Resposta ao Compositor Flávio Santos

por: Um Grupo de Jovens

Irmão Flávio

Somos um grupo que se reuniu num sábado à tarde discutindo assuntos musicais, ocasião em que nos deparamos com o seu texto Não Existe Música Santa, publicado na internet. Trata-se de  um grupo heterogêneo, composto por oito pessoas, com idades entre 18 e 22 anos, um de 42 anos e um de 50 anos. Dois são estudantes de música nas áreas de composição e regência e canto, três são músicos amadores, dois são anciãos da igreja, um é psicólogo e todos são adventistas atuantes.

Unanimemente o admiramos como compositor, principalmente pelos seus hinos mais conhecidos e que constam do Hinário Adventista e algumas composições corais. Por isso nos motivamos a responder seu artigo.

Gostaríamos de começar citando I Coríntios 10:31: “Portanto, quer comais quer bebais, ou façais, qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus.”

Algumas considerações de um compositor

É muito difícil falar abertamente de música e composição com as pessoas da igreja, pois este é o assunto em que quase todas as pessoas da igreja se acham entendidos e doutores… Até mesmo entre os músicos existe uma divisão entre os que criam e os que executam e interpretam…

Um outro fato é que o gosto pessoal ás vezes é imposto como o gosto de Deus: como se Deus tivesse se revelado pessoalmente a estas pessoas e dito “esta é a música que Eu o Senhor Teu Deus gosto”.

A maioria dos músicos cristãos criativos, compositores, arranjadores e orquestradores, são questionados e de certa forma cerceados pela alegação de que eles introduzem elementos estranhos ao gosto musical de seu tempo, sendo assim é fácil afirmar que eles copiam o mundo e não imitam a música do Céu. Eu pergunto: Como poderei imitar o céu sendo que ainda não estive lá?

Nossa Resposta

Concordamos que é difícil discutir o assunto música na igreja, pois há muita opinião pessoal e pouca base bíblica e técnica na discussão.

Não pretendemos discutir gosto, pois concordamos que é pessoal, subjetivo e cultural. Também concordamos que o gosto pessoal não deve ser usado como parâmetro para a adoração a Deus. No entanto cremos que existem evidências bíblicas claras sobre a verdadeira adoração, que deve ser:

– Espiritual (João 4:24)
– Inteligente (I Coríntios 14:15)
– Sincera (Colossenses 3:23-24)
– Reverente (Salmos 95:6)

“Eu vi que todos deveriam cantar com espírito e com entendimento.” (TI Vol.1 pag. 146)

01. O que é música?

A música ocidental é composta de 12 notas, uma dúzia ou mais de acordes, consonantes e dissonantes, e uma variedade de instrumentos musicais que somados a vozes humanas formam a paleta musical com o qual o compositor trabalha. Tudo que se fez de música até hoje foi e é uma combinação de timbres, notas, acordes, distribuídos em um período de tempo que é o ritmo.

O compositor atua como um pintor que utiliza as tintas de diversas cores e as pincela numa tela. Diferentemente da pintura em que a combinação de cores e riscos resulta numa imagem de algo já existente ou numa imagem nova sem significado.

Uma nova composição original em seu nascimento não tem significado algum. Estou falando que a música ao sair da imaginação do compositor não tem significado espiritual, moral, mundano, etc. Já a pintura muitas vezes simboliza significados concretos e questionáveis. A música é como uma mesa, cujo tamanho, as cores e os elementos podem diferir, mas não se pode dizer que colocar um certo tipo de mesa na igreja é pecado. Somos nós que atribuímos significados a mesma, e este significado é resultado da nossa vivência.

01. O Significado Musical

Qualquer composição tem um objetivo final, por mais abstrata que ela seja. Inspiração não é psicografia. O compositor é uma pessoa, e como pessoa atribui naturalmente significado a tudo que está criando, e desenvolve a profundidade visando um objetivo. A música é naturalmente abstrata, mas não isenta de significado.

Citamos Howard Hanson, famoso compositor e ex-diretor da Escola de Música Eastman em Rochester, Nova Iorque: “A música é composta por muitos ingredientes e, de acordo com a proporção destes componentes, pode ser calmante ou estimulante, enobrecedora ou vulgarizante, filosófica ou orgiástica. Ela tem poder tanto para o mal como para o bem”.

“A música quando não abusiva, é uma grande benção; porém é uma terrível maldição quando mal usada.” Testimonies, vol. 1, pp. 496 e 497.

Segundo Robert Jourdain no livro “Música, Cérebro e Êxtase”, “a música sempre existe como um sistema confinado de relações, certos elementos implicam outros elementos e, assim, forçam a mente em direção às antecipações que nos deixam perceber grandes estruturas musicais”. (pág. 377). Isto seria tensão e relaxamento.

Parece difícil, diante destes elementos, conceber música sem significado.

02. Ah! Essa é a tal da Associação?

Sim! A música passa a ter um significado através da associação que fazemos ao ouvi-la em determinada situação, lugar e emoção sentida no momento. Vou explicar melhor: em São Paulo os caminhões de gás tocam uma música de Beethoven chamada “Pour Elise”, Cada vez que as pessoas de São Paulo escutam a musiquinha o que vem a mente é o butijão de gás. Mas para as pessoas da época de Beethoven e para as pessoas de outras cidades esta música tinha e tem outro significado.

Acontece que o mundo é muito grande e as pessoas percebem o mundo de forma diferente devido a cultura, educação, vivência, família, etc. sendo assim uma nota, um instrumento ou ritmo tem um significado diferente para cada pessoa, de acordo com a sua experiência de vida.

02. A Associação Mental

“Não há nenhuma forma de música popular, no mundo moderno, industrializado, que se situe fora da província da consciência tonal maciça” (Richard Norton, Tonalidade na Música Popular, pág. 271).

Embora não possa ser negada a influência cultural e pessoal, também não pode ser ignorada a reação natural e universal à música. A industria cinematográfica reconhece isso usando a mesma trilha sonora para qualquer cultura do globo, na certeza de que as reações serão idênticas.

A musicoterapia obtém os mesmos resultados com as mesmas músicas para pacientes com delírios ou surtos psicóticos ou maníacos diferentes, independente do seu grau de consciência. Pessoas com distúrbios motores reagem também de maneira igual a tratamento musical, independente de sua história pregressa.

