por: Hilton Robson Oliveira Bastos
Tenho profundo respeito por todos os pastores adventistas, mas não estou disposto a aceitar tudo o que eles dizem sem que tenha uma base sólida nas escrituras para confirmar tais afirmativas. Esse posicionamento foi elogiado por Paulo (Atos 17:11 e 12), portanto o sigo de perto.
Há alguns dias, li um artigo do Pr. Valdeci Jr., onde ele tenta refutar um artigo que escrevi, o qual foi publicado em vários sites, inclusive no site Música Sacra e Adoração, neste endereço. O referido artigo trata do texto encontrado em Ezequiel 28:13, principalmente sobre o termo hebraico toph e sua controversa tradução para tambores no texto citado. Com base nesse texto, alguns tentam afirmar que Deus criou os tambores para Lúcifer enquanto este habitava nos céus.
O Pr. Valdeci Jr. fez a seguinte declaração em sua refutação:
“Mas não há um único lugar na Bíblia que, referindo-se aos tambores, diga que Deus ‘não autorizou o seu uso em Seu templo terrestre’.”
Quanto a esta declaração, não preciso respondê-la, pois o Prof. Vanderlei Dorneles deixou o assunto bem claro em sua tese de mestrado, tendo como orientador o Ph.D. Alberto R. Timm, que recomendou, por escrito, a leitura do livro Cristãos em Busca do Êxtase, onde foi publicada a referida tese. O livro também recebeu recomendações por escrito do Th.D. Amin A. Rodor. Acredito que o Pr. Valdeci não esperaria encontrar um texto bíblico que diga literalmente: “Deus não aceita tambores no templo”. Pois, como muitas de nossas doutrinas, tal não acontece. A ordem é: “cavai, cavai, não na superfície, mas profundamente”.
Ele diz ainda:
“Para ser coerente, Hilton deveria rasgar e jogar no lixo toda a liturgia tradicional da IASD e adorar a Deus com a liturgia usada pelo Israel Antigo, há milênios.”
Não. Eu não preciso rasgar toda a liturgia tradicional adventista, apenas seguir o que reza o seu manual quanto à utilização da música:
“‘Fazia-se com que a música servisse a um santo propósito, a fim de erguer os pensamentos àquilo que é puro, nobre e edificante, e despertar na alma devoção e gratidão para com Deus.’ – Patriarcas e Profetas, pág. 594. ‘[Jesus], entretinha em cânticos comunhão com o Céu.’ – O Desejado de Todas as Nações, pág. 73.
“A música é uma das artes mais sublimes. A boa música não apenas proporciona prazer, mas eleva a mente e cultiva as mais finas qualidades. Os cânticos espirituais foram amiúde usados por Deus para comover o coração dos pecadores e levá-los ao arrependimento. A música desvirtuada, ao contrário, destrói o ritmo da alma e quebranta a moralidade”.
“Grande cuidado deve ser exercido na escolha da música. Toda melodia que pertença à categoria do “jazz”, “rock” ou formas correlatas, e toda expressão de linguagem que se refira a sentimentos tolos ou triviais, serão evitadas. Usemos apenas a boa música, em casa, nas reuniões sociais, na escola e na igreja. (Ver pág. 76.)” Manual da Igreja, pág. 180.
E, como disse o Pr. Otimar Gonçalves,
“É impressionante como a bateria/tambores está para a música rock, como o mar está para peixes.”
