Entrevista com o Dr. Daniel Oscar Plenc
O Culto é a reunião de homens e mulheres na presença de Deus
Daniel Oscar Plenc nasceu em Posadas Misiones, Argentina; e foi educado em instituições adventistas desde o nível fundamental. Iniciou suas atividades ministeriais como pastor distrital. Posteriormente, tornou-se professor de Teologia na Universidade Adventista del Plata, UAP, na qual também obteve o mestrado e o doutorado em Teologia. Atualmente, além de lecionar, dirige o Centro de Investigações White, nessa Universidade.
Casado com Isabel B. Ziegler, é pai de três filhos: Mariela, Ariel e Larisa. Foi durante um encontro pastoral na UAP que ele partilhou seus conceitos sobre adoração, tema de sua tese doutoral e de um livro a ser lançado brevemente.
Revista Ministério: Como o senhor vê o aspecto da adoração na igreja, hoje?
Dr. Plenc: Os chamados cultos de celebração e outros ventos de mudanças colocaram o tema sobre a mesa. Assim sendo, subitamente os adventistas se viram no meio de uma polêmica que os levou a tratar da adoração e da música cristã com inusitado interesse. Ainda não se chegou a um consenso uniforme, porém tem-se dedicado tempo à análise e se tem despertado o interesse pela renovação do culto. Em muitos lugares, ainda não foram verificadas grandes mudanças litúrgicas, mas os pastores e os membros das igrejas estão interessados no tema. Muitos estão incomodados com a introdução de elementos estranhos no culto e demonstram necessidade de orientação. As transformações efetuadas em certos lugares têm produzido satisfação em algumas pessoas, desgosto em outras, mas também nos chamam à reflexão.
Ministério: O que significa adorar a Deus?
Dr. Plenc: O consenso dos estudiosos define adoração como uma resposta do ser humano redimido à iniciativa salvadora de Deus. Em geral, a Bíblia não contém definições, mas registra a vivência de homens e mulheres que deram ao Senhor uma resposta comprometida, permanente, dinâmica e prazerosa. Por sua vez, o culto é uma expressão externa, pessoal, familiar ou congregacional de adoração mediante ações concretas.
Ministério: Quais são os principais elementos da adoração?
Dr. Plenc: O culto também pode ser definido como um diálogo ou encontro divino-humano, cujos ingredientes fundamentais são a revelação do Criador e a resposta da criatura. Holmes os nomeia como “proclamação” (pregação) e “aclamação” (louvor). Essa é a estrutura básica da adoração, e dentro dela devem ser colocados todos os elementos do culto, que necessitarão ser avaliados por sua eficácia na concretização desse encontro com Deus. Lutero falava de ouvir e dialogar sobre a Escritura, para, então louvar, cantar e orar. Na proclamação, a Palavra de Deus é recebida, lida, pregada e cantada. A resposta é expressa em cântico, louvor, oração, dádivas e confissão. A igreja necessita compreender a importância desses elementos, de forma positiva e equilibrada.
Ministério: Quais são as influências negativas que afetam a adoração?
Dr. Plenc: A influência da cultura secular e humanista, ou da espiritualidade mística, sentimental e subjetiva. Em alguns casos, nos perturbam certas posturas radicalizadas, tendentes à crítica e ao separatismo. Às vezes essas influências se mostram no apego às formas simples, carentes de verdadeira espiritualidade, à comodidade egoísta e despreocupada de cultos improvisados e de conteúdo pobre. Muitos parecem mais interessados em assuntos psicológicos e sociais que nos grandes temas da Bíblia. Prioriza-se a confraternização e a satisfação das necessidades humanas em detrimento da reflexão, reverência e instrução. Alguns cultos e programas evangelísticos, apoiados na música cristã contemporânea, estão se tornando excessivamente emocionais e carentes do fundamento objetivo da Palavra de Deus.
Ministério: Mas também há aspectos positivos?