03. Como é o processo de composição musical

Se um compositor tentar fazer um manual de composição onde se relacionem todas as combinações sonoras permitidas ou proibidas de acordo com o pensamento de sua época, ele descobrirá que é impossível fazer música usando este manual. A razão é que todo e qualquer som ou combinação dos elementos musicais tem associado a ele uma série de emoções, sentimentos e lembranças, que diferem de pessoa para pessoa, de povo para povo, etc. Por esta razão dificilmente um compositor escreve livros de composição dizendo o que é certo ou errado, pois ele seria o primeiro a quebrar estas regras.

Boa parte dos livros sobre composição musical foi escrita por pessoas que não são compositores, e estes livros são na verdade compilações de exemplos de coisas em comum entre as obras conhecidas e mais apreciadas. Mas a cada dia que passa o livro fica mais desatualizado porque a cada dia novas coisas são criadas ou combinadas.

Os compositores mais marcantes e reconhecidos como inovadores ou gênios da música, são aqueles que romperam com o tradicional ou comum em sua época e criaram algo diferente, sempre é bom destacar que em música o novo é a mistura de uma corrente ou estilo musical com outra.

Bach, o famoso Bach, que é o grande exemplo de um compositor consagrado a Deus pela ala tradicional religiosa de hoje. Foi considerado revolucionário em seu tempo. Já li artigos em que musicólogos revelam que alguns elementos formais da música de Bach foram os pilares de alguns estilos atuais tais como o jazz e a música erudita. Vila-Lobos inspirou-se em Bach e fez as famosas Bachianas que por sua vez influenciou Tom Jobim, um dos precursores da Bossa Nova, que pode até ter influenciado alguns músicos conhecidos da nossa igreja que por sua vez influenciaram tantos outros compositores, e assim vai…

03. A Composição Musical

Há um equívoco aqui. Desde o início do renascimento, com Palestrina, até os modernos guias de composição da Berklee University, a grande maioria dos tratados de composição foi escrita por compositores aclamados. Por exemplo, Palestrina, Rameau, Bach, Beethoven, Berlioz, Mendelssohn, Hindemit, Schoenberg, etc. Estes livros foram usados não apenas por seus alunos, como por diversos compositores da posteridade.

Quanto à desatualização, o tratado de contraponto de Palestrina, da segunda metade do século XVI, é usado até hoje nas escolas de composição. Mesmo pessoas que usam linguagens de composição diferentes se utilizam destes tratados para desenvolver a escrita. Nenhum dos grandes compositores mundiais, até os dias de hoje, os descartou.

O fato de Bach ter influenciado o surgimento do jazz não se contrapõe à sua religiosidade, nem é uma novidade. Apenas atesta que ele era um grande compositor e que suas criações foram capazes de influenciar estilos musicais surgidos 200 a 250 anos após a sua morte.

Não dá para separar a influência que uma corrente musical exerce sobre a outra e vice-versa. Não existem também fronteiras religiosas dentro da música e é por isso que o nosso hinário é o maior documento ecumênico da igreja, pois diversos segmentos religiosos estão representados e inseridos dentro dele. O famoso Padre Marcelo gravou diversas músicas evangélicas em seus cds, até corinhos que são cantados em igrejas Adventistas. Existem também cds Adventistas que contém melodias de compositores católicos. Todos aqueles que gravaram músicas da cantora Kathy Troccolli não se iludam, pois ela é uma cantora católica americana e uma parte de seus colaboradores, são companheiros de fé.

Na verdade existem barreiras religiosas dentro da música. No entanto não são barreiras denominacionais, mas de princípios. Hinos que se adequem aos nossos princípios de adoração, podem ser adotados, independente do credo religioso de seus compositores. “Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai.” Filipenses 4:8

É bom lembrar que nem toda a produção musical religiosa adere a estes princípios, e portanto não deve ser incluída na nossa adoração.

“A escolha de música apropriada para a igreja é crucial, especialmente para a Igreja Adventista do Sétimo Dia, porque através de sua música ela ensina e proclama as verdades finais a ela confiadas. Infelizmente o estilo de música e de adoração da maior parte das igrejas Adventistas é baseado grandemente na aceitação sem críticas do estilo de adoração de outras igrejas.” (Dr. Samuele Bacchiocchi, O Cristão e a Música Rock, pág. 185)

Um dos compositores mais inovadores da música erudita quando criança morou numa casa em que se ouvia no lado de dentro música religiosa por seus pais, missionário americanos. Já na parede ao lado a música tocada era no estilo da região local. Pois bem este compositor foi o precursor de uma corrente musical em que duas tonalidades são sobrepostas criando o mesmo efeito que ele ouviu quando criança.

A composição “Three Places in New England” de Charles Ives, mencionada não nominalmente, não tem objetivos sacros. Apenas cita motivos musicais cristãos numa peça com objetivo de concerto.

04. É possível uma música santa desassociada do mundo?

Um dos maiores mitos que existem é o da música santa. Música é música. Assim como Inglês é Inglês e Grego é Grego. Música é uma forma de linguagem através dos sons. As palavras em uma língua falada possuem um mesmo significado para o povo que fala e escreve a mesma. Porém todos os lingüistas e estudiosos concordam que o vocabulário de uma língua muda com o tempo, pois é um processo dinâmico em que palavras caem no desuso e outras são agregadas pelas pessoas.

Já na música esta universalidade de interpretação ou significado não existe. É preciso veículos formadores de opinião para que este significado passe a ser associado a uma determinada música.

O Cinema, a Rádio e a TV são atualmente os maiores formadores de opinião e gosto musical, como também são as forças mais influentes, em dar significados universais a música. Mas há paradoxos. Existe, por exemplo, uma música gospel chamada “Oh! Happy Day” que no Brasil é sinônimo de margarina e a mesma música nos Estados Unidos lembra uma freira rebelde do filme “Mudança de Hábito”. Já para outros a música lembra o dia de sua conversão que é o tema da letra.

Se a Rede Globo resolver usar uma música qualquer ou até mesmo um hino para ilustrar uma cena de novela, pode ter certeza que milhões de Brasileiros ao ouvir aquela melodia vão lembrar da cena. Já as pessoas que não assistiram o tal programa terão outra reação para o mesmo estímulo.

O hino “Mais Perto Quero Estar” para os milhões de cinéfilos que foram assistir o filme “Titanic” lembra apenas e tão somente a cena de desespero e despedida dos músicos daquela tragédia. Este hino somente tem um significado espiritual e especial para aqueles cristãos que conheceram o hino em sua experiência religiosa.

