus quem determina como adorar. Basta chegar a esta conclusão lendo sobre as experiências de Caim e Abel (Gênesis 4).

A adoração é anterior à existência do pecado. Ela surge com a própria aparição dos primeiros seres criados com vontade. É um fato característico dos seres com livre arbítrio. Jó 38:7 declara: “as estrelas da alva, juntas, alegremente cantavam, e rejubilavam todos os filhos de Deus.” Mas, uma vez que o problema do pecado é introduzido, a adoração assume uma dimensão adicional. É a dimensão do grande conflito entre Cristo e Satanás. Esta é o contexto teológica no qual a adoração ocorre. Todos nós temos que decidir por quem vamos tomar partido. Devemos nos perguntar: “A quem vamos adorar?” Esta é a pergunta cuja resposta determinará nosso destino no tempo do fim.

Finalmente, a adoração deve ser uma resposta à Palavra. Ou seja, deve basear-se nela e responder à sua exposição. Deve estar em harmonia com a doutrina da igreja.

Música e Adoração

A música existe desde que existem seres criados com a vontade de criá-la e executá-la. E ainda antes, visto que, de acordo com a Bíblia, o próprio Deus é musical, o próprio Deus faz música (Êxodo 15:2; Salmos 118:14; Isaías 12:2; Sofonias 3:17; Zacarias 9:14; I Tessalonicenses 4:16) .

O homem é um ser musical porque foi criado à imagem de Deus. Portanto, a música é um dos meios que Deus designou para adorá-lo (Salmos 149 e 150). E, claro, se nem toda adoração é aceitável, nem toda música também pode ser aceita por Deus.

A música deve ser “teocêntrica” e não “antropocêntrica”. Nossa concepção de Deus deve condicionar e determinar nossa música no contexto da adoração. Na concepção bíblica, Deus é um ser que se desenvolve no âmbito do espaço-tempo do ser humano. Ele se liga intimamente ao ser humano. É o seu Criador e Sustentador. E no contexto do grande conflito, é o seu Salvador. Deus é Deus, mas se fez homem. Ele conhece o ser humano ao compartilhar de sua experiência e ao salvá-lo onde ele está. Mas o fato de Deus não ser um ser afastado e distante não significa que seja igual ao ser humano. Nem é verdade que o homem é como Deus ou o mesmo próprio Deus (humanismo e panteísmo). O homem é a “imagem e semelhança” de Deus, mas não é Deus. Na prática, isso significa que a música deve refletir um equilíbrio em nossa compreensão da natureza de Deus. Não pode ser completamente alheia à cultura na medida do possível, porque está relacionada a ela, mas também não pode ser determinada pela cultura. Infelizmente, muito da música “sacra” usada na igreja hoje é uma música fortemente determinada pela cultura, especialmente rock ou pop rock.

No contexto do grande conflito, a música em geral e a música sacra em particular também fazem parte dos recursos usados por um ou outro lado para buscar a vitória. E é por isso que em grande parte a resposta à pergunta “que música vamos escolher?” determinará o nosso destino final.

Por outro lado, a música é um meio muito poderoso de comunicar e evocar experiências, sentimentos e até certos conceitos.3 A música é uma linguagem. E é uma linguagem, em algumas de suas formas, altamente universal, como o rock. Estudos recentes têm demonstrado que a música (sem letra) é capaz de transmitir estados emocionais como amor, ódio, dor, raiva, alegria, desejo sexual ou reverência por meio de padrões e estímulos específicos, não condicionados pelo contexto cultural.4 E isso implica que ela não é neutra.

A música, mesmo sem a letra, possui uma carga moral. Portanto, sua seleção e utilização devem atender a critérios que favoreçam um uso adequado dela. Isso deve nos levar a questionar que tipo de estados afetivos são transmitidos pela música que usamos na adoração. Pode ser que a letra esteja transmitindo uma mensagem incompatível com a música. E é até possível que a forma como uma determinada letra é cantada promova estados afetivos que não têm lugar no contexto do culto. Com muita frequência, há cantores sacros que parecem querer seduzir o público em vez de elevá-lo ao trono da graça.

A música, além de ser uma arte, é também um dom5 e, como tal, os princípios da mordomia cristã se aplicam a ela. A mentalidade ocidental chegou a estabelecer uma distinção entre arte pura e arte funcional.6 A arte pura é a arte que é um fim em si mesma. É arte pela arte. Arte funcional é aquela produzida para um propósito específico. No caso da música, muitas vezes a música erudita (“clássica”) é considerada arte pura. Por outro lado, a música militar, publicitária ou religiosa, é vista como arte funcional. Foi criado com um propósito além de si mesma, seja elevar o moral da tropa, favorecer a compra de um produto ou induzir reverência. Biblicamente, porém, todos os dons devem estar a serviço de Deus e de sua causa, o que significa que toda música (e toda arte) que o cristão escolhe, reproduz ou faz deve ser arte funcional. Ou seja, deve servir a um propósito específico.

