Música Pode Tornar-se Santa, e Santificar!

por: Mário Jorge Lima

Volto ao tema da música, não replicando nada do que foi dito, mas atendendo a uma instigação para que dê a minha opinião, buscando contribuir sem polemizar. Li a matéria do Flávio Santos, bem como o outra opinião de confronto, a qual não me parece ser uma resposta à do Flávio, mas sim um artigo já produzido há bastante tempo, fora do contexto desse debate. Espero não me alongar muito, pois este assunto, como tantos outros sobre os quais se debateram nossos pais no passado, não se esgota com argumentação, mas sim com oração e submissão ao Espírito de Deus.

Logo após a minha fase combativa, com a maturidade que chegou com a idade, tornei-me um adepto da busca do equilíbrio. E isso não significa “ficar em cima do muro”, pois tenho as minhas opiniões. Mas, cheguei à conclusão de que nunca é seguro, com nossas mentes finitas, partir para radicalismos, principalmente em assuntos que admitem um bom espaço de manobras para o pensamento. E pensar, sempre foi um exercício necessário; se não o fazemos, o raciocínio enferruja ou se estratifica.

Como disse no meu primeiro texto, há verdades bíblicas que, para nós cristãos do advento, são incontestáveis, são a base da nossa fé, fundamento da nossa esperança, e quanto a elas devemos ser firmes. Eu disse firmes, não grosseiros, desagradáveis ou petulantes.

Refiro-me a assuntos tais como: a vigência eterna da santa Lei de Deus, o Sábado como memorial da criação e Dia do Senhor, o sacrifício de Cristo como inteiramente necessário e suficiente para nos salvar da condenação do pecado, a inspiração do Espírito Santo na igreja remanescente como coadjuvante no entendimento das grandes verdades bíblicas, a mortalidade da alma, a ressurreição, a próxima volta de Jesus Cristo em poder e glória, e outras do mesmo calibre. Por essas verdades vivemos e, quando necessário, deveremos estar prontos a morrer. Podemos, é claro, discutir e rediscutir esses temas, mas temos que ter cuidado em não ceder além dos limites da “bendita fé e das veredas antigas que puseram nossos pais”. Aqui, quanto mais unidade de pensamento, melhor.

Mas há assuntos outros, de menor calibre, que são importantes para a vida e ética cristãs, embora nossa esperança maior e a questão da salvação não estejam diretamente atreladas a eles, e esses admitem, sim, uma discussão saudável e enriquecedora, uma argumentação estudada e pesquisada, um verdadeiro exercício do pensamento. Nesses assuntos, até, se preciso, podemos ceder um pouco aqui e ali, ver outras faces do mesmo assunto, entender e aceitar a posição contrária de irmãos da mesma fé, sem com isso abalar em nada a nossa esperança. Eu, que lidei com música tanto tempo, com todo o respeito, acho que ela é um desses assuntos. Isso não diminui a sua importância.

Confesso que, o meu gosto pessoal, hoje, não consegue digerir bem a música mais modernosa e atual. O ritmo forte, a batida fortemente sincopada, fora do tempo, a encenação, o visual, e mesmo a arte refinada de muitos instrumentistas extraordinários, não me deixam muitas vezes espaço para sentir inspiração e calma. Mas reconheço que essa, possivelmente, é uma “falha” minha. E confesso que ainda estou nos anos 70, quando a música que eu, Enio Monteiro, Alexandre Reichert, Raimundo Martins, Williams Costa Jr. e outros fazíamos, era dada como “avançada” e imprópria. Hoje, a minha pelo menos (pois os outros evoluíram), é considerada por uma boa parte dos que ainda a ouvem, como melancólica e sem graça, embora continuem dando valor às nossas letras, pois em toda essa turminha que compunha nos anos 70, isso sempre foi um componente muito forte. Hoje também temos letristas e poetas excelentes na igreja.

No entanto, em sã consciência, não posso fazer do meu gosto pessoal, do meu passado, das minhas memórias, das emoções fortíssimas que sempre sinto ao ouvir Há Um Rio Cristalino, Pegadas, Pedras, Vê, Oh! Que Esperança e outras, um parâmetro para definir qual seja a verdadeira música para o louvor, e nem para ditar o gosto alheio. E embora muitas das músicas atuais não me toquem no sentido de inspirar e confortar, eu tenho que reconhecer que elas tocam o meu irmão ao lado. E a experiência pessoal, o momento de cada pessoa, têm que ser respeitados, o próprio Deus respeita, e não nos trata como soldadinhos produzidos em série numa fábrica. Alguém já disse que, para Deus, não há outro igual a você.

A música não tem santidade intrínseca, ela não é, de fato, santa apenas por ser solene ou nos trazer melancolia. Há pessoas que têm a ideia de que a melhor música para Deus é a que entristece, é a música lenta, com cordas pesadas. Se fosse assim, todas as músicas nos chamados tons menores, seriam apenas por isso, músicas adequadas para a adoração. Ou seja, o tom menor atribuiria automaticamente santidade à música e conduziria para Deus. Assim, ouçam o Adágio, de Albinone, ou a Ave Maria, de Gounod, ou a Serenata, de Schubert. Não há nada igual para inspirar tristeza, melancolia, ou mesmo romantismo. Você diria que elas são santas?