Dá para mudar o significado de uma música ou estilo musical? Sim, mas é preciso executar a música num outro contexto diversas vezes até se criar um novo vínculo. É um processo de recondicionamento musical. Uma pessoa que passou por circunstâncias difíceis na vida geralmente associa lugares e coisas aos fatos, este significado só irá desaparecer na medida que estes elementos comecem a ser associados a circunstâncias diferentes das vividas.

04. A Linguagem Musical

Muito apropriada a sua comparação entre a música e as linguagens. Assim como as linguagens podem ser usadas para textos de diversos significados, a música também. Grego é grego realmente, e foi usado para os textos dos filósofos gregos (uso profano) e também para escrever o novo testamento. Creio que é difícil negar a sacralidade do novo testamento. Portanto música pode também usada para compor expressões sacras ou profanas.

No entanto a comparação entre música e idiomas deve ser usada com ressalvas. Existem coisas em música impossíveis de serem ditas em palavras, assim como existem cenas (quadros) indescritíveis. “Tradução é um outro problema. Quase tudo que pode ser dito em árabe, também pode ser fielmente traduzido para o chinês, finlandês ou navajo. Será que tudo que é “dito” por uma sinfonia de Beethoven pode ser traduzido para country and western ou motown? Não parece possível. Na música o significado parece, em parte, estar corporificado no idioma de sua expressão”. (Robert Jourdain, Música, Cérebro e Êxtase, pág. 351). Portanto se música é um idioma e os estilos musicais dialetos, ainda assim seria impossível a “tradução”.

“Embora não possa ser negado que, com o crescimento da mídia globalizada das massas, algum condicionamento em massa com respeito à música possa ter ocorrido, também é claro que o impacto da música não é apenas uma questão de condicionamento. A primeira exposição a uma música já causará o efeito desejado pelo compositor/executante. Mesmo antes que se pudesse dizer que o condicionamento das massas fosse um fator importante, os produtores pareciam ser capazes de predizer com muita precisão qual música era apropriada para cenas ou seqüências específicas. Isto nunca foi uma questão de tentativa e erro. Antes que fossem feitos estudos científicos sobre este fenômeno, houve muito empirismo, mas os resultados sempre eram os esperados” (Dr. Samuele Bacchiocchi, O Cristão e a música Rock, pág. 352)

Por outro lado, quanto ao uso do hino “Mais Perto Quero Estar” nas cenas do filme “Titanic”, pode-se acrescentar que a compreensão da cena na sua total profundidade apenas pode se dar quando as pessoas já conhecem o hino e seu significado. Neste caso o filme está usando um significado anterior, embora não se possa negar que cria uma nova associação.

05. E o compositor cristão, o que ele faz?

Na prática um compositor, cristão, sensato, polido e equilibrado procura fazer é utilizar combinações sonoras que não estejam tão associadas ou vinculadas a coisas mundanas de seu tempo.

Muitas vezes ele guarda na gaveta suas criações, e muitos deles só são reconhecidos na posteridade, como é o caso de Bach, cujas partituras foram usadas para enrolar mercadorias, até que um músico descobriu novamente a obra de Bach.

Por outro lado se a música é destinada para a conversão de pessoas o meio mais eficaz de comunicação é falar na linguagem conhecida e apreciada.

05. A Prática Musical

A prática musical da igreja hoje é a mesma da época de Bach, na qual o compositor cria para consumo atual e não para a posteridade. Nesse sentido Bach foi um dos maiores de sua época, sendo chamado aos 22 anos para ser Mestre de Música na Corte de Weimar, pois já era reconhecido como um dos maiores pelo próprio imperador. Sua magnificência foi o que gerou sua redescoberta mais de 100 anos depois por Felix Mendelssohn, fazendo com que toda a Europa olhasse para o passado ao se defrontar com tamanha excelência e criasse uma nova prática musical, ou seja, a execução de música de séculos anteriores, prática essa usada até hoje. Ainda assim não se encontra um único vestígio de mundanismo de época alguma em trabalhos de tão consagrado compositor.

Quanto à música usada para conversão citamos Ellen G. White: “Há pessoas que estão prontas para fazer uso de qualquer coisa estranha, que possam apresentar como surpresa ao povo… nunca devemos rebaixar o nível da verdade, a fim de obter conversões, mas precisamos elevar o pecador corrupto à alta norma da lei de Deus.” (Evangelismo, pág. 137)

06. E a Igreja como se posiciona em relação a associação de significados?

Algumas denominações religiosas fazem o que Lutero fez, santificam ou procuram mudar o significado mundano associado à música. Outras esperam 20 anos aproximadamente ou o tempo necessário para a associação deixar de existir e então passam a utilizar o determinado estilo em sua liturgia.

O pensamento de Lutero é seguinte, só porque o inimigo usou primeiro, não quer dizer que ele é o dono desta combinação. O compositor Lineu Soares em suas músicas “A Minha Esperança” que é semelhante a um reggae ou no Semi-Baião cujo título não me lembro aparece no último disco do Tom de Vida. Dá margem para algumas pessoas sentirem-se afrontados e incomodados, enquanto que para outros estas músicas são uma homenagem carinhosa aos cristãos do Caribe ou do Sertão Brasileiro.

O Professor Irineu, diretor do IASP me relatou que este Reggae do Lineu já converteu e trouxe de volta muita gente para igreja e sei uma pessoa originária do Nordeste se sente prestigiada com uma música num estilo familiar que é o Baião e se abre para a mensagem de salvação.

Vou dar outro exemplo: na década de 1960 surgiu no cenário Adventista um grupo chamado The Wedgwood Trio e o tipo de música deles era muito parecido com os Beatles, Até no visual eles se pareciam, Os jovens e adolescentes apreciaram imensamente aquele grupo, mas a liderança da igreja baniu o grupo e os proibiu de atuarem na igreja e nas reuniões evangelísticas, somente trinta anos depois que eles foram aceitos pela comunidade Adventista, o som continua o mesmo, mas as pessoas se acostumaram com o som. O retorno e reabilitação do Wegdwood Trio foi um fato marcante na história da música Adventista, tanto é que cantaram na última conferência geral em Toronto as mesmas músicas que foram proibidas 30 anos atrás.

