por: Paulo Cezar
Certa feita, em breve discurso em minha igreja, disse que três coisas me provocam profunda emoção: criancinha, montanha e música. E expliquei o porquê disso. Relativamente à música, a razão é que ela me faz olhar para dentro de mim mesmo. Não entendo música que não provoque introspecção, prazer intelectual e, sobretudo, emocional. E, no caso do louvor a Deus, espiritual.
Ouvir Haendel, Bach, Vivaldi e Mozart, principalmente estes e nesta ordem, no meu caso, além de elevar-me o espírito, provoca emoções que só a boa música sabe despertar. Quantas vezes, um simples acorde solto no desenrolar de tema musical faz nascer, instantaneamente, e explodir, algo interno, quase inexplicável, que suplanta até mesmo o senso estético e se impõe como enlevo e emoção! A boa música me faz isso.
Cantei durante muitos anos em diversos coros das igrejas por onde tenho passado. Lembro-me da musicalização de um dos salmos de Davi. O compositor sacro deu ao poema uma interpretação melódica e harmônica de tal singeleza que, em determinado trecho, a modulação de passagem para um simples acorde era meu limite de autocontrole.
A partir dali, tinha certa dificuldade de continuar cantando, em razão daquele fluxo espontâneo, vindo do fundo de meu baú de emoções, que me embargava a voz.
Isto se repete, muitas vezes, durante o canto congregacional em minha igreja. Simples emoções de um velho e avô? Somente isto? Com certeza, não!
Ouvi, recentemente, o som emitido por uma galáxia, situada há milhões de anos-luz, captado por certo radiotelescópio. É a antiga música do universo anunciando que Deus é o sublime compositor. Ele pôs boa música em tudo o que criou: no farfalhar dos ramos, no correr da brisa brejeira, no rugir soturno do furacão, no ribombar do trovão, na flauta doce do rouxinol, no acalanto da mãe, no riso cristalino da criança. O universo é música. A criação é toda ela musical. Boa música! O nascimento do Salvador foi anunciado aos pastores por coro de milhares de anjos. Quem não gostaria de ter estado lá para ouvir? Um dia ouviremos…
Deus habita no meio dos louvores, diz-se. Mas louvar não é apenas cantar. No cerimonial de muitos cultos há um item, específico, destacado: momento de louvor. Nessa hora cantam, geralmente, apenas corinhos. Se as demais partes constantes da ordem do culto, inclusive os hinos tradicionais e a mensagem, não forem louvor, este não será culto verdadeiro, completo em todos os sentidos. Louvor é expressão de reconhecimento da divindade e do senhorio de Deus, é demonstração de gratidão, é oferta de vida integral. Quer no templo, no lar, na rua, onde estivermos, seja em grupo ou individualmente, nossa vida deve ser um louvor a Deus. A música sacra há que ser a expressão desse viver.
Nosso tempo pós-moderno tem relativizado o sentido da boa música. Relativizado e banalizado. Até mesmo em muitas de nossas igrejas.
Nem sempre o pós-modernismo significa avanço e bom gosto. Com isto não quero dizer que não exista música popular, erudita ou sacra, de nível elevado em nossos dias. No cancioneiro brasileiro encontram-se joias raras, de valor inestimável. Em contrapartida, você há de concordar, no caso da música popular está sendo comum o uso de letras sem sentido ou intencionalmente de duplo sentido e baixo nível moral. É o mau gosto musical e a cínica falta de respeito impingidos à sociedade, e à saciedade, por manipuladores inescrupulosos da opinião pública, em ataques diuturnos, sistemáticos e massificadores.
Outro desvio é a imposição de estilos musicais padronizados, que sufocam e deixam em desuso o sentimento e a cultura regionalistas.
Será tática de marketing o vencer pela repetição, pelo cansaço, pela falta de oferta de opções? Faça um teste: pergunte a muitos de nossos contemporâneos, particularmente aos mais jovens, se, por exemplo, sabem cantar o Luar do Sertão, as músicas de nosso rico folclore, os nossos hinos pátrios. E se gostariam de fazê-lo. Creio que a resposta muitas vezes será negativa (Tomara que eu esteja enganado!). Se assim for, a culpa cabe a eles, tão somente? Não! Antes de tudo, isso é fruto da massificação dita musical imposta em todas as mídias. O canto orfeônico deixou de ser matéria do currículo de nossas escolas. Entoar os hinos pátrios, parece, tornou-se o “maior mico”. O que tenho observado, fato incontestável, é a imposição, goela abaixo, de um gosto, no mínimo discutível, na maioria das atuais manifestações musicais.
Parafraseando William Shakespeare, é muito barulho por nada. Na maioria de nossas igrejas o Cantor Cristão caiu em desuso. O HCC vai pelo mesmo caminho. Não posso ser contra o cantar corinhos, desde que não sejam apenas estes e que tenham lógica em sua mensagem. Muitos são de excelente qualidade, ternos e profundos em sua mensagem, acessíveis, de modo especial, às crianças. Muitos, porém, afrontam, clara ou despercebidamente, as doutrinas neotestamentárias que integram a declaração de fé dos batistas.
A música de louvor é extraordinário meio de aproximação, ou reaproximação, da criatura com o Criador. E de convencimento que leva à conversão, porque toca, ao mesmo tempo, coração e mente.
Louvo e agradeço o persistente empenho do irmão Rolando de Nassau em defesa da boa música em geral, e especialmente da sacra, entendida esta como a que deve ser entoada em nossos templos, em louvor a Deus.
Como pais temos o dever de cultivar em nossos filhos o gosto pela música de qualidade, seja de que categoria for. Uma boa educação musical se inicia no recesso do lar. A boa cultura musical faz parte da formação de expressiva parcela de povos mais desenvolvidos.
Fonte: O Jornal Batista, 20/10/2013, p. 3