Mas a música pode tornar-se santa. E pode ser usada como ferramenta para levar pessoas a se tornarem santas também. Isso acontece quando a música comunica uma verdade, quando leva uma mensagem explícita e clara de salvação, e acima de tudo, quando provém de um coração transformado pela graça de Cristo.

E nessa ótica, infelizmente, a música puramente instrumental, sem referência de mensagem, sem letra, tem uma grande dificuldade de evocar e de comunicar santidade. A não ser que existam essas referências. Se alguém é evangélico e ouve ou canta Glória, Glória, Aleluia, normalmente sente pulsar nas veias a emoção de ver Jesus voltando vitorioso e para vencer. No entanto, para muita gente que tem uma outra referência para essa música, que não conhece a letra evangélica da mesma, ela nada comunica a não ser patriotismo, por ser originalmente o Hino da Batalha da República, nos EUA. Por outro lado, Oh Que Amigo em Cristo Temos, tem uma bela melodia, mas se você não conhece a letra confortadora, ficará apenas como uma bela melodia.

Eu, pessoalmente, acho muito radical e sem sentido querer definir se uma canção é santa ou adequada pela fria análise de sua estrutura musical, pela simples seqüência dos seus acordes, pelos intervalos que ela utiliza. O que o ser humano pôde fazer com apenas 12 notas, o que conseguiu produzir ao longo dos séculos, é tão vasto, tão complexo, tão diverso, que me parece uma tarefa sobre-humana analisar musicalmente uma canção, sem outras referências, para definir se ela é santa ou não. Além do fato de que pouquíssima gente teria condição de fazer tal análise.

Eu detesto barulho, sinto-me mal com o som de guitarras e bateria, acho extremamente incômoda toda a massa sonora que muitas vezes recebo na igreja ouvindo grupos e cantores, justamente quando tudo que eu queria era ouvir o som de violinos e celos, órgão, ou um piano tocado sem escalas e floreios, com acordes cheios e graves. É a idade, alguns dirão. Pode ser, mas eu sempre fui assim. E aí sou levado a pensar que Deus se comunica apenas no silêncio. Um poeta popular já disse que para falar com Deus temos que ficar a sós, apagar a luz e calar a voz. E penso logo em Elias o profeta, na caverna, encontrando a Deus na brisa suave e não no terremoto. Entretanto, se rememorar a entrega da Lei no Sinai, estarei diante de um grande espetáculo visual e sonoro, com decibéis ensurdecedores, produzido pelo próprio Deus. Vamos relembrar?

“Ao terceiro dia, ao amanhecer, houve trovões, relâmpagos, e uma nuvem espessa sobre o monte; e ouviu-se um sonido de buzina mui forte, de maneira que todo o povo que estava no arraial estremeceu. E Moisés levou o povo fora do arraial ao encontro de Deus; e puseram-se ao pé do monte. Nisso todo o monte Sinai fumegava, porque o Senhor descera sobre ele em fogo; e a fumaça subiu como a fumaça de uma fornalha, e todo o monte tremia fortemente. E, crescendo o sonido da buzina cada vez mais, Moisés falava, e Deus lhe respondia por uma voz.” Ex. 19:16-19.

Penso, com sinceridade, que não devemos radicalizar nessa e em outras matérias correlatas. Sejamos radicais, sim, contra o pecado, nunca contra o pecador. Sejamos radicais em perdoar, como Deus é radical. Existe radicalismo maior do que Deus perdoar o pecado ao maior dos pecadores – alguém que crucifica no dia-a-dia o seu próprio Senhor – e depois lançar esses pecados no fundo mar, não se lembrar deles jamais, e considerar esse pecador limpo, como se jamais houvesse pecado, dando-lhe parte em Seu reino, chamando-o de Meu filho, concedendo-lhe a vida eterna?

Temos a orientação da Bíblia e os conselhos do Espírito de Deus. Do que precisamos mais? Oração e relacionamento com Ele. Precisamos também da misericórdia de Deus. E prestem bastante atenção no que vou lhes dizer: se vocês, que compõem, tocam, cantam, ensaiam, dirigem ou simplesmente amam a música, ajoelharem e pedirem de Deus orientação sobre que caminho tomar ao decidir algo nesse assunto, Ele lhes responderá e lhes dará a melhor intuição, a convicção mais correta, a decisão mais acertada.