Eu mesmo fui proibido de tocar na igreja do IAE por um certo período de tempo, pelo Pr. Manuel Xavier, diretor interno do IAE na época, por ter interpretado uma música secular do compositor Milton Nascimento: “Amigo É Coisa Pra Se Guardar” em uma festa de Amizade do IAE que aconteceu no refeitório. Uma década depois pra minha surpresa o IAE passou um vídeo promocional de seus cursos e instalações e adivinhe qual era a música de fundo? “Amigo é Coisa Pra Se Guardar.”

Um outro fato interessante foi o processo de “santificação” da música Amizade de minha autoria em parceria com o poeta Valdecir S. Lima. Esta música foi composta para uma festa de amizade ocorrida em nosso colégio, no entanto com o tempo os líderes de jovens passaram a utilizar esta música em seus programas para jovens. Uma vez fui convidado para um aniversário de uma igreja e a música cantada neste evento especial que ocorreu num sábado de manhã foi Amizade.

Se esta música fosse gravada pelo Roberto Carlos ou Padre Marcelo jamais teria sido aceita como digna de ser entoada em nossos átrios, por ser originária de nossos colégios ela é aceita e executada em todo o Brasil.

06. A Música na Igreja

Quanto ao uso de música secular por Lutero, muita lenda já foi criada.

Vejamos a seguinte pesquisa séria:”Primeiro, dos trinta e sete corais compostos por Lutero, só uma melodia veio diretamente de uma melodia folclórica secular. Quinze foram compostas pelo próprio Lutero, treze vieram de hinos latinos ou músicas de culto, duas eram, originalmente, canções religiosas dos peregrinos, quatro derivavam de canções religiosas populares alemãs, e duas são de origem desconhecida. O que a maioria das pessoas ignora é que mesmo a melodia que foi tomada emprestada de uma canção folclórica, e que ‘apareceu no hinário de Lutero de 1535, foi substituída mais tarde, por outra melodia no hinário de 1539. Os historiadores acreditam que Lutero a descartou porque as pessoas associavam esta melodia com o seu texto secular anterior.’
Segundo, Lutero mudou a estrutura melódica e rítmica das melodias que ele tomou emprestado de fontes seculares, para eliminar qualquer possibilidade de influência mundana. Em seu livro acadêmico, Martin Luther, His Music, His Message, Robert Harrell explica: ‘O modo mais eficiente de [se opor] à influência mundana seria ‘des-ritmar’ a música. Evitando as melodias de dança e ‘des-ritmando’ as outras canções, Lutero chegou a um coral com ritmo marcado, mas sem os dispositivos que lembravam as pessoas do mundo secular. Tão bem sucedido foi o trabalho feito por Lutero e outros músicos luteranos que os estudiosos eram freqüentemente incapazes de descobrir a origem secular dos corais’.
Terceiro, Lutero organizou a música para os jovens do seu tempo de modo a guia-los para longe da atração da música mundana. … . Lutero explicou por que ele mudou os arranjos musicais de suas canções: ‘Estas canções foram organizadas em quatro partes, pela única razão que eu desejei atrair a juventude (que deveria e deve ser treinada em música e em outras belas artes) para longe das canções de amor e obras carnais, dando-lhes em lugar disto algo saudável que pudessem aprender, de forma que possam adentrar com prazer ao que é bom, como é próprio à juventude’.
À luz destes fatos, qualquer um que use a declaração de Lutero ‘Por que o Diabo deveria ter todas as melodias boas?’ para defender o uso da música rock na igreja, tem que saber que esse argumento é condenado claramente pelo que o próprio Lutero disse e fez.” (Dr. Samuele Bacchiocchi, O Cristão e a Música Rock, pág. 34-36)

Quanto às influências da música popular, além dos textos já citados, cito você mesmo: “Na prática um compositor, cristão, sensato, polido e equilibrado procura fazer é utilizar combinações sonoras que não estejam tão associadas ou vinculadas a coisas mundanas de seu tempo.”

Por outro lado é um erro considerar qualquer música popular como pecaminosa, quando usada fora da igreja. Se algum excesso foi cometido no passado é um erro tão grosseiro como hoje querer trazer estilos mundanos para dentro da igreja. Na verdade achamos que nossos jovens deveriam ouvir mais música secular, cuidando na sua seleção, para ter a referência da diferença.

A igreja, por sua vez, deveria manter parâmetros que evitassem a migração dos estilos musicais. “Daí a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. A passagem do tempo não “sacraliza” uma música ou estilo. Na verdade a polemica criada ultimamente tem criado confusão e deixado boa parte da igreja sem saber que decisão tomar. A própria liderança é confusa e confunde. Que dizer então dos irmãos mais simples.

Foram citados alguns erros de julgamento. Eles não podem ser usados como parâmetros. O que importa são os princípios bíblicos.

07. E o gosto musical, como é formado?

As pessoas desenvolvem o gosto musical ou o seu paradigma musical (conjunto de sons associados a experiências e sentimentos) no período que compreende os primeiros 20 anos. Depois deste período tudo que é novo ou diferente é de difícil assimilação ou compreensão. Aquela musiquinha do caminhão de gás vai lhe acompanhar para sempre na sua memória.

Só terão significado espiritual todos os estilos musicais que foram associados à igreja, e que foram utilizados e absorvidos como parte da experiência religiosa neste período da vida. É possível uma mudança neste condicionamento, sim, como disse antes, mas são poucas as pessoas que estão abertas para mudanças radicais.

Acontece que se um compositor limitar a sua criatividade ao que pode ou não pode ditado pelo gosto das pessoas ao seu redor, não fará música. Por causa de seu espírito curioso o compositor está sempre a frente de seu contemporâneos. O gosto musical dele é sempre diferente dos outros porque o contato com o novo é sempre mais constante para aquele que experimenta e cria novas combinações.

07. A Motivação Musical

Citando Schuman “as pessoas compõe por muitos motivos: para se tornarem imortais; porque, por acaso, o piano estava aberto; por desejarem ficar milionárias; por causa do elogio de amigos; porque olharam para um par de lindos olhos; ou sem motivo algum, absolutamente”.

Isto nos remete ao tema da motivação do compositor. No caso da música sacra esta motivação não deve estar voltada para os homens, mas sim para Deus. No entanto, deve sempre ter em mente que sua música será usada pelos homens para o ato de adoração. Esta adoração deve começar por ele mesmo, e ser extensível aos seus co-adoradores. Caso não seja compreendida e/ou aceita pelos seus semelhantes, perde bastante do seu objetivo.

