Entrevista com o Pr. Joel Sarli
Ex-membro do Quarteto Arautos do Rei fala sobre a fase pioneira do grupo vocal
Joel Sarli, 75, nasceu na cidade de Jaú, SP, onde viveu até a idade de 12 anos. Em 1949, mudou-se com os pais para os arredores do então Colégio Adventista Brasileiro (CAB), atual Unasp, campus de São Paulo.
Formado em Teologia pelo CAB, fez o mestrado em Divindade e o doutorado em Teologia Aplicada na Universidade Andrews, nos Estados Unidos, tendo iniciado suas atividades ministeriais como barítono do Quarteto Arautos do Rei, em outubro de 1962. A partir de 1966, trabalhou na Associação Paranaense como pastor, diretor do Departamento do Jovens e Comunicação, secretário ministerial e evangelista. De 1969 em diante, atuou como secretário ministerial associado da União Sul-Brasileira e, em 1971, foi nomeado secretário ministerial da Divisão Sul-Americana. Serviu à Igreja como professor de Teologia Aplicada no Instituto Adventista de Ensino (IAE) e, em 1980, tornou-se diretor da Faculdade de Teologia, ocasião em que o Salt foi organizado. Posteriormente, foi pastor da Igreja Luso-Brasileira no Canadá e, durante quatro anos, diretor-produtor do programa de televisão “Uma Luz no Caminho”. Em 1989, assumiu o distrito de Queens, em Nova Iorque, e, de 1990 a 1994, foi pastor da Igreja Luso-Brasileira de Washington, DC. Em seguida, trabalhou como secretário associado da Associação Ministerial da Associação Geral, onde permaneceu por 12 anos. Criou a Revista do Ancião, cuja circulação global é de aproximadamente 200 mil cópias a cada trimestre.
Casado com Margarida Ferreira Sarli, tem três filhos: Deise Sarli Correia, Giselle Sarli Hasel e Leonardo Ferreira Sarli. Aposentou-se na Assembleia de Saint Louis, em 2005, e mora numa região rural da cidade de Lavras, MG.
Três dias após a comemoração dos 50 anos do Quarteto Arautos do Rei, realizada no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, ele concedeu esta entrevista ao editor Rubens Lessa.
Revista Adventista: O senhor fez parte da primeira formação do Quarteto Arautos do Rei brasileiro. Como essa história começou?
Joel Sarli: O pastor Roberto Mendes Rabello, primeiro orador de A Voz da Profecia no Brasil, gravava suas mensagens inicialmente em Glendale, na Califórnia, onde o programa norte-americano tinha seus estúdios. Ele usava os recursos musicais do quarteto The King’s Heralds. O grupo vocal norte-americano cantava os hinos em português, depois de um treinamento ministrado pela esposa do pastor Rabello. Após 15 anos nesse sistema, concluiu-se que, se o programa A Voz da Profecia operasse no Brasil, os resultados seriam melhores. Então, o pastor Rabello saiu em busca de cantores para a formação do Quarteto Arautos do Rei.
O Luís Motta já havia se formado em teologia. Era obreiro na Associação Paulista e excelente tenor solista. O plano era que, se não fosse possível montar um quarteto imediatamente, os cantores escolhidos ajudassem com solos e duetos.
O Samuel Campos trabalhava como contador na tesouraria do Instituto Adventista de Ensino (IAE). Apaixonado por quartetos, foi o terceiro a ser escolhido. Tinha uma voz bonita, suave e cantava com muita expressão espiritual.
Mas faltava o primeiro tenor. Por indicação do pastor Jairo Araújo, então diretor do IAE, entramos em contato com o pastor Feyerabend, que atuava como líder do Departamento de Jovens da Missão Catarinense. Em setembro de 1962, Feyerabend dirigiu uma semana de oração no IAE. Desse modo, tivemos a primeira oportunidade de testar o quarteto. Gostamos do som harmônico. Então, o pastor Rabello foi a Florianópolis para conversar com o pastor Feyerabend. “Se fizéssemos um chamado para o irmão nos ajudar na Voz da Profecia (VP), o que pensaria?”, perguntou Rabello. O pastor Feyerabend respondeu: “Se o irmão fizesse esse chamado amanhã, hoje eu já estaria lá.” A vinda do quarteto The King’s Heralds ao Brasil, com o pastor Richards, marcou o início do Quarteto Arautos do Rei no Brasil. Isso ocorreu em outubro de 1962.
Naquele tempo, como eram feitas as viagens e quanto tempo a equipe ficava longe da família?
Devido à falta de recursos, nunca viajamos de avião. Para aproveitar as viagens de carro, permanecíamos geralmente de 30 a 40 dias na área escolhida. Nos primeiros tempos, ficávamos fora de casa em média sete meses no ano. As estradas eram precárias. Os recursos de hospedagem, escassos. Na maioria das vezes, ficávamos na casa de irmãos. Guardo na memória a bondade e gentileza de muitas pessoas que nos acolheram.