Se toda a música que fazemos deve estar a serviço de Deus e de sua causa (I Coríntios 10:31) e deve glorificá-lo, essa música também é adoração, não importa se é classificada como “religiosa” ou não.

Música e Estética em Relação à Adoração

Isso sugere como corolário que a música para o cristão, seja ela secular ou sacra, parte de uma concepção estética diferente daquela do restante da música. Para o cristão, a música “bela” é aquela que constrói o caráter. A música “feia” é aquela que o degrada ou o destrói. Este é o principal parâmetro estético para o cristão, e é o primeiro que ele deve aplicar em relação à música para a adoração. Todos os outros estarão subordinados a ele.

Quais são os outros parâmetros a serem considerados? A música é composta de vários aspectos. A melodia transmite estados afetivos, mas também apela ao intelecto. A harmonia induz estados emocionais na mente do ouvinte; não é a mesma coisa ouvir uma obra em modo maior do que em modo menor. O ritmo apela às emoções, mas também aos instintos. A intensidade é uma qualidade do som e, portanto, também da música. Outros elementos a serem levados em consideração são o estilo e a forma musicais, o timbre, a afinação, o fraseado, etc.

Algumas Sugestões a Seguir Sobre Música na Adoração

Com base no que foi dito até agora, as seguintes sugestões podem ser feitas:

  1. Analise a concepção de Deus por trás da música que estamos usando. É capaz de transmitir conceitos como a grandeza e magnificência de Deus, induzindo à humildade, simplicidade e reverência? Para que propósitos o mesmo estilo de música é usado em outros contextos?
  2. A música deve ser moralmente adequada tanto intrinsecamente quanto nas associações que gera na mente do adorador. Evite associações com sensualismo, bem como dramatizações que focalizem a atenção no intérprete e não em Deus.
  3. A música sacra deve refletir um equilíbrio adequado e simetria entre seus vários elementos. Assim, por exemplo, a melodia deve se destacar acima da harmonia, e esta acima do ritmo, para favorecer uma compreensão mais clara da mensagem da letra e da mensagem musical; a intensidade nunca deve exceder 70 decibéis; a entonação deve ser afinada e apropriada à voz do intérprete da obra musical ou dos membros da congregação, etc.
  4. Evite usar a música como complemento ou para combater o silêncio enquanto esperamos que comece.
  5. Acompanhe a música com poesia criativa, biblicamente sólida e espiritualmente edificante, evitando o apelo ao sentimentalismo.
  6. Seja muito cauteloso com recitais “sacros” que procuram exaltar os músicos. Esse tipo de recitais muitas vezes favorece o fato de o devoto acabar apreciando as obras musicais como “mini concertos” em meio ao culto.
  7. Favoreça o planejamento. Evite improvisação na seleção de hinos e partes especiais. Cada igreja deve ter uma comissão de adoração e música ou uma pessoa responsável por zelar pela música a ser executada ou reproduzida.
  8. Promova música “ao vivo”. Evite “música enlatada” ou “reproduções” tanto quanto possível. Para pensar: Você gostaria de ouvir um sermão gravado em sua igreja em um sábado pela manhã, se houvesse alguém que pudesse pregar?
  9. Incentive o treinamento de músicos de igreja. Isso permitirá uma adoração mais genuína e vital que enriquecerá toda a igreja.

Referências

1 – Sobre a importância da concepção de Deus como determinante do culto, mas especialmente da música para o culto, ver Wofgang Hans Martin Stefani, Música sacra, cultura e adoração (Trad. Fernanda Carolina de Andrade; Engenheiro Coelho, SP: Imprensa Universitaria Adventista , 2002), 157-196. (voltar)

2 – Roy E. Graf. “Pressupostos antropológicos em Ellen White e implicações educacionais” (Tese de Graduação, Universidad Adventista del Plata, Libertador San Martín, Entre Ríos, 1999), 78-80. (voltar)

3 – Para uma discussão mais ampla sobre este ponto e uma bibliografia sobre o assunto, ver Roy E. Graf, “Music as a Message: Some Implications for Music in Worship”, Strategies 5.1 (2007): 31-43. (voltar)

4 – A esse respeito, consulte Manfred Clynes, “Scentic Cycles – The Passions at Your Fingertips”, Psychology Today (maio de 1972), disponível em http://www.rexresearch.com/clynsens/clynes.htm#pt72 (consultado em 29 de outubro de 2020 (NT)). (voltar)

5 – Ellen White, Educação (Buenos Aires: ACES, 1998), 167. (voltar)

6 – Sobre esta distinção, ver Donal P. Hustad, A Música na Igreja (Trad. Adiel Almeida de Olivera; São Paulo: Edições Vida Nova, 1991), 32-42. (voltar)


Fonte: Evangelio – Revista bíblico-teológica, nr. 6 (2013): pp. 13-19
Traduzido por Levi de Paula Tavares em Outubro de 2020


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