A Adoração / Hinologia

Quando Deus é Glorificado com Nossa Música

por: Wolfgang H. Stefani

Recebemos inspiração por meio dos grandes hinos do Cristianismo, bem como pelas histórias que há por trás deles

Na galeria em que estava o órgão do Tabernáculo de Whitfield, que foi destruído por uma ação inimiga em março de 1945, havia a seguinte inscrição: “Reserve, em sua vida, um espaço amplo para a música e isto lhe trará recompensa incalculável. … Em momentos de repouso, a música eleva seu espírito e promove refrigério a cada faculdade do seu ser. No trabalho, você sentirá alegria no poder e energia que a música lhe concede. Nos momentos de oração, a música dará vigor às aspirações de sua alma. Nas ocasiões de comunhão, a música entrelaçará seu espírito com o de outros, em união e entendimento”. [1]

Sem dúvida, a música é o principal componente da vida contemporânea. Está disponível para todas as comunidades do Planeta, não importando quão remotas sejam. É ouvida tanto com avidez, como com indiferença; é questionada com paixão, um conspirador apaixonado. Ela induz o sono e as lágrimas; é universal e indispensável, desde o princípio da história humana. É imensa a importância da música em nossa vida. Na verdade, provavelmente não haja nenhuma outra atividade cultural tão impregnadora, abrangente, penetrante e que esteja sempre controlando nossa vida. [2]

Em virtude de sua onipresença, a música popular contemporânea é familiar a todos. Se vamos às compras, ou ao banco, ouvimos rádio ou vemos TV. Ao visitarmos a família, os amigos, em suma, se estamos vivos, nós a ouvimos e com freqüência. Profundamente implantada, é o papel de parede audível em nossa vida. Estima-se que o cérebro de um ocidental passe cerca de 25% da vida registrando, monitorando e decodificando música popular[3]. Na Austrália, entre os sete e os doze anos, os adolescentes ouvem em média 10.500 horas de música popular, o que equivale a um pouco menos que o tempo passado em sala de aula desde o Jardim de Infância até o Ensino Médio[4].

O autor anônimo das palavras inscritas no órgão da galeria certamente ficaria satisfeito com o amplo espaço dedicado à música no mundo atual. Talvez? É certo que todos a ouvimos e para ela temos um lugar bem amplo em nossa vida. Mas, onde está a recompensa incalculável que ele prometeu? Estupefatos e enlouquecidos pela música, nos entretemos, mas não somos refrigerados; nos ocupamos, mas não somos investidos de energia; estimulamos, mas não revigorados espiritualmente. Congregamos, mas não nos ligamos uns aos outros em união e entendimento.

Nada ficando a desejar quanto à quantidade de música que ouvimos, por que, então, não recebemos a recompensa? Talvez estejamos de tal modo enlaçados pela abundância da arte que não mais distinguimos sua verdadeira essência. Um dos maiores músicos da cristandade, Johann Sebastian Bach, talvez estivesse certo quando escreveu no caderno de um de seus alunos: “O alvo e a razão final de toda música é a glória de Deus. … Onde não se vê isso, não há música real, mas apenas barulho infernal”. [5]

Seria possível que o que Martin Luther King chamou de “o maior tesouro do mundo… o belo e glorioso dom de Deus” [6] fracassasse para nós, a menos que seu alvo esteja em Deus e Sua glória? Quem sabe seja este o meio único de alcançarmos a “recompensa incalculável” da música.

Fred Pratt Green, um dos mais prolíficos escritores de hinos do século XX, escreveu com seu punho estas palavras a respeito do alvo principal da música em nossa liturgia:

Quando Deus é glorificado com nossa música e a adoração não deixa espaço para o orgulho, é como se a criação inteira exclamasse: Aleluia! [7]

Mas, como pode ser isso? Como podem melodia e movimentos, concertos e coros, sinfonias, cânticos e salmos render glória a Deus, ou, por outro lado, deixar de fazê-lo? Durante milênios, estas e outras questões exaustivas têm perturbado os crentes.

