por: Liana Feitosa
A jornalista Mariana Lioto e a psicóloga Francismari Barbi estudaram algo ainda pouco explorado na academia: a relação entre o estilo sertanejo universitário e o consumo de álcool. Ao analisar as letras das músicas, elas constataram que beber é associado a fazer amigos, conquistar mulheres, ter sexo casual e à fuga de problemas. Das 48 duplas analisadas na dissertação de mestrado de Mariana, por exemplo, apenas sete não falam da bebida nas canções. Francismari, por sua vez, acredita que esse tipo de música cria um ambiente acolhedor e reforçador do consumo de álcool.
Por que vocês escolheram este tema?
Francismari Barbin: Queria um tema que fosse pouco estudado no Brasil e que tivesse importância clínica e sociocultural.
Mariana Lioto: O fato de eu ter problemas de alcoolismo na família.
A relação entre álcool e música sertaneja é um fenômeno contemporâneo ou vem desde a música de raiz?
FB: O vínculo do álcool com a música sertaneja é antigo e remete ao início da música de raiz, nas primeiras décadas do século 20. Porém, percebe-se claramente um forte apelo ao uso de álcool neste novo sub-estilo musical.
ML: A presença do tema se observa na música de raiz, mas também em outros ritmos. O que é possível afirmar é que o consumo de bebidas aparece com frequência nas músicas mais modernas, em geral, de maneira positiva.
O que mais chamou sua atenção na pesquisa?
FB: Estudos constatam que o Brasil possui uma cultura banalizadora sobre o ato de beber, fator que pode fomentar uma variável favorável ao consumo de etílico. O álcool, em detrimento das outras drogas, possui um elemento de socialização fortemente enraizado em nossa cultura o que explica seu consumo em quase todos os momentos de lazer. Neste contexto, a propaganda, a mídia e a música são agentes importantes de estímulo, porque criam um ambiente acolhedor e reforçador do ato de beber. Resta saber o quanto essas letras influenciam o consumo de etílicos.
Que promessas existem nas letras das canções analisadas?
FB: Essas músicas e propagandas fazem referência ao álcool como fonte de prazer e diversão e o associam à praia, dia ensolarado, mulheres bonitas, liberdade de escolha e “cura” de sentimentos negativos e desilusões amorosas. Obviamente, as letras fazem alusão a um lado positivo que não é real no consumo de álcool.
ML: Existem associações recorrentes: quem bebe nunca está sozinho e sempre aproveita a vida rodeado de amigos e mulheres. A bebida também aparece relacionada com a fuga da opressão do trabalho ou como auxílio em conquistas sexuais. Minha pesquisa não pode afirmar se as promessas podem ou não ser cumpridas. O referencial teórico do trabalho não pode medir isso. Trata-se de um estudo do que as músicas dizem, apenas o discurso, e não sobre se induzem à prática.
Como uma discussão séria sobre a questão poderia ter mais impacto na sociedade?
FB: No Brasil, ainda engatinhamos no quesito tratamento. E quando falamos em prevenção, estamos ainda muito distantes do mínimo ideal. O caminho seria unir saberes e forças de grupos religiosos, entidades da sociedade civil e profissionais de saúde e educação para pensarmos em politicas públicas preventivas que realmente funcionem. É cientificamente comprovado, por exemplo, que a religião é um fator importante de proteção contra o uso abusivo de substâncias psicoativas. A mídia poderia nos ajudar também abrindo mais espaços para debates sérios sobre as drogas, especialmente as lícitas. No combate ao tabaco, tivemos um grande avanço. As leis estão mais rígidas e os comerciais foram banidos. Precisamos fazer o mesmo com o álcool e seria importante haver um tipo de restrição a apologias nas letras das músicas, por exemplo. Mas envolveria muitas questões delicadas e acho difícil isso acontecer por enquanto.
Você gosta da música sertaneja universitária?
FB: Gosto do estilo sertanejo. Existem muitas canções bonitas que remetem à história do homem simples do campo, mas realmente não curto músicas de estilo apelativo, principalmente as que fazem menção à sexo e ao uso de drogas.
ML: Eu convivo com esse estilo porque é muito popular na minha cidade, em Cascavel, PR.
Fonte: Conexão 2.0