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Adventismo Secular? – Parte 1

por: Dr. Fernando Canale

Primeira Parte – Separação

“Qualquer observador da história e da cultura adventista do sétimo dia sabe que o estilo de vida adventista não é mais o que era. Já que tudo o que acontece tem uma causa, deveríamos assumir que as mudanças no estilo de vida surgiram a partir de convicções mais profundas, sejam teológicas ou relacionadas com a experiência. Em consequência começarei, na primeira parte, por revelar algumas causas por trás da separação teológica e prática que existe entre o estilo de vida e a salvação, o qual resulta na crescente secularização do estilo de vida adventista”. (p. 21)


Capítulo 1 – A Secularização do Adventismo

O que é estilo de vida?

“O dicionário Oxford diz que ‘estilo de vida é a forma na qual vive uma pessoa’. […] O significado da expressão ‘estilo de vida’, então, é claro. Refere-se à forma que vivemos nossa vida cada dia. Por outro lado, a forma que vivemos a nossa vida é a forma como somos como pessoas e como cristãos”. (p. 23)

“Contudo, muitos adventistas, seguindo uma convicção cristã generalizada, diferenciam entre ‘vida espiritual’ e estilo de vida. De acordo com este ponto de vista, nossa ‘vida espiritual’ (a vida cristã) é diferente e não se relaciona com os assuntos comuns e sem importância da vida cotidiana (estilo de vida)”. (p. 23)

A secularização do estilo de vida adventista

“Um crescente número de adventistas estão adotando estilos de vida mundanos. Não tenho estatísticas ou estudos científicos para apoiar esta afirmação. Só tenho uma série de observações pessoais durante os últimos 40 anos. […] Contudo, compartilharei minha percepção parcial e limitada da secularização do estilo de vida adventista para fundamentar que nós temos um problema que necessita atenção teológica e pastoral”. (p. 24)

“Devido às divisões teológicas que operam atualmente no adventismo, antecipo que alguns dos leitores verão a secularização do estilo de vida adventista como um progresso ‘espiritual’ que deveríamos celebrar, ao invés de corrigir voltando à Bíblia. […] Ao ter a segurança da salvação, alguns adventistas não compreendem a necessidade de viver uma vida cristã e renunciar aos seus estilos de vida seculares. Pensam honestamente que são adventistas e cristãos muito bons”. (p. 24) [1]

“A secularização do estilo de vida adventista estende-se a todas as áreas da vida. Algumas pessoas tiram férias e realizam viagens de negócios no sábado. Vão às compras após o por do sol durante o sábado e consideram isto correto. Alguns se sentem livres para substituir o óleo, trocar os pneus e lavar o carro no sábado enquanto cumprimentam as outras pessoas que vão à Escola Sabatina. Outros assistem programas de televisão com conteúdo secular ‘positivo’ para satisfazer aos crentes adventistas conservadores. A secularização também se estende ao vestuário, ao adorno exterior incluindo o uso de joias, a falta de modéstia e os estilos ‘sexy’. Em algumas partes do mundo acrescentam-se atividades como assistir televisão sem selecionar os conteúdos, a dança, o sexo antes do casamento e a música rock. Aceita-se o consumo moderado de bebidas alcoólicas e de tabaco e abandoná-los não é uma condição requerida para o batismo. Isto é só uma mostra parcial”. (p. 24)

“A cultura ocidental de onde o adventismo veio a existir tem experimentado um intenso processo de secularização. Durante os séculos XVIII e XIX o pensamento científico empírico mudou e substituiu os fundamentos filosóficos sobre os quais a civilização ocidental e o pensamento cristão estiveram construídos por séculos. Os avanços tecnológicos sem precedentes deram impulso à nova forma de pensamento secular. Durante o século XX, esta revolução filosófico/científica alcançou progressivamente as culturas ao redor do mundo afetando profundamente as denominações cristãs, dividindo a maioria delas em liberais e conservadoras” (p. 25)