08. Pode o compositor usar o livre-arbítrio num processo de criação?

Em determinado momento o compositor rompe com tudo e todos e escreve suas músicas usando o livre arbítrio que Deus lhe deu. Ele combina os sons com a mesma liberdade que Deus teve ao criar os animais, plantas e tudo que há na terra, sem se preocupar se a cobra é ou se tornará símbolo disto ou daquilo, ou o Arco-Íris é ou será usado pela nova era ou outros movimentos, e assim por diante. É claro que com pecado tudo se modificou e alguns animais já não são mais mansinhos e bonzinhos, mas são design do Senhor. (Made by Lord) Da formiga ao elefante não dá pra dizer esta ou aquela espécie não foram criadas pelo Senhor, o maior e único criador de todos os tempos.

Só que existe uma situação complicada para o compositor religioso: muitas vezes em suas experiências criativas o compositor mistura elementos musicais e chega a um resultado que é semelhante a algum estilo que já existe e já esta vinculado a algum significado mundano. Este compositor pelo fato de procurar ser um cristão consagrado e viver distante do mundo desconhece qual o significado que aquele estilo ou combinação de elementos tem para as pessoas e ao apresentar a sua música para a sua geração o choque é inevitável.

08. O Livre Arbítrio

O livre arbítrio é uma faculdade concedida por Deus, mas nem sempre é bem utilizada. O fato de usar o livre arbítrio não garante a qualidade do resultado. A Bíblia e a vida estão repletas de exemplos de mau uso desta faculdade.

O livre arbítrio esta diretamente associado à criatividade. É dever do compositor saber exatamente como vai soar cada nota, acorde, pausa, que surgem em sua cabeça, e optar conforme o seu desejo. Mas nada disto está livre das influências. É fundamental desejar que esta influência seja direta do espírito santo.

Por outro lado não se pode ter a inocência de dizer que se reinventou por acaso um estilo musical. Claro que nem sempre se pode prever a reação exata das pessoas, mas é imprescindível, por parte do compositor, um conhecimento das tendências musicais que o cercam, sacras ou não. O fato de um cristão ser consagrado não pode ser usado como desculpa para ser isolado do mundo. Não é esse o chamado que Deus tem para nós (João 17:15). É obrigação do compositor conhecer as ferramentas do seu ofício.

09. Este choque incomoda a quem?

As pessoas mais atingidas ou incomodadas por esta nova música, são justamente aqueles cuja música/significado exerceu ou ainda exerce fascínio, aquilo que nos incomoda nos outros pode ser o nosso ponto fraco.

Geralmente boa parte das pessoas que mais se “preocupam” com a música na igreja são aquelas cuja vida foi marcada com experiências questionáveis associadas a música. Vou dar outro exemplo: sabe aquele jovem que se desviou da igreja e foi a todo tipo de ambiente ruim e em todos os lugares ele viu e ouviu música tocada em um piano de cauda branco, no dia que ele voltar para a igreja, se os irmãos resolverem comprar um piano novo para a igreja, pode ter certeza de que o jovem fará de tudo para influenciar na escolha da cor evitando o branco, pois esta cor lhe remete a recordações que não condizem com sua nova vida.

Muitas vezes a pessoa não viveu e nem teve experiências no mundo, mas as presenciou através de filmes, propagandas e outros programas de televisão e associação ou vínculo foi feito, e uma vez ocorrido é para sempre a não ser que se faça uma auto-desprogramação mental.

Ainda está entre nós um famoso e influente Pastor da Igreja Adventista, que apreciava fazer sermões sobre a música na igreja na década de 70-80. Este pastor era o maior combatente dos Heritage Singers no púlpito, mas seus sermões eram só fachada pois na intimidade ele era o maior colecionador de discos dos Heritage e até suas filhas só ouviam e cantavam no colégio as músicas dos Heritage Singers.

09. O Choque

Este tipo de generalização é perigosa. Nem sempre as experiências que você pode ter vivido em algumas situações se aplicam a todos os casos. A acusação feita é arriscada e no nosso caso incorreta.

Quanto a gosto musical há bastante diversidade no nosso grupo. Há aqueles que admiram Marvin Gaye e Sam Cooke, dois cantores de origem protestante, e de qualidade incontestável. Tamanha qualidade é muito aproveitada na área secular, mas seu estilo ao falar de Deus não condiz com nossa filosofia, sendo portanto descartado. O princípio é claro: não se deve profanar o nome de Deus misturando o sacro com o profano (I Pedro 1:14-16).

10. E o gosto de Deus?

Existem aqueles que ao ouvir uma música num estilo que não gostam devido ao significado evocado (convém lembrar que é algo puramente pessoal), invocam a volta da presença do Senhor, como que o seu gosto pessoal também é o de Deus. Será que o Senhor realmente se retirou da sua igreja? Ou o pensamento daquele ouvinte que se desviou das coisas do Senhor? É correto achar que o nosso gosto é similar ao de Deus?

Nós só saberemos o gosto musical de Deus quando estivermos na nova terra, tudo que existe de música até hoje foi copiado, modificado ou misturado. O nosso cérebro é um liquidificador que mistura tudo aquilo que ouve e transforma numa coisa nova fruto da combinação daquilo que é conhecido. Na literatura e artes em geral acontece o mesmo, Até a Irmã White foi influenciada pelos escritos de sua época. Com os profetas da Bíblia aconteceu o mesmo, um profeta educado como Paulo produziu um texto muito mais refinado do que um pescador.

10. O Gosto de Deus

Realmente não sabemos qual o gosto pessoal de Deus, mas conhecemos suas instruções com respeito à adoração que Ele espera de seus filhos, e ao citarmos estas instruções não estamos falando do nosso gosto pessoal. Faríamos bem em tentar corrigir nosso gosto pessoal usando como regra estas revelações.

11. Se existisse uma música santa quais seriam as consequências?

Não é possível estabelecer uma nova música diferente do mundo ou música santa, para isso acontecer os compositores precisariam esquecer tudo que ouviram e ao mesmo tempo ouvir uma amostra da música santa e com esta referência criar suas novas composições. Seria preciso também que os ouvintes se acostumassem com esta forma musical e se condicionassem a ela. Uma nova música realmente diferente só seria possível com novas escalas musicais, 20 ou 30 notas ou quem sabe 7 notas perfeitas, 2300 novos instrumentos, 666 ritmos, e assim por diante. Será que é possível?

