por: Nelson Bomilcar
Jesus amou e morreu por pessoas. Jesus ressuscitou por pessoas. Ele deu sua vida em resgate de homens e mulheres que estavam perdidos em seus próprios delitos e pecados. Compadeceu-se de homens e mulheres que estavam condenados à morte por suas transgressões. Cristo amou e se entregou em sacrifício na cruz por causa da rebeldia e da desistência humana de andar, comungar e obedecer ao Criador. O Filho de Deus doou a vida eterna a pessoas que o receberam como Senhor e Salvador. No mistério e profundidade de sua graça, ele nos olhou como pessoas e ovelhas, dando-nos vida – e vida em abundância.
Como pastor, Jesus deu e dá sua vida pelas ovelhas e por seu rebanho. Somos, como igreja, comunidade e ajuntamento de pessoas que estavam prisioneiras em seus próprios medos, incertezas e angústias. Éramos cativos de mente e coração. O desespero e a incerteza diante da morte e da fragilidade da experiência humana nos atormentavam. Assim, pessoas comuns – com suas histórias, marcas, heranças e contextos –, através de seu Espírito, têm escrito uma nova história onde fé, convicção, certeza e esperança se instalaram.
Tal compreensão pode ser libertadora nos dias de hoje, quando tantas pessoas, equivocadamente, são transformadas em consumidores pelo mercado da fé. De forma sutil e sorrateira por um lado, e agressiva por outro, essa dinâmica tomou conta da mentalidade evangélica no Brasil e no mundo. Devotos se transformaram apenas em consumidores e mantenedores desse mercado, travestido até na forma de igrejas locais coorporativas e estruturas empresariais. A lógica e o discurso são os mesmos do mercado: cantamos sobre a marca Jesus, escrevemos sobre ela, lançamos produtos temáticos. Já há até estudos de marketing acerca de características de gênero, classe social, faixa etária e necessidades de determinados grupos sendo usados para a criação de igrejas.
Grandes conglomerados comerciais de literatura e música chamadas de cristãs estão sendo engolidos com voracidade por empreendedores que, até bem pouco tempo, nem se importavam com a existência do tal segmento evangélico. Só que o Jesus de muitos pregadores, cantores, corporações e empresários não é necessariamente aquele apresentado na Bíblia, o Jesus eterno e histórico, o Emanuel, o Deus que se fez homem; aquele que veio como escravo e servo para proporcionar ao caído salvação através da cruz, para anunciar o Reino de Deus e trazer graça, senhorio e juízo. Esse Jesus midiatizado não é o Jesus que trouxe ensino e valores de amor, compaixão, paz e justiça, e que nos deixou a missão de lhe fazer discípulos e seguidores.
O pastor Jesus, pastor de ovelhas, de gente, trata a cada um com pessoalidade, dignidade e importância. Ele nos ama como pessoas, ouve nossos relatos, está atento à nossa realidade e história. O pastor Jesus alimenta o faminto, sacia o sedento, limpa o imundo, cura os feridos, protege e conduz ovelhas. Jesus nos ajuda a dar significado ao pastoreio e a contextualizar esta vocação do acolhimento, do cuidado, do ensino e da formação espiritual. Os pastores não precisam perder o caminho da fé, assim como qualquer cristão em outra área profissional ou de atuação – uma fé que ganha contornos práticos de uma vida de serviço e de trabalho digno, mediante o suor do rosto. Fé no Deus trino, e não no mercado que fala sobre ele.
Muitos dirão que comércio pode ser feito com ética e honestidade, visando a legítimos propósitos. É verdade. Mas as chances de o mercado tirar do centro a essência e o alvo do Evangelho, de sua mensagem e obra, são muito grandes. Pastores, escritores e artistas cristãos produzem em escala industrial coisas que se tornarão, invariavelmente, produtos de consumo: mensagens, livros, CDs, ensinos, palestras, DVDs… Tudo tem seu preço, e tudo acaba alimentando esse mercado da fé. Numa linha muito tênue, o negócio se torna a pessoa, o pregador, o cantor, o escritor, sua corporação, sua visão, sua estrutura criada. Assim, o que fazem torna-se um fim em si mesmo, e não um meio para atingir algo mais elevado.
No genuíno pastoreio, contudo, precisamos ser cuidadosos e íntegros. Não se pode perder de vista que cuidamos de pessoas, e não de consumidores. O mercado não é o nosso negócio, muito menos o propósito do chamado e vocação pastoral. Somos cuidadores e referenciais de Jesus para o rebanho de Deus, ajudando ovelhas a permanecerem no Caminho.
Fonte: Revista Cristianismo Hoje junho/julho 2012, edição 29, ano 5, página 60