“O adventismo não é uma exceção. Na atualidade, administradores da igreja, professores universitários e pastores estão enfrentando os desafios apresentados pelas ideias filosóficas, científicas e culturais da modernidade e da posmodernidade. […] Como resultado, no início do século XXI, o pensamento e o estilo de vida adventistas estão em pleno processo de secularização” (p. 26)

Salvação e justificação

“Os primeiros adventistas viam a salvação sob a perspectiva da doutrina do santuário. A partir deste ponto de vista, eles experimentaram a salvação como santificação, não como justificação. A justificação era o perdão e estava incluída no processo de santificação. Não é que não havia justificação, mas sim que a justificação não era a ‘experiência’ total da salvação. Vinculavam a justificação à santificação”. (p. 26)

“A secularização do estilo de vida adventista não é um fenômeno teológico, mas sim um fenômeno da prática. Em outras palavras, inclui diretamente a prática e a formação dos pastores adventistas”. (p. 28)


Capítulo 2 – Pragmatismo Ministerial

“Os teólogos não mudam a forma de pensar da igreja, quem o faz são os pastores. […] Portanto, necessitamos examinar a causa logística por trás da secularização do adventismo”. (p. 29) [2]

“Os seminários prestam serviço à igreja. Preparam seus líderes presentes e futuros. Como resultado, os líderes dos seminários em geral assumem seriamente aquilo que a liderança pastoral lhes diz quanto ao que esperam dos graduados pelo seminário. Invariavelmente, através de meus anos como professor de Teologia na América do Sul e na América do Norte, a mensagem dos administradores da igreja (associações/missões, uniões, divisões) é clara. O seminário deve ensinar ‘mais coisas práticas’, de modo tal que os graduados saibam ‘como evangelizar, como conduzir uma reunião administrativa e uma assembleia’. Nunca ouvi administradores pedindo a um seminário que ensinasse aos pastores em perspectiva ‘as doutrinas da igreja’. (p. 30)

“Desapareceram a busca da verdade bíblica e a compreensão teológica como parte de nossas vidas cristãs. […] Existem mais canto e concertos musicais do que estudo da Bíblia, individual ou congregacional. Os tambores estão substituindo a Bíblia e o Espírito de Profecia como instrumentos ministeriais”. (p. 31)

“Estou muito preocupado porque este esquema de pensamento pragmático no ministério adventista descarta a Escritura e anula o Espírito de Profecia. Além disso, ao usarem teólogos passados e presentes como referência para seus pensamentos e suas pregações, muitos pastores adventistas chegam a ser infiéis ao princípio de sola Scriptura”. (p. 32) [3]

“A ênfase nas atividades missionárias práticas da igreja adventista criou um vazio teológico. Com o passar do tempo, este vazio foi preenchido com ensinos e práticas emprestadas da tradição evangélica a qual está experimentando um processo de secularização. Portanto, pegar emprestada a teologia evangélica, sem análise, conduz à secularização”. (p. 32)


Capítulo 3 – Princípios Metodológicos do Evangelicalismo

“As teologias evangélica e católica romana se secularizaram porque construíram seus fundamentos hermenêuticos, doutrinas e práticas sobre fontes seculares. […] Precisamos entender que não podemos copiar a teologia, os métodos de trabalho pastoral e os rituais de culto sem uma análise crítica e sem o risco de colocar seriamente em perigo a verdade bíblica. A teologia adventista foi construída sobre os princípios de sola, tota, y prima Scriptura”. (p. 33) [4]

“A hermenêutica evangélica se baseia na filosofia neoplatônica, na descontinuidade entre o Antigo Testamento e o Novo Testamento, na imortalidade da alma e na experiência sobrenatural instantânea da justificação somente pela fé. […] Em lugar da experiência da justificação pela fé sobrenatural, instantânea, os adventistas sustentam as mensagens dos três anjos, que contêm a verdade bíblica da justificação pela fé como um processo que mantém juntos a lei, a fé e o Espírito de Jesus Cristo, da mesma maneira como a Bíblia apresenta consistentemente este assunto em outros lugares”. (p. 35)