O que estou dizendo é que tentar fazer uma nova linguagem para a comunicação entre os santos produziria muitos problemas. Em primeiro lugar os ímpios não compreenderiam o que estaríamos comunicando e não teríamos como usar a música e ou a linguagem santa para levar as boas novas da salvação. Em segundo, é só Deus que pode criar esta música ou linguagem santa, pois qualquer homem que ousasse fazer isto seria criticado por tentar ser ou tomar o lugar de Deus.

Será que a música, velha, desgastada, em desuso pelo mundo é a melhor para comunicar a salvação por meio de Jesus? Ou será que podemos usar o novo as novas tendências musicais para comunicar Jesus?

11. A Música Santa

É um absurdo supor que o nosso sistema musical não possa suportar novos estilos, bem como limitar a capacidade de Deus em usa-lo. Lembre-se que a música foi cedida ao homem por Deus, e não é uma invenção humana. Em todos os casos em que os homens ouviram a música celestial (Isaias e a visão dos Serafins, os pastores de Belém, João no Apocalipse, Ellen White em visão, etc.) ela foi perfeitamente compreendida, assimilada e admirada.

Deus se comunica com os homens em linguagem humana, e é perfeitamente compreendido.

Considere os seguintes textos:

“Quando os seres humanos cantam com o espírito e o entendimento, os músicos celestiais apanham a harmonia, e unem-se ao cântico de ações de graças. Aquele que nos concedeu todos os dons que nos habilitam a ser coobreiros de Deus, espera que Seus servos cultivem sua voz, de modo que possam falar e cantar de maneira compreensível a todos. Não é o cantar forte que é necessário, mas a entonação clara, a pronúncia correta, e a perfeita enunciação. Que todos dediquem tempo para cultivar a voz, de maneira que o louvor de Deus seja entoado em tons claros e brandos, não com asperezas, que ofendam ao ouvido. A faculdade de cantar é um dom de Deus; seja ela usada para Sua glória.” (Mensagens aos Jovens, pág. 294)

“A música faz parte do culto de Deus, nas cortes celestiais, e devemos esforçar-nos, em nossos cânticos de louvor, por nos aproximar tanto quanto possível da harmonia dos coros celestiais.” (Patriarcas e Profetas, pág. 594.)

Quanto à música velha ou nova, a qualidade não depende da idade. É uma virtude intrínseca, que pode estar presente ou não na produção musical de qualquer época.

12. Qual a solução para esta Torre de Babel musical?

Se encararmos a música como uma linguagem é muito mais fácil entender a torre da babel que é o nosso mundo de hoje. Como aconteceu no tempo dos apóstolos no dia de Petencostes em que os discípulos pregaram na língua que sabiam as boas novas aos povos de todas as partes do mundo e através do Espírito Santo todos entenderam a mensagem. É só através do Espírito Santo que pessoas com cultura, formação e gosto musical diferentes conseguem compreender, sentir e apreciar a mensagem que é conduzida através da música. Música (notas, timbres, ritmos, harmonia, melodia) são produtos humanos.

Se Jesus tivesse deixado composições escritas seria tão fácil resolver este problema. Mas Jesus tinha outras prioridades e deixou esta missão para o Consolador. Por que não pedimos a cada momento da vida que o Espírito Santos nos ilumine e ajude a escolher com sabedoria a melhor música para aquela ocasião?

12. Iluminação do Espírito Santo

Concordamos com esta conclusão. No entanto é importante ressaltar que isto não nos autoriza a fornecer material de qualidade duvidosa para o Espírito Santo trabalhar.

Deus é soberano para utilizar a ferramenta que lhe parecer melhor. No entanto, se Ele pode utilizar uma overdose para transformar uma vida, isto não me autoriza a pregar o emprego das drogas.

13. O ritmo, África e racismo

Existe também um preconceito velado de que a música do céu é a música WASP (White Anglo-Saxon Protestant) Branco, Inglês ou Alemão e Protestante. Estas pessoas que pensam desta forma tem o mesmo raciocínio que inspirou os movimentos radicais racistas, tais como Hitler, Ku-Klux-Klan, etc.

Dizer que o produto cultural proveniente da Africa é do inimigo é também uma forma velada de racismo. Nas igrejas Adventistas Brasileiras se aceita hinos folclóricos Escoceses, Irlandeses, Americanos, Franceses, Alemães, etc., mas o folclore indígena Brasileiro ou Africano é considerado elemento estranho. Qual a diferença? Por acaso os Europeus ou Americanos são mais santos que os Africanos ou Nativos Brasileiros? Quem foram os maiores destruidores e exploradores da África e da América do Sul?

Como a música africana é predominantemente rítmica e o ritmo para alguns pertence ao inimigo, a conclusão que se chega por comparação é de que a África é a terra do inimigo. Será que está certo?

13. A Música Cultural

Concordamos que há excessivo preconceito contra ritmo e percussão na igreja. Temos em nosso grupo uma pessoa de origem afro-brasileira, por coincidência percussionista amador, que tem sido usado em algumas apresentações na igreja.

No entanto é importante ressaltar que há uma diferença básica entre a música religiosa européia e judaica e a música das demais culturas: o Deus que é adorado.

Se devemos aceitar a influencia musical religiosa africana, deveríamos abrir igualmente o acesso à música celta, japonesa, indiana, dos índios americanos, etc. Não cremos que nos faria bem esta miscigenação. Devemos prestar culto apenas ao nosso Deus, e não a todas as visões de Deus que possam existir no mundo, nem aceitar músicas que foram dedicadas ao louvor de outros deuses pagãos. Não se trata de preconceito cultural, mas mais uma vez de princípio religioso.

Se há alguma discriminação ela ocorre contra a música da cultura islâmica, que adora o mesmo Deus que os judeus e cristãos, mas não é aceita em nosso meio.

Sobre a herança musical africana, sugerimos a leitura do capítulo 12 do livro “O Cristão e a Música Rock” do Dr. Samuele Bacchiocchi. Este capítulo discute este assunto, tendo sido escrito por uma doutora em música que é, ela mesma, uma afro-americana, tendo portanto informação muito melhor que nós a respeito do assunto.

14. A Bíblia e o ritmo

Foi Deus quem fez o pulsar do coração, quando estamos alegres e entusiasmados o nosso coração bate mais rápido, já quando estamos calmos e reflexivos o coração bate mais devagar. Alguém já tentou escrever o ritmo das folhas caindo no chão, ou do trote de um cavalo, ou das ondas do mar. O ritmo é parte da vida.