Parte da resposta pode estar nas palavras de Jesus: “Nisto é glorificado Meu Pai, em que deis muito fruto” (I João 15:8). Em verdade, visto que nossos hinos e canções evangélicas dão testemunho dos dons magnificentes de Deus, por meio de suas sementes podemos produzir em nossa vida frutos em forma de ministério abnegado, e Deus é glorificado.

Suportar todos os nossos pesares – A Irlanda viu em Joseph M. Scriven a perspectiva de um cidadão de alvos elevados e grandes aspirações. Ao concluir sua educação no Colégio Trinity, Dublin, ele estava noivo e ia se casar. Entretanto, um naufrágio, praticamente às vésperas do casamento, arrebatou dele a companheira prometida. Procurando iniciar vida nova, ele viajou de navio para o Canadá.

Enquanto trabalhava como professor, Scriven conheceu outra jovem, a quem deu testemunho da crença cristã na qual cria firmemente. Outra vez foi fixada a data do casamento. Outra vez a noiva lhe foi tirada pela mão da morte, dessa vez, vítima de pneumonia após ter sido batizada em um lago gelado.

Desde então, Scriven dedicou a vida em servir a outros, doando generosamente de seus limitados recursos, auxiliando os desvalidos e nada aceitando em troca.

Somente por um acaso, um amigo encontrou as palavras de um poema que Scriven compôs, nascido das próprias experiências trágicas. O poema foi enviado para a Irlanda a fim de confortar a mãe que enfrentava angústia. Embora não tenha sido escrito para o uso público, o poema Orai sem cessar tornou-se letra de um hino e tem tocado miríades de corações durante 140 anos, realizando seu ministério em todo o mundo com o título: What a Friend We Have in Jesus (Oh! Que Amigo em Cristo temos). É o de número 420 do Hinário Adventista.

Esta é a história – Fanny Crosby ficou cega desde a idade de seis semanas e pouco tempo depois, estava órfã de pai. Apesar disso, a maioria de seus contemporâneos afirmava que estar na presença dela significava estar diante da luz do Sol. Certa vez, um ministro, até bem intencionado, declarou a ela: “Penso ser grandemente lamentável que o Mestre, ao derramar tantos dons sobre você, não lhe tenha dado a visão”. Ao que ela respondeu:

“Saiba que, se ao nascer, eu houvesse tido a capacidade de fazer uma petição ao meu Criador, esta seria sido para que eu nascesse cega”.

“Por quê?”, perguntou com surpresa o clérigo.

“Porque, quando eu chegar ao Céu, a primeira visão que meus olhos terão será a do meu Salvador”.

O ministério pessoal de Crosby e a fé que ela demonstrava encontram-se em cerca de nove mil poemas cristãos. Um dos mais apreciados é Blessed Assurance, Jesus is Mine! (Que Segurança, Sou de Jesus), hino de número 240 do Hinário Adventista. As declarações de fé feitas por Crosby também são reveladas em, outros de seus 28 hinos que estão no Hinário Adventista. Eu sei que hei de ver em Sua glória o Rei cuja lei é de amor (Remido!). Hino de número 209. Verdadeiramente, Deus é glorificado quando cantamos esse tributo ao relacionamento que Crosby tinha com seu Salvador. [8]

Deus é nosso cântico – Fred Pratt Green descreveu o lar em que foi criado como um “lugar em que a religião estritamente observada, porém jamais tornada opressiva”. Ele escreveu seu primeiro hino com a idade de 25 anos e foi ministro durante aproximadamente 40 anos em muitas congregações metodistas da Inglaterra.

Ao sei jubilado em 1969, ele tinha a intenção de passar seus anos tranqüilamente pintando quadros. Depois de ter adquirido os equipamentos para o seu “hobby”, foi solicitado a participar na Comissão de produção para o Hinário Metodista. A Comissão estava na seguinte condição: tinha um considerável número de melodias para as quais não havia letras apropriadas e temas para os quais não haviam sido escritos os hinos. O que resultou desse trabalho, Hymns and Songs, foi publicado em 1969, e contém oito dos quase 300 hinos que Pratt Green escreveu durante sua vida.