“Em resumo, assim como os evangélicos derivam seus princípios hermenêuticos da tradição, os adventistas derivam seus princípios hermenêuticos da Escritura em sua totalidade. Uma divergência explicitamente estabelecida no nível das fontes e dos princípios hermenêuticos da teologia deixa claro que os sistemas de crença evangélico e adventista não são complementares, mas sim que chegam a conclusões mutuamente incompatíveis”. (p. 35)

“Este entendimento quanto aos fundamentos teológicos explica o porquê das denominações evangélica e católica romana estarem buscando a unidade ecumênica. Contrariamente, ao permanecer sobre os fundamentos bíblico-teológicos, o adventismo desafia as tendências ecumênicas atuais ao criar um novo eixo ecumênico que consiste na fidelidade aos fundamentos bíblicos. Deus chamou o adventismo para exercer este papel no tempo do fim da história da salvação. Somente ao ser fiel à Escritura o adventismo alcançará a unidade e cumprirá sua missão escatológica” (p. 35)


Capítulo 4 – Lutero e a justificação

“Aprecio o valor de Lutero para desafiar os poderes da Igreja Católica Romana e agradeço seu uso do princípio de sola Scriptura. Porém, seu pensamento nem sempre é bíblico ou coerente com o testemunho total do Antigo Testamento e do Novo Testamento”. (p. 37)

“Por mais de um século os adventistas creram que a experiência da salvação inclui a santificação. Para eles a santificação não é o ‘fruto’ da justificação/salvação ‘já possuída’, mas sim a necessária experiência da salvação. Neste contexto, se requer um estilo de vida cristão em conformidade com todos os mandamentos de Deus e o exemplo de Jesus de obediência a eles. Nesse caso o estilo de vida adventista e a experiência libertadora da salvação de Deus se fazem necessários”. (p. 37)

Atemporalidade

“De acordo com Lutero, a justificação é uma ação divina que flui da vontade e do poder de Deus. A vontade e o poder de Deus assumem sua existência e natureza. Lutero não estava interessado nos temas fundamentais do discurso teológico. Limitou-se a tomá-los emprestado da tradição católica romana que, por sua vez, os adaptou da filosofia neoplatônica e aristotélica. De acordo com a teologia católica romana, o ser de Deus é atemporal e não espacial (eterno e espiritual)”. (p. 38)

“O que significa isto? Lutero entendeu a realidade de Deus de acordo com a filosofia grega. Deus não vive ou atua na sequência de passado, presente e futuro, mas sim em um ‘momento’ atemporal ‘instantâneo’”.(p.39)

“Esta perspectiva de Deus foi construída sobre o dualismo cosmológico de Platão. Para Lutero, como para muitos cristãos, existe uma diferença ontológica entre o mundo de Deus, isto é o céu, o Espírito, a graça e a salvação, e o mundo da vida cotidiana sobre nosso planeta. O tempo e a história, nossas vidas, nossos atos, não são parte do mundo do Espírito, mas sim do corpo humano. Consequentemente a justificação, como ato divino, acontece no mundo espiritual, o mundo da alma eterna. É nessa esfera onde a salvação realmente ocorre”. (p. 40)

Escatologia

“Ao comentar sobre II Pedro 3:3, Lutero extraiu uma conclusão lógica a partir de sua suposição sobre a atemporalidade divina para a escatologia cristã. Uma vez que no céu conheceremos a Deus em Sua atemporalidade, Lutero concluiu que ‘esta vida e a vida por vir são duas classes [diferentes]. Esta vida não pode ser a mesma que a vida vindoura’. […] Não pense que é possível medi-la como se mede esta vida Ali [na vida por vir], tudo será um dia, uma hora, um momento”. (p. 41)

“Contudo, se no céu não há tempo, que acontecerá com o sábado quando Cristo vier outra vez? Como adventistas cremos que depois que Deus cumprir sua promessa de criar um novo céu e uma nova terra (Isaías 66:22) toda a humanidade O adorará ‘de uma lua nova a outra, e de um sábado a outro’ (Isaías 66:23)”. (p. 42)

Natureza

“Para entender a justiça de Deus, Lutero assume a dicotomia platônica entre dois mundos: o celestial e o terreno”. (p. 43)

