por: Natasha Romanzoti (HypeScience)
A resposta para esta pergunta é: com certeza. Muitos não precisam de provas científicas para saber que se exercitar sem música pode ser a pior coisa do mundo. A música distrai, estimula, enfim, torna todo o processo (chato e cansativo para alguns) mais tolerante.
No entanto, o papel da música no exercício físico vai muito além. Tanto que a USA Track & Field, órgão americano que regula corridas de longa distância, proibiu o uso de fones de ouvido em competições que envolvem prêmios e dinheiro, para “garantir a segurança e evitar que os corredores tenham qualquer vantagem competitiva”.
É isso mesmo – nos últimos 10 anos, diversas pesquisas sobre música e exercício levaram os psicólogos a concluir que o som pode ser uma peça fundamental no estímulo a atividade física. Em uma revisão de estudos de 2012, Costas Karageorghis da Universidade Brunel, em Londres, um dos maiores especialistas do mundo em psicologia da música no exercício, escreveu que poderíamos pensar na música como “um tipo de droga para melhorar o desempenho físico”.
A combinação é eficaz para muitas pessoas. A música muda o corpo e a mente durante o esforço físico: distrai as pessoas da dor e fadiga, eleva o humor, aumenta a resistência, reduz o esforço percebido e pode até promover a eficiência metabólica. Ao ouvir música, as pessoas correm mais longe, pedalam mais, nadam mais rápido do que o habitual – muitas vezes sem nem perceber.
E como a música ajuda? Com o ritmo, a cadência, as letras. Devemos considerar também as memórias, emoções e associações que canções diferentes evocam. Para algumas pessoas, o modo com que se identificam com o estado emocional e ponto de vista do cantor determina o quanto elas se sentem motivadas.
A literatura científica
A pesquisa sobre a interação da música com o exercício remonta pelo menos a 1911, quando o americano Leonard Ayres descobriu que os ciclistas pedalavam mais rápido enquanto uma banda tocava no fundo do que quando os arredores estavam silenciosos. Desde então, os psicólogos conduziram centenas estudos sobre a música e o desempenho das pessoas em uma variedade de atividades físicas.
Duas das qualidades mais importantes da música no exercício são tempo (ou velocidade da canção) e o que os psicólogos chamam de resposta ao ritmo, que é mais ou menos o quanto uma música te faz querer dançar.
A maioria das pessoas tem um instinto natural de sincronizar seus movimentos e expressões com a música que estão ouvindo, seja balançando a cabeça, mexendo os dedos dos pés ou dançando, etc.
Que tipo de música desperta este instinto varia de cultura para cultura e de pessoa para pessoa. Para fazer algumas generalizações, músicas rápidas com batidas fortes são particularmente estimulantes, por isso são frequentemente encontradas nas playlists de academia das pessoas.
Em uma pesquisa recente feita com 184 estudantes universitários, por exemplo, os tipos mais populares da música para exercício foram hip-hop (27,7%), rock (24%) e pop (20,3%).
Alguns psicólogos sugerem que as pessoas têm uma preferência inata por ritmos em uma frequência de dois hertz, o que é equivalente a 120 batidas por minuto (bpm), ou duas batidas por segundo. Quando pesquisadores pediram a participantes para bater seu pé no chão ou andar, muitos inconscientemente mantiveram um ritmo de 120 bpm. Uma análise de mais de 74 mil canções populares produzidas entre 1960 e 1990 também constatou que 120 bpm foi o ritmo mais prevalente.
Ao correr em uma esteira, no entanto, a maioria das pessoas parece favorecer música em torno de 160 bpm. Websites e aplicativos de smartphones como Songza ajudam as pessoas a coincidir o ritmo de sua música de treino com seu ritmo de corrida, recomendando canções tão rápidas quanto 180 bpm para uma corrida de 7 minutos, por exemplo.
Mas pesquisas mais recentes sugerem que um efeito limitante ocorre em torno de 145 bpm: nada além desse ritmo parece contribuir com motivação adicional. A partir desse ponto, a velocidade e o fluxo das letras substituem o ritmo subjacente: algumas pessoas se exercitam com canções de rap, por exemplo, com letras densas faladas rapidamente sobrepostas a uma melodia relativamente calma.
Embora muitas pessoas não sintam a necessidade de correr ou se mover no tempo exato da música que estão ouvindo, a sincronia pode ajudar o corpo a usar sua energia de forma mais eficiente. Ao mover ritmicamente a uma batida, o corpo não precisa fazer tantos ajustes aos movimentos coordenados como teria sem os estímulos externos regulares.
Em um estudo de 2012 da Universidade Sheffield Hallam (Reino Unido), os participantes que pedalaram no ritmo de uma música necessitaram de 7% menos oxigênio para fazer o mesmo treino que ciclistas que não sincronizaram seus movimentos com uma música de fundo. Música, ao que parece, pode funcionar como um metrônomo, ajudando as pessoas a manter um ritmo constante, reduzindo passos em falso e diminuindo o gasto energético.
Estendendo esta lógica, Shahriar Nirjon da Universidade de Virgínia (EUA) e seus colegas desenvolveram um leitor de música pessoal que tenta sincronizar canções com o ritmo e a frequência cardíaca de um corredor. Acelerômetros e um pequeno microfone embutido em um par de fones de ouvido avaliam o ritmo do corredor e gravam o pulsar dos seus vasos sanguíneos. O dispositivo sem fio transmite os dados coletados por meio de um smartphone a um computador remoto que escolhe a próxima música que o participante deve ouvir.