Penso que a igreja deveria rever a questão da percussão na igreja. Um exército não marcha direito se não tiver um tarol, um prato e um bumbo, uma orquestra não toca junto se não tiver um Maestro e uma boa seção de percussão.

A música da igreja teria outra vida se tivesse percussão. O Salmo 150 não deixa dúvida: Louvai a Deus com instrumentos de percussão, mas parece que hoje em dia a Bíblia se tornou uma luz menor para nossos líderes e por isso é difícil colocá-la em prática. E o nosso louvor sem percussão é uma coisa morta sem vida, arrastada bem no espírito da igreja de Laodicéia.

14. O Ritmo na Bíblia

Desculpe-nos, mas cremos que ao citar a Bíblia seria necessário não se ater apenas aos textos que nos convém, nem muito menos distorcer o texto conforme nos convém. Uma boa leitura no livro “Música em minha Bíblia”, ou vários outros livros denominacionais sobre o assunto, resolveria muito desta questão.

O assunto é extenso, mas para resumir:
1. O único instrumento de percussão admitido no templo, conforme as instruções do Senhor (II Crônicas 29:25) foi o címbalo (pratos), que não era usado para marcar o ritmo, mas para definir o início das frases musicais.
2. Os ritmos da natureza não são regulares e repetitivos como os ritmos artificiais da nossa música.
3. No salmo 150 os instrumentos de percussão mencionados são címbalos (já discutidos) e adufes (tímpanos). Não cremos que os adeptos da percussão desenfreada se contentassem com estes instrumentos de percussão. Lembramos ainda que o adufe não foi admitido na adoração do templo.

Se a música na igreja é morta e sem vida, deve-se em grande parte à interpretação ou composição sem inspiração e/ou sem qualidade. Não somos contra o uso de percussão em determinados momentos, mas seu uso indiscriminado na música sacra não é defensável. Se não foi autorizado no serviço do templo (e aqui está sendo usada a Bíblia como luz maior, e não a opinião humana), não pode ser adequado hoje.

15. Conclusão

Como compositor, eu, Flávio Santos, juntamente com os meus colegas Adventistas: Ariney de Oliveira, Alexandre Reichert Filho, Clayton Nunes, Dino Nolasco, Enoque Júnior, Evaldo Vicente, Enio Monteiro, Frederico Gerling Júnior, Henoch Thomas, Jader Santos,Jane Leitzke, José Geraldo de Lima, Lineu Soares, Lucas Pimentel, Kleber Augusto, Mário Jorge Lima, Pablo Sanches, Pedro Marques, Valdecir S. Lima, Williams Costa Júnior,Raimundo Martins, Ronnye Dias, Silmar Correa, Wanderson Paiva, Wiliam Gomes, (e vários outros compositores e músicos cujo nome não lembro agora, mas que têm dado a sua contribuição para a música adventista) temos enfrentado críticas, julgamentos e incompreensão da parte de alguns membros da igreja.

Infelizmente, alguns dos nossos companheiros até já desanimaram da fé. Outros são humanos e por isso erraram e poderão errar. Mas o legado que eles tem deixado para a igreja Adventista Brasileira é inestimável…

15. Conclusão

Gostaríamos de lembrar que igualmente pastores, evangelistas, colportores, professores da escola sabatina, líderes de desbravadores, e qualquer líder em qualquer atividade da igreja também sofre incompreensão e críticas. Lembramos igualmente que muitos dos nomes citados não concordam com as ideias expostas neste texto. Mas podemos dizer que muita música composta por alguns dos compositores citados é realmente passível de crítica por excessiva influência secular ou baixa qualidade do texto ou da música. Sabemos também que uma interpretação pobre pode comprometer um trabalho de boa qualidade e resultar em críticas ao compositor. A pergunta é se os compositores estão dispostos a ouvir as críticas técnicas abalizadas e rever seu trabalho.

Nenhum outro país Adventista no mundo tem a música e os músicos que temos e o crescimento da nossa igreja não teria acontecido sem a música.

Não cremos que o nosso país tem a melhor música adventista, nem a maior produção musical. Não conhecemos a produção musical adventista no mundo todo, mas podemos citar como exemplos os Estados Unidos e a Inglaterra.

As notas que escrevemos, nossas composições, são produtos humanos. Ficam velhas, caem em desuso também. O que vale é a mensagem que tentamos comunicar, pois a música como todas as coisas são passageiras, mas o evangelho é eterno.

A música adequada ao evangelho eterno deveria também ser feita para a eternidade, refletindo os valores deste evangelho. Deveríamos fugir da música de consumo imediato e tentar fazer um produto cultural de melhor qualidade, que resistisse ao tempo.

Cada vez que estudamos a evolução ou degeneração da música percebemos que o ouvido humano está degradando da mesma forma que a nossa visão. Os nossos óculos auditivos são os sistemas de som Yamaha ou Mackie. Os acordes estão cada vez mais complexos pois o acorde simples já não nos agrada.

Na verdade, em nossa degradação auditiva não ouvimos mais os harmônicos contidos em uma nota musical de um acorde e por isso compensamos acrescentando mais sons aos acordes. Todos aqueles que estudam a matéria física sabem do que se trata a série harmônica. Da mesma forma que cores combinadas formam outra cor. Dentro de uma nota Lá 440, várias outras freqüencias estão soando simultaneamente.

Quando se olha o verde não se vê o azul nem o amarelo, mas eles estão lá. Já não ouvimos mais a série harmônica, mas ela está lá e é infinita.

Quem já mexeu em um Orgão Hammond sabe que uma nota musical muda totalmente de cor, quando o seus registros são alterados. Quando acrescentamos ou tiramos o registro de oitava, quinta, terça, etc, estamos simplesmente modificando a quantidade de amplitude ou volume freqüências contidas no som original.

Parece que Ellen White não concorda com esta argumentação. Ela afirma com relação aos jovens: “Eles têm um ouvido aguçado para a música e Satanás sabe qual órgão excitar, incitar, absorver e fascina a mente de modo que Cristo não seja desejado.” (Testimonies to the Church, Vol. 1, pág. 497)

Na verdade não conhecemos nenhum estudo sério que tenha chegado à conclusão de que nossa forma de ouvir a série harmônica hoje seja diferente da de qualquer outra época. Se você tiver algum material sobre o assunto gostaríamos de conhecê-lo.