“Lutero acreditava que o crente é ‘um novo homem em um novo mundo onde não existe lei, nem pecado, nem consciência, nem morte, mas sim gozo perfeito, justiça, graça, paz, vida, salvação e glória’. Esta vida, finalmente, é a vida da alma”. (p. 44)

“Agora podemos entender quando Lutero afirma que ‘tudo o que não é graça, é lei’. A lei e a graça são separadas, inclusive opostas uma à outra, porque pertencem a mundos diferentes (céu e terra). A graça e a salvação são eventos espirituais ‘celestiais’, separados dos eventos ‘históricos’ da vida cotidiana os quais se referem à lei, ao pecado e às obras”. (p, 44)

Causa

“Lutero fala do evangelho como o único meio de salvação, o qual corresponde à ideia de que Cristo é a causa da justificação. […] Porém, ainda que se trate de Cristo, o que causa a justificação não é sua vida ou sua morte, mas sim uma ação divina. A natureza humana de Cristo e, portanto, a cruz como um evento histórico, não são a causa última de nossa salvação”. (p. 45)

“Na teologia de Lutero, de Calvino e na teologia evangélica, então, a predestinação tem um papel decisivo. […] Neste cenário, a cruz não é a causa da salvação, mas sim somente o meio através do qual a predestinação eterna, atemporal, não histórica e onipotente de Deus elimina nossa liberdade e vida históricas”. (p. 47)

Conteúdo

“Lutero acreditava corretamente que a ‘doutrina da justificação consiste em que somos declarados justos e somos salvos somente pela fé em Cristo, e sem obras … este é o verdadeiro significado da justificação’.  Acrescento que ensinar o contrário seria antibíblico”. (p. 47)

“Porém, o que significa ‘ser declarado justo?’ De acordo com Lutero significa que ‘nossos pecados estão cobertos e … Deus não deseja continuar fazendo-nos responsáveis por eles’. Em outras palavras, ao ‘imputar sua graça e perdão Deus perdoa nossos pecados’. A ‘imputação’ significa que Deus nos atribui sua justiça divina (não a justiça humana de Cristo)”. (p. 47)

“Consequentemente, na realidade (ontologicamente) continuamos vivendo vidas pecaminosas, seculares. Somos, então, simultaneamente justos à vista de Deus (justificados por graça) e pecadores em nossas próprias vidas”. (p. 48)

“Isto não significa que os cristãos ‘salvos’, ‘justificados’, não cometam pecados. Continuam pecando devido à sua inclinação para pecar (pecado original) que Deus quitará somente ao morrerem e em sua segunda vinda”. (p. 48)

“Podemos dizer que, para efeitos práticos, Lutero identifica a justificação com a salvação. Mais especificamente, contudo, a justificação chega a ser a chave que nos assegura a posse da salvação entendida como vida depois da morte. A interpretação de Lutero da justificação pela fé como uma salvação instantânea e permanente recebida pela fé no batismo não parece deixar nenhum lugar para o estilo de vida na experiência da salvação cristã”. (p. 49)

Frutos

“Nesta parte examinaremos brevemente o papel que as obras têm na perspectiva de Lutero com respeito à vida cristã. Isto é essencial para esclarecer nossa afirmativa de que a doutrina evangélica da justificação pela fé é uma causa importante da crescente secularização do estilo de vida adventista”. (p. 50)

“De acordo com Lutero, os cristãos deveriam realizar boas obras. […] As obras são necessárias para a salvação, não como uma causa, mas sim como um efeito da justificação-salvação. Como efeito da salvação, são necessárias para revelar no mundo corpóreo visível a salvação que já existe no mundo espiritual invisível. Vemos aqui que Lutero segue estritamente seu pressuposto ontológico neoplatônico, de acordo com o qual a justiça passiva pertence à natureza espiritual invisível do céu, e a justiça ativa pertence à natureza material visível da terra e da história”. (p. 50)

“Sobre esta base, podemos dizer que o pensamento de Lutero implica que Deus causa as boas obras em nós para dar testemunho externo [causa efetiva] de sua obra interna de salvação em nosso favor. Desta forma, Deus assegura que ‘a salvação exterior mostra que a fé está presente, assim como os frutos mostram que uma árvore é boa’”. (p. 51)