Mas vejam bem, nem por isso, julguem-se no direito de criticar indiscriminadamente o seu irmão pelo estilo de música que ele aprecia, cria ou pratica na igreja, simplesmente porque o mesmo não lhes agrada os ouvidos e o coração. Ao invés disso, orem. Orem por ele e por vocês. Deus vai ajudar a ambos, e poderá usá-los onde achar melhor e mais adequado. Mas entreguem junto com o pedido a sua própria vontade, e aguardem a orientação. Não saiam ditando regras, criticando de forma radical. Lembro-me que Deus prometeu dar liberalmente sabedoria, ou seja, dar discernimento, a quem Lho pedir. Repito: a melhor música, a música mais adequada, a mais aceitável diante de Deus, muito provavelmente, brotará de um coração humilde, contrito e convertido. E o coração, só Deus conhece.

Poderia ficar escrevendo sobre música por muitas linhas mais, mas para finalizar, eu diria que acho que no Céu, um dia, nossa comunicação se dará, primordialmente, através da música. Manifestaremos habilidades musicais insuspeitadas, criaremos harmonias juntamente com Cristo e os anjos. Acho até que pouco falaremos, mas cantaremos todos, todo o tempo, como num grande musical, uma super-produção divina, com apoio de grande orquestra e corais jamais imaginados, formados por cantores de ouvidos absolutos e vozes perfeitas.

Perdoem-me, mas gosto muito de deixar a imaginação fluir e tentar visualizar o primeiro culto dos remidos na cidade santa. Pode parecer presunçoso, mas eu me imagino lá, presente. Prometo finalizar com isso.

Muito provavelmente, será num dia de Sábado. Ao redor do trono, diante do nosso maravilhoso Deus, com vestes brancas, todos nós salvos, os 144.000, a grande multidão de remidos, homens, mulheres e crianças, justificados e salvos pela graça, de todas as épocas, estaremos circundados pelos exércitos de anjos celestes, em total reverência, com alegria sem fim no coração. O coro de anjos, a orquestra maravilhosa, instrumentos jamais vistos, a postos, posicionados aguardando o início daquele culto especial.

A um sinal de Gabriel, o grande arcanjo, maestro maior de todos os coros, erguem-se as vozes do coro e o som da orquestra de anjos. Perfeição completa, é a música do céu, sobre a qual tanto falamos e discutimos em nossa velha terra. Eles nos brindam com um concerto extraordinário de boas vindas aos salvos. São momentos eternos que passam, que não sentimos, que não nos cansam ou incomodam. Criação musical coletiva, todos parecem pensar os mesmos acordes e seqüências, e a música flui espontânea.

De repente, a música muda. Cristo Jesus levanta-se do lado do Pai, adianta-Se, é o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo, o Leão de Judá, o Príncipe da Paz. Para Ele voltam-se todos os olhos, as mentes e os corações. É para Ele a próxima música do céu. Os acordes são outros, outra a cadência, os anjos mal conseguem conter a emoção. A letra, de poesia perfeita e maravilhosa repete: “Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor”.

E agora, um momento especial: a uma modulação que o mais experimentado dos músicos terrestres jamais conseguiu sequer imaginar, a orquestra e o coro param. Jesus Cristo vai solar. Sua voz é completamente harmônica, em alguns momentos suave e doce, a voz do Bom Pastor; em outras partes é como o som de muitas águas. Dispensa o acompanhamento. A letra diz, entre outras coisas: “Vinde, benditos de meu Pai. Possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo”. A orquestra e o coro de anjos, voltam em contracanto perfeito, respondem e devolvem a Cristo toda a honra, repetindo: “Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o poder, e riqueza, e sabedoria, e força, e honra, e glória, e louvor”.

Mas ainda há mais emoção nesse culto inenarrável. Todos os remidos que estavam prostrados diante do trono, agora se levantam. Sim, nós vamos agora cantar. E não vamos fazer feio. Temos mentes transformadas e corpos glorificados, dons restaurados, alcançamos a perfeição em Cristo Jesus. E sobre o que cantamos? Ah, com toda certeza, cantamos da experiência humana. Cantamos daquilo que vivemos e passamos. E os outros mundos, habitados por seres super-inteligentes e sem pecado, a tudo assistem maravilhados, sendo que jamais poderão cantar como nós cantamos, pois serão incapazes de transmitir musicalmente o que não viveram.

E cantamos o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: “Grandes e admiráveis são as tuas obras, ó Senhor Deus Todo-Poderoso; justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei dos séculos”.

E o grande culto, antecedendo a monumental Escola que virá depois, prossegue todo em música, alternando coro e orquestra de anjos, solos maravilhosos, coros de remidos triunfantes, não existe mais cansaço, não mais tédio, não mais monotonia, o tempo não existe, estamos enfim na eternidade. No final, a bênção do Pai, o Deus dos Exércitos, e em seguida o início do nosso aprendizado na grande Escola dos céus. Depois, a ceia com os frutos da árvore da vida.

Amigos, quando cantamos o que vivemos, o canto sai livre, verdadeiro, consistente, autêntico. A música pode tornar-se santa, e pode levar-nos a ser santos. Numa definição conclusiva, e pelo menos para mim, definitiva, ela é a experiência do próprio viver.

Mario Jorge Lima, compositor.