Dr. Plenc: Felizmente, sim. Em geral, o povo tende a rejeitar o formalismo e o cerimonialismo estéreis. Nas últimas décadas, tem-se desenvolvido um conceito mais integral de culto dentro do adventismo. Muitos estão percebendo que o culto é algo mais do que o sermão e que os elementos precedentes não são apenas “preliminares” de pouco valor, mas uma parte importante do culto. Muitas igrejas estão recuperando o lugar do louvor, e compreendendo o valor da adoração para experiência religiosa. Sente-se a necessidade de cultos mais participativos, espontâneos e vitais. O intelectualismo da pregação tradicional está dando lugar à pregação que fala ao homem total, para que haja uma resposta que seja traduzida em um estilo de vida que glorifique a Deus.
Ministério: Há alguma coisa que possa ser considerada mito na adoração?
Dr. Plenc: Sim. Às vezes, por exemplo, cremos que a reverência significa silêncio e quietude. Não podemos negar o valor desses elementos, em momentos de reflexão e oração. Porém, no sentido bíblico, a reverência está mais relacionada a uma atitude de fidelidade e obediência à vontade divina do que permanecer nos bancos sem dar resposta alguma. Louvar implica em exclamar de modo audível nossa devoção ao Senhor. Alguns crêem que a passagem de Habacuque 2:20 (“o Senhor está em Seu Santo tempo; cale-se diante dEle toda a terra”) se refere à igreja e ao culto. Porem, o profeta está falando do tempo celestial, de onde Deus rege a História e o mundo. Outros costumes tradicionais, sem ser negativos em si mesmos, carecem de base bíblica, como, por exemplo, mãos postas e olhos fechados na oração. A celebração trimestral da Santa Ceia foi uma reação do reformador Zuínglio à reiteração dos cultos eucarísticos do cristianismo então prevalecente. Como adventistas, temos adotado essa e outras práticas de raiz protestante.
Ministério: Qual é sua opinião sobre a tendência de substituir o uso do hinário pela projeção dos cânticos numa tela?
Dr. Plenc: Essa é uma tendência forte em todas as igrejas. Já está ficando para trás o tempo em que íamos ao culto levando a Bíblia, o hinário e a lição da Escola Sabatina. Em muitos lugares, os adoradores recebem coletâneas. Em outros, os hinos são projetados na tela. O hinário tem a vantagem de estar sempre disponível para enriquecer nosso culto pessoal, familiar, ou na igreja. Contém muitos e variados hinos, com letras substanciosas e melodias provadas pelo tempo. Dão sentido de unidade e identidade. Porém, além disso, creio que devemos considerar os estilos e o conteúdo das músicas religiosas atuais. Há muitos cânticos espirituais, inspiradores, belos e adequados. Outros carecem dessas virtudes. Às vezes, nos são impostos cânticos muito rítmicos, seculares, sentimentais e até sensuais. Alguns são difíceis de aprender e inadequados para o canto congregacional. O carismatismo, com sua ênfase na experiência, em lugar do conteúdo doutrinário, inunda as igrejas com musicas freqüentemente pobres de valor e significado, centralizadas no homem ou dizendo pouco sobre Deus e Sua Palavra. Acredito que podemos integrar hinos tradicionais e cânticos contemporâneos, mas temos de escolher esses cânticos com base na sua riqueza poética e adequação de sua música.
Ministério: Qual é o lugar das novas tecnologias no culto?
Dr. Plenc: A tecnologia pode dar um grande apoio ao culto e à evangelização. Oferece ferramentas úteis para despertar o interesse, chamar a atenção e gravar a mensagem na mente dos ouvintes. As projeções, transmissões via satélite e outros recursos estão sendo uma bênção para muitas pessoas. Porém, existe o perigo do mau uso ou do abuso da tecnologia no culto. Pregação é a transmissão da mensagem de Deus aos homens, através do pregador. Portanto, a Bíblia não deve ser substituída pelo computador, ainda que o computador contenha a Bíblia. Os simbolismos aqui são importantes, e a Escritura não deve ser desprezada. O pregador pode repassar ou ressaltar parte de sua mensagem com projeções, mas não deve perder o contato visual com os ouvintes nem limitar-se à rigidez dos textos, símbolos e imagens. As músicas gravadas podem ser tecnicamente ótimas, mas como o culto é a oferta do crente a Deus, devemos ser cuidadosos. Os textos e a voz devem ser preservados acima do volume dos sons. Mesmo que não tenha a perfeição de músicos profissionais, um instrumento executado ao vivo sempre será melhor do que uma gravação.
Ministério: O que deveríamos incluir ou excluir do culto, para torná-lo uma experiência significativa?
Dr. Plenc: Devemos incluir tudo o que contribua para a revelação de Deus e de Sua vontade, bem como aquilo que permita ao crente responder positivamente ao Céu e suas demandas. Tudo o mais que interferir nesses objetivos ou que distraia os adoradores deve ser descartado. Também devemos deixar de lado o mero entretenimento, a busca superficial de satisfação espiritual e o exibicionismo. Um boletim informativo e um bom comunicador substituem muito bem os anúncios longos e heterogêneos.
Ministério: Quais as formas bíblicas mais apropriadas de se dar uma resposta a Deus?
Dr. Plenc: Mediante atos que dêem testemunho de nossa admiração, nosso reconhecimento, entrega, devoção, alegria e esperança. A Bíblia mostra que podemos expressar tal adoração, entre outras coisas, por meio da oração (Salmo 95:6), entrega dos dízimos e ofertas (Deuteronômio 26:10; I Crônicas 16:29; Salmo 96:8; Provérbios 3:9), canto (Salmo 66:1-4 e 8), serviço (Romanos 12:1), vida obediente (Miquéias 6:6-8; João 4:20-24) e a observância do sábado (Êxodo 20:8-11; Apocalipse 14:7).
Ministério: O que o senhor achou da declaração sobre a música, aprovada no ano passado pela Associação Geral?
Dr. Plenc: O documento “Uma Filosofia Adventista do Sétimo Dia Sobre a Música” foi aprovado pela Comissão Executiva da Associação Geral, no Concílio Anual, em 13 de outubro de 2004 e ratificado pela Comissão Plenária da Divisão Sul-Americana, em 3 de maio do ano passado. Creio ser importante a Igreja se pronunciar sobre esse tema delicado e polêmico. É oportuno apresentá-lo no contexto do grande conflito entre o bem e o mal. É positivo que reconheçamos que “a música não é moral nem espiritualmente neutra”, e que há diretrizes na Bíblia e nos escritos de Ellen White. O documento reconhece que “nem toda música considerada sacra ou religiosa pode ser aceitável para um adventista do sétimo dia”, especialmente a que evoca associações seculares ou convida à conformidade com as normas mundanas. Também oferece nove princípios que dirigem a adoção de música apropriada no que tange à qualidade, autenticidade, criatividade, aos valores e ao equilíbrio. É louvável o convite a selecionar boas letras, com conteúdo rico, boa composição e o permanente desafio de escolher o melhor.
Ministério: Como podemos harmonizar os estilos de culto e de música, sem comprometer a unidade eclesiástica?
Dr. Plenc: Já fomos ensinados que a música é a arte de combinar os sons e o tempo. Penso que, atualmente, a música da igreja é a arte de combinar os critérios; uma tarefa nada simples. Devemos reconhecer que os estilos de culto e de música não fazem necessariamente a espiritualidade nem o crescimento da igreja. É o espírito do culto o que importa; o clima espiritual percebido em cada serviço e, sobretudo, a fidelidade às instruções divinas. Uma forma de desenvolver uma adoração relevante é lembrar a qualidade corporativa da igreja. A Bíblia descreve a igreja como um corpo e exige que cuidemos de sua unidade e integridade. O culto é o culto da igreja e a música é a música da igreja. Não há espaço para individualismos nem caprichos particulares. O culto deve ser comunitário, inclusivo, inspirador, participativo e harmonioso. O “Guia Para Ministros” estabelece que pastores e anciãos são responsáveis pela direção dos cultos e, inclusive, aconselha a criação de uma comissão de liturgia para estudar e criar formas de melhorar o culto.
Ministério: O senhor acha que deveríamos enfatizar mais as orientações litúrgicas em nossos programas de treinamento?
Dr. Plenc: Acredito que pastores e líderes da igreja necessitam estudar mais esse tema na Bíblia e nos escritos de Ellen White. Só conheço duas lições da Escola Sabatina sobre adoração nos últimos 30 anos. Há pouquíssimos livros adventistas sobre o assunto. Deveria haver um estudo sobre liturgia em nossos manuais de estudos bíblicos. Raramente a liderança da igreja recebe instruções a respeito disso. Há uma necessidade urgente de instrução e capacitação. Necessitamos pregar mais sobre a adoração e discutir mais constantemente o tema. Devemos ensinar os irmãos a fazerem o culto pessoal e familiar diário. Os novos conversos precisam conhecer a importância do culto e o significado de suas atividades e cerimônias. Necessitamos ensinar sobre como orar, testemunhar, estudar a Bíblia e pregar.
Ministério: Será que, ao enfatizarmos tanto o evangelismo externo, estamos descuidando da adoração?
Dr. Plenc: Equilíbrio é sempre o desafio. A clareza nos objetivos da igreja e seu culto é outra necessidade iniludível. Não cremos em cultos exclusivamente de adoração ou de evangelização. Preferimos serviços abertos que integrem três objetivos bíblicos: adoração, edificação e evangelização. O descuido também é perigoso. Podemos descuidar da evangelização, da adoração ou do crescimento da igreja. O culto da igreja é dirigido a Deus, aos crentes e ao mundo, porque louva, nutre e apela. Quando a adoração é autêntica, os membros se sentem inspirados e animados a participar na pregação. Porém, não devemos nos esquecer de que o propósito último da vida e da igreja é a adoração a Deus.
Ministério: Qual é o aspecto da adoração que representa maior preocupação para o senhor?
Dr. Plenc: Algumas vezes, preocupa-me o silêncio. Em outras ocasiões, o ruído. O silêncio da indiferença e a falta de participação, assim como o ruído da informalidade e da confusão disfarçada de fervor e entusiasmo. Preocupa-me a adoração irrelevante, sem inspiração; o ritualismo que às vezes persiste, e certas manifestações distorcidas de espiritualidade, como as que são propostas pelos movimentos carismáticos. Preocupa-me que, talvez, estejamos perdendo a bênção de um encontro significativo com Deus.
Ministério: O que o senhor diz sobre a informalidade dos chamados “momentos de confraternização” no culto?
Dr. Plenc: A confraternização é necessária; é bíblica. A comunhão é um imperativo do Novo Testamento. Portanto, a igreja deve prover oportunidades para o desenvolvimento e fortalecimento da amizade, dos vínculos afetivos e de solidariedade. Porém, nem sempre vamos conseguir isso criando espaços para abraços, cumprimentos e beijos na hora do culto. Existem outros momentos que favorecem melhor a espontaneidade, o aprofundamento fraternal. Sugiro que leiamos novamente o capítulo “O Comportamento na Casa de Deus“, no livro Testemunhos Seletos, volume 2, de Ellen White. O formalismo e a indiferença são tão negativos como o descuido, a desordem e a perda de senso do que é sagrado. Os cultos da congregação devem ser cálidos, distendidos e fraternos, ao mesmo tempo que respeitosos, organizados e solenes. O culto é a reunião de homens e mulheres na presença de Deus.
Fonte: Revista O Ministério; jan./fev. 2006, pp.5-7.