“Como se relaciona esta breve análise da interpretação que Lutero produziu sobre o tema da justificação pela fé apresentado neste capítulo com a secularização do adventismo? Que efeitos têm sobre a prática da vida cristã?” (p. 52)


Capítulo 5 – Justificação e estilo de vida

“Creio que o ponto de vista de Lutero sobre a justificação é a base sobre a qual a maioria dos evangélicos e um crescente número de adventistas entendem a salvação”. (p. 53) [5]

“No contexto da compreensão de Lutero da justificação e suas proposições expostas anteriormente precisamos fazer a seguinte pergunta: Quais são o lugar, a função e o conteúdo do estilo de vida cristão na experiência da salvação?” (p. 53)

O lugar

“Seguindo as dicotomias cosmológicas e antropológicas do neoplatonismo, Lutero coloca a justificação no céu e na vida interior da alma. Este é o âmbito espiritual do céu. A vida cotidiana localiza-se no âmbito histórico real e concreto do corpo e do planeta terra. A salvação e a segurança pertencem ao primeiro, o estilo de vida pertence ao último. Em consequência, a salvação e a vida são experiências diferentes, quase desconectadas”. (p. 53)

“Em outras palavras, o raciocínio de Lutero nos conduz a crer que Deus espera que vivamos vidas cotidianas seculares”. (p. 54)

“Lutero, contudo, diz que as obras são o fruto e o sinal da justificação. Esta noção demanda um estilo de vida cristão de acordo com o modelo bíblico ou de acordo com o modelo mundano? Requer um estilo de vida santificado na vida histórica cotidiana?” (p. 54)

A função

“Lutero argumenta que não é necessário um estilo de vida cristão para experimentar ou usufruir a salvação. Então, qual é a razão que leva Lutero a vincular a justificação com a obediência? A razão óbvia é que a Escritura no Antigo Testamento e no Novo Testamento fala claramente na obediência. Deus espera que os cristãos obedeçam a sua lei”. (p. 54)

“Como se relaciona a santificação (estilo de vida) com a justificação? De acordo com Lutero, a justificação como salvação [completa], leva à obediência como um símbolo da salvação. […] Para tornar visível o invisível, Deus produz um símbolo que testifica, no mundo visível concreto do corpo e da terra, referente à completa salvação que os crentes obtêm pela fé. [Segundo Lutero] a experiência da salvação é espiritual e real. A experiência da obediência à lei é simbólica, é um sinal corpóreo da realidade espiritual”. (p. 55)

“Lutero se afasta da analogia de Cristo sobre a árvore boa que leva a bons frutos de duas maneiras significativas. Primeiro, embora para Cristo a árvore e os frutos pertençam ao mesmo mundo histórico e temporal, para Lutero pertencem a dois mundos diferentes, o céu e a história. Segundo, embora para Cristo a árvore seja completamente boa, para Lutero a árvore é apenas parcialmente boa”. (p. 55)

“A justificação e a obediência acontecem em mundos diferentes, a última, na história e na vida cotidiana, e a primeira, na atemporalidade e no Espírito de Deus. […] A salvação não diz respeito às nossas vidas cotidianas, mas sim se refere à nossa justificação através da predestinação eterna de Deus no mundo espiritual celestial”. (p. 55)

“Considerando o ensino de Lutero de que o pecado original continua depois da salvação, a justificação pode fazer bons crentes somente de forma parcial. Sua compreensão da natureza humana, então, se afasta radicalmente da compreensão de Cristo da boa natureza da árvore. Isto é, de acordo com Lutero, Deus espera que, inclusive após a justificação, os seres humanos continuem agindo de forma pecaminosa e vivam vidas seculares”. (p. 55)

O conteúdo

“[…] De acordo com Lutero, a ‘lei não tem jurisdição’ sobre o cristão. Em outras palavras, a lei está morta para o crente. Na justificação pela fé, os cristãos ‘transcendem a lei e entram na graça, onde não existe lei nem pecado’. […] A obediência como sinal simbólico não envolve o cumprimento da lei, mas inclui algumas obras de beneficência e ‘amor’ ao próximo”. (p. 56)