Transcrevo a seguir o texto de Ezequiel 28:13 em hebraico e as traduções para o português de cada termo de acordo com várias fontes pesquisadas:
Eden gan ‘elohiym ‘eben yaqar m ^ecukkah ‘odem pitdah yahalom tarshiysh shoham yash ^epheh cappiyr bareqeth nophek zahab m ^ela’kah toph neqeb yowm bara’ kuwn
Éden | “prazer” – o primeiro lugar de morada do ser humano depois da criação, localização desconhecida; um levita gersonita, filho de Joá, nos dias do rei Ezequias, de Judá. |
Gan | jardim, área cercada, jardim cercado, jardim (de plantas), Jardim do Éden. |
‘Elohiym | (plural) – governantes, juízes, seres divinos, anjos, deuses, deus, deusa, divino, obras ou possessões especiais de Deus, o (verdadeiro) Deus, Deus. |
‘Eben | pedra (grande ou pequena), pedra comum (em estado natural), material rochoso, referindo-se a placas de pedra, mármore, pedras cortadas, pedras preciosas, pedras de fogo, pedras contendo metal (minério), ferramenta de trabalho ou arma, peso, chumbo (pedras de destruição) também feito de metal, objetos semelhantes a pedras, ex. pedras de granizo, coração de pedra, gelo, objeto sagrado, Samuel erigiu como memorial para indicar onde Deus ajudou Israel a derrotar os filisteus, afundar em água, imóvel, força, firmeza, solidez, comum, petrificado de terror, perverso, coração duro. |
Yagar | valioso, estimado, importante, precioso, raro, esplêndido, altamente valorizado, pedras preciosas ou joias; raro, glorioso, esplêndido, importante, influente. |
M ^ecukkah | adorno, coberta, vestimenta. |
‘Odem | rubi, sárdio (vermelhidão); pedra preciosa. |
Pitdah | topázio ou crisólito, uma pedra preciosa |
Yahalom | uma pedra preciosa (conhecida por sua dureza), talvez jaspe, ônix ou diamante |
Tarshiysh | uma pedra preciosa ou uma gema semipreciosa, talvez um crisólito, jaspe amarelo ou outra pedra de cor amarelada |
Shoham | uma gema ou pedra preciosa, provavelmente ônix, crisópraso, berilo, malaquita. |
Yash ^epheh | jaspe (uma pedra preciosa). |
Cappiyr | safira, lápis-lazúli. |
Bareqeth | uma joia, pedra preciosa, esmeralda. |
Nophek | uma pedra preciosa no peitoral do sumo sacerdote, talvez uma esmeralda, turquesa, rubi ou carbúnculo ou joias importadas de Tiro. |
Zahab | ouro, como metal precioso, como uma medida de peso, referindo-se a brilho, esplendor. |
M ^ela’kah | ocupação, trabalho, negócio, ocupação, propriedade, trabalho (algo feito), obra, serviço, uso, negócio público, político, religioso. |
Toph | (procedente da raiz taphaph) – tocar pandeiro, bater, tocar, tamborilar (sobre um pandeiro ou outro objeto), tocando, batendo, pandeiro, tamborim, algo que bate, pingente. |
Neqeb | entalhe, encaixe, buraco, cavidade, engaste, termo técnico relacionado ao trabalho de joalheiro, ou instrumento musical (flautas, talvez). |
Yowm | dia, tempo ou ano. |
Bara’ | Criar, moldar, formar. |
Kuwn | estabelecer, preparar, consolidar, fazer, fazer firme, fixar, aprontar, preparar, providenciar, prover, fornecer. |
Sendo na Bíblia ou em outra obra qualquer, tradução não é um trabalho mecânico de simplesmente se trocar palavras duma língua por palavras de outra língua. Tradução é interpretação, principalmente em se tratando do hebraico.
No hebraico, alguns verbos estão só implícitos, há frases longas com apenas duas ou três palavras, outras sem sujeito, há diversos substantivos concretos que representam conceitos abstratos (os quais são praticamente ausentes no hebraico), como “cordão” que significa “cativeiro”, “vento” que é “espírito”, virgem (alamoth) que é usada para falar de um tom musical (I Crônicas 15:20, soprano, ARA), coração, rins e entranhas que se referem a sentimentos. Assim, o tradutor do hebraico precisa deduzir e interpretar frequentemente.