Cada vez mais estou convencido que não estamos prontos para a música do Céu. Nossos ouvidos são muito limitados. O Rap é um estilo que demonstra o quanto nossos jovens não ouvem e não distinguem mais as notas ou tons musicais e por isso não faz diferença ter ou não melodia. Para aqueles que não percebem a diferença entre um dó e um ré a melhor música para pregar as boas novas é um Rap que é toda falada.

Quanto ao rap, o estilo não é novo. Na realidade o uso do “falar cantado” é uma prática antiga, instituída por Arnold Schoenberg (1874-1951). O “sprechgesang” não foi instituído porque o músico não sabia cantar, mas apenas como uma forma a mais de expressão musical. Por outro lado, hoje muito rap possui um refrão melódico. E seja qual for o motivo para seu uso, ele não é uma boa forma de divulgação do evangelho, por sua característica de gueto, incitação à violência e protesto social.

Por isso, convoco todos aqueles que criticam os “Reis do Gospel”, ao invés de falar, proibir, intimidar, distorcer, tirar textos do contexto só para defender seu gosto musical: estudem música, façam e componham novas músicas, formem grupos musicais, publiquem e coloquem a disposição da igreja o seu trabalho.

Coloquem em prática suas teorias. E não percam tempo tentando adivinhar o gosto de Deus ou tentando criar a música santa ou separada do mundo, pois mais cedo ou tarde vocês vão descobrir que é impossível fazer música sem emprestar elementos de outros estilos musicais sejam eles ligados à elite ou ao povão.

E mais procurem um veículo de comunicação eficiente, pois se o receptor não compreende a mensagem enviada, a comunicação será sem efeito. Vocês descobrirão que, em alguns casos, a única música que alcança alguns tipos de pessoas são o Rap, o Samba, o Funk, o Erudito, o Gospel, a Bossa Nova, o Coral Alemão, o New Age, o Jazz, o Pagode, ou qualquer nome que se venha a designar os estilos musicais.

Muitos daqueles que criticam os “Reis do Gospel” continuam a fazer o seu trabalho musical humilde em suas igrejas, apesar da crítica e discriminação que hoje sofrem. Apenas não buscam a divulgação que os demais promovem, por não ter objetivos comerciais em seu trabalho. Na verdade este trabalho está sendo cada vez mais dificultado pela massificação de uma música comercial, industrial e descartável, que está sendo imposta pela liderança.

Também sugerimos que os “Reis do Gospel” estudem um pouco de música, estética e filosofia musical, história da arte, teologia da arte, etc, saindo da esfera de influência estritamente adventista, de forma a ter uma visão mais abrangente e culta do fenômeno musical.

“Há pessoas que estão prontas para fazer uso de qualquer coisa estranha, que possam apresentar como surpresa ao povo… nunca devemos rebaixar o nível da verdade, a fim de obter conversões, mas precisamos elevar o pecador corrupto à alta norma da lei de Deus.” (Evangelismo, pág. 137)

H.M.S Richards ao fundar o programa da A Voz da Profecia escolheu um meio de comunicação que pra muitos era o próprio demônio falando através de uma caixa. E o estilo musical era o das Barbearias, (Barbershops), um estilo extremamente popular e mundano para o início do século. Hoje aquela música é lembrada como um modelo de espiritualidade e de boa música religiosa. Será que no início do século ela era vista da mesma forma???

Poderíamos repetir a pergunta: Será que no início do século não era vista da mesma forma? Pelas informações que temos não houve resistência de forma geral nem ao meio, nem ao estilo do programa nem ao uso de quarteto masculino.

O dia que a música santa ou a música do Céu for instituída por homens aqui na terra, almejo estar descansando e aguardando a volta de Jesus, quando seremos realmente um só povo, uma só língua e uma só música.

“Ao guiar-nos nosso Redentor ao limiar do Infinito, resplandecente com a glória de Deus, podemos apreender o assunto dos louvores e ações de graças do coro celestial em redor do trono; e despertando-se o eco do cântico dos anjos em nossos lares terrestres, os corações serão levados para mais perto dos cantores celestiais. A comunhão do Céu começa na Terra. Aqui aprendemos a nota tônica de seu louvor. Educação, págs. 161-168. (grifo nosso)

Você que está lendo esta mensagem e concorda com o que digo não se cale, escreva, cante, fale, ilumine ao seu redor e ajude a mudar esta igreja que está impregnada do espírito farisaico que até mesmo Jesus rejeitou nos dias em que esteve aqui na terra.

E quem não concorda, também?

Muitas vezes queremos dedicar a Deus o fruto de nossas mãos tal como a oferta de Caim, e esquecemos que a oferta de Abel foi a que Deus pediu. Muitas vezes usamos a música, a técnica, a retórica, a crítica para mostrar o quanto somos superiores ao mundo enquanto Deus no pede para sermos uma influência positiva para o mundo através do amor e através da missão de comunicar as boas novas (o amor de Deus, que enviou o seu filho amado…) ao mundo todo.

Na verdade a oferta de Caim foi exatamente a oferta produto do esforço humano, enquanto que a oferta de Abel refletia a vontade de Deus. Se não conhecemos a vontade de Deus, como oferecer-lhe a oferta de Abel? E se a música sacra não existe, como seremos uma influência positiva para o mundo? Através da música, a técnica, a retórica, a crítica?

Enquanto limitarmos a linguagem usada a um estilo musical ultrapassado: estaremos andando para trás… Já na Adoração penso que o contato diário com o Senhor nos dará discernimento para escolher músicas apropriadas para o Louvor e Adoração. E se ainda não possuímos sabedoria e discernimento, é de joelhos que os alcançaremos.

Um abraço.

Seria um estilo musical ultrapassado aquele que não tem percussão? Ou aquele que não reflete o nosso gosto pessoal?

Mais uma coisa: por gentileza não distorçam minhas palavras, não tirem frases do contexto e nem mesmo concluam fatos, pois este texto não foi feito para gerar especulações e adivinhações.

Pedimos exatamente a mesma coisa.

Se você tiver alguma observação, por favor, não hesite em entrar em contato através do e-mail [email protected].

Participaram do grupo que elaborou esta resposta:

Elias Tavares
Keila Herodek
Levi de Paula Tavares
Marcos Herodek
Renata Tavares
Robson Tavares
Rolnei Tavares
Wellington Sena