Teorias e explicações
Uma pesquisa recente esclarece não só que tipo de música é mais adequada para um treino, mas também como a música incentiva as pessoas a manter o ritmo de exercício.
A distração é uma explicação. O corpo humano está constantemente monitorando a si mesmo. Depois de um certo período de exercício, que varia de pessoa para pessoa, o corpo começa a reconhecer sinais de extremo esforço (como aumento dos níveis de lactato nos músculos, coração vibrando, aumento da produção de suor) e decide que precisa de uma pausa.
Se a pessoa está ouvindo algo, a atenção consciente do cérebro fica dividida entre a música e esse feedback fisiológico – ou seja, ela acaba se exercitando mais do que normalmente faria sem música.
Da mesma forma, a música muitas vezes muda a percepção das pessoas de seu próprio esforço durante um treino: parece mais fácil correr 10 quilômetros quando a Beyoncé ou o Charlie Brown estão ali com você.
“Dado que o exercício é muitas vezes cansativo, chato e difícil, qualquer coisa que alivia esses sentimentos negativos é bem-vinda”, explica Karageorghis.
Os benefícios de distração são mais pronunciados durante exercícios de intensidade baixa ou moderada. Contra exercícios de alta intensidade, a música perde o seu poder para substituir as sensações físicas de cansaço, mas ainda pode mudar a maneira como as pessoas respondem a essa fadiga.
A música certa eleva o humor e convence as pessoas de enfrentar a exaustão, em vez de desistir. Também aumenta a resistência, mantendo as pessoas inundadas em emoções fortes.
Ouvir música é muitas vezes uma experiência extremamente prazerosa, e certas canções “abrem” as portas mentais com que as pessoas controlam suas emoções em situações cotidianas. Se uma pessoa se identifica fortemente com as emoções do cantor, a música torna-se mais motivacional.
Considere treinar ouvindo uma música de seu filme favorito, como “One Day More” de Les Misérables. Além de melodias e vocais emocionantes, tais canções lembram imediatamente uma história ou ambiente inteiros, e despertam memórias de personagens específicos que fazem parte de uma narrativa complexa. Esta malha de associações e conotações tecidas pela música não fornece apenas uma perspectiva inspiradora para se adotar, mas também toda uma realidade alternativa para se adentrar durante um exercício – um mundo para o qual você pode viajar para longe de uma esteira em uma academia, por exemplo.
Alguns designers de jogos têm experimentado novas ideias para fazer as pessoas “fugirem” para mundos ficcionais durante a atividade física. Em 2012, a empresa de jogos online Six to Start lançou um jogo imersivo chamado “Zombies, Run!” na forma de um aplicativo de smartphone que narra a tentativa de uma pessoa de se salvar de um apocalipse zumbi. O ouvinte se imagina correndo para coletar munição e remédios a fim de completar várias missões – e sobreviver.
Qualquer coisa que as pessoas ouçam – música ou histórias – para lhes dar motivação ativa os mesmos circuitos neurais.
“Nascemos praticamente preparados [a nível cerebral] para apreciar a música esteticamente”, diz Karageorghis. A resposta emocional das pessoas à música é visceral: é, em parte, enraizada em algumas das mais antigas regiões do cérebro em termos de história evolutiva, não no córtex humano que evoluiu mais recentemente.
Os cientistas sabem agora que, apesar de diferentes regiões do cérebro se especializarem em processar diferentes sentidos – som, visão, tato -, o cérebro usa a informação que recebe de um sentido para ajudá-lo a entender o outro. O que as pessoas veem e sentem ao ouvir uma voz ou música, por exemplo, muda o que elas ouvem.
Música e movimento estão particularmente envolvidos no cérebro. Estudos recentes sugerem que, mesmo se alguém estiver sentado e parado, ouvir uma música agradável aumenta a atividade elétrica em várias regiões do cérebro importantes para os movimentos de coordenação, incluindo a área motora suplementar, o cerebelo, os gânglios basais e o córtex pré-motor ventral.
Uma hipótese que os psicólogos evolucionistas consideram (embora ainda não haja fortes evidências experimentais) é de que o cérebro humano pode ter evoluído com a expectativa de que sempre que há música, há movimento.
Antes da invenção das flautas e outros instrumentos musicais, os nossos antepassados provavelmente produziam as primeiras formas de música cantando, gritando ou usando as cordas vocais de outros jeitos, assim como interagindo fisicamente com seus próprios corpos, com os corpos de outras pessoas e com o meio ambiente.
Um ritmo rápido provavelmente teria exigido movimentos rápidos: palmas ou pés batendo rápido, talvez. Sons altos e profundos teriam exigido grande energia e força, como alcançar uma nota ou bater uma pedra no chão. Em sua concepção, a música era provavelmente uma extensão do corpo humano. Talvez o cérebro a lembre dessa maneira.
Seja como for, ou pelo que for, o fato é que a música pode ser extremamente agradável e útil quando se trata de praticar exercícios. Mas vale a pena destacar um alerta: ouvir música durante a execução de atividades físicas em áreas fortemente traficadas pode distrair demais as pessoas e colocá-las em perigo. Seja cauteloso. [ScientificAmerican]
Fonte: HypeScience.