Qualidades da Música-de-Igreja

por: Rolando de Nassau

Há quem fale e escreva que não existe tal coisa chamada música cristã; existem apenas letras cristãs; qualquer e toda música é aceitável no culto, desde que a letra seja cristã. Quem usa este argumento ignora mais de dois mil anos de história da música sacra. Por outro lado, letras cristãs têm sido aplicadas a músicas profanas; tanto as letras quanto as músicas tornam-se, assim, impróprias e inconvenientes ao culto cristão (O Jornal Batista (OJB), 06 jul 2003).

Se for tocado um hino, sem ser cantada a sua letra, desde logo percebemos, pelo seu estilo, que pertence ao gênero sacro; se for executada uma das formas de música erudita, uma marcha, uma dança, uma parte instrumental de ópera ou uma sinfonia, pode-se saber que pertence ao profano.

Preservar o estilo musical sagrado é o verdadeiro propósito do culto cristão; usar o estilo profano é idolatria (Amós 5:23).

Quem doutrina deve ter identidade. O que falta, a certos oradores e escritores que tratam da escolha da música na igreja e no culto, é identidade; essas pessoas são tão individualistas que não se identificam; suas reuniões não pretendem ser cultos e sua música não se compromete com a tradição denominacional; por isso mesmo, suas igrejas não se intitulam como batistas.

Quem fala ou escreve, para selecionar a música da igreja, deve mostrar integridade. Eles aceitam qualquer e toda música profana, por isso falta-lhes integridade, que se manifesta na sinuosidade de seus argumentos e na despreocupação com a pureza da execução musical na igreja e no culto. A integridade guia os que pensam, falam e escrevem com retidão; ela também revela a natureza religiosa de uma obra musical.

Dizer ou escrever que a música não é nada mais do que um arranjo de notas e ritmos, é a maneira simplista de considerá-la mero conjunto de sons. Mas a música sacra é muito mais do que combinar sons para louvar a Deus; a música não pode ser tratada com displicência ou irreverência.

Há quem acredite que a música é amoral, isto é, não é boa nem má, porque aceitam a noção humanista de que não há absolutos, nem distinções morais, nem diferenças objetivas. Segundo essas pessoas, o compositor e o executante atendem a exigências concretas: o gosto musical do público-alvo e o interesse econômico do mercado são os fatores que valorizam a música na igreja e no culto; se os crentes gostam e compram, a música é aceitável; para desencargo de consciência, dizem: desde que a letra seja cristã. Por isso, eles preferem sugerir que as igrejas experimentem música moderna (que apelidaram de “música cristã contemporânea”), sem a preocupação com os estilos, os ritmos e os instrumentos. Eles repetem: “experimenta…”.

Entretanto, é fato incontrastável: a música é um esforço e um produto do compositor e do executante, que acaba sendo verdadeiro ou falso, íntegro ou iníquo, moral ou imoral, sacro ou profano.

O problema é que muitos dirigentes musicais não sabem discernir entre a música sacra e a profana (Levítico 10:10); (Ezequiel 44:23).

Sabemos que o gosto musical de muitos crentes é influenciado pela música divulgada por meio das emissoras de rádio e televisão, nos cinemas, nos discos e na Internet; eles acabam sucumbindo aos apelos do “marketing”, aos quais não estão infensos os músicos batistas em todos os lugares.

A ignorância, a preguiça intelectual e o pragmatismo de certos dirigentes musicais cooperam no sentido de as igrejas aceitarem a ideia de que “não existe música sacra”. Que fazem os cursos nos seminários?

Dizer ou escrever que música sem letra é amoral, é como dizer que ela não pode comover a sensibilidade humana (somente os insensíveis não se comovem, seja a música erudita, folclórica ou popular) e não pode mexer com o corpo humano (somente os que sofrem deficiência física grave, talvez não possam movimentar alguma parte do seu corpo); o propósito e o resultado podem ser espiritual ou sensual.

Misturar letra religiosa e música profana deveria deixar confuso, tanto o crente como o incrédulo; pior ainda, quando são acompanhadas por gestos de uma dança, mesmo que não atenda à orientação de uma coreografia. Lamentavelmente, em certas igrejas, os assistentes do culto transformado em “show” já não ficam escandalizados com os “mantras” cantados.

A música-de-igreja, diferentemente da música-na-igreja, deve adotar “uma concepção estética consentânea com a tradição eclesiástica e o princípio ético” (OJB, 18 jul e 15 ago 1982). De acordo com essa concepção, a genuína música-de-igreja promove a identidade, a integridade, a consonância e a claridade. A mistura de letra religiosa e música profana certamente não contribui para a harmonia espiritual durante o culto divino; com efeito, neste caso, não existe consonância de pensamentos. A música, sendo de má qualidade artística e espiritual (opaca, turva e repetitiva) não possui a qualidade da claridade dos sons.

Afinal, o belo é o triunfo do espírito humano, inspirado por Deus, sobre a matéria sonora.


Rolando de Nassau é organizador do “Dicionário de Música Evangélica” e tem sido, por vários anos, colunista de O Jornal Batista, atuando como um perspicaz comentarista dos rumos que a música evangélica tem tomado. Informações mais detalhadas sobre o autor poderão ser encontradas em http://www.nassau.mus.br/


Fonte: O presente artigo foi diretamente entregue pelo autor aos editores do Música Sacra e Adoração. Agradecemos muito ao Rolando de Nassau por esta iniciativa.