Hinologia

Salmos, Hinos e Cânticos – Parte 2

por: Rolando de Nassau

O Papel dos Hinos

Na primeira parte da discussão deste tema, vimos que os salmos eram usados no Templo de Jerusalém e nas sinagogas; nas igrejas cristãs, durante a época apostólica; que no século III elas passaram a cantar hinos, mas as heresias fizeram com que as autoridades eclesiásticas impusessem a volta à salmodia, que predominou, na Igreja Católica, até o século XX, apesar da prática temporária, no século XIII, dos cânticos; que no século XVI o protestantismo luterano prestigiou a hinodia, mas o calvinista e as denominações evangélicas apegaram-se à salmodia, até que, no século XVIII, adotaram finalmente a hinodia.

A Igreja Romana deu lugar privilegiado aos salmos em sua liturgia, nela acolhendo também cânticos, tirados do Velho e do Novo Testamento, mas foi hostil aos hinos: no século III, por causa da heresia gnóstica; no século IV, devido à heresia ariana; depois, deixou-os na periferia do culto.

Os salmos ainda figuram nas coleções de textos litúrgicos católico romanos, anglicanos, episcopais e luteranos (ver: “Hinário Litúrgico“, versão latina do Saltério, ordenada pelo II Concílio do Vaticano; “Hymns Ancient and Modern“; “The Hymnal“; “Hinos para o Povo de Deus“, “Hinário Luterano” e HACKETT, Kevin, in: WEBBER, Robert, Music and the Arts in Christian Worship. Nashville: Star Song, 1994).

Nos hinários das denominações evangélicas, não-litúrgicas, aparecem alguns hinos baseados em salmos (ver: “Cantor Cristão“, 1971; “Salmos e Hinos“, 1975; “Hinário Evangélico“, 1978; “Hinário para o Culto Cristão“, 1990; “Novo Cântico“, 1991; e “Harpa Cristã“, 1992).

Do século III ao século V, os hinos foram cantados na Igreja Primitiva, só voltando às congregações, com a Reforma de Lutero, no século XVI, e a sua adoção pelos evangélicos, no século XVIII.

Desde a década 50 do século XX, a hinodia vem sendo assediada pelos cânticos (conhecidos então como “corinhos”); é verdade que nos últimos 50 anos tem ocorrido o lançamento de muitos hinários, denominacionais ou ecumênicos, mas, desde 1990, os hinários estão sendo cada vez mais abandonados; por três motivos:

1) o apoio de certos dirigentes de culto ao uso de cânticos;

2) o crescimento no uso de cânticos pelas congregações;

3) a inclusão dos textos dos hinos nos boletins dominicais das igrejas, ou sua projeção em telas colocadas no salão-de-cultos.

O abandono do hinário é uma deslealdade à editora e uma infidelidade à identidade denominacional. Algumas igrejas foram perdendo o seu primeiro amor pela hinodia.

Com efeito, no caso dos Batistas[1], o Hinário para o Culto Cristão representou um tímido avanço tecnológico e artístico, mas a tradição hinódica deve ser mantida, porque o nosso atual hinário, além de ser herança espiritual e cultural de poetas e compositores cristãos, é veículo de divulgação teológica e doutrinária batista (ver: O Jornal Batista, de 28 de abril e 12 de maio de 1991). Os hinos são o canto tradicional dos Batistas no Brasil (desde 1882) e o reflexo da identidade denominacional estampada nos hinários (Cantor Cristão e Hinário para o Culto Cristão).

Esquematicamente, pode-se dizer que hino é ode de louvor a Deus, mais apropriada para ser cantada por uma congregação durante um culto; caracteriza-se por sua objetividade, expressão de doutrinas e universalidade. O hino cristão deve ser uma expressão comunitária de louvor a Deus, um instrumento de devoção individual e um meio de ensino doutrinário.

A hinodia tradicional (encontrada nos hinários protestantes e evangélicos) tem as seguintes características: harmonia tradicional, melodia fácil, ritmo comedido, texto com verso rimado, objetivo conversionista e piedoso, acompanhamento básico pelo harmônio, órgão ou piano.

A música do hino deve ter valor intrínseco, imune de conotação profana ou mundana, mesmo que tenha estrutura erudita. Deve haver acordo entre o estilo da música e o caráter da letra, coerência entre as palavras e a índole da música.

É indispensável que o hino seja apropriado ao culto, parte integrante do culto, encaixando-se facilmente na Ordem-de-Culto, adaptando-se o canto congregacional ao culto divino e dando ênfase à participação da comunidade; para isso, a música deve ser acessível ao canto pela congregação. Em conseqüência, o texto do hino deve ser baseado na Bíblia e na teologia, ajustando-se à declaração doutrinária da Denominação, tendo métrica regular e rimas naturais, correção gramatical e clareza textual.

Para que o hino seja apropriado ao culto, ele deve estar relacionado com o culto, o sermão, o tema do dia, a doutrina, a questão importante na época e que o acompanhamento instrumental não prejudique o entendimento do texto.

Se perguntarmos à maioria dos crentes que apreciam os hinos, certamente responderão que, pelo menos, têm conteúdo teológico e doutrinário confiável, e melodia que traz recordações úteis à vida e à fé cristã; esses elementos predispõem o crente a preparar-se, emocional e espiritualmente, para o culto divino. A maioria reconhece que, do ponto-de-vista literário, os hinos têm textos mais apurados e profundos; quanto ao aspecto musical, têm mais melodia e harmonia do que ritmo; no que se refere ao comportamento “litúrgico”, são cantados com postura formal, solene e reverente; relativamente à condição pessoal, são apreciados pelas pessoas psicológica e racionalmente maduras.

Na terceira parte, trataremos dos cânticos.


Nota:

[1] Destacamos que o autor do presente artigo tem origem denominacional Batista, deste modo, acontecerão nesta série de artigos algumas referências a esta denominação religiosa. Contudo, os autores do Música Sacra e Adoração consideram de suma importância as noções filosóficas contidas nos artigos para as nossas congregações Adventistas do Sétimo Dia.


Fonte: Publicado em “O Jornal Batista”, 25 fev 2002, p. 4. Também disponível em: http://www.nassau.mus.br/.


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