“[…] Mas o ponto de vista de Lutero sobre a justificação deixa lugar para um completo estilo de vida secular no qual os crentes deveriam incluir boas obras. Obras tais como ir à igreja, ajudar o próximo e fazer nossos deveres se converterem em sinais simbólicos de nossa salvação”. (p. 56)


Capítulo 6 – Conclusão

“Todos os eventos históricos são complexos e se produzem a partir de uma variedade de fatores. Consequentemente, deveríamos esperar encontrar muitas causas por trás da recente secularização do estilo de vida cristão. Nesta primeira parte destacamos umas poucas causas fundamentais que nos podem ajudar a entender este fenômeno: (1) a secularização da cultura ocidental, (2) a crise intelectual do pensamento adventista, (3) o esquema de pensamento prático da liderança adventista, (4) a protestantização da teologia e da prática adventistas, e (5) a doutrina evangélica da justificação pela fé, são poderosos agentes que fazem prosperar a ideia de que um estilo de vida secular é compatível com a salvação cristã”. (p. 57) [6]


Notas:

1 – Chama-se ‘secularização’ o processo através do qual uma pessoa ou instituição religiosa adota progressivamente os modelos de pensamento e conduta do mundo (do latim saeculum = mundo). (voltar)

2 – Denomina-se ‘logística’ a organização e a implementação detalhada de uma operação complexa. (p. 29) (voltar)

3 – O princípio de ‘sola Scriptura’ constitui a primeira crença fundamental dos adventistas do sétimo dia. Deveríamos atentar para isto não só em nossas interpretações exegéticas e estruturas sistemáticas, mas também, e ainda mais importante, em nossos procedimentos ministeriais e evangelísticos. (p. 32) (voltar)

4 – ‘Sola Scriptura’ significa ‘somente a Bíblia’. Esta expressão se aplica ao conjunto dos princípios hermenêuticos sobre os quais trabalha a teologia bíblica. ‘Tota Scriptura’ significa ‘a totalidade da Escritura’. […] Este princípio afirma que ambos os testamentos são revelação divina que se aplica aos cristãos. ‘Prima Scriptura’ é o princípio que segue a aplicação dos princípios de ‘sola y tota Scriptura’. Através de ‘prima Scriptura’ o pensamento bíblico se converte no critério pelo qual os cristãos avaliam criticamente a filosofia humana e as ciências, a fim de descobrir o que é verdade nelas e rejeitar seus erros”. (p. 33) (voltar)

5 – Atualmente existe um debate em andamento com relação à justificação e à expiação como as entendem os evangélicos. Alguns evangélicos acreditam que a perspectiva forense de Lutero e Calvino sobre a justificação pela fé representa a salvação completa. Outros, ainda também acreditam na justificação como Lutero, mas sentem sua desconexão com a vida e desejam preencher o vazio através de experiências místicas que estão sendo introduzidas no evangelicalismo sob o disfarce de ‘espiritualidade’ (p. 53) (voltar)

6 – Uso o termo ‘liderança’ em um sentido amplo. Não significa ‘administração’. Líderes são todos aqueles em posição de tomar decisões para a igreja em todas as suas instituições, incluindo a igreja local”.(p. 58) (voltar)


O Dr. Fernando Canale é licenciado em Filosofia e em Teologia, doutor em Teologia (PhD em Religião), pastor na IASD desde 1985, Professor de Teologia e Filosofia no Seminário Teológico da Universidade de Andrews (Michigan, USA), autor de artigos (acadêmicos e publicações denominacionais) e autor de vários livros desde 1986 (inglês e espanhol).


Fonte: Canale, Fernando, ¿Adventismo Secular? – Cómo entender la relación entre estilo de vida y salvación – Universidad Peruana Unión, 1ª edição (Dezembro 2012)

Traduzido e sintetizado especialmente para o Música Sacra e Adoração pela Profª Jenise Torres, em Março de 2014


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