Em 1977, um hino escrito por ele foi usado para comemorar o Jubileu de Prata da Rainha Elizabeth II. Em 1978, ele escreveu um hino em honra ao centenário dos hinos da Catedral de São Paulo em Londres. Ele escreveu: “Chegar a compor hinos depois da experiência como poeta faz-me compreender a diferença entre as duas atividades. Um escreve poemas para agradar a si mesmo, o outro escreve hinos como servo de Cristo e de Sua Igreja”. O hinário adventista em inglês contém 15 hinos escritos por Pratt Green, incluindo When in Our Music God is Glorified (número 32). [9]

Assim, obtivemos um apanhado geral a respeito do autor desconhecido das palavras na galeria do órgão. Grandes pensamentos, temas nobres retirados de letras e músicas dos grandes hinos da Cristandade transmitem inspiração e visão não apenas para as manhãs de sábado, mas para a semana inteira. Ministrados pela música de uma aflita diretora de escola, angustiada por perdas (de entes queridos), uma avó portadora de cegueira congênita, um prolífico pastor-poeta e outros, nosso espírito é elevado e refrigerado. Nossa alma é fortalecida, nossas aspirações são reavivadas pelas palavras e melodias inspiradoras. Unidos e revigorados, a exemplo daqueles, nós procuramos “produzir frutos… durante o dia todo… para o amigo que temos em Jesus”.

Quando Deus for glorificado com nossa música, … deixemos que cada instrumento seja empregado para o louvor. Alegremo-nos por ter uma voz para cantar. Que Deus sempre nos conceda fé para cantarmos: Aleluia!

Sempre? Sim! Sempre. Cantar para a glória de Deus sobre o mar de vidro será nossa “recompensa incalculável”.


Notas:

[1]The Friendship Book of Francis Gay, sábado, 15 de agosto (Londres D.C. Thompsom, 1987)

[2] Alan P. Merriam, The Anthropology of Music (Evanston, III.: North-western University Press, 1964), pág 218.

[3] Philip D. Tagg, “Analising Popular Music: Theoty, Method and Pratice”, Popular Music 2 (1982): 37; mencionado em Deanna Campbell Robinson, “Youth and Popular Music: A Theorical Rational for International Study”, Gazette: Internation Journal for Mass Communication 37 (1986): 33.

[4] S. Davis, “Pop Lyrics: A Mirror and Molder os Society”, et cetera (Summer, 1985): pp. 167-169; mencionado em Elizabeth F. Brown” em Elizabeth F. Brown and William R. Hendee, “Adolescents and Their Music: Insights Into the Health of Adolescent”, The Journal of the American Medical Association 262 (22 – 29 de setembro de 1989), 1659.

[5] Mencionado em Alec Harman and Wilfrid Mellers, Man and His Music: The Story of the Musical Experience in the West (Londres: Barrie and Jekins, 1962), p. 528.

[6] Martin Luther, E, XXXII, 309; traduzido por Walter E. Buszin, “Luther on Music”, Musical Quaterly 32 (janeiro de 1946): pp. 83 e 85.

[7] “When in Our Music God is Glorified”, hino número 32, The Seventh-day Adventist Hymnal (Review and Herald Pub. Assn., 1985).

[8] Matéria para essas biografias retiradas de Wayne Hooper and Edward E. White, Companion to the Seventh-day Adventist Hymnal Washington, D. C.: (Review and Herald Pub. Assn., 1988)), pp. 459, 483, 484, 631 e 632; Kenneth W. Osbeck, Amazing Grace, 366 Inspiring Hymn Stories for Daily Devotions (Grand Rapids: Kregel Publications, 1990), pp. 19 e 340; Kenneth W. Osbeck, 101 Hymn Stories (Grand Rapids: Kregel Publications, 1982), pp. 42-44, 275-277; Lindsay I Terry, Devotions From Famous Hymns Stories (Grand Rapids: Baker Book House, 1974), pp. 22 e 23.

[9] “When in Our Music God is Glorified”, hino número 32, The Seventh-day Adventist Hymnal.


Fonte:Revista Adventista, Março, 2005, pp. 16-17.

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