Além de cantar, o que os membros do quarteto faziam durante as campanhas evangelísticas?
Cada componente tinha responsabilidades no escritório, na sede da VP, no Rio de Janeiro, e durante as viagens. Mas a principal atividade era ensaiar e gravar. Depois de escolher o tema da palestra, o pastor Rabello discutia conosco o hino que melhor se ajustasse àquele assunto. Às vezes, escolhíamos um hino já gravado. Outras vezes, tínhamos que traduzir um novo e ensaiar.
Havia um repertório para as viagens. Nesse caso, trabalhávamos nas vozes, memorizávamos a letra e procurávamos estar seguros de que o som produzido fosse equilibrado e harmonioso.
Quando estávamos na sede, o pastor Feyerabend atuava como diretor do quarteto e do estúdio. O Luís era o arquivista e o Samuel, o gerente geral, cuidando para que tudo funcionasse bem. Eu era responsável pelas traduções e adaptações das letras, trabalhando com o auxílio da irmã Isolina Waldvogel, tradutora de confiança do pastor Rabello.
Quando saíamos para as campanhas evangelísticas, o pastor Rabello fazia uma ou duas palestras de abertura para atrair o público e voltava para o escritório. O quarteto ficava mais um mês, concluindo o trabalho. Tínhamos conferências todas as noites. Fazíamos o trabalho de visitação, dirigíamos classes de recuperação de alcoólatras e fumantes, classes bíblicas e, claro, tínhamos ainda tempo para ensaiar. O pastor Feyerabend era o orador. Todas as campanhas eram encerradas com batismo.
Como foram feitas as primeiras gravações?
Nunca fizemos gravação em estúdio alugado. O pastor Feyerabend comprou o equipamento da melhor qualidade nos Estados Unidos. Com sua supervisão, montamos tudo. Soldamos centenas de fios, construímos móveis, pintamos o estúdio e começamos a gravar. Nesse estúdio, gravamos nosso primeiro long play – Alvorada – e os programas que iam para as estações de rádio.
Fale sobre a convivência do grupo vocal com Roberto Rabello. Ele era perfeccionista?
Roberto Rabello era perfeccionista e conservador. As letras precisavam ter beleza literária e estar gramaticalmente corretas. As músicas tinham que ser elegantes, sem ritmo comprometedor. O conteúdo tinha que ser bom e biblicamente correto. Por isso, a experiente poetisa adventista Isolina Waldvogel e o compositor norte-americano Wayne Hooper eram consultados regularmente.
Como a imprensa repercutia as atividades do quarteto e do programa A Voz da Profecia?
A imprensa brasileira e as igrejas evangélicas tinham o orador e a música da Voz da Profecia como um referencial. Locutores das principais rádios queriam aprender, com o pastor Rabello, a arte de interpretar textos. A imprensa sempre destacava a boa qualidade dos programas.
Por que, naquele tempo, a VP não mencionava abertamente o nome “adventista do sétimo dia”?
A evangelização pentecostal mais recente mudou o panorama religioso do Brasil e quebrou preconceitos. Naquele tempo, tínhamos que ser prudentes para não despertar oposição desnecessária. Quando sentimos que havia condição para ser mais claros, começamos a identificar A Voz da Profecia à Igreja Adventista. Assim, nunca enfrentamos oposição aberta. As melhores estações de rádio do Brasil sentiam-se honradas em levar ao ar um programa que se impunha pela qualidade.
Do repertório da primeira formação do quarteto, qual foi seu hino predileto? Por quê?
Meu hino predileto foi o “Hei de Estar na Alvorada”, porque tem uma mensagem simples e clara, que impressiona as pessoas.
No dia 10 de março, o senhor esteve no Ginásio do Ibirapuera, participando da comemoração dos 50 anos do Quarteto Arautos do Rei. O que gostaria de dizer aos que, hoje, usam o dom do canto para anunciar que “breve Jesus voltará”?
A primeira coisa que desejo mencionar é: Somos mensageiros do Rei do Universo. O retorno do Salvador é nossa bandeira. O culto da igreja não é um show de televisão. Devemos cantar para engrandecer o nome de Deus e edificar espiritualmente os ouvintes. As horas do sábado não devem ser usadas para promover a venda de CDs.
O ritmo não deve levar os ouvintes a pensar que estão numa casa de dança. A harmonia deve ser sóbria e solene. Escolham-se hinos ou músicas adequados ao propósito para o qual as pessoas vão às reuniões da igreja, isto é, adorar e louvar o Criador. Que haja no coração de cada músico e cantor o sentimento de estar na presença de Deus.
Fonte: Revista Adventista, Abril de 2012, pp. 6,7