As versões mais interpretativas (exemplo: ARA) traduzem toph como ornamentos, pingentes, etc., enquanto as versões mais literalistas (exemplo: ARC) traduzem como tambores. Nas versões literalistas, alguns textos são traduzidos de forma desconexa. Um exemplo disso é encontrado em I Coríntios 13, onde agape é traduzido na versão ARC como “caridade”, já na versão ARA o termo utilizado foi “amor”. Perceba que o texto traduzido na versão ARC parece perder o sentido, tendo em vista que caridade “é amor que se manifesta em atos de ajuda aos necessitados”, não o amor em seu estado mais sublime.
Alguns estudiosos afirmam que o termo toph em Ezequiel 28:13 é um exemplo de um substantivo concreto usado de forma figurada. A palavra hebraica tuppim (singular toph) é usada junto a uma lista de pedras preciosas. O sentido literal de toph é tambor, mas esse sentido aqui fica desconexo. Eis o motivo de não haver consenso sobre o texto. A versão ARA, 2ª Ed., traduz como “ornamento”, o que deixa o texto coerente com o contexto que fala da beleza externa do rei de Tiro, vista em seus ornamentos de pedras preciosas, sendo várias delas citadas. O rei de Tiro é citado aí como um símbolo de Lúcifer, e a interpretação dos detalhes da descrição deve levar isso em consideração, o mesmo ocorre nas parábolas, onde nem todo detalhe deve ser tomado literalmente. Na versão ARC, toph é traduzido por tambores, precisando haver uma mudança no contexto, passando da descrição da vestimenta do ser descrito para sua habilidade em música.
Segundo o erudito e professor de Grego e Hebraico, Dr. Euclides Vilar, comentando sobre a tradução de toph, afirma que “ambas as traduções podem ser aceitáveis”.
Veja esta outra declaração do Pr. Valdeci Jr.
“E, ao citar Moody, [Hilton] também fecha um olho para o fato de que o próprio Moody admite que o texto massorético, que é muito mais confiável do que o da Vulgata, cita “tamborins” e não “engastes”. Moody, ao ver, no contexto, a necessidade de engastes, não chega a contradizer, pois nos tamborins, assim como na estola, há engastes.”
Ao comentar sobre Moody, o Pr. Valdeci admite que o contexto exija engastes, porém tenta justificar seu entendimento, afirmando que existem engastes nos tambores e na estola (vestimenta, coberta, m ^ecukkah). Interpretando o texto a partir deste ponto de vista, nele não há referência a tambores, mas sim à estola. Então, pergunto, a quais engastes está o autor de Ezequiel se referindo? O silêncio é a melhor resposta, porque acreditar que Deus tenha criado os tambores para Lúcifer ou não, não implicará em salvação de pessoa alguma.
No texto massorético é assim escrito: “m ^ela’kat tophycha“. Na Septuaginta a expressão é apresentada assim: “m^ela’kat yophycha“. Perceba que há mudança de apenas uma letra, o que gera grandes possibilidades de, nos textos originais, ser confundida. A Septuaginta, de acordo com alguns eruditos, parece ter sido influenciada pelo texto siríaco, escrito por judeus da síria.
Outro ponto que precisa ficar bem claro é que o texto massorético, tanto citado pelo Pr. Valdeci, é um antigo texto em hebraico de onde originou-se a maior parte das traduções protestantes e, mais recentemente, católicas, portanto o termo toph é lá encontrado. Não estou colocando em pauta a confiabilidade do texto massorético, como o Pr. Valdeci faz transparecer, mas a tradução do referido termo no contexto de Ezequiel 28:13.
Gostaria agora de transcrever parte do artigo do doutor em Teologia Bíblica, Ozeas C. Moura, publicado na Revista Adventista de Dezembro de 2009:
“Ezequiel 28:13, na versão bíblica Almeida Revista e Atualizada, diz que Deus preparou os “engastes” e “ornamentos” para Lúcifer. A palavra “engaste”, no hebraico é “toph” e tanto pode se referir a “tambor de mão”, “pandeiro”, quanto à “garra ou guarnição de metal que segura uma pedra preciosa”. Já “ornamentos” é tradução da palavra hebraica “néqeb“, que também tem dois significados: “pífaro” e “flauta”, mas também “cavidade”, na qual se fixa uma pedra preciosa.
“Gramaticalmente, as duas palavras acima podem se referir tanto a instrumentos musicais quanto à obra de joalheria. Com duas possibilidades de tradução, seria melhor traduzi-las à luz do contexto, que não é o de instrumentos musicais, mas de enfeites com ouro e pedras preciosas (conforme os versos 13,14,16 indicam). A versão Almeida Revista e Atualizada fez bem em traduzi-las como “engastes” e “ornamentos”.” Revista Adventista, Dezembro de 2009, pág. 15.
Essa é a conclusão do Dr. Ozeas C. Moura, mas todos são livres para tirarem suas conclusões, inclusive o Pr. Valdeci Jr., pois, em se tratando de questões que não sejam pertinentes à nossa salvação, somos livres. O perigo está em adorarmos a Deus da forma como queremos e não da forma como Ele determina. Precisamos agir como Abel, mesmo que Caim venha nos perseguir.
Existem outras questões que dispensam comentário, pois acredito que ele não tenha compreendido a intenção do artigo que escrevi. Ademais, hostilidade não faz parte do meu caráter. Então, para ficar bem claro, quero deixar aqui a minha posição quanto a Ezequiel 28:13: O objetivo do artigo é mostrar que não existe base sólida para afirmar, com base em Ezequiel 28:13, que Deus criou os tambores para Lúcifer, levando em consideração que não existe outro texto bíblico que comprove tal suposição. Somente esse texto encontrado em Ezequiel se torna insuficiente diante das possibilidades de tradução. E, mesmo que o termo toph seja traduzido como instrumentos musicais, lembremo-nos de que Ezequiel utiliza a figura do rei de Tiro para falar de Lúcifer, portanto, há informações mescladas no texto, falando de Lúcifer e do rei de Tiro como numa parábola.
O próprio Pr. Valdeci citou que um teólogo e músico lhe declarou: “pensaria duas vezes antes de usar essa passagem pra falar de tambores”. Compartilho do mesmo pensamento.
Entres os teólogos consultados pelo Pr. Valdeci, 55% aceitam a tradução incluindo tambores, 30% preferem não se pronunciar, 15% excluem tambores na tradução. Em resumo, 55% contra 45%. Vejam que não é uma diferença esmagadora como o Pr. Valdeci faz parecer ser. Entre aqueles que preferem não se pronunciar sobre Ezequiel 28:13, está Frank Holbrook, um grande teólogo, escritor e profundo conhecedor do Santuário. Ele é o autor do livro O Sacerdócio Expiatório de Jesus Cristo, uma das mais esclarecedoras obras já publicadas sobre o Santuário.
Embora a tradução para engastes ou pingentes pareça mais coerente com o contexto, prefiro permanecer no grupo daqueles que mantêm silêncio sobre o texto. Aguardarei e me prepararei para estar um dia com Cristo, que é o meu grande desejo, pois quero estar face a face com o Senhor que me salvou. Ali tudo será esclarecido. No momento, prefiro adorar ao Senhor na beleza de Sua Santidade, pedindo-lhe forças para obedecer aos critérios que, no contexto deste mundo caído, Ele determinou.
Com este artigo pretendo encerrar a discussão sobre o assunto.
Pr. Valdeci, quero afirmar que, apesar de não o conhecer pessoalmente, estimo-o muito por alguns posicionamentos que o senhor tem tomado. Contudo, neste assunto, discordo do senhor, sem, no entanto, deixar de expressar-lhe admiração e respeito, porque acredito ter essa liberdade, como o senhor também a tem. Espero um dia nos encontrarmos face a face com Cristo no novo mundo que Ele tem preparado para nós. Acredito ainda que este é o seu desejo também. Que